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Marcelo Veras1
Nos últimos anos, difundiu-se a divisão do ensino de Lacan entre sua primeira e sua
livro sobre a psicose ordinária (Miller, 1999), ambos em 2005, pareceram, para alguns,
A expressão psicose ordinária foi cunhada por Miller e tem data precisa: a
(Miller, 1999). A importância que a difusão dessa expressão vem encontrando na atual
clínica lacaniana das psicoses justifica que se reproduza aqui o momento de seu
nascimento:
1
Psicanalista AME da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise,
Psiquiatra da Universidade Federal da Bahia, Mestre em Psicanálise pela Universidade Paris 8 e Doutor
em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Baixada a poeira, a solidez de O Seminário, livro 3 e a perfeita coerência da
subvertida pela teoria lacaniana, no momento em que se aplica uma nova perspectiva
que desmontou, como poucos, a ideia de que o corte da realidade perceptiva não é
passaria para uma segunda clínica das psicoses em Lacan. Alguns a localizam em O
Seminário, livro 23; outros em O Seminário, livro 10, no qual se formaliza o objeto a.
Para fins didáticos, estabelecerei três e não dois momentos cruciais da teoria lacaniana
das psicoses. Três momentos distintos entre si e que, contrariamente ao que poderia ser
o sentido comum, harmonizam-se para constituir uma única e sólida teoria sobre as
psicoses. São eles: a foraclusão do Nome-do-Pai, nos anos 1950, com O Seminário,
sua extração, nos anos 1960, com O Seminário, livro 10: a angústia (Lacan, 1962–3); e,
por fim, a teoria dos nós e o sinthoma joyceano, nos anos 1970, com O Seminário, livro
tratar daqui para frente. A clínica dos anos 1950 permite abordar os casos de psicoses
saúde mental etc. A clínica dos anos 1960 leva à compreensão do próprio estado da
civilização, sua predileção pelo gozo, e não mais pelos ideais e, na clínica das psicoses,
da clínica da angústia, da mania, da não extração do objeto e seus efeitos corporais. Por
fim, com Joyce, está-se em pleno terreno das psicoses ordinárias: as psicoses normais.
Aqui, mais uma vez não se pode dizer que haja consenso. Para uns, significa a
ordinária pode ser encontrado na proposição feita por Miller, em 1993, de uma clínica
universal do delírio, segundo a qual todo mundo delira. Ao partir da ideia de que todo
discurso é defesa contra o real (Miller, 1993: 5), Miller promoveu uma descentralização
radical da questão da loucura, o que não deixa de ter repercussões no modo como se
pode pensá-la no campo da Saúde Mental. Esta, com a nova clínica, pode separar-se da
partir da leitura do curso Silet, de Miller, proferido em 1994 e 1995. Até então, eu
A partir desse curso, surgiu outra forma de ler o esquema de Lacan, à luz da
perspectiva de que se pode localizar o gozo no eixo simbólico. Desse modo, a fala, para
além do sentido que pode comportar, passa a ser, por si só, um modo de gozar (Miller,
1994–5: 78) distinto da jubilação imaginária, cuja base foi estabelecida por Lacan com o
buscando localizar, de outro modo, como o gozo e todas as relações de alteridade nele
questão do corpo. É justo essa relação que me interessa no estudo dos modos de
palavra do Outro se conecta ao corpo como fonte de gozo, e não de mortificação, o que
Tomando como fio de Ariadne esse comentário de Miller, proponho ler os três
momentos da teoria lacaniana das psicoses como uma forma de responder à pergunta
sinthoma.
