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Resumo: No
texto "A família" de 1938, Lacan investiga a
formação do psiquismo e a concomitante
constituição dos
objetos da realidade desenvolvendo a noção de estágio do
espelho e formatando uma
configuração inicial de sua teoria
do imaginário na qual a sociologia é apontada como uma
espécie de
disciplina reguladora da psicologia, capaz de lhe
garantir uma necessária objetividade não reducionista.
Esse
artigo pretende acompanhar as definições de família, imago
e complexo e as configurações
atribuídas aos complexos de
desmame, intrusão e édipo; analisar essa formulação
inicial do estágio do
espelho e indicar os princípios em
jogo na teoria lacaniana desse período.
Palavras-chave:
Psicanálise – Lacan – Imaginário
É possível perceber entre a
tese de doutorado de Lacan – Da psicose paranóica em
suas relações com
a personalidade (1932) –
e o texto acerca dos complexos familiares (1938) uma
continuidade direta que
se traduz em termos das respostas que
o segundo trabalho procura dar às questões herdadas do
primeiro.
Essas questões configuram-se em torno de duas
diretrizes paralelas e interdependentes: investigar o
"obscuro estágio do narcisismo" e perguntar-se
pelo processo de constituição do sujeito considerado como
um ser essencialmente social. Isso seria, segundo Ogilvie,
uma espécie de resto que a tese de doutorado
teria legado
às investigações teóricas posteriores do psicanalista: Terminada
sua tese, podemos supor que
Lacan empreende o cumprimento do
programa que traçou para si: elucidar este obscuro
narcisismo
primário, precisar sua articulação com a
situação social que o circunda. (2) (1987/1991, p. 101)
Porém, ao lado da
continuidade da questão, existe também, de acordo com esse
autor, um movimento de
distanciamento que se manifesta em
dois principais aspectos: 1- enquanto na tese havia a idéia
de
desenvolvimento por imitação, o que implicava a
conservação de uma exterioridade a ser abolida pela
estipulação de um paralelismo entre psíquico e social, no
texto sobre a família essa idéia é trocada – com o
recurso ao aparato da teoria psicanalítica – por uma
teoria da constituição do sujeito que tem a
identificação
como principal operador conceitual. Isso elimina a
necessidade de um confronto entre interior
e exterior
porquanto significa que o acesso a uma identidade própria
só ocorre a partir de uma outra,
noutras palavras, o outro
é quem assume o papel principal na constituição do mesmo.
2- se na tese a
referência filosófica mais importante era
Espinosa, agora ela passa a ser Kojève com sua leitura da
Fenomenologia
do Espírito. Certamente, as duas mais evidentes
inflexões do ensino de Kojève no texto
sobre a família e
na teoria do imaginário como um todo serão a onipresença
da idéia de negatividade e a
concepção do desenvolvimento
psíquico como um processo dialético que, como tal, envolve
inclusões do
negativo e operações de superação.
Em De nossos
antecedentes, Lacan explica que a primeira
divulgação do estágio do espelho – pivô de
nossa
intervenção na teoria psicanalítica (1966, p. 67)
– deu-se no XIV Congresso Internacional de
Psicanálise,
em Marienbad (31 de julho de 1936). O congresso foi realizado
sob a presidência de Ernest
Jones que teria impedido a
continuidade do pronunciamento de Lacan (4). Resultado foi
que se perdeu o
texto referente a essa apresentação, pois
seu autor "esqueceu-se" de entregá-lo para as atas
do
congresso. Dele só restam o título em francês – Le
stade du miroir. Théorie d’un moment structurant et
génétique de la constitution de la réalité, conçu en
relation avec l’expérience et la doctrine
psychanalytique – seu regitro, em inglês, no
International Journal of Psycho-Analysis – The
looking-
glass phase – e, segundo Ogilvie, as duas
questões indicadas, mas não desenvolvidas, em Para além
do
‘princípio de realidade’. A forma
textual mais conhecida do estágio do espelho é a que foi
apresentada
em 1949 no Congresso Internacional de
Psicanálise de Zurique e que consta nos Écrits sob o
título de O
estágio do espelho como formador da função
do eu tal como nos é revelada na experiência
psicanalítica.
