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Espectros – Henrik Ibsen 1

Espectros
Gengangere – 1881
Henrik Ibsen

Tradução Alexandre Tenório


© 2004
Espectros – Henrik Ibsen 2

ESPECTROS
Drama doméstico em três atos

PERSONAGENS

SRA HELENA ALVING, viúva do Capitão Alving, Cavaleiro da Coroa.


OSWALD ALVING, seu filho, pintor.
PASTOR MANDERS
ENGSTRAND, um carpinteiro.
REGINA ENGSTRAND, empregada da Sra Alving

A ação se passa na propriedade da SRA ALVING, às margens de um


grande fiorde, na costa oeste da Noruega.

ATO 1

Uma sala grande que dá para o jardim, com uma porta na parede da esquerda e duas
na da direita. No centro da sala há uma mesa redonda com cadeiras. Sobre a mesa há
livros, jornais e revistas. Na esquerda baixa, diante de uma janela, um sofá e uma
mesinha de costura. No fundo, um hall envidraçado que dá para o jardim de inverno. À
esquerda deste hall, uma porta leva ao jardim. Através da vidraça pode-se ver o triste
fiorde, sempre encoberto por um constante véu de chuva.

ENGSTRAND, o carpinteiro, está parado na porta do jardim. Sua perna esquerda é


mais curta e por isso a sola de seu sapato é de madeira. Regina, com um regador vazio
na mão, tenta impedir que ele entre.

REGINA (Baixando tom da voz) O que é que você quer aqui? Fique onde
está, você está pingando!

ENGSTRAND A boa chuva de Deus, minha filha.

REGINA Chuva do demônio, isso sim!

ENGSTRAND Minha nossa, que jeito de falar, Regina. (Dá um ou dois passos
mancando, para dentro da sala) Mas o que eu queria falar com
você –

REGINA Cuidado com esse barulho que você faz. O patrãozinho ainda está
dormindo.

ENGSTRAND Dormindo? Uma hora destas?

REGINA O que você tem a ver com isso?

ENGSTRAND Pois eu fiquei na farra até tarde ontem à noite –


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REGINA Pra variar!

ENGSTRAND É minha filha, cada um tem sua fraqueza –

REGINA Com certeza.

ENGSTRAND – a vida é cheia de armadilhas , você sabe... pois então, e ainda


não eram 5 e meia da manhã e eu já estava no trabalho.

REGINA Tá bem, tá bem, mas vamos logo. Eu não tenho o dia inteiro pra
ficar de rendez-vous com você.

ENGSTRAND Pra ficar aonde?

REGINA Não quero que vejam você aqui. Anda, vamos, saia logo.

ENGSTRAND (Aproximando-se) Não saio daqui sem dar uma palavra com você.
Vou terminar o trabalho hoje à tarde lá no orfanato, volto para a
cidade no vapor da noite.

REGINA (Quase sem fôlego) Boa viagem!

ENGSTRAND Obrigado, minha filha. Sabe que amanhã é a inauguração do


orfanato, vai ter festa e bebida, e não quero que ninguém diga que
Jakob Engstrand é incapaz resistir à tentação.

REGINA Hah!

ENGSTRAND E além disso, vai ter gente importante. Até o pastor Manders deve
vir da cidade

REGINA Ele já está pra chegar.

ENGSTRAND Pois então, é como eu disse. Não quero dar a ele a chance de falar
uma vírgula de mim.

REGINA Ah, então é por isso?

ENGSTRAND Por isso o que?

REGINA Você tá é querendo tapear o pastor.

ENGSTRAND Shh! Ficou maluca? Pra que que eu ia querer tapear o Pastor? Ele
que tem sido um homem tão bom pra mim. Mas o que eu queria
falar pra você é que estou indo de volta, amanhã à noite –

REGINA Pra mim, quanto mais cedo você for, melhor.

ENGSTRAND – e queria que você voltasse comigo, Regina.


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REGINA (Boquiaberta) O que? Você quer que eu...?

ENGSTRAND Quero que volte pra casa comigo.

REGINA (Ridicularizando) Nunca vai conseguir me levar de volta pra casa.

ENGSTRAND Não? Isso é o que vamos ver.

REGINA Vamos ver sim! O que? Eu? Depois de ter sido educada por uma
“lady” como a Sra Alving – tratada praticamente como se fosse da
família? Quer que eu volte com você pr’um lugar como aquele?
Tch!

ENGSTRAND Mas que inferno...! Tem sempre que contradizer seu pai, sua
vagabunda?

REGINA (Sem fôlego, sem olhar para ele) Sempre disse que eu não era sua.

ENGSTRAND Tch, pra que falar nisso agora?

REGINA E as tantas vezes que me xingou e me chamou de... “fi donc”!

ENGSTRAND Que eu vá pro inferno se alguma vez chamei você disso!

REGINA Não precisa me dizer como você me chamava!

ENGSTRAND Sim, mas era só depois que eu tomava um ou dois goles... as


armadilhas desta vida, Regina...

REGINA Ugh!

ENGSTRAND ...ou quando sua mãe, começava a fazer uma cena, e eu tinha que
descontar. Sempre tão cheia de pose. (Imitando-a) Me deixa, me
larga, Jacob! Há anos que estou com os Alvings em Rosenvald, e
agora que ele foi condecorado pelo rei! (Rindo) Meu Deus, ele ter
sido condecorado pelo rei enquanto ela trabalhava lá, nunca saía
da cabeça dela.

REGINA Coitada da minha mãe, você com certeza, mandou ela pra cova
mais rápido.

ENGSTRAND (Encolhendo os ombros) É – e você sempre botando a culpa em


mim!

REGINA (Sem fôlego, de costas para ele) E esta sua perna – ugh!

ENGSTRAND O que disse, criança?

REGINA Pied de mouton!


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ENGSTRAND Tá falando inglês?

REGINA Estou.

ENGSTRAND A educação que teve aqui agora vai ser útil.

REGINA (Após um instante) Pra que que você quer que eu vá pra cidade?

ENGSTRAND E precisa perguntar a um viúvo solitário pra que que ele precisa
de sua única filha?

REGINA Não me venha com histórias. Pra que que você me quer?

ENGSTRAND Vou te contar: estou pensando em começar um negócio.

REGINA (Com desdém) Está sempre pensando e nunca dá em nada.

ENGSTRAND Não, mas desta vez, vai ver só, que o diabo me carregue se...

REGINA Olha a boca!

ENGSTRAND Sh! Sh! Tudo bem, menina, tudo bem. Mas escute só: Consegui
juntar um dinheirinho com esse trabalho aqui no orfanato.

REGINA Conseguiu? Que bom pra você.

ENGSTRAND Também vai se gastar em que, aqui neste fim de mundo?

REGINA E daí?

ENGSTRAND Daí que pensei em usar esse dinheiro pra abrir uma pensão pra
marujos.

REGINA Ugh!

ENGSTRAND Mas uma pensão de nível, sabe – não um chiqueiro imundo pra
marinheiros subalternos. Não, nada disso, mas um lugar de classe
só pros comandantes e capitães de navio, sabe como é.

REGINA E o que é que eu – ?

ENGSTRAND Você me daria uma mão, claro. Principalmente na arrumação,


entende? Não seria muito trabalho; poderia fazer o que lhe
conviesse.

REGINA Ah? É?

ENGSTRAND Sim, pois teríamos que ter outras meninas – sem dúvida. Pra
alegrar o ambiente à noite, música, dança, etc. Lembre-se que
vamos hospedar homens carentes de atenção, navegadores dos
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sete mares. (Chegando mais perto) Deixe de ser tola e dê uma


chance a si mesma, Regina. Que futuro você tem aqui? Toda essa
educação que sua patroa lhe deu – vai servir pra que? Ouvi dizer
que vai ficar tomando conta das crianças no orfanato. Pense em
você. Qual a graça de passar o resto da vida cuidando de um
bando de crianças pobres e encardidas?

REGINA Não se as coisas tomarem o rumo... e com certeza vão... tomar o


rumo que eu quero...

ENGSTRAND E que rumo é esse?

REGINA Deixe isso pra lá. Você juntou muito dinheiro?

ENGSTRAND No total acho que deve chegar a umas setecentas ou oitocentas


coroas.

REGINA Nada mal.

ENGSTRAND Já dá pra começar qualquer coisa, minha filha.

REGINA E nem pensou em me dar algum?

ENGSTRAND Oh meu Deus, claro que não.

REGINA Nem um corte de fazenda pra fazer um vestido?

ENGSTRAND Se vier para a cidade comigo, vai ter todos os vestidos que quiser.

REGINA Tss! Se quiser, posso comprar eu mesma.

ENGSTRAND Mas estaria tão melhor guiando seu pobre pai, Regina. Sabe, eu vi
uma casinha numa ruela perto do cais; não estão pedindo muito, e
com muito pouco podemos transformar ela numa segunda casa
para os homens do mar.

REGINA Mas não quero ir com você. Não quero nada com você. E vá
embora agora!

ENGSTRAND Mas não ficaria comigo muito tempo, minha querida – minha
sorte não seria tanta – se souber jogar direitinho suas cartas. Veja
como estes últimos anos fizeram de você uma moça tão bonita.

REGINA E daí?

ENGSTRAND Não demoraria muito pro comandante de algum navio, ou quem


sabe até um capitão...

REGINA Não vou me casar com esse tipo de homem. Marinheiros não têm
o menor savoir vivre.
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ENGSTRAND Que que eles não têm?