O esquema L
Esq uema L
(a)’utre
(Es)S
ia
ár
gin
a
m
ãoi in
elaç co
ns
R cie
nt
e
(A)u tre
(m oi)a
Para pensar o esquema L, é necessário recordar que, nos anos que o antecedem,
Lacan estava debruçado sobre os escritos freudianos, ou seja, não se deve dissociar a
superego são referências constantes na análise do esquema. Como se verá, seja para
No esquema L, a relação com o mundo dos objetos e dos homens, que configura
o laço social, ocorre no eixo a–a’, chamado por Lacan de diagonal da realidade. Tal
relação pode ser vista como um avanço sobre o texto O estádio do espelho como
formador da função do eu, de 1936, uma vez que remaneja a configuração do eixo
imaginário. O eixo a–a’ é composto pela alteridade entre os semelhantes (o par a e a’),
mas se opõe à alteridade entre o sujeito e o Outro simbólico, uma relação que é marcada
esquema L. Com base no que foi exposto até aqui, tento demonstrar que a questão da
os para o texto sobre as psicoses de Escritos (Lacan, 1958a). De todo modo, o que esses
estabelecimento de seu texto como “os dois eus” (Lacan, 1955–6: 23). De imediato,
Como disse, Lacan chamou o eixo a–a’ de eixo da realidade e o eixo (Es)S–A de
eixo do inconsciente, cuja representação se caracteriza por iniciar-se com uma linha
cheia que se torna pontilhada, ao cruzar o eixo da realidade. Tal recurso permite
identificar nessa diagonal o recalque, uma vez que o campo da realidade impede o
acesso direto ao inconsciente. Pode-se dizer, assim, que a relação do sujeito com o
Outro e com o inconsciente fica esquecida por trás do eixo da realidade, e que, como se
verá adiante, a fragmentação do eixo a–a’ faz esse esquecimento imediatamente vacilar.
Chama a atenção ainda o fato de Lacan ter incluído, no polo que recebe a
freudiana, não emerge nos conteúdos conscientes, bem como preserva intencionalmente
objetos capturados pelo sujeito no campo da realidade. Acredito ter sido nessa
perspectiva que, alguns anos depois, fizeram-se os desenvolvimentos sobre a Coisa que
que se percebem em oposição à Ding, a Coisa, concebida por Lacan como o vazio em
Esse eixo, na verdade, sintetiza vários aspectos da teoria da libido que passam
pela teoria do narcisismo (Freud, 1914) e pelo estádio do espelho (Lacan, 1936). Dito de
outro modo, tem-se a impressão inicial de que o investimento libidinal está totalmente
equacionado nos limites dessa diagonal. É a leitura que se faz, quando se toma como
base o fato de que tal eixo é um prolongamento do texto sobre o estádio do espelho.
Posteriormente, todavia, o próprio Lacan refutou essa afirmação, ao dizer que um “resto
libidinal”2 fica de fora da captura pelo eixo a–a’, e que é precisamente esse resto que
De outro viés, o esquema pode ser visto como a junção de dois triângulos. Há
uma triangulação composta pelo sujeito, o eu que fala e o eu para quem se fala,
Outro é o tesouro dos significantes, polo do esquema que concentra tudo o que pode ser
dito, isto é, o catálogo universal de enunciados que podem ser proferidos por um sujeito.
2
Observo aqui um prenúncio do objeto a, formalizado por Lacan em O Seminário, livro 10: a angústia,
dois anos após esse comentário.
Pierre Skriabine ressalta que, na época do esquema L, o Nome-do-Pai tinha
um ponto de crença de que haveria o Outro do Outro (Skrianibe, 1993: 78). Vale dizer,
(Miller, 1993).
Não tenho tempo para comentar com vocês o que encontrarão em Uma
questão... Vocês têm o princípio da construção do esquema a partir de dois
triângulos, supondo-se que um deles reduz as funções do simbólico, e o
outro, as funções essenciais do imaginário (Miller, 1979: 124).
(Es)S (a)’autre
Dizer
Outro (alteridade)
Moi Tudo que pode ser dito
(a)
significante que permite a elisão mediante a qual o significante instala a falta do ser na
Isso justifica a exclusão do Outro nesse primeiro triângulo como alteridade entre
S1,S2....Sn
Referente
próprio sujeito (Es) como terceiro. Há, portanto, uma distância entre o “S”, como
indica que algo no campo do gozo do corpo impede que esse esquema seja
corpo, mas não se trata do corpo imaginário, esculpido no eixo a–a’, como se pode ler
em O estádio do espelho como formador da função do eu. Trata-se antes do corpo como
carne, como massa ainda não afetada pela palavra, ou seja, o Es freudiano como gozo
parece, assim, muito próximo do modo pelo qual a carne é tratada por Merleau-Ponty,
Veja-se agora o segundo triângulo. Nem o Outro, como tudo o que pode ser dito,
nem o Sujeito, como puro dizer, perfazem em si o eixo do laço social. É preciso que
uma frase – e não todo o tesouro significante – seja enunciada pelo eu e endereçada a
alguém que lhe seja semelhante. Essas relações se estabelecem quando um dito é
(Es)S (alteridade) a’
Dizer sem palavras/carne
Não se confunde com o Eu
laço social
a Outro
tratamento?”, perpassa todo o seu ensino sobre as psicoses (Lacan, 1955–6: 23). Vinte
anos depois, encontra-se questão similar a ela numa referência de O Seminário, livro 23
parágrafo que parece conter ecos dessa passagem de O Seminário, livro 3. Dessa vez,
contudo, trata-se não mais da interrogação sobre o hiato entre o Eu e o Outro simbólico,
do sujeito em relação ao próprio corpo que está em foco.3 Partindo do Eu, o moi dos
esquemas iniciais, Lacan se volta para o Ego de Joyce e indica que, para além da
corpo.