Mas sua primeira ocorrência disponível encontra-se no
artigo sobre a família de 1938.
1.1. A família
Essa necessidade de
estabelecer uma ruptura radical entre natureza e cultura aqui
viabilizada por uma
teoria do complexo será reiterada sob as
condições do projeto estruturalista. Simanke explica que o
destaque conferido à cultura em detrimento da natureza no
âmbito do humano pode ser pensado como a
primazia do
imaginário sobre o real, configuração teórica que
caracteriza, em termos gerais, o cerne da
primeira teoria do
imaginário (8). Aqui, é esse o registro requisitado para
fundamentar o elemento chave do
corte entre natureza e
cultura que propicia o processo de humanização. A partir de
53 essa função será
deslocada para o registro simbólico.
O movimento de objetivação
da realidade implicado pelo complexo em seu papel de
organizador do
desenvolvimento psíquico conhece sucessivas
reiterações que se dispõem num processo dialético: o
surgimento de uma nova forma do complexo é condicionado pelo
que restou dos conflitos da forma
precedente com a realidade;
noutras palavras, o aparecimento de uma nova crise no quadro
de um novo
complexo implica a retomada da crise anterior ou
de quantas já tiverem se passado.
Ora, se a premissa
epistemológica essencial para Lacan no estudo sobre a
família é justamente abdicar do
recurso à biologia, é
claro que sua definição de complexo terá que se afastar da
de Freud e que uma
origem endógena não poderá ser
requisitada como fundamento (a não ser pela negatividade da
carência
instintual, como já explicamos); resultado disso
é que ele passa a designar uma espécie de internalização
das primeiras estruturas sociais nas quais o sujeito se acha
inserido.
Todavia, é possível
encontrar, já aqui nesse texto de 1938, Lacan privilegiando
o valor heurístico da idéia
de estrutura quando, por
exemplo, afirma que o defeito mais marcante da doutrina
analítica foi negligenciar
a estrutura em benefício
do dinamismo (1938b, p. 8’40-13), afirmação que
pode ser considerada um reflexo
da ênfase que atribui ao
social. Se obviamente esse termo, em sua obra inicial, não
está de forma alguma
aparentado à definição específica e
original que receberá a partir da lingüística, não deixa
de indicar uma
certa tendência em seu pensamento que, ao se
desenvolver na direção do privilégio da forma, terminará
por expulsar de vez a idéia de representação.
No entanto, é preciso
observar que, nas linhas de 38, o uso da palavra estrutura
ocupa um lugar
secundário pois, se pensarmos a partir de uma
perspectiva estritamente estruturalista, podemos afirmar
que,
ao contrário do que acontecerá mais tarde, Lacan privilegia
fatos sob um ponto de vista psicológico,
procurando, por
exemplo, prever o destino patológico ou saudável de um
sujeito em função do que lhe
ocorrera na infância. É
comum encontrar nesse texto raciocínios do tipo: "se os
acontecimentos forem
estes (se a mãe for excessivamente
terna, se o pai for demasiadamente ausente), o sujeito
sofrerá tais e
tais conseqüências" – modelo de
pensamento coerente com sua visada psicológica.
É através das
identificações construídas no sentido confluente ou oposto
ao das imagos que o sujeito
adquire padrões de
relacionamento com a realidade. Segundo feliz expressão de
Merleau-Ponty (citado
por Simanke, 1997, p. 220), a imago
seria um "centro implícito da conduta". O caráter
patológico ou
saudável do comportamento subjetivo será
definido em virtude do grau de consonância entre as
identificações assim adquiridas e as exigências sociais
objetivas.