REGINA Não sei o que eles têm. Não vou me casar com um marinheiro.

ENGSTRAND Não precisa casar então – o dinheiro vem igual. (Mais


confidencialmente) Lembra daquele inglês? aquele do iate – deu
pra ela 300 dólares, assim... e ela nem era tão bonita quanto você.

REGINA (Avançando para ele) Saia daqui!

ENGSTRAND (Recuando) Espera, espera, não vai bater em mim, vai?

REGINA Experimente falar de novo assim da minha mãe. Vai ver como
você apanha. Saia daqui. Já disse! (Ela o conduz para a porta do
jardim) E não faça barulho, o patrãozinho...

ENGSTRAND ...Está dormindo, já sei! Tão estranho o jeito como fala do menino
Alving. (Suavemente) Aha! não vai me dizer que é ele, vai?

REGINA Fora – e rápido! Você é um idiota! Não, por aí não – o pastor


Manders está chegando. Pela porta dos fundos.

ENGSTRAND (Dirigindo-se para a direita) Tudo bem, tudo bem! Fale com ele
quando ele chegar, ele vai dizer o dever de uma filha pro seu pai.
Porque eu sou seu pai, você sabe; está registrado no cartório.

Ele sai pela porta que REGINA abriu para ele. Ela se olha no
reflexo da vidraça. Abana-se com o lenço e ajeita o vestido,
depois se põe a ajeitar as flores.
O PASTOR MANDERS, usando capa, guarda-chuva, e trazendo
uma pequena bolsa de viagem, entra pela porta do jardim.

MANDERS Bom dia Srta Engstrand.

REGINA (Voltando-se com alegre surpresa) Oh bom dia, pastor. O vapor já


chegou?

MANDERS Acabamos de chegar. (Entrando na sala) Mas que tempo horrível


é este?

REGINA (Seguindo-o) É bom para os fazendeiros, pastor.

MANDERS Sim, naturalmente, tem razão. Nós da cidade nunca pensamos


neles. (Começa a tirar a capa).

REGINA Deixe-me ajudá-lo... Pronto! Como está molhado. Vou pendurá-lo


no hall, me dê seu guarda-chuva também – vou deixar aberto para
secar.
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Ela sai com as coisas dele. PASTOR MANDERS coloca sua bolsa
e seu chapéu sobre uma cadeira. REGINA volta.

MANDERS Como é bom estar num lugar seco! Tudo bem por aqui?

REGINA Muito bem, obrigada.

MANDERS Muito trabalho, deve ter, pra deixar tudo pronto para amanhã.

REGINA Ah, sim, estou cheia de coisas pra fazer.

MANDERS Sra Alving está em casa, eu espero.

REGINA Ah sim, ela acabou de subir com uma xícara de chocolate para o
patrãozinho.

MANDERS Ah sim, pois é – ouvi dizer que Oswald estava em casa.

REGINA É ele chegou anteontem. Dois dias antes do esperado.

MANDERS Bem e em boa forma, eu espero.

REGINA Sim está muito bem, obrigada – mas terrivelmente cansado,


depois de uma viagem longa como essa. Ele veio direto, sem
trocar de trem, de Paris até aqui... imagine... Deve estar dormindo
ainda, precisamos falar mais baixo.

MANDERS Sh! Vamos falar bem baixinho!

REGINA (Trazendo uma poltrona para perto da mesa) Mas sente-se,


pastor, fique a vontade. (Ele senta-se e ela coloca um apoiador
sobre os seus pés) Assim! Está confortável?

MANDERS Está ótimo, obrigado. (Olhando para ela) Sabe Srta Engstrand,
acho que cresceu um bocado desde a última vez que a vi.

REGINA Acha mesmo, pastor? A senhora acha que eu engordei um pouco.

MANDERS Engordou? Ora um pouquinho talvez... mas ficou melhor.

Pequena Pausa.

REGINA Devo avisar a senhora?

MANDERS Oh, não há pressa, menina, obrigado. Mas, diga-me Regina, seu
pai tem se dado bem, por aqui?

REGINA Oh muito bem, Pastor.

MANDERS Ele me procurou, na última vez que esteve na cidade.


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REGINA Ah, foi? Ele fica tão contente quando tem a chance de conversar
com o senhor.

MANDERS E você, como boa filha, vai sempre vê-lo e conversar com ele?

REGINA Eu? Claro que vou, sempre – que tenho tempo...

MANDERS Sabe que seu pai tem lá suas fraquezas, precisa de uma alma que
o guie.

REGINA É, eu sei pastor.

MANDERS Ele se sente mais seguro quando tem alguém por perto em quem
possa se apoiar. Foi ele mesmo quem admitiu isso, nesta ultima
vez que estivemos juntos.

REGINA Ele me falou qualquer coisa a esse respeito. Mas não sei se a Sra
Alving estaria disposta a abrir mão de mim; ainda mais agora com
a inauguração do orfanato. Eu também sentiria muito em deixar a
Sra Alving, ela foi sempre tão boa para mim.

MANDERS Mas a obrigação de uma filha, minha criança – Claro, que sem o
consentimento de sua patroa...

REGINA E não sei se ficaria bem para mim, na minha idade, cuidar de um
homem solteiro.

MANDERS Mas Srta Engstrand, este homem é seu pai!

REGINA É, pode ser, mas mesmo assim – Se pelo menos ele fosse um
cavalheiro de verdade, numa boa casa e –

MANDERS Como assim Regina?

REGINA – alguém que inspirasse o amor e o respeito que um pai de


verdade merece –

MANDERS Sim, mas minha querida –

REGINA Aí sim eu iria de boa vontade para a cidade. Sinto-me tão sozinha
aqui; ninguém sabe melhor que o senhor o como dói ser sozinho
no mundo. Disposição e vontade não me faltam, lhe garanto. O
senhor por acaso não sabe de nenhum lugar?

MANDERS Quem eu? Não, não sei.

REGINA Se souber de algum, pastor, promete não se esquecer de mim?

MANDERS (Levantando-se) Sim, claro, Srta Engstrand.


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REGINA É, porque aí –

MANDERS Poderia fazer o favor de avisar a Sra Alving que estou aqui?

REGINA Imediatamente, senhor. (Ela sai pela esquerda).

O PASTOR MANDERS anda um pouco pela sala até que pára na


janela, de costas, mãos cruzadas atrás, olhando para fora.
Depois volta até a mesa, pega um livro e tem uma reação de
surpresa ao ler o título. Logo começa a examinar os outros.

MANDERS O que é isso...!

SRA ALVING entra pela porta da esquerda, acompanhada por


REGINA que sai a seguir pela porta mais próxima da direita.

SRA ALVING (Estendendo-lhe a mão) Ah, pastor, fico tão contente que tenha
vindo.

MANDERS Como vai, Sra Alving. Vim, como prometi.

SRA ALVING E pontual, como sempre.

MANDERS Não foi fácil me livrar de todas as obrigações e deveres da


paróquia.

SRA ALVING Não sei como lhe agradecer por ter chegado tão cedo, pois assim,
podemos discutir os negócios antes mesmo do almoço. Mas onde
está sua bagagem?

MANDERS (Rapidamente) Deixei minhas coisas na estalagem, onde vou


passar a noite.

SRA ALVING (Reprimindo um sorriso) É impossível mesmo convencer o senhor


de ficar conosco, não é?

MANDERS Não, não, agradeço muito, Sra Alving, mas... é tão prático ficar lá
embaixo, especialmente para pegar o barco.

SRA ALVING Bem, o senhor faz como preferir. De qualquer forma, um casal de
velhos como nós...

MANDERS Ora Sra Alving, o que é isso! Bem, mas pelo menos vejo que a
senhora está de ótimo humor hoje. Também, não é pra menos,
com a festa de amanhã, e Oswald de volta.

SRA ALVING Então, não é mesmo uma grande sorte para mim? Já faz mais de
dois anos que ele esteve em casa pela última vez. E agora,
prometeu ficar o inverno inteiro comigo.
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MANDERS É mesmo? Isso mostra o quanto ele é dedicado e atencioso. Pois


não duvido que viver em Roma ou em Paris seja bem mais
interessante do que aqui.

SRA ALVING Pode ser, mas aqui ele tem a mim. E meu menino – ainda tem no
coração um lugarzinho para sua velha mãe.

MANDERS Teria sido lamentável se por ter deixado sua casa e ter-se dedicado
exclusivamente à arte, seus sentimentos tivessem se
embrutecidos.

SRA ALVING Ah, claro, mas quanto a isso não há o que temer. Vai ser curioso
ver se o senhor o reconhece. Ele já vai descer, está só
descansando um pouco no sofá, lá de cima. Mas sente-se por
favor, meu querido pastor.

MANDERS Obrigado, será que podemos começar agora - ?

SRA ALVING Naturalmente. (Ela senta-se à mesa).

MANDERS Ótimo. Bom, Deixe-me lhe mostrar – (Vai até a cadeira onde está
sua bolsa e tira um maço de papéis. Senta-se à mesa e tenta
encontrar um local para dispor os documentos) Bem, antes de
mais nada, precisamos... (Interrompendo-se) Sra Alving, como
estes livros vieram parar aqui?

SRA ALVING Estes livros? São os que estou lendo,

MANDERS A senhora costuma ler este tipo de coisas?

SRA ALVING Claro.

MANDERS E sente-se melhor e mais feliz lendo isso?

SRA ALVING Sinto-me... mais segura.

MANDERS Não me diga! Como pode ser?

