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{...promessa...

}
clayton r. f. marinho
[editor da revista filosofia das dunas,
editor da revista Raimunda,
estudante de filosofia]
I.
– “Eu prometo.”
Aqui, professo esta promessa. Ao professá-la – a promessa – quero garantir que o fim
almejado é o propício à vontade daquela ou daqueles ou para todas aquelas e todos
aqueles que aqui estão.
– “Eu prometo a você”. “Eu prometo essa promessa”.
Envio adiante, envio diante de, isto é, transito de mim até você, num adiante que nos
aguarda. Professo como profissão: ela me faz e eu a faço, ela me faz enquanto a faço.
Fazemo-nos e professamos o que fazemos. E, esperamos.

II.
Pois: promessa, profissão, fazer. esperar.
A promessa é uma espécie de profissão (pro-fissão). Um tipo, um modo, uma estrutura
fissurada (forma-fissura). A promessa é uma espécie de pro-fissão que faz alguma coisa,
um fazer que se volta para a própria promessa, algo que se põe diante de si e se dobra
sobre si para tornar-se, adentrar no mundo. Um fazer de si, um uso, uma potência-em-
vias-de-ato (conteúdo-con-fissão): um quase indiscernível que abre à espera. Espera-
nça. Um adiamento, um adiantamento que se põe diante de uma fissura temporal: agora
da pro-fissão e o futuro da realiz-ação.

[FORMA-fissura – um tipo. Como na tipografia, isto é, um elemento que


filosofia de dunas
número 1, ano 1, edição jul 2017.

participa na/da composição. Um elemento que se relaciona com uma série


de outros tipos, configurando um sentido, como no sentido de uma palavra,
de um texto.
um modo. Como em modelo e maneira. É a orientação que forma, pela qual
se orienta e para o qual se orienta. Ela aponta um sentido, como no sentido
de um caminho, um objetivo a seguir.
uma estrutura. Como na arquitetura. É o plano que orienta o conjunto, que
o molda, e o preenche, seu esqueleto e fundamento. Ela dá sentido ao
sentido, como a razão de ser, de existência de toda promessa.
uma fissura. Como num terremoto. Chacoalha, faz o sólido abrir-se,
paralisa-se para mover-se em outro sentido. Um rasgo no tempo. O presente
suspende o passado para por-se diante do futuro.]

[CONTEÚDO-con-fissão – um fazer de si. Algo a originar a si mesma, por


ela existe no momento mesmo de sua manifestação, na medida em que se
manifesta. Ela faz (produz-make) a si mesma e faz(do) de si mesma o
princípio de sua existência.
um uso. Ela é o início de um uso de si mesma que se sustenta na medida em
que é posta em movimento. Ela não pertence a quem profere, nem àquele a
quem se profere, mas pelo que se faz dela, pelos seus usos.
uma potência. Ela é também, ou na mesma medida, uma potência. Potência,
no sentido de um poder e de uma vontade, que inaugura ou fazer e o uso, e
ao mesmo tempo fundamenta e sustenta sua manifestação. Ela é uma
potência de um outro mundo, de uma outra possibilidade que já começa a
haver-se. uma ação suspensa entre a palavra e o ato.
uma confissão. Um junto à fissura, uma matéria que se forma, de in-forma e
acrescenta-se a outras formas, revelando outro mundo.]

III.
A promessa não se realiza apenas na profissão. Ela se torna aparente na profissão; ela
entra nesse mundo, professando outro mundo, a espera de colher outro mundo. “Eu
prometo mais que aparência, porque o que professo, com essa promessa, é o que a torna
presente, através de mim” (as três formas aparecem juntas, ao mesmo tempo). Ao

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prometer, antecipo um qualquer futuro para este agora, faço-o entrar em sua trama,
sobre o qual falo, quando professo (os três conteúdos). Rompo-o, distanciando-me dele
na medida em que me aprofundo em sua realidade concreta, por cuja promessa a
conheço e ela se conhece por mim. Nesse momento, este agora faz-se numa espécie de
limiar entre o agora no qual professo e o futuro que agora ecoa, apontando uma
encruzilhada mais a frente, num futuro que não está garantido, que não se garante, senão
na promessa que agora professo. 1

IV.
E só professo quando falo. A promessa demanda mais que uma letra. Demanda uma
fala. A promessa demanda a agitação do ar, que faz chegar aos ouvidos dos outros, para
quem se promete; por quem se promete muitas vezes; para quem a promessa é
professada; para quem repassa a minha promessa, como profissão de uma profissão. A
promessa evoca o múltiplo: do um que professa, do dois que a recebe, do três para quem
se destina. Entre o primeiro e o segundo, a promessa toma forma, passa à existência. Do
três ela adquire seu sentido. Por essa “organização” a promessa que se professa poderia
significar algo que professa sem destino. Sim, é possível. Algumas promessas nascem
sem destino2.