1.3. O desmame
O complexo de desmame é o
mais primitivo, inaugura os sentimentos mais arcaicos que
ligam o sujeito à
sua família por intermédio da
manifestação primordial da imago materna (22). Esses
sentimentos serão
também os mais estáveis e sofrerão
contínuas retomadas e ressignificações ao longo da
dialética dos
outros complexos, ou seja, tanto o complexo da
intrusão quanto o de Édipo serão ditos em função do
complexo de desmame e as sucessivas perdas vividas pelo
sujeito serão inscritas psiquicamente como
reedições do
mesmo. Ainda que seja o primeiro, ele já se mostra
totalmente regulado por fatores culturais
e, portanto, já se
define a partir de uma ultrapassagem do instinto.
Todavia, sublinhada a
diferença, Lacan demarca dois traços em comum entre o
complexo de desmame e o
instinto: tanto quanto o instinto é
um traço geral do reino animal, o complexo de desmame
apresenta-se de
forma tão típica na humanidade que pode ser
considerado uma sua generalidade e, embora não sofra uma
determinação estrita de fatores naturais, cumpre a função
de representar no psiquismo a função biológica
da
lactação.
A vida do recém-nascido é
circunscrita por condições que possuem valor fundamental na
construção do
complexo de desmame. O conteúdo da imago do
seio materno – imago da relação nutriente parasitária
que
esse complexo põe em jogo – é especificado e
estruturado pelas sensações características dos primeiros
meses de vida e pela organização mental dessas sensações.
1.4. A intrusão
Dando continuidade ao
argumento principal de que a determinação cultural é o
fator de especificação da
humanidade, Lacan passa a
analisar o complexo da intrusão. Complexo que ocupa nesse
argumento uma
posição especial pois é ele que explica as
gêneses da sociabilidade e do conhecimento segundo o
protótipo do surgimento do outro.
O complexo da intrusão
refere-se à chegada dos irmãos e à irrupção de ciúme
que disso decorre. As
condições que permeiam essa
modulação dos conflitos psíquicos variam conforme dois
principais fatores:
o contexto cultural no qual se encontra o
grupo familiar e a posição que o sujeito ocupa na
seqüência dos
nascimentos. Essa posição, segundo Lacan,
pode lhe designar, para além do fato biológico do
nascimento,
o papel imaginário de "abastado" ou de
"usurpador" com relação a seu(s) irmão(s).
Na consideração da cena
primordial entre irmãos, ele atualiza esse raciocínio,
dando a ver a gênese da
agressividade como decorrência da
identificação à imago fraterna: (...) é especialmente
na situação
fraterna primitiva que a agressividade se
demonstra secundária à identificação. (Lacan, 1938b,
p. 8’40-9)
Acrescenta a
isso a observação de que, se o ciúme pode inclusive surgir
em situações nas quais a criança
mais velha não pode
empreender com a recém-chegada uma competição vital pelo
leite materno, isso só
pode se explicar em função de uma
identificação do sujeito com o irmão mais novo,
identificação que é
necessariamente anterior ao ciúme,
causa dele.
Novamente é a grade
kojèviana que serve a Lacan para fechar a reformulação do
conceito de masoquismo
primário: Se se quiser seguir a
idéia que indicamos acima e designar conosco, no mal-estar
do desmame
humano, a fonte do desejo de morte,
reconhecer-se-á no masoquismo primário o momento dialético
em
que o sujeito assume, por seus primeiros atos de jogo, a
reprodução desse mesmo mal-estar e, com isso,
o sublima e o
ultrapassa. (Lacan, 1938b, p. 8’40-9)
Em Além do princípio do
prazer, Freud apresenta sua observação dessa que é uma
brincadeira infantil
bastante peculiar. Em breves palavras: o
menininho, autor da brincadeira, empenhava-se em atirar para
detrás de cortinas um carretel de linha, de forma a fazê-lo
desaparecer de seu campo de visão, ao mesmo
tempo em que
emitia o som "o-o-o-ó". Algumas (poucas) vezes,
essa primeira ação era seguida de uma
outra que consistia
em puxar de volta o carretel, ação que, por sua vez, era
alegremente acompanhada da
pronúncia "da"
(que, em alemão, significa "ali"). Freud
imediatamente relaciona o "o-o-o-ó" da criança à
palavra alemã "fort" (que se traduz por
"embora", tal como na expressão "ir
embora") e a brincadeira em si
ao fato doloroso das
intermitentes ausências maternas.