A questão do tempo
tempo” (Miller, 1994–5: 189). Como o próprio autor afirma, essa frase parece
dessa frase de Miller aplicada ao esquema L, com o objetivo de pesquisar como se pode
inscrever nele o tempo e como ele é afetado no inconsciente a céu aberto das psicoses.
3
Confirmando a motivação de ter estudado, no capítulo anterior, a distinção entre o pensamento de Lacan
e os de Descartes e Merleau-Ponty.
O inconsciente freudiano possui características específicas que, sob a barra do
visto, as duas diagonais do esquema L trazem planos diferentes, que nas psicoses
Inconsciente (Ics). Freud se serve de uma topografia que proponho transpor para
topologia do esquema L. De acordo com ele, a distinção dos dois sistemas psíquicos
ou seja, de que por intermédio das palavras seria possível chegar à essência das coisas.
Rorty parte de uma pergunta curiosa: pode-se definir a “dezessetidade” do número 17?
É possível definir o número 17 em si mesmo ou ele deverá ser sempre entendido como
Para Rorty, menor que 20, raiz quadrada de 289 ou a soma de 11 mais 6 são
suas relações extrínsecas faria perceber que 1.678.922 é tão próximo do número 17
quanto o número 18, contudo o que parece impossível para Rorty é o fato de que o
número 17 tenha uma essência em si, ou seja, justamente o que Freud propõe, ao alegar
inconsciente, que segue os princípios citados por Freud em seu texto sobre o
(Es)S a’
a
is
co co
i a
át
gm ata In
a m
pr ra a co
xo alav pa nsc
i
e p la ie
vr nt
a a
é e
a
co
is
a
a A
Putnam, para quem as significações possuem uma identidade ao longo do tempo, mas
não uma essência. Como exemplo, usa seu nome próprio. Quando era pequeno e falava
predominantemente inglês, diz que seu nome “Hilary Putnam” continua o mesmo
porque não houve descontinuidade suficiente para que se dissesse que a palavra não
designa a mesma coisa. “Existem práticas que nos ajudam a decidir quando há bastante
continuidade na mudança para que seja justificado dizer que é ainda a mesma pessoa
Esse exemplo é bastante claro para mostrar por que a psicanálise não é uma
pragmática. O eixo do inconsciente como eixo fora do tempo faz com que o pequeno
meu ver, trata-se não de uma Fixierung do nome Pout-nomm, e sim da eternização de
uma perda. Pout-nomm será, para sempre, a parte perdida do adulto Putnam. Na clínica
das psicoses, recupera-se algo dessa perda pela metáfora delirante, que será vista adiante
Como visto, a presença do isso (Es) como homenagem ao reservatório das pulsões
freudiano indica que se deve articular o simbólico e o imaginário com o real do gozo
A diagonal do inconsciente articula, portanto, tudo o que pode ser dito e está no
campo do Outro com a condição do ser falante, que é a de fazer o significante sair pelo
corpo. Trata-se da palavra em sua ressonância no corpo, ou seja, da palavra que vibra e
é fonte de gozo.
num globo de sorteio, desses que se veem nos programas de auditório. Enquanto estão
dentro do globo, essas bolas numeradas possuem uma essência, mas ainda não se
inscrevem numa série. O ritual do sorteio implica fazer com que elas passem por um
sorteio. As palavras, suas relações de oposição, de semelhança etc., não possuem valor
próprio, isto é, não possuem sentido. No inconsciente, perto e longe, passado e presente,
barata e homem são palavras que possuem uma proximidade que não se mantém depois
que caem no campo do enunciado e passam pelo crivo do sentido que se aloja no eixo
da realidade.
sujeito, sua boca. As palavras podem então ser ditas, à condição de que o sejam uma a
interior pode despencar sobre a série, pois na verdade o globo que as conteria não
existe.