SRA ALVING Eles de certa forma explicam, ou confirmam – muitas coisas que
eu tenho pensado; e o que é mais incrível, pastor, é que não há
nada verdadeiramente novo nestes livros, nada que a maioria das
pessoas já não saiba. A questão é que quase ninguém se dá conta
da existência destas coisas, ou então, fingem que elas não
existem.

MANDERS Louvado seja o senhor! A senhora realmente acredita que a


maioria das pessoas – ?

SRA ALVING Acredito sim.


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MANDERS Mas não aqui neste país. Não aqui entre nós.

SRA ALVING Aqui entre nós também.

MANDERS Bem, nem sei o que dizer –

SRA ALVING Afinal, pastor, o que o senhor tem contra estes livros?

MANDERS O que tenho contra? Ora a senhora acha que eu gasto meu tempo
lendo isto?

SRA ALVING Está dizendo então que não conhece o que condena?

MANDERS Já li o suficiente sobre estes livros para condená-los.

SRA ALVING Sim, mas sua própria opinião...

MANDERS Minha cara senhora, muitas vezes temos que confiar na opinião
dos outros. Assim é a vida, e é assim que deve ser. Do contrário,
como a sociedade continuaria a existir?

SRA ALVING Bem, talvez o senhor esteja certo.

MANDERS De qualquer forma, não ignoro que deva haver um certo fascínio
por esses trabalhos. E não posso culpar a senhora por querer
conhecer estas correntes de pensamento que predominam
atualmente no estrangeiro – por onde a senhora tem permitido que
seu filho ande, já há algum tempo. Mas...

SRA ALVING Mas?

MANDERS (Baixando o tom de voz) Contanto que não se fale por aí.
Ninguém é obrigado a prestar contas do que pensa, ou do que lê
dentro de suas quatro paredes.

SRA ALVING Sim, eu concordo com o senhor.

MANDERS Lembre-se de sua posição em relação ao orfanato, instituição que


decidiu erigir numa época em que suas opiniões sobre esses
assuntos eram bem diferentes.

SRA ALVING Estou de inteiro acordo com o senhor, pastor. Mas era mesmo
sobre o orfanato que –

MANDERS Sim, é sobre o orfanato que precisamos falar, exatamente. Só lhe


peço discrição, senhora! Bem, mas vamos aos negócios. (Abre um
envelope e tira uns papéis) Está vendo isto?

SRA ALVING São as escrituras?


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MANDERS Exatamente, e estão em perfeita ordem. Nem pode imaginar o


trabalho para que tudo ficasse pronto a tempo. Tive inclusive que
usar uma certa energia – estes assuntos burocráticos são sempre
terrivelmente demorados. Mas aqui está tudo. (Começa a separar
os papéis) Isto aqui é o registro de propriedade de Solvik, que
pertence ao município de Rosenvold. Aqui estão indicados os
edifícios recentemente construídos, nomeados assim: escola,
residência dos professores e capela. E esta aqui é a autorização
legal para o funcionamento e os estatutos da instituição. Veja:
(Lê) “Estatuto do Orfanato para Crianças Erguido em Memória do
Capitão Alving”.

SRA ALVING (Após ter examinado longamente os documentos) Muito bem...

MANDERS Achei que “Capitão” ficava menos pretensioso que “Cavaleiro da


Coroa”.

SRA ALVING Sim, perfeito, como o senhor achar melhor.

MANDERS Aqui estão os recibos do capital depositado no banco. Os juros


serão suficientes para cobrir as despesas com a manutenção do
orfanato.

SRA ALVING Muito obrigada, mas para mim, seria mais conveniente que o
senhor continuasse a se ocupar desta parte.

MANDERS Naturalmente. A princípio acho que devemos manter o dinheiro


neste banco. Os juros não são tão vantajosos assim, quatro por
cento a cada semestre. Mas se mais tarde viermos a encontrar um
negócio melhor, claro, teria que ser algo inteiramente seguro, aí
poderíamos voltar a considerar o assunto.

SRA ALVING O senhor, conhece todas estas coisas melhor do que ninguém,
pastor Manders.

MANDERS Pode ficar descansada, vou manter meus olhos sempre bem
abertos em relação a isso. Mas ainda há uma coisa que já há
algum tempo venho pensando em discutir com a senhora,

SRA ALVING O que é?

MANDERS Acha que devemos ou não colocar o orfanato no seguro?

SRA ALVING Claro que devemos providenciar um seguro.

MANDERS Mas antes, acho que precisamos analisar melhor este assunto.

SRA ALVING Sempre fiz seguro dos meus bens – propriedades, mobiliário, o
rebanho, as colheitas.
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MANDERS Sim mas estes são seus próprios bens, também faço o mesmo com
os meus. Mas no caso do orfanato, a situação é diferente: é algo
que se destina a um propósito de ordem superior.

SRA ALVING Sim, mas mesmo assim –

MANDERS Eu pessoalmente também, não vejo a menor objeção em nos


precavermos de uma eventualidade qualquer –

SRA ALVING Nem eu.

MANDERS Mas qual seria a reação das pessoas da região? A senhora as


conhece melhor que eu.

SRA ALVING Bem, a reação –

MANDERS Será que número considerável de pessoas, quero dizer pessoas de


fato influentes, não ficariam de certa forma – escandalizadas?

SRA ALVING O que quer dizer exatamente com pessoas de fato influentes?

MANDERS Bem, estou pensando naquelas pessoas daqui, que ocupam cargos
importantes e que certamente não pode-se deixar de considerar o
peso de suas opiniões.

SRA ALVING É, na verdade existe um grande de número destas pessoas por


aqui, que ficariam mesmo chocadas se –

MANDERS Pois é, Sra Alving. A cidade também está cheia de gente que
reagiria da mesma forma. Todos os meus colegas, por exemplo.
Começariam logo a dizer que nem eu nem a senhora confiamos
na providência divina.

SRA ALVING Mas meu caro pastor, o senhor mesmo deve saber –

MANDERS Sim, eu sei, eu sei. Minha confiança está tranqüila – isso é


verdade, ainda assim acho que não precisamos dar motivos aos
outros para nos interpretarem mal. Isso poderia facilmente afetar
o trabalho do orfanato.

SRA ALVING Bom, neste caso –

MANDERS Ao mesmo tempo, não posso fechar os olhos diante da difícil, e


porque não dizer, penosa situação em que me encontro. Há muitas
pessoas influentes que já demonstraram grande interesse pelo
orfanato. De uma certa forma, ele trará benefícios à região, pois
através dele vão se poder aliviar sensivelmente os encargos de
assistência pública. E como tenho sido seu conselheiro e venho
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me ocupando de toda a administração dos seus negócios, tenho


medo de vir a ser o primeiro alvo dos mais fanáticos.

SRA ALVING Ah não. Certamente o senhor não deve se arriscar.

MANDERS E sem falar nos ataques que certos jornais e publicações fariam –

SRA ALVING Assunto encerrado, pastor Manders. Está tudo acertado.

MANDERS Então a senhora não vai assegurar o orfanato.

SRA ALVING Não. Deixaremos como está.

MANDERS (Recostando-se na cadeira) Mas e se, ocorrer algum acidente?


Nunca se sabe... a senhora seria capaz de arcar com os prejuízos?

SRA ALVING Não. Não poderia.

MANDERS Então, Sra Alving, devemos ter consciência da grande


responsabilidade que estamos assumindo.

SRA ALVING Temos outra opção?

MANDERS Não, infelizmente isso é a única coisa que se pode fazer. Não
podemos nos expor a interpretações errôneas e nem temos o
direito de ofender a opinião pública.

SRA ALVING Principalmente o senhor, como pastor.

MANDERS Realmente acredito, que uma instituição como esta, será guiada
pela sorte e que poderá contar sempre com a proteção do Senhor.

SRA ALVING Esperamos que sim, Sr Manders.

MANDERS Devemos pois deixar as coisas como estão?

SRA ALVING Exatamente.

MANDERS Ótimo. Como quiser. (Escrevendo) Então, sem seguro.

SRA ALVING Estranho o senhor ter mencionado este assunto, justamente hoje –

MANDERS Vinha pensando em conversar com a senhora já há alguns dias.

SRA ALVING Pois ontem mesmo tivemos um início de incêndio no orfanato.

MANDERS Verdade?

SRA ALVING Foi uma coisa à toa. Serragens pegaram fogo, na carpintaria.
Espectros – Henrik Ibsen 16

MANDERS Não é onde trabalha o Engstrand?

SRA ALVING É. Dizem que ele é meio descuidado com fósforos.

MANDERS O coitado tem sempre tantas coisas na cabeça, tantas tentações.


Mas soube que, graças a Deus ele está querendo mudar de vida.

SRA ALVING Verdade? Quem lhe disse isso?

MANDERS Ele mesmo. E de fato não se pode negar que ele trabalha bem.

SRA ALVING Sim, quando não está bêbado –

MANDERS Pois é, este o seu problema. Mas ele me disse que bebe por culpa
do defeito que tem na perna. Da última vez que foi me ver na
cidade, fiquei realmente comovido. Ele me agradeceu tão
sinceramente por eu ter-lhe arranjado este trabalho aqui no
orfanato, por estar tão perto de Regina.

SRA ALVING Pois ele raramente a vê.

MANDERS Mas ele me disse que fala com ela todos os dias.

SRA ALVING Será...?