Assim, se o comportamento
animal possui um sentido único que vai do instinto ao meio,
da vivência de
uma necessidade à execução da ação
apropriada para supri-la, o comportamento da criança humana
se
submete, neste nível, à angústia dos conflitos
resultantes do fato de que seu acesso aos componentes do
meio
ambiente necessários à sua sobrevivência física deve
inevitavelmente passar pela intervenção de
seus
semelhantes. Sobre essa circunstância primordial é que se
constitui seu funcionamento psíquico. A
imagem especular
constitui um símbolo da realidade subjetiva desse momento:
símbolo do valor afetivo
dessa realidade – que, segundo
Lacan, é tão ilusório quanto a imagem – e símbolo da
estrutura dessa
realidade a qual reflete a forma humana. A
realidade é, portanto, apreendida – ou melhor,
constituída –
através do crivo da forma humana que é
a executora dessa apreensão.
A tendência para a
afirmação de uma unidade própria determina o
direcionamento do "progresso mental"
do sujeito
ditando seu comportamento e seus interesses. Segundo Lacan,
nesse momento é possível
constatar o predomínio da
função visual, fato que converge para a designação da
imagem especular como
centro propulsor de uma operação
psíquica original. Com base nesse argumento, o autor conclui
que o
reflexo da própria imagem no espelho é, dos
fenômenos que sugerem a existência de uma unidade afetiva
e
corporal, o mais intuitivo. Esse reflexo especular domina uma
fase psíquica que é, portanto, narcísica.
À situação especular
bipolar sobrepõe-se, de maneira lógica mas não
cronológica, uma composição
ternária inaugurada pelo
ciúme. Mediante um subtítulo explicitamente politzeriano
– O drama do ciúme: o
eu e o outro –
Lacan dispõe o quadro psíquico do complexo da intrusão
fraterna. O intruso surge como
interferência na satisfação
especular, definindo um terceiro objeto. Essa situação
triangular interrompe o
estado narcísico de confusão e
mistura entre o sujeito e a imagem (29).
O objeto em questão – a
mãe – só é desejado porque: 1- (passo kojèviano) é
desejado pelo outro e
somente nisso adquire seu valor para
além do campo da necessidade vital, 2- (passo de Lacan) o
sujeito
identificou-se com esse outro na operação
narcísica de constituição do seu eu.
As últimas observações de
Lacan relacionadas ao complexo da intrusão dizem respeito
às suas conexões
com a paranóia, afecção cuja
importância para o desenvolvimento das questões mais
características de
sua obra é revelada desde a defesa da
tese de doutorado em 1932 baseada no estudo de um caso de
paranóia de auto-punição (nomenclatura proposta pelo
próprio autor) até o estabelecimento dos temas
centrais da
constituição do sujeito e da realidade. Ele afirma que, por
um lado, a presença constante das
temáticas da filiação,
da usurpação e da expoliação apontam a determinação do
complexo fraterno sobre a
paranóia e, por outro, o quanto a
estrutura narcísica desse complexo é denunciada em temas
tipicamente
paranóides como a intrusão, o duplo, os
delírios de influência e de transformação do corpo.
Simanke indica que o ponto de
referência clínico privilegiado por Lacan sempre foi a
paranóia porque nela
se acentua o processo de formação do
eu a partir do outro e a produção da realidade como
objetivação do
eu: (...) o mecanismo – de início,
estritamente patogênico – da projeção
se converte numa espécie de
construtor de mundos.
(Simanke, 1997, p.234) Paranóia e conhecimento são temas
sempre interligados e
enfatizados em sua conjunção pela
elaboração teórica de Lacan. Simanke explica ainda que,
para além do
interesse original de distanciar essa
psicopatologia dos fenômenos de déficit orgânico, a
teorização acerca
do conhecimento paranóico (...)
acabou tornando-se a chave para uma reinterpretação geral
da relação
cognitiva do homem com a realidade.