18 2 Eixo Es(S)-A
33
7 16 Atemporal
1 21 Inconsciente
0 11 Sincronia
17
5 8 9
3
Eixo a-a’
17 3 5 9 1 21 Temporal
Realidade
S1 S2 S3 Sn Diacronia
O Nome-do-Pai fornece a imagem de um continente que contém todas as bolas
e evita a sua dispersão fora da série. Nas psicoses, é precisamente a relação temporal
estrutura leva o sujeito à conclusão de que algo lhe concerne, de que o fenômeno
elementar, por mais enigmático que seja, tem a ver com ele. Teria sido exatamente isso
o que levou Lacan a afirmar que não há pré-psicose, apenas a percepção do psicótico de
O esquema na clínica
Na Saúde Mental, a psicanálise tem o desafio de inscrever a psicose no laço social sem
que, para isso, precise recorrer à frágil aliança biopsicossocial atualmente proposta.
Como visto, esse panorama estabelece nítida separação entre as ciências que incluem o
possibilidade de um equívoco ligado ao fato de que ser o Outro barrado não quer dizer
Seminário, livro 3 apontem para uma clínica que mantém presente a dimensão do Outro,
pode-se, conhecendo-se o rumo que Lacan deu posteriormente ao Nome-do-Pai, retomar
Nesse sentido, bem como advertido da evolução da teoria, ainda considero atual a
afirmação, feita nos anos 1950, de que o inconsciente é o discurso do Outro, como quer
simbólico, nas psicoses as manifestações clínicas decorrem muito mais de uma torção
intrínseca ao eixo da realidade. Como visto no esquema L, a realidade nas psicoses não
serve de anteparo para a relação do Es, entendido como o mais íntimo, e do Outro, tido
como o que há de mais externo. Cabe ao sujeito criar estratégias singulares (distantes do
cálculo coletivo que o eixo a–a’ autoriza) para tentar restabelecer uma separação que
segundo por sua abordagem mecanicista desse mesmo estado. Para Michael Turnheim,
contrário, sustenta até o fim de seu ensino que a posição do sujeito diante da
perplexidade não pode ser assimilada por nenhum discurso estabelecido, sendo
uma fenda no eixo da realidade, para impedir que ele sustente a separação entre o S e o
preço de “colar-se” à realidade em pontos que lhe pareçam oferecer maior segurança.
Para tanto, ele se fixa à imagem do semelhante, que lhe serve de espelho e lhe permite
dialética que o eixo simbólico proporciona. Essa fixação no imaginário pode tanto lhe
significações, suas intervenções apontam para o inconsciente como outra cena. São
essas intervenções que dividem o eixo simbólico, permitindo que a fuga do sentido abra
oposição entre realidade e inconsciente, produz-se uma torção. Já nas psicoses, por essa
algoritmo S/s, metáfora que separa as palavras (campo do Outro) das coisas (Sachen).
sujeito não encontra respostas no campo da realidade, ou seja, onde o Outro simbólico
batizou as Sachen com palavras, matando a coisa, algo da coisa permanece como
enigma.
enigmático e intrusivo seja com uma metáfora delirante, seja preservando uma
manejo dos casos de psicoses, apesar de, nos anos 1950, falar-se muito sobre a metáfora
delirante. Trata-se de uma clínica que inclui tanto os fenômenos “de intrusão” do eixo
“isola-se a foraclusão do Nome-do-Pai, esquecendo-se que ela, uma vez revelada a falha
coberto pelo manto da normalidade. Por que então considerá-lo um problema clínico?
encontrada pelo sujeito psicótico da iminência de uma passagem ao ato (Naveau, 2006).
conectada com o laço social. A posteriori, aprende-se que ele estava em permanente
conexão de gozo com o Outro, sem a intermediação do eixo da realidade. O outro que
lhe servia de interlocutor no laço social estava desabitado de vida e sua verdadeira
ligação era com a voz alucinada, que lhe servia de mestre e interlocutor maior.