MANDERS Disse-me que precisa muito de alguém que chame sua atenção no
momento em que a tentação se aproxima. O que acho que Jacob
Engstrand tem de melhor, é sua capacidade de reconhecer e
condenar suas próprias fraquezas. Na última vez que
conversamos... Sra Alving, se fosse realmente necessário que
Regina voltasse a viver com ele –

SRA ALVING (Rapidamente levantando-se) Regina?

MANDERS A senhora não impediria – ?

SRA ALVING Claro que impediria. Além do mais, Regina já faz parte do quadro
de funcionários do orfanato.

MANDERS Mas, a senhora sabe, ele é o pai dela.

SRA ALVING Sei exatamente que tipo de pai ele tem sido. Não, eu não posso
admitir que ela volte a viver com ele.

MANDERS (Levantando-se) Querida, senhora Alving, também não há motivo


para ser tão radical. Apenas lamento que não conheça Engstrand
como eu; poderia até pensar que a senhora tem medo de –

SRA ALVING (Mais controlada) Seja como for. Eu trouxe Regina para esta casa
e é aqui que ela deve ficar. (Ouvindo alguma coisa) Ssh! Não
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falemos mais nisso, meu querido. (Radiante de alegria) Ouça,


Oswald está descendo. Vamos esquecer tudo, vamos pensar só
nele.

OSWALD ALVING entra pela porta da esquerda. Usa um casaco


leve, traz o chapéu na mão e fuma um grande e velho e cachimbo.

OSWALD Oh me desculpem, pensei que estivessem no escritório.


(Avançando para dentro da sala) Bom dia pastor Manders.

MANDERS (Surpreso) É surpreendente!

SRA ALVING Então Pastor, o que o senhor acha?

MANDERS Eu... eu... Não, não pode ser...!

SRA ALVING Mas é pastor, é o meu filho de volta.

MANDERS (Contradizendo-a) Não, mas se não é o meu menino!

OSWALD O bom filho, à casa torna.

SRA ALVING Ainda agora, Oswald estava se lembrando da época que o senhor
era absolutamente contra a idéia dele ser pintor.

MANDERS Muitos dos nossos julgamentos mudam com o passar do tempo,


mas – (pegando em suas mãos) mas seja bem vindo, Oswald meu
filho. Será que ainda posso lhe chamar só de Oswald?

OSWALD Lógico, de que outro jeito me chamaria?

MANDERS Ótimo. Mas não quero que pense que condeno a vida artística em
geral. Tenho certeza que existem pessoas que mantém suas almas
íntegras mesmo nestes ambientes. Como em qualquer outra
profissão.

OSWALD Esperamos que sim.

SRA ALVING (Muito feliz) Pois eu conheço alguém que mantém a alma, e o
corpo, perfeitamente imaculados. Basta olhar para ele, pastor.

OSWALD (Andando pela sala) Está bem, está bem, minha mãe, mas vamos
parar de falar nisso!

MANDERS Disso eu não tenho dúvidas. E você, já começou a fazer nome.


Tenho lido algumas coisas sobre seu trabalho nos jornais, falam
com muito entusiasmo. Se bem que ultimamente não tenho visto
nada.

OSWALD (Distanciando-se) É que quase não tenho pintado, ultimamente.


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SRA ALVING Até os artistas precisam de férias de vez em quando.

MANDERS Com certeza, a fim de repor suas energias para uma nova e
grandiosa fase em sua carreira.

OSWALD O almoço... ainda demora?

SRA ALVING Nó máximo uma meia hora. Ainda bem que apetite não lhe falta.

OSWALD Achei este cachimbo do meu pai, lá no meu quarto.

MANDERS Ah, então foi por isso!

SRA ALVING O que?

MANDERS Quando Oswald entrou por aquela porta, fumando esse cachimbo,
eu poderia jurar que estava diante de seu pai, em carne e osso.

OSWALD Verdade?

SRA ALVING Impossível. Oswald se parece é comigo.

MANDERS Sim, mas há qualquer coisa nos cantos de sua boca, talvez os
lábios, que me lembram perfeitamente de Alving. Ainda mais
agora fumando o cachimbo.

SRA ALVING Não, eu não acho. Oswald tem uma boca eclesiástica.

MANDERS Bem, é verdade. Alguns de meus colegas têm mesmo esta


expressão.

SRA ALVING Apague este cachimbo, meu filho. Não gosto que se fume aqui na
sala.

OSWALD (Apagando o cachimbo) Sim, claro, minha mãe, só queria


experimentar – uma vez, quando era pequeno, eu fumei
cachimbo.

SRA ALVING Você?

OSWALD Sim, eu era bem pequeno. lembro de uma noite que fui até o
quarto do papai e ele estava de ótimo humor –

SRA ALVING Claro que não pode se lembrar desta época.

OSWALD Não, eu me lembro muito bem – ele me pegou no colo, me


colocou sentado nos seus joelhos, botou o cachimbo na minha
boca e disse: vamos rapazinho, fume, vamos menino! Eu puxei a
Espectros – Henrik Ibsen 19

fumaça com toda força até que de repente comecei a me sentir


tonto, suava frio. Então ele começou a rir.

MANDERS Que incrível!

SRA ALVING Ora pastor, isso ele deve ter sonhado!

OSWALD Não, não foi sonho não, mãe. A senhora não lembra que entrou
correndo me tirou dali e me levou pro quarto dos brinquedos, e
foi aí que eu passei realmente mal. Depois ouvi a senhora
chorando. O papai sempre fazia esse tipo de brincadeira?

MANDERS Quando jovem, seu pai era um homem tão cheio de alegria.

OSWALD O que não lhe impediu de fazer tantas coisas importantes no seu
curto tempo de vida. Ele morreu tão novo.

MANDERS De fato, você tem sorte de ter herdado o nome de um homem do


valor de seu pai. Espero que isto lhe sirva sempre como fonte de
inspiração.

OSWALD Sem dúvida, pastor.

MANDERS É tão bom que tenha vindo para as celebrações em memória do


seu pai.

OSWALD Era o mínimo que eu poderia fazer por ele.

SRA ALVING E o melhor de tudo é que ele vai ficar comigo por tanto tempo.

MANDERS Pois então, vai mesmo passar o inverno todo por aqui?

OSWALD Não sei ainda quanto tempo vou ficar, pastor. Só sei que é tão
bom estar de volta em minha casa.

SRA ALVING (Sorridente) Não é mesmo?

MANDERS (Olhando com cumplicidade) Também, meu pequeno Oswald,


você era muito jovem quando foi morar no estrangeiro.

OSWALD Era sim, pastor. Às vezes, inclusive, me pergunto se não era


jovem demais.

SRA ALVING Não, de jeito nenhum! A melhor coisa para um rapaz jovem e
saudável, especialmente se for filho único, é ir viver um pouco
longe do pai e da mãe, pra não virar um desses insuportáveis
meninos mimados.

MANDERS Bem, não sei se concordo com a senhora, mas para mim, pais e
filhos não devem ficar afastados.
Espectros – Henrik Ibsen 20

OSWALD Concordo com o pastor.

MANDERS Olhe bem para seu filho, acho que podemos falar isso diante dele,
qual a vantagem dele ter vivido tanto tempo fora de casa? Com
vinte seis ou vinte e sete anos, não teve ainda a oportunidade de
saber exatamente como é a vida em família.

OSWALD Ah, me perdoe, pastor, mas quanto a isso o senhor está totalmente
enganado.

MANDERS Mas não tem vivido exclusivamente no meio artístico?

OSWALD Sim , tenho.

MANDERS E principalmente entre jovens artistas?

OSWALD Sim.

MANDERS Pois então. Acredito que a maioria destes jovens não tenha
condições de montar uma casa e sustentar uma família.

OSWALD A maioria deles não teria dinheiro nem pra se casar, Pastor.

MANDERS Pois então, era justo o que eu queria dizer.

OSWALD Ainda assim, pode-se ter uma casa. E muitos têm – às vezes até
bem agradáveis e com algum conforto.

A SRA ALVING, que estava escutando, concorda com a cabeça


mas não diz nada.

MANDERS Mas não me referia a alojamentos de estudantes, coisas assim.


Quero dizer um lar, vida em família, onde um homem vive com
sua esposa, seus filhos.

OSWALD Sim, ou com seus filhos e a mãe de seus filhos.

MANDERS (Reação de surpresa) Ora, meu Deus!

OSWALD Então?

MANDERS Mora com – a mãe de seus filhos?

OSWALD Sim, ou o senhor preferia que ele abandonasse a mãe de seus


filhos?

MANDERS Bem, então é de relações ilícitas que está falando. Casamentos


extra-oficiais, como se costuma chamar?
Espectros – Henrik Ibsen 21

OSWALD Não vejo nada de ilícito no fato dessas pessoas viverem juntas.

MANDERS Não entendo como um rapaz ou uma moça, com um mínimo de


uma educação decente, chega ao ponto de viver assim, de uma
forma tão aberta.

OSWALD E qual seria o remédio? Um jovem artista, uma moça sem posses
– casamentos custam fortunas hoje em dia. O que deveriam fazer?

MANDERS O que deveriam fazer? Pois muito bem, Sr Alving vou lhe dizer o
que deveriam fazer. Em primeiro lugar deveriam ser capazes de se
manter afastados um do outro, isso é o que deveriam fazer.

OSWALD Este seu conselho não serviria muito para um casal de jovens
ardentemente apaixonados.

SRA ALVING Não serviria mesmo.

MANDERS (Continuando) E como podem as autoridades tolerarem tal coisa?


– em plena luz do dia. (Para a SRA ALVING) Vê como minhas
preocupações a respeito do seu filho tinham fundamento?
Vivendo num antro onde a imoralidade é francamente aceita – e
quem sabe até estimulada!