(Simanke, 1997, p. 234)
1.5. O Édipo
As diretrizes da visada de
Lacan sobre o complexo de Édipo, ele as esclarece: trata-se
de revisá-lo
historicizando a estrutura da família
paternalista e de procurar compreender a manifestação
contemporânea da neurose. Antes disso, porém, será preciso
que ele retome os traços gerais desse
complexo tal como
pensado na teoria psicanalítica, inserindo, aqui e ali, suas
próprias elaborações.
Contudo, é necessário
novamente lembrar que a principal vertente explicativa do
texto que estamos
estudando é o menosprezo da causalidade
biológica em favor da afirmação objetiva de uma
causalidade
psíquica suficiente para a explicação do
processo de humanização. Assim, se, por um lado, Lacan é
forçado a admitir um fator biológico causal em sua
manifestação positiva (lembremos que, a propósito do
desmame, o papel da biologia só era apontado pelo que se
mostrava ausente), por outro, ele se esforçará
por tornar
conspícuo o fato de que é o complexo, nas organizações
psíquicas que estabelece, que acaba
por ser determinante
sobre o fenômeno pulsional. Ou seja, a manifestação
"natural" das pulsões constitui o
alicerce, o
dispositivo que põe o complexo a funcionar, mas, o que
realmente interessa, ao ver de Lacan, o
que fornece
considerações pertinentes a respeito da subjetividade, é
exatamente o movimento contrário,
ou seja, o fato de que as
pulsões serão reguladas pela disposição psíquica dos
elementos do complexo; é
ele, por exemplo, que designa o
objeto pulsional: a (...) maturação da sexualidade
condiciona o complexo
de Édipo formando suas tendências
fundamentais, mas, inversamente, o complexo a favorece
dirigindo-a
para seus objetos. (Lacan, 1938b, p.
8’40-13)
As funções do complexo de
Édipo são, então, definidas a partir de seus dois campos
de atuação: a
evolução da sexualidade e a constituição
da realidade. Nas palavras de Lacan: o complexo de Édipo,
se
marca o ápice da sexualidade infantil, também é o
móvel da repressão que reduz suas imagens ao estado
de
latência até a puberdade; se ele determina uma
condensação da realidade no sentido da vida, também
é o
momento da sublimação que no homem abre para essa realidade
sua extensão desinteressada.
(1938b, p. 8’40-13)
Devido à reformulação da
fantasia de castração designando a mãe como o objeto que a
determina, Lacan
se refere a um núcleo arcaico do supereu, o
qual é responsável pela maior parte da repressão. A
repressão materna veiculada pelos cuidados do desmame e pelo
controle dos esfíncteres constitui a
primeira fonte do
supereu. Se lembrarmos que, à época do desmame, o eu não
se distingue do outro, essa
deve ser considerada uma fonte
narcísica do supereu. Apenas mais tarde, a propósito dos
conflitos
edípicos, é que essa instância repressiva será
projetada sobre a autoridade do adulto, ultrapassando sua
forma narcísica. Para Lacan, é isso o que explica o fato de
que o poder do supereu seja, em geral,
inversamente
proporcional ao rigor da educação recebida, pois os
elementos narcísicos do supereu serão
tanto menos
transferidos para uma autoridade externa (e, portanto, mais
arraigados no próprio sujeito)
quanto menos a figura
destinada a representar essa autoridade for capaz de
realmente exercê-la.
NOTAS
2. Esse
mesmo autor constata a existência de um movimento de
progressivo estreitamento – entre a tese e
a
formulação mais explícita do estágio do espelho –
que parte da sociedade como instância explicativa dos
fatos
da personalidade, passa para família e, desta, chega ao
espelho. Com a adoção do paradigma
estruturalista e a
eleição do simbólico como registro privilegiado, é a
linguagem que vai passar a ocupar
esse lugar de fator
explicativo.