Amélia
Amélia tinha 48 anos quando foi levada, pela primeira vez, a uma emergência
psiquiátrica, após uma passagem ao ato que surpreendeu a todos que a conheciam. Dona
casamento as funções de cuidar do lar e providenciar que tudo estivesse em ordem. Por
com a casa. Essa contratação foi aceita com muita relutância por Amélia e, desde os
primeiros dias, a relação entre as duas se mostrou tensa, culminando numa agressão
antes, ou seja, buscam delimitar as estratégias utilizadas pelo sujeito para evitar o
loucura, a psicanálise se volta para o que sujeito fez no intuito de evitar que ela se
desencadeasse.
delirante não precisa, necessariamente, destoar dos ideais que permeiam a trama social.
Caso o delírio de Amélia assumisse formas muito distantes da norma social – por
exemplo, ser uma personalidade famosa –, sua loucura seria detectada, com facilidade,
de seu delírio. Amélia, dona de casa exemplar, delirava precisamente que era... uma
dona de casa. Ora, “dona de casa” é uma expressão comum na língua portuguesa,
eixo a–a’, inscrevendo-se como um dos significantes no campo do Outro, que preside a
laço social
Outro
a (dona de casa)
Amélia, contudo, faz uso privado do significante dona de casa, o que permite
elemento incomunicável, uma vez que desprovido de sentido e segregado da lei fálica.
pontilhada e a diagonal (Es)S–A passa a ser representada por uma linha cheia,
Donadecasa a’
Inc
on
sc
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alid
Re
a A
Com efeito, o esquema L é particularmente claro na exposição da trama de
alteridades que demarcam a relação com o pequeno outro e o grande Outro. Faltou a
Lacan, nesse esquema, o elemento topológico que permitiria visualizar, com maior
nitidez, a torção que se produz entre o que é do campo do Outro e o que é do campo do
que, posteriormente, ele chamaria de campo do Um. Todavia, no texto De uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose, há uma longa nota de rodapé na qual
ele explica que, em seu esquema L, o campo da realidade é, na verdade, uma fita de
diferente do significante “dona de casa”, usado por todos no dia a dia. Há uma
pertence às ruas, sendo esse o ponto fundamental que permite entender a questão do
garantir o laço social. Proponho, agora, seguir a indicação de Lacan na nota de rodapé
plano, tem-se não a percepção de que ele é uma fita de Moebius, e sim a impressão de
que se pode separar definitivamente o que é o mais íntimo do que é o mais público do
sujeito, ou seja, o que pertence ao gozo do corpo e o que pertence ao mundo das ruas.
O corpo
Es a’
e
ad Inc
lid on
Rea sc
ien
d a te
o
an
a Pl A
A rua
atravessada quer pelos fenômenos do corpo, quer pela percepção do Outro. Contemplar
o esquema L sob uma perspectiva topológica leva à percepção da clivagem que se passa
trama social só garante a separação entre o mais íntimo e o mais exterior para o Eu, se
ela for um recorte da totalidade do plano. O Outro (A), assim como tudo o que pode ser
plano revela a reversibilidade batizada por Lacan de extimidade (Lacan, 1959–60). Para
extimidade
A rua
a’
interior
a exterior
O corpo
O fato de o Eu se localizar nesse plano retorcido faz com que o Outro simbólico
esquizofrênico com o seu corpo. Um ruído na rua pode ser percebido como algo que se
passa na carne, do mesmo modo que uma sensação corporal pode ser interpretada como
Como então produzir o recorte necessário para que o plano da realidade, em sua
disposição moebiana, não promova a torção que inunda o campo do Outro com o gozo
ou, inversamente, para que o Outro não mate a Coisa, levando no mesmo golpe o Eu?
relativamente simples.
O único modo de fazer com que uma fita de Moebius, que representa a
realidade, não inverta seu sentido é cortá-la, transformando-a num plano comum. Ao
plano moebiano para que ela se estabilize. Esse é inclusive um dos modos de abordar a
questão da estabilização nas psicoses, ou seja, fazer algo que permita um recorte da
indica este comentário de Bernard Baas, “privilegia a separação como tal, quer dizer, a
disjunção que pressupõe o contato do que está separado; é por isso que ele procura