OSWALD Deixe-me lhe dizer uma coisa, pastor. Eu costumava passar meus
domingos num desses “lares ilícitos”.

MANDERS Um dia sagrado como o domingo!

OSWALD Não é o dia que temos para nós mesmos? Pois jamais ouvi uma
palavra condenável, jamais presenciei qualquer ato que se
pudesse chamar de imoral. E quer saber quando estive em contato
direto com a imoralidade no meio artístico?

MANDERS Minha nossa, não!

OSWALD Pois foi quando um conterrâneo nosso, em viagem de “negócios”,


um desses maridos perfeitos e pais exemplares, nos convidou a
uma de suas tavernas prediletas, e lá nos contou e fez coisas que
nós jamais tínhamos imaginado.

MANDERS Está querendo dizer que homens honestos deste país –

OSWALD Aposto como já ouviu estes homens honestos, quando voltam de


viagem, falarem sobre a imoralidade geral que existe no
estrangeiro.

MANDERS Sim, claro.

SRA ALVING Eu também.


Espectros – Henrik Ibsen 22

MANDERS Pois estejam certos que muitos deles são verdadeiros “doutores”
no assunto. (Com as mãos na cabeça) Não suporto ouvir esses
hipócritas falando mal da livre e fantástica vida que se leva lá
fora.

SRA ALVING Não deve se exaltar com isso, Oswald. Não lhe faz nada bem.

OSWALD Sim, mãe. Não me faz bem. Eu sei. É que se não fosse este...
maldito cansaço. Vou sair para dar uma volta antes do almoço. Me
desculpe, pastor, mas sei que nunca vamos concordar em certos
assuntos. Eu tinha que falar. (Sai pela porta à direita).

SRA ALVING Coitado do meu filho!

MANDERS É, tem razão. Foi nisso o que deu. (SRA ALVING olha para ele
sem dizer nada. Ele caminha pela sala) Ainda o chamei de filho
pródigo... tenho pena dele. Muita pena! (SRA ALVING continua a
olhá-lo). O que é que a senhora tem a dizer agora?

SRA ALVING Acho que Oswald está completamente certo.

MANDERS Certo? Por ter princípios como esses?

SRA ALVING Foi vivendo tanto tempo aqui isolada que cheguei a ter os
mesmos tipos de pensamentos. Só que nunca tive coragem de
transformá-los em palavras. Mas graças a Deus, meu filho pode
agora falar por mim.

MANDERS Tenho pena da senhora. Lamento, Sra Alving, mas temos que ter
uma conversa muito séria. Peço-lhe que agora, não olhe para mim
como o homem de seus negócios, nem como seu conselheiro, ou
como o melhor amigo de seu marido. Quero falar-lhe como padre,
exatamente. Aquele que esteve presente no momento mais difícil
de sua vida.

SRA ALVING E o que o padre tem a me dizer?

MANDERS Antes de mais nada, deixe-me refrescar sua memória. Alias não
poderia haver momento mais adequado – amanhã será o décimo
aniversário da morte de seu marido. Amanhã um monumento será
inaugurado em sua honra. Amanhã eu terei que fazer um discurso
para toda a comunidade. Mas hoje, é com a senhora que eu
preciso falar.

SRA ALVING Pois então fale, pastor Manders.

MANDERS Lembra-se que com menos de um ano de casada a senhora esteve


à beira do abismo? Que saiu de casa, que fugiu do seu marido.
Espectros – Henrik Ibsen 23

Sim, Sra Alving, fugiu. Fugiu e se recusava a voltar, apesar dos


pedidos de um homem infeliz.

SRA ALVING E o senhor não se lembra do inferno que foi este nosso primeiro
ano de casamento?

MANDERS A revelação de um espírito selvagem é a busca da felicidade, Sra


Alving. Que direitos temos nós mortais à felicidade? A única
coisa que temos de verdade é nosso dever a cumprir. E o seu
dever era ter permanecido ao lado do homem que escolheu e com
quem se uniu em sagrado matrimônio.

SRA ALVING Ora, o senhor sabe perfeitamente bem o tipo de vida que meu
marido levava naquela época, os excessos que cometia.

MANDERS Sei apenas dos rumores que corriam por aí – e se tais coisas
fossem verdade, eu seria o primeiro a condenar este tipo de
conduta num jovem. Mas não cabe à mulher julgar seu marido.
Quando um poder maior, deita o peso de sua cruz sobre dois seres
humanos, seu dever deveria ter sido suportar com paciência este
peso. Mas ao invés disso não, a senhora se rebelou contra a cruz
deste poder, abandonando o pecador no momento em que ele mais
precisava de sua ajuda. Fugiu, arriscando a honra de seu próprio
nome, e o que é pior, envolvendo a reputação de outras pessoas
no mesmo emaranhado.

SRA ALVING Como assim, outras pessoas? O senhor quer dizer, outra pessoa.

MANDERS Foi terrivelmente constrangedor a senhora ter buscado refúgio em


minha casa.

SRA ALVING Na casa de nosso padre? De nosso melhor amigo?

MANDERS Exatamente por isso. E agradeço a Deus por ter-me dado o


discernimento e a força de tê-la dissuadido de seu plano
desesperado, e de tê-la conduzido ao caminho do dever – ao lado
do seu marido.

SRA ALVING É. Foi exatamente isso o que o senhor fez.

MANDERS Fui apenas um instrumento nas mãos de Deus. A senhora não é


grata por eu tê-la feito se submeter com obediência a seu dever?
As coisas não aconteceram como eu disse? Então Alving não
abandonou sua conduta dissoluta, passando a viver de forma
irrepreensível, dando-lhe todo o carinho e atenção como cabe a
um bom esposo, desde aquele dia até o fim de seus dias? Ele
então não se tornou um grande benfeitor da região, e não a levou
a seguir o seu exemplo, fazendo da senhora sua assistente em
todos os seus projetos? E que assistente exemplar a senhora se
tornou – É, senhora Alving, sei do que foi capaz e reconheço os
Espectros – Henrik Ibsen 24

elogios que merece. Mas agora, chegamos ao segundo grande erro


de sua vida.

SRA ALVING O que o senhor quer dizer?

MANDERS Em sua vida inteira, a senhora sempre foi guiada por sua extrema
vontade própria. Toda sua energia era direcionada à indisciplina e
irreverência. Nunca tolerou a menor restrição aos seus atos. Sem
o menor escrúpulo a senhora se evadia de tudo que fosse difícil –
como se livrasse de um fardo pesado que pudesse tirar dos
ombros quando tivesse vontade. Quando não lhe servia mais ser
esposa, resolveu abandonar seu marido. Quando achou que
começava a ficar tedioso ser mãe, mandou seu filho viver entre
estranhos.

SRA ALVING É verdade que fiz isso.

MANDERS Agora é a senhora que é uma estranha para ele.

SRA ALVING Não, isso não!

MANDERS É sim. Basta olhar bem para o jeito como ele voltou. Pense bem,
Sra Alving, no grande mal que fez a seu marido – aquele
monumento lá embaixo é a prova disso. Admita também o mal
que fez a seu filho. Talvez ainda tenha tempo de desviá-lo do
pecado. Junte os cacos de sua vida e tente salvar em Oswald, o
que ainda resta ser salvo. Porque na verdade, Sra Alving,
(Levantando o dedo) a senhora falhou como mãe, e sinto ser meu
dever dizer isso à senhora.

Pausa.

SRA ALVING (Lentamente, com absoluto controle) O senhor disse o que quis,
pastor Manders, e amanhã vai fazer um discurso em memória de
meu marido.. Embora eu não pretenda fazer discurso algum,
gostaria de falar com o senhor exatamente da mesma forma como
acabou de falar comigo.

MANDERS É natural que queira se justificar.

SRA ALVING Não, eu só quero lhe contar uma história.

MANDERS Pois conte.

SRA ALVING Tudo que falou a meu respeito, e a respeito de meu marido, e
sobre nossa vida juntos, depois que me fez voltar para aquilo que
o senhor chama de caminho do dever – na verdade não sabe
absolutamente nada sobre os anos que se seguiram. Desde aquele
dia, o senhor que tinha sido nosso melhor amigo, parou de por os
pés em nossa casa.
Espectros – Henrik Ibsen 25

MANDERS A senhora e o seu marido deixaram a cidade logo depois daquilo.

SRA ALVING Sim, mas enquanto meu marido esteve vivo, o senhor nem por
uma única vez veio até aqui nos ver. Foi só quando passou a
cuidar das finanças do orfanato que foi obrigado a vir me visitar.

MANDERS (Num tom mais baixo e confidente) Helena, se está tentando me


condenar, peço apenas que pense –

SRA ALVING No respeito que devo à roupa que está usando, não é isso? Sou
uma esposa que fugiu, não se deve lá muito respeito a mulheres
levianas assim...

MANDERS Minha querida... Sra Alving, isso é um exagero.

SRA ALVING Talvez seja, mas o que eu queria dizer, é que quando julga minha
vida de casada, baseia-se apenas em fatos que ouviu dizer.

MANDERS Talvez, mas e daí?

SRA ALVING Agora, Sr Manders, o senhor vai ouvir a verdade. Prometi a mim
mesma um dia contar para o senhor, apenas para o senhor.

MANDERS E qual é a verdade?

SRA ALVING A verdade é que meu marido continuou a ser o mesmo homem
dissoluto que sempre foi. Até seus últimos dias.