3. Apesar
da escassez de publicações tanto nesse período quanto em
outro intervalo que vai de 1938 a
1948, hoje nos são
acessíveis diversas intervenções realizadas por Lacan em
exposições alheias que
podem fornecer um certo índice de
seus interesses (v., por exemplo, www.ecole-
lacanienne.net/bibliotheque)
4. Cf.
Macey, 1988, cap 7 Jacques-Marie Emile Lacan:
Curriculum Vitae 1901-81.
5. Cf.
Macey, 1988, capítulo 2 – Retrospectiva.
6. Na
verdade, o artigo sobre os complexos familiares acabou por
não constar na edição dos Écrits, diz-se,
devido
à sua extensão. (Cf nota de Jacques-Alain Miller à
edição francesa de 1984, traduzida em Lacan,
1985, Jorge
Zahar Editor)
7. Não é
sem interesse o fato de que Lacan já atinasse para a
importância da comunicação na humanidade
em relação com
o aspecto explicativo do fator social. Mais tarde, esses seus
anti-individualismo e anti-
organicismo conduzirão,
juntamente com a aproximação do instrumental
estruturalista, à exacerbação do
papel da linguagem.
Também no texto de 1936, Para além do "princípio
de realidade", ele já destacava
a linguagem como o
dado mais importante da experiência analítica, destaque que
se tornará o principal
pressuposto do chamado Discurso de
Roma e de seu programa de releitura da obra
freudiana.
8. Cf.
Simanke, 1997, item IV.1. A família e seus complexos.
10.
Vejamos como Ogilvie pensa, de forma mais abrangente, essa
negatividade presente no
desenvolvimento humano em relação
com uma tendência que, a seu ver, é capaz de caracterizar a
psicanálise (lacaniana) de uma forma geral: A
psicanálise não é, pois, a análise da gênese objetiva do
indivíduo humano em sua dimensão psíquica (que seria
‘paralela’ ao seu desenvolvimento físico), mas o
estudo da discordância e da oposição que separa este
desenvolvimento da constituição do sujeito, na
medida em
que este mantém uma relação intrinsecamente negativa com a
sua própria realidade."
(1987/1991, p. 96)
11. De
acordo com Evans (1996), essa seria uma das tentativas de
Lacan para teorizar o fenômeno da
repetição. As outras
seriam a tradução de Wiederholungszwang (termo
freudiano geralmente traduzido
por "compulsão à
repetição") por "automatismo de repetição"
(expressão que possui origem na psiquiatria
francesa) e a
posterior elaboração sobre a insistência do significante.
15. Cf.
Evans, 1996 e Laplanche & Pontalis, 1967/1992.
18. Cf.
Freud, 1915/1986. Mais adiante, a propósito do
complexo de Édipo, Lacan vai designar, além da
imago, outro
objeto para a sublimação: a realidade.
19.
Também na obra lacaniana posterior essa não será uma
noção valorizada. Em função de sua afinidade
com um
pensamento de tipo psicológico, tenderá a ser substituída
por um ponto de vista estrutural. Assim,
tal como na obra
freudiana, o Édipo e a castração preservam sua
centralidade, mas o conceito de
complexo, tomado
isoladamente, torna-se esvaziado de força teórica, mesmo
que, em alguns momentos,
sejam utilizadas expressões como
"complexo de Édipo" ou " complexo de
castração". Já os termos
"complexo de
desmame" e "complexo da intrusão"
desaparecerão quase completamente de seu trabalho.
Cf.
Evans, 1996, p. 27.
20. Cf.
Freud, 1905/1986.
21. Cf.
Simanke, 1997, item IV.1. A família e seus complexos
22.
Segundo Evans (1996), a elaboração sobre um "trauma do
desmame" foi primeiramente desenvolvida
por René
Laforgue na década de 20. Freud não teria acatado essa
tese, tendendo a vê-la como uma forma
mascarada de negar a
importância do complexo de castração. (Cf. Macey, 1988, p.