1
O tempo abre-se, ou melhor, fissura-se. Passe-se de um agora para a heterotopia do passado ao
qual respondo pelo que faço a promessa, do futuro que almejo, ou de outra possibilidade
qualquer que não esta ou passada, e de um agora manifesto na forma de uma profissão. O tempo
responde apagando-se diante dessa promessa. Ambas coincidem. Uma agarra a outra, ambas se
encontram e criam uma encruzilhada mais adiante no caminho de quem professa e daquele(s,
as) para quem se professa. Quer dizer, tempo e espaço são torcidos.
2
Talvez, essas sejam as mais dignas, as únicas dignas. Aquelas que são professadas sem
destino, sem um “três”. Aqui destino é uma outra forma de sentido. O que é uma promessa sem
sentido? É aquela que se professa por uma forma que se cristaliza e que está perenemente
esvaziada. É a primeira, aquela que parece ser a mais antiga, que a todos concerne, mas na qual
ninguém se reconhece. Quando se diz “promessa de verdade”, parece-nos que a “verdade” é o
sentido, ou o destino da promessa. Todavia, é impossível. Não há “promessa de verdade”,
porque toda promessa é uma ficção que lida com um mundo impossível. Assim, “promessa de
verdade” aparece como um oximoro, de uma ficção verdadeira, ou uma verdade ficcionada. Se
considerarmos os estatutos sobre a verdade, chegamos num lugar impossível. Todavia, numa
espécie de labirinto, o espaço é torcido, fazendo aparecer possibilidades de operação. A ficção
verdadeira que é esta “promessa de verdade” adquire um estatuto de “intensidades” no espaço
da verdade, isto é, o da verdade criada, criadora, que toma da imaginação o seu suporte, e não
do discurso verdadeiro, ou em última instância, da realidade. A “promessa de verdade” é a
profissão do impossível possível, em uma configuração outra, um novo arranjo que se configura
na reestruturação do tempo e do espaço, dos corpos e das falas. A promessa que toma como
fundamento a imaginação não possui suporte na realidade; é uma promessa sem sentido, porque
os seus espaços estão por se criarem, inclusive no agora em que a sua profissão é impossível,

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V.
A promessa por si exige que o outro a aceite, receba-a. A promessa é presente e faz-se
presente quando alguém a recebe, aceita-a. É preciso mais de um para que a promessa
professe-se. Sem isso, minha promessa é vã; minha fala é nula. “Por isso, prometo. Para
que eu sempre precise ter alguém disposta a aceitá-la, a recebê-la; cuja aceitação e
recebimento sejam indispensáveis”.

VI.
Assim construo meu texto sobre uma dupla, ou neste caso, múltipla base. Ergo sobre um
plano de presente ofertado e aceito, ou por recebido, aceito. “Eu prometo. Mas, sei que
até que esta promessa seja aceita, recebida, corro o risco de falar e perder”. Não perder,
tornar impossível esse texto de ser falado.

VII.
“Para que ele seja abortado, eu ainda prometo, mas falarei do lugar em que minha
promessa não foi recebida, aceita, está por ser aceita, recebida”. Esse mesmo texto, isto
é, a linguagem. Ela é o lugar de intermitência da promessa, à espera do recebimento, da
aceitação que a tornará professada. “Se o que eu prometo, e eu continuo professando
esta promessa, não se fizer aceita, recebida, minha promessa torna-se uma promessa
fracassada, e minha profissão, uma profissão vazia, caída, na instrumentalização de sua
profissão, como profissão de uma promessa que lhe dá certa forma”.

VIII.
Com isso, não será preciso de outro que tomará minha promessa como o acordo que nos
vincularia. Meu texto torna-se, portanto, um texto informativo. Toda a malha sobre a
qual teço este texto romper-se-á. Sua linguagem decairá, abortada: rastros natimortos de
uma promessa encasulada. “Se, até aqui, você aceitou minha promessa, tudo até este
presente significa-se”. Toda a estrutura erguida nessa profissão da profissão, quase-
realizada, já-realizada. O ainda-não desse já é o risco que corro, corremos, juntamente
porque não foi pensada, não foi professada. A promessa sem sentido é sempre uma promessa
em potência. Ela se cria e configura-se antes da existência, antes de sabermos, antes da fala. É o
silêncio professado, indestrutível. Esse é o espaço da verdade, no campo da promessa. Ali, não
se consegue distinguir uma da outra.

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com minha promessa: de tornar-se outra coisa, um quase, do que poderia ter sido,
quando da minha profissão.

IX.
De uma promessa converte-se em um texto sobre a promessa; de uma profissão
converte-se numa fala sobre a impossibilidade da profissão em cada instante de sua
tentativa de profissão. A linguagem derrama-se, alguma coisa quebra-se; os vínculos
possíveis deixam de criar-se. “Assim, quando prometo, professo o desejo de unir-me
com todos”. Há uma finalidade de ultrapassar o texto sobre a promessa e professar esta
promessa, encarnada na minha fala.

X.
A linguagem não basta; esta linguagem não basta. É preciso prometer mais, para que ela
sirva. “E, ao prometer, peço que você aceite, receba, esta insuficiência. Se eu não
cumprir a promessa, que eu continuo professando, é por que ela exige mais do que esse
texto.” Ela demanda mais do que a linguagem está disposta a dar. Com isso, toda
promessa é uma quase-promessa, que é professada em vias de perder-se, sobre a qual
falamos para continuar aqui, a qual se esvai, porém, entre cada letra, cada linha. “Eu
prometo enquanto mantenho esta promessa e a professo e faço disso profissão”.

XI.
Eu a levo adiante, e ao mesmo tempo, envio-a adiante, para que ela seja o caminho pelo
qual ando enquanto ando. Tal caminho que surge enquanto se caminha é uma profissão,
um anunciar do próprio caminho. Eu levo a mensagem, porque sou a mensagem, já que
ela se professa por mim, pela promessa de professá-la. Todavia, como se carrega-se uma
vela adiante de mim, no meio de bruma, o alcance é curto, a incerteza é extensa. Só
Deus que é imortal pode, ao mesmo tempo, garantir a promessa. Eu não posso. Ela está
sempre em vias de quase, de apagar-se, de tornar-se promessa não cumprida, por falta
da profissão. É uma carta perdida, uma letra morta, que resta aqui, em mim
especialmente que a professei, e no outro que não a escutou e, por isso, perdeu uma
oportunidade.

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