MANDERS (Procurando uma cadeira onde se apoiar) O que está dizendo?

SRA ALVING Após dezenove anos de casamento ele continuava tão promíscuo,
pelo menos em seus desejos, quanto no dia em que o senhor nos
casou.

MANDERS A senhora chama as pequenas extravagâncias da mocidade, as


pequenas irregularidades – excessos se quiser, de promiscuidade?

SRA ALVING Foi nosso médico que usou esta palavra.

MANDERS Não compreendo.

SRA ALVING E nem precisa.

MANDERS Estou me sentindo meio tonto. Quer dizer que toda sua vida de
casada – todos os anos ao lado de seu marido não eram mais que
um véu sobre um abismo?

SRA ALVING Exatamente. E agora o senhor já sabe.


Espectros – Henrik Ibsen 26

MANDERS É tudo... tão incompreensível. Como a senhora pode...? Como


uma coisa dessas pode se manter escondida?

SRA ALVING Esta foi minha luta diária. depois que Oswald nasceu, achei que
talvez ele se regenerasse, um pouco, mas não durou. Então foi
preciso lutar em dobro – uma batalha desesperada para que
ninguém pudesse supor que tipo de homem era o pai do meu
filho. O senhor conhecia bem o charme que Alving tinha –
ninguém podia supor que por trás de toda aquela simpatia,
daquele constante sorriso... Mas finalmente, meu caro pastor,
aconteceu algo abominável, que o senhor precisa agora saber.

MANDERS E o que poderia ser?

SRA ALVING Decidi que ia aceitar tudo, embora soubesse da vida desregrada
que ele levava fora de casa... Mas quando o escândalo se instalou,
aqui dentro destas paredes –

MANDERS Aqui dentro?

SRA ALVING É, aqui dentro desta própria casa. (Ela aponta para a porta de dá
para a sala de jantar) Foi ali, na sala de jantar, onde aconteceu
pela primeira vez. Eu estava fazendo qualquer coisa por aqui, a
porta entreaberta. Eu ouvi nossa empregada entrar do jardim, com
o regador vazio, ela tinha ido molhar as flores.

MANDERS Sim?

SRA ALVING Alguns minutos depois ouvi meu marido entrar também. Ouvi ele
falar alguma coisa baixinho para ela, depois eu ouvi (um pequeno
sorriso) ouço ainda como se fosse ontem, foi tão horrível, e ao
mesmo tempo tão ridículo – ouvir minha própria criada dizendo –
“me largue, senhor, me solte!”

MANDERS Não deve ter passado de uma brincadeira leviana, Sra Alving.
Apenas uma brincadeira, acredite em mim.

SRA ALVING Sei exatamente no que devo acreditar, pastor. Meu marido seduziu
nossa empregada, e sua brincadeira leviana, teve sérias
conseqüências.

MANDERS (Como que petrificado) E tudo aqui dentro, dentro desta casa?

SRA ALVING Suportei muita coisa aqui dentro. Pra fazer com que ele ficasse
em casa a noite e de madrugada, tive que me forçar a acompanhá-
lo em suas solitárias bebedeiras, fingir que não ouvia as orgias em
seu quarto. Fui obrigada a me sentar com ele e brindar e beber, e
ouvir sua conversa estúpida e monótona. Tínhamos que lutar
corpo a corpo até que eu o conseguisse colocar na cama.
Espectros – Henrik Ibsen 27

MANDERS (Comovido) E a senhora teve que agüentar tudo isso?

SRA ALVING E suportei tudo pelo meu filho... até que... com minha criada foi
humilhante demais. Então disse para mim mesma, “chega”!
Tomei o controle da casa – controle absoluto, sobre ele e todo o
resto. Ele não tinha a menor chance, já que eu tinha uma arma em
meu favor. Foi aí que mandei Oswald viajar. Na época ainda com
sete anos, já começava a ouvir coisas, a fazer perguntas como
toda criança. Achei que se permanecesse na atmosfera doente
desta casa, acabaria também envenenado... e isso, pastor, eu não
iria admitir. Foi por isso que o mandei para longe. Espero que
agora o senhor entenda porque nunca permiti que voltasse
enquanto seu pai estivesse vivo. Ninguém é capaz de imaginar o
que isto me custou.

MANDERS Deve ter sido uma vida terrível a da senhora.

SRA ALVING Não teria sobrevivido se não tivesse meu trabalho. por isso
trabalhei tanto. Todas as melhorias na propriedade, todos os
equipamentos modernos pelos quais ele recebia tantos elogios – o
senhor acha que ele tinha alguma energia de levantar um dedo
para fazer qualquer coisa? – passava o dia inteiro deitado no sofá
lendo almanaques. Não pastor, era eu quem tentava despertar nele
alguma força de vontade, quando não estava bêbado. Eu
carregava tudo nas costas quando ele mergulhava, como de
hábito, no marasmo e na desordem.

MANDERS E foi para este homem que a senhora construiu um monumento?

SRA ALVING Para o senhor ver do que é capaz uma consciência culpada.

MANDERS Culpada? Como assim?

SRA ALVING Sempre achei que a verdade, pudesse um dia vir à tona. E talvez
todos acreditassem nela. Por isso o orfanato serviria para encobrir
e acabar de uma vez por todas com qualquer dúvida.

MANDERS E conseguiu seu objetivo, Sra Alving.

SRA ALVING Mas ainda há outro motivo. Eu não queria que Oswald herdasse
coisa alguma de seu pai.

MANDERS Então foi com a herança de Alving que –

SRA ALVING Precisamente. O dinheiro que economizei para o orfanato, ano


após ano, perfaz agora a mesma quantia que na época fazia do
tenente Alving um ótimo partido.

MANDERS Não compreendo.


Espectros – Henrik Ibsen 28

SRA ALVING Foi por este preço que me vendi. Não quero que este dinheiro
fique para Oswald. O que quer meu filho venha a herdar deverá
vir de mim, e de mais ninguém.

OSWALD entra pela última porta à direita, deixando oi chapéu e


o casaco no hall. A SRA ALVING vai a seu encontro.

Meu querido, já voltou?

OSWALD É. O que se pode fazer lá fora, com esta chuva que não pára
nunca? Espero que o almoço já esteja pronto – isto sim, seria
ótimo!

REGINA (Vindo da sala de jantar com um embrulho) Esta encomenda


acabou de chegar para a senhora, Sra Alving (Entrega-lhe o
pacote).

SRA ALVING (Examinando o pacote) Devem ser as partituras do coro para


amanhã.

MANDERS É–

REGINA E o almoço está pronto.

SRA ALVING Obrigado, Regina – iremos num minuto, eu só quero – (Começa a


abrir o pacote).

REGINA (Para OSWALD) O senhor prefere vinho branco ou tinto?

OSWALD Os dois, Srta Engstrand, por favor.

REGINA Bien, muito bem, senhor Oswald. (Sai para a sala de jantar).

OSWALD Melhor eu ir ajudar a abrir as garrafas. (Ele segue REGINA. A


porta fica entreaberta).

SRA ALVING (Tendo aberto o pacote) Sim, são as partituras, pastor.

MANDERS (Cruzando as mãos) De que forma farei meu discurso amanhã,


sem sentir culpa na consciência?

SRA ALVING O senhor vai encontrar um jeito.

MANDERS (Fala baixo para não ser ouvido na sala de jantar) Claro, não
podemos provocar um escândalo.

SRA ALVING Depois esta enorme farsa vai terminar. De amanhã em diante vou
me sentir livre, como se meu marido jamais tivesse vivido aqui
nesta casa. Não vai existir mais ninguém aqui, além do meu filho
e de sua mãe.
Espectros – Henrik Ibsen 29

Da sala de jantar, ouve-se uma cadeira que é derrubada e a voz


de REGINA num sussurro agudo.

REGINA Me largue, por favor, me solte!

SRA ALVING (Horrivelmente surpresa) Ah!

Ela olha rapidamente para a porta entreaberta. Ouve-se


OSWALD rindo e tossindo, depois o som de uma garrafa sendo
aberta.

MANDERS (Gravemente) O que está acontecendo? Sra Alving o que está


acontecendo?

SRA ALVING (Amargamente) Espectros! O casal da sala de jantar, vagando


novamente.

MANDERS O que? ...Regina? É ela...?

SRA ALVING Sim, pastor. Agora vamos, nem mais uma palavra. (Toma o pastor
pelo braço e vai conduzindo-o, insegura para a sala de jantar).

Cai o pano.

ATO 2
Espectros – Henrik Ibsen 30

A mesma sala. O nevoeiro continua a encobrir a paisagem. O PASTOR MANDERS e a


SRA ALVING vêm da sala de jantar.

SRA ALVING (Ainda na porta) O almoço estava ótimo! (Voltando-se para a


sala de jantar) Você não vem Oswald?

OSWALD (De fora) Não, acho que vou dar uma volta.

SRA ALVING Vá sim, o tempo parece estar melhorando. (Ela fecha a porta da
sala de jantar, depois vai até o hall e chama) Regina!

REGINA (De fora) Senhora?

SRA ALVING Vá até a lavanderia ver se não estão precisando de ajuda com os
preparativos.

REGINA Sim, senhora.

SRA ALVING se certifica que ela se foi, para então fechar a


porta.

MANDERS Tem certeza que ele não vai ouvir nossa conversa aqui?

SRA ALVING Com a porta fechada não. E depois, ele acabou de descer.

MANDERS Ainda estou abalado. Nem sei como consegui engolir o almoço.