35) Num elogioso
artigo sobre Os complexos familiares
– aliás, primeiro artigo escrito sobre Lacan –
Édouard Pichon (um
dos fundadores da Sociedade
Psicanalítica de Paris) aponta a influência sobre Lacan de
conceitos
oriundos da teoria psicanalítica produzida na
França, especialmente daqueles introduzidos pelo próprio
Pichon e por René Laforgue. Além do desmame, são exemplos
dessa observação, os conceitos de
captatividade e de
escotomização. Pichon critica-lhe não ter indicado as
devidas procedências. (Cf Macey,
1988, p. 32-41) Sabe-se bem
o quanto esse tipo de procedimento, causador de sérias
dificuldades para
quem se propõe ler os textos lacanianos,
será uma de suas marcas registradas. Macey discorre ainda
sobre a presença do conceito de escotomização produzido
por Laforgue na origem do conceito lacaniano
de forclusion,
termo, aliás, introduzido por Pichon tanto no sentido
gramatical (no qual se refere à
segunda parte da negação
em francês) quanto no psicológico (no qual se refere (...)
ao desejo de que algo
no passado ... nunca tivesse existido. (Damourette
& Pichon, 1911-50, citado por Macey, 1988, p. 39))
23. Evans
(1996) aponta o quanto essas reflexões de Lacan sobre o
complexo de desmame estão repletas
de alusões ao trabalho
de Melanie Klein. (Cf. p. 117)
25. Cf.
Freud, 1915/1986.
26. Cf.
Freud, 1924/1986.
27. Da impulsão ao
complexo, exposição realizada em 1938 à Sociedade
Psicanalítica de Paris,
apresenta a tese original da
existência de um estado estrutural primordial no processo
genético do eu
chamado por Lacan de "corpo
despedaçado" (corps morcelé).
28. Cf.
Freud, 1914/1986.
30. Essa
forma de teorizar a constituição do sujeito, conferindo-lhe
essencialmente o valor de um trauma,
permanecerá, segundo
Simanke, como um ponto de vista marcante na obra de Lacan: A
idéia de intrusão
estará (...) entrelaçada com os
diversos mecanismos que engendram o sujeito do inconsciente:
intrusão da
operação simbólica da função paterna na
relação imaginária; depois, irrupção do real na trama
dos
significantes que sustenta o sujeito, esta última, a
concepção lacaniana mais ou menos definitiva do
trauma. (Simanke,
1997, p. 233)
31. Embora
seja preciso ressaltar que ao Édipo é reputada a importante
função de guiar
concomitantemente tanto a evolução da
sexualidade quanto a constituição da realidade, como
veremos
adiante.
32. Novamente, é
necessário lembrar que, quando Lacan passar a privilegiar o
registro simbólico, a
castração será mais aproximada, tal
como em Freud, da função paterna.
33. Sabemos o quanto
esse ponto sofrerá uma completa inversão com o papel que o
conceito de falo
desempenhará na obra posterior de Lacan.
34. Mais
tarde, devido à influência do pensamento estruturalista, o
Édipo será pensado sob a grade de
uma estrutura
quaternária.
36.
Simanke ratifica que a identificação resultante do Édipo
foi a única realmente tematizada por Freud (...)
que
sempre teve muita dificuldade em admitir a origem
identificatória do eu, por parecer-lhe contraditória
com a
própria idéia de narcisismo, já que pressupunha a abertura
para o objeto. (1997, p. 241)
37. Essa
questão das formas diminuídas da imago paterna (juntamente
com as próprias expressões que
ele aqui utiliza para
adjetivá-las) será retomada por Lacan em O mito
individual do neurótico, texto no
qual elas recebem o
status de característica da modernidade.
BIBLIOGRAFIA
Evans, D. (1996) An
introductory dictionary of lacanian psychoanalysis
Londres e Nova York: Routledge.
Lacan, J. (1938) La
famille. Em: Encyclopédie française. (Vol VIII, pp.
8’40-3 a 8’42-8) Paris: Larousse.
Revista de
Psicoanálisis y Cultura
Número
19 - Julio 2004
www.acheronta.org