SRA ALVING (Andando de um lado para o outro, sem conseguir controlar sua
agitação) Nem eu, mas o que podemos fazer?

MANDERS Pois é, o que podemos fazer. Realmente não sei. Nunca passei por
uma situação dessa.

SRA ALVING Pelo menos nada... grave aconteceu ainda.

MANDERS Que o céu nos proteja. Ainda assim é uma situação terrivelmente
embaraçosa.

SRA ALVING Ora deve ser apenas uma diversão para Oswald.

MANDERS Como disse, não tenho experiência com essas coisas. Mas o que
eu acho...

SRA ALVING Ela tem que sair desta casa – imediatamente. Isso é definitivo.

MANDERS Sim, claro.


Espectros – Henrik Ibsen 31

SRA ALVING É, mas pra onde? Não podemos...

MANDERS Ora pra onde, de volta para o seu pai, é óbvio.

SRA ALVING De volta pra quem?

MANDERS Para o seu – mas Engstrand não é – ? Meu Deus, Sra Alving, não
é possível! A senhora não pode estar certa.

SRA ALVING Não há erro algum, infelizmente. Joana me confessou tudo e


Alving não teve como negar. Tudo que nos restava a fazer era
abafar o escândalo.

MANDERS É. Era a única coisa a fazer.

SRA ALVING Mandamos logo Joana embora com um bom dinheiro pra que não
abrisse a boca. Quando chegou à cidade, ela se arranjou sozinha.
Voltou a procurar Engstrand com quem tinha namorado no
passado – mostrou-lhe o dinheiro, disse que tinha conseguido com
um estrangeiro qualquer que havia atracado no porto, com seu
iate, naquele verão. Então os dois se casaram. Pois não foi você
mesmo quem fez o casamento.

MANDERS É verdade – ! Lembro-me perfeitamente de Engstrand vindo me


procurar. Parecia tão arrependido, se condenando por terem
cometido aquela loucura, ele e sua noiva.

SRA ALVING Naturalmente ele teve que assumir a culpa.

MANDERS Mas que falta de honestidade – e comigo também! Jamais pensei


que Jacob Engstrand fosse capaz disso. Ah mas ele vai ter que me
ouvir, vai ter que prestar contas comigo. E a indecência de uma
união de mentira, só por dinheiro. Quanto a senhora deu à
mulher?

SRA ALVING Trezentos dólares.

MANDERS Uma miséria de trezentos dólares pra se casar com uma mulher
perdida.

SRA ALVING O que diz então de mim, pastor. Casada com um homem perdido.

MANDERS Pelo amor de Deus, Sra Alving, o que quer dizer com homem
perdido?

SRA ALVING Ou o senhor acha que quando subi ao altar com Alving ele era
menos sujo que Joana ao se casar com Engstrand?

MANDERS Mas há uma enorme diferença entre os dois casos –


Espectros – Henrik Ibsen 32

SRA ALVING Não, pastor, a diferença não era tão grande assim. Claro que o
preço... a miséria de trezentos dólares e uma enorme fortuna.

MANDERS Não pode comparar os dois casos – a senhora seguia o que seu
coração mandava, tinha a aprovação de sua família.

SRA ALVING (Sem olhá-lo) Achava que você sabia para onde meu coração
queria ir.

MANDERS (Com dificuldade) Se soubesse, não teria freqüentado a casa do


seu marido quase que diariamente.

SRA ALVING De qualquer forma, não agi conforme meu coração mandava.

MANDERS Agiu conforme seus parentes mais próximos queriam, não há


nada de errado nisso – sua mãe, suas duas tias...

SRA ALVING É foram elas que arranjaram tudo. Deixaram bem claro para mim
a completa loucura que seria recusar uma oferta como aquela que
o Capitão Alving fazia. Se minha mãe pudesse me ver agora, ver
no que aquelas promessas douradas se transformaram.

MANDERS Ninguém é culpado pelos rumos da vida. Pelo menos o seu


casamento foi celebrado de acordo com as exigências da lei e da
ordem.

SRA ALVING (Na janela) Ora a lei e a ordem! Sabe que às vezes fico pensando,
será que não são elas as culpadas pelas desgraças do mundo?

MANDERS Sra Alving, pensar isso é um pecado.

SRA ALVING Talvez. Mas a verdade é que estou farta de tantas mentiras e
constrangimentos. Preciso de alguma forma encontrar um meio de
me libertar disso.

MANDERS Como assim?

SRA ALVING (Batendo no vidro) Não deveria ter escondido a verdade sobre a
vida de meu marido. Mas naquela época não tinha coragem para
outra coisa. Eu era covarde demais.

MANDERS Covarde?

SRA ALVING Se soubessem de alguma coisa, as pessoas iriam dizer, ‘também


pudera, coitado, ter que viver com uma mulher que já abandonou
a própria casa’!

MANDERS E não seria sem razão.


Espectros – Henrik Ibsen 33

SRA ALVING (Olhando-o fixamente) Se eu fosse uma mulher de verdade,


deveria ter chamado meu filho e dito: “Oswald meu menino, teu
pai leva uma vida de devassidão”.

MANDERS Que o céu nos perdoe!

SRA ALVING – e depois deveria ter contado a ele tudo o que acabei de contar ao
senhor, palavra por palavra.

MANDERS Confesso-me chocado, Sra Alving.

SRA ALVING Eu sei, eu sei exatamente como está se sentindo – quando penso
nisso, fico chocada comigo mesma. (Saindo da janela) Como
posso ser tão covarde!

MANDERS Chama de covardia o fato de ter cumprido o seu dever? Esquece


que um filho deve amar e honrar seu pai e sua mãe?

SRA ALVING Sim mas não devemos generalizar as coisas, pastor. A questão é se
Oswald deveria amar e honrar o Capitão Alving.

MANDERS Em seu coração, Sra Alving não há algo que lhe impeça de
destruir os ideais de seu filho?

SRA ALVING Mas a verdade...?

MANDERS Mas os ideais...?

SRA ALVING Ora ideais, ideais! Se eu não fosse tão covarde!

MANDERS Não despreze os ideais, Sra Alving. Eles podem se vingar de uma
forma cruel. Veja o caso de Oswald, por exemplo. Tenho medo
que seus ideais não sejam tão sólidos, mas percebo que seu pai se
transformou numa espécie de ideal para ele.

SRA ALVING É, o senhor tem razão.

MANDERS E esta imagem de ideal de um pai, foi a senhora mesma quem


construiu, através de suas cartas.

SRA ALVING Sim, graças a meu compromisso com o dever, venho mentindo
para o meu filho há anos. Covarde. Como tenho sido covarde.

MANDERS Foi capaz de criar na mente de seu filho uma bela ilusão, Sra
Alving, deveria ter orgulho disso.

SRA ALVING Será que é mesmo assim tão bela? De qualquer forma não vou
deixar que nada de mal aconteça a Regina. Não quero que Oswald
venha a arruinar a vida dessa menina.
Espectros – Henrik Ibsen 34

MANDERS Claro que não, isso seria terrível.

SRA ALVING A menos que tivesse certeza de seus sentimentos, se lhe trouxesse
felicidade –

MANDERS Mas como assim?

SRA ALVING Mas acho que não, não acho que Regina seja a mulher ideal.

MANDERS O que a senhora está querendo dizer?

SRA ALVING Se não fosse tão covarde eu mesma diria a ele: “Case-se com ela,
ou faça como quiser, contanto que não haja mais mentiras.”

MANDERS Por Deus, não! Deixaria que se casassem? Isso é monstruoso!

SRA ALVING O Senhor acha mesmo? Tão monstruoso? Francamente, pastor,


quantos casamentos são feitos entre pessoas com nível de
parentesco tão próximo quanto Regina e Oswald?

MANDERS Não sei o que está dizendo Sra Alving.

SRA ALVING Sabe sim, pastor.

MANDERS Deve estar pensando nos casos em que – sim, eu sei que em
muitas famílias a vida não é tão pura como deveria ser. A senhora
só pode estar se referindo a situações nas quais não se tem
certeza. Mas neste nosso caso, como mãe, deveria ser a primeira a
impedir que seu filho –

SRA ALVING Mas não vou permitir, por nada nesse mundo – é justamente isso
que estou querendo dizer.

MANDERS Não vai permitir por covardia, é o que quer dizer. Se não fosse
covarde – Meu Deus, uma união revoltante!

SRA ALVING Mas não é de uniões deste tipo que todos nós descendemos,
afinal? E depois, pastor Manders, quem foi que arrumou o mundo
desta maneira?

MANDERS Eu me recuso a discutir questões como esta Sra Alving, pelo


menos enquanto a senhora estiver neste estado emocional. Não
compreendendo quando chama seus escrúpulos de covardia.

SRA ALVING Vou lhe dizer o que sinto, pastor. Sinto-me frágil e ameaçada por
fantasmas que me acompanham, dos quais não consigo me livrar.

MANDERS Não entendo o que quer dizer com isso.


Espectros – Henrik Ibsen 35

SRA ALVING Espectros! Quando ouvi Regina e Oswald lá dentro, era como se
estivesse vendo fantasmas. Tenho pensado em todos nós como
espectros, pastor Manders. Não é apenas o que herdamos de
nossos pais que vive dentro de nós, mas toda uma série de velhas
idéias mortas, de crenças mortas, coisas assim. Que na verdade
estão mais enraizadas do que vivas dentro da gente. E nunca
podemos nos livrar destas raízes. Quando começo a ler um jornal,
tenho a impressão de ver espectros brilhando entre as linhas.
Nossos campos, estão coalhados de espectros – milhares, como
grãos de areia. E todos nós, tão desgraçadamente condenados a ter
medo da luz.

MANDERS Pois estes são os frutos de suas leituras – belos frutos, Sra Alving!
Livros abomináveis, subversivos, o tal do livre pensamento.

SRA ALVING Não pastor, na verdade foi o senhor quem me levou a pensar
assim, e sinto-me extremamente grata.

MANDERS Eu?

SRA ALVING Sim. Quando me fez voltar para aquilo que chama de caminho da
obediência e do dever, quando me apontava como certo e limpo,
justamente aquilo contra o que minha alma se revoltava com um
nojo indescritível – bem, foi quando comecei a examinar melhor o
conteúdo dos seus ensinamentos. Não foi fácil desfazer o primeiro
ponto, mas quando consegui, a costura inteira se abriu e percebi
que tudo não passava de um simples alinhavo.

MANDERS (Lentamente, emocionado) E foi isto que consegui numa vida


inteira de luta?

SRA ALVING Talvez sua mais lamentável derrota.

MANDERS Não, Helena. Esta foi minha maior vitória. Um triunfo sobre mim
mesmo.

SRA ALVING Um crime contra nós dois.

MANDERS Quando você fugiu e veio chorando pra mim: “Aqui estou, fique
comigo” e eu disse: “Volte pra casa mulher, para seu legítimo
marido” – chama isso de crime?

SRA ALVING Foi um crime sim.

MANDERS Acho que não somos capazes de nos entender.

SRA ALVING É, não somos mais capazes.

MANDERS Eu jamais – nem nos meus sonhos mais íntimos – pensei em você
a não ser como mulher de outro homem.
Espectros – Henrik Ibsen 36

SRA ALVING Acredita mesmo no que está dizendo?

MANDERS Helena!

SRA ALVING É muito fácil esquecer o que se sentiu um dia.

MANDERS Não para mim. Continuo a ser a mesma pessoa de sempre.

SRA ALVING (Mudando de assunto) Bem, bem, bem, não falemos mais sobre
os velhos tempos. O senhor vive com seus compromissos e seus
comitês, e eu vivo com meus fantasmas, dentro e fora de mim.

MANDERS Acho que pelo menos posso ajudá-la a se livrar dos que a
rodeiam. Afinal, depois de tudo que ouvi, não posso, em sã
consciência, permitir que uma jovem inexperiente continue a
viver nesta casa.

SRA ALVING Não seria ótimo se conseguíssemos arranjar um bom casamento


para ela?

MANDERS Sim, claro, esta seria a melhor opção, sob qualquer ponto de vista.
Regina já está na idade em que – não entendo bem esse tipo de
coisas mas...

SRA ALVING Regina amadureceu bastante cedo.

MANDERS É verdade. Lembro-me de como ela já era bem desenvolvida na


época de sua primeira comunhão. Mas acho que, antes de tudo,
ela deve ir pra casa de seu pai. Ah sim, mas Engstrand não é - ! E
pensar que ele – ainda mais Engstrand, pudesse esconder de mim
toda a verdade!

Batidas na porta.

SRA ALVING Quem será? Entre!

ENGSTRAND (Na porta, vestindo roupa de domingo) Por favor me desculpem,


mas...

MANDERS Ah, hum –

SRA ALVING Ah, é você, Engstrand?

ENGSTRAND – bem, como não tinha nenhuma criada para abrir a porta, eu
tomei a liberdade de bater.

SRA ALVING Bem, então entre, quer falar comigo?


Espectros – Henrik Ibsen 37

ENGSTRAND Não senhora, desculpe, mas é com o Pastor que eu queria ter uma
palavrinha.

MANDERS (Andando de um lado para o outro) Ora, é mesmo? Quer falar


comigo?

ENGSTRAND Sim, quero dizer, se o senhor puder...

MANDERS (Parando em frente a ENGSTRAND) Bem, o que é então?

ENGSTRAND Bem, é o seguinte, pastor. Agora que terminamos o serviço, e


recebemos nosso salário – muito obrigado, Sra Alving – eu achei
que seria bom se, todos nós que trabalhamos juntos esse tempo...
bem achei que seria certo nos despedirmos com uma pequena
prece hoje à noite.

MANDERS Uma prece? No orfanato?

ENGSTRAND Sim, mas se o senhor não achar que deve, aí...

MANDERS Não, claro, mas...

ENGSTRAND Eu mesmo tenho conduzido às vezes uma oração no final do


expediente.

MANDERS Você?

ENGSTRAND Sim mas só de vez em quando... uma simples oração. Mas como
um homem comum, sei que não tenho o dom da coisa. Aí pensei
que, já que o pastor Manders está aqui...

MANDERS Engstrand, tenho uma pergunta a lhe fazer primeiro. Você acha
que está em condições perfeitas para essa reunião? Está com sua
consciência limpa?

ENGSTRAND Ora, que Deus me ajude, pastor, é melhor não falarmos em


consciência.

MANDERS É justamente sobre ela que devemos falar. Por favor responda a
minha pergunta.

ENGSTRAND Bem, às vezes a consciência pode ficar meio nublada.

MANDERS Então você admite. Agora me diga, Engstrand, qual é sua


verdadeira relação com Regina?

SRA ALVING (Rapidamente) Manders!

MANDERS (Tranqüilizando-a) Deixe comigo.


Espectros – Henrik Ibsen 38

ENGSTRAND Com Regina? O senhor me assusta. (Olhando para a SRA


ALVING) Tem alguma coisa errada com Regina?

MANDERS Esperamos que não. Mas quero saber é de sua posição em relação
a Regina. Você é tido como o pai dela. Então?

ENGSTRAND (Incerto) Bem, o senhor sabe, Pastor.... o que houve entre mim e a
pobre coitada da Joana.

MANDERS Pare de distorcer a verdade. Sua falecida esposa contou tudo a Sra
Alving antes de deixar a casa.

ENGSTRAND Bem eu – então ela fez isso?

MANDERS Você foi pego, Engstrand.

ENGSTRAND Mas ela me prometeu – jurou sobre a bíblia!

MANDERS Sobre a bíblia?

ENGSTRAND Não exatamente, pois não tínhamos uma, mas ela jurou por Deus.

MANDERS E todos estes anos você tem me escondido a verdade. Logo a mim
que sempre depositei em você toda confiança.

ENGSTRAND Sinto muito ter que admitir isso.

MANDERS E eu mereço uma coisa dessas, Engstrand? Não estive sempre


pronto a lhe ajudar, tanto em palavras quanto em gestos, me
empenhando da forma mais sincera? Responda se não é verdade.

ENGSTRAND Foram muitas as vezes que o senhor me salvou de abismos


profundos.

MANDERS E é assim que você me paga? Forçando-me a fazer registros falsos


na paróquia? E todos estes anos escondendo-me os fatos, fazendo-
me acreditar numa mentira tão sórdida. Seu comportamento tem
sido abominável, Engstrand, e daqui para a frente não tenho mais
o que falar com você.

ENGSTRAND (Com um suspiro) É acho que não tem mesmo.

MANDERS Não há nada que justifique sua conduta.

ENGSTRAND Mas como eu ia saber que ela iria contar tudo. Se o senhor se
colocar no lugar de Joana –

MANDERS Eu?
Espectros – Henrik Ibsen 39

ENGSTRAND Bem, não exatamente no mesmo lugar, mas se o senhor tivesse


alguma coisa da qual se envergonhasse. Que direito temos nós,
como homens, de julgar tão cruelmente uma pobre coitada como a
Joana?

MANDERS Mas não é ela quem estou julgando, é você.

ENGSTRAND O senhor permite que eu lhe faça uma pergunta?

MANDERS Que pergunta?

ENGSTRAND Não é o dever de um homem ajudar uma pessoa desesperada?

MANDERS Naturalmente.

ENGSTRAND E ele não deve se manter fiel a sua palavra e a sua honra?

MANDERS Claro que deve mas –

ENGSTRAND Na época em que Joana se envolveu com aquele inglês –


americano, ou russo, sei lá – bem, sabe, ela já tinha vindo à cidade
uma ou duas vezes, e sempre recusava minhas propostas. Ela não
queria ninguém que não tivesse uma figura, e eu com essa minha
perna horrível. O senhor, lembra que foi quando eu entrei naquele
bordel lotado de marinheiros bêbados, e tentei fazer um sermão,
querendo convencê-los a levar uma vida decente –

SRA ALVING (Na janela) Hum –

MANDERS Sim , eu sei Engstrand, jogaram você escada abaixo. Já me contou


essa história e sua aflição lhe dá algum crédito.

ENGSTRAND Sabe que não sou do tipo que sai por aí contando vantagens, mas
o que eu queria dizer, pastor, é que quando ela chegou e me
confessou chorando, arruinada, me pedindo ajuda, eu não tive
como resistir.

MANDERS Com certeza não teve. Mas e daí?

ENGSTRAND Aí eu disse pra ela: “Esse americano sumiu mar adentro, e você
Joana, cometeu um pecado, é uma mulher condenada”. Foi, eu
disse, “mas aqui está Jacob Engstrand, de braços e pernas fortes
pra lhe amparar”. Eu disse assim em linguagem figurada, o senhor
me entende, não é pastor?

MANDERS Entendo, sim, mas continue.

ENGSTRAND Foi assim que consegui salvá-la e fazer dela uma mulher decente,
e nunca ninguém suspeitou o que aconteceu entre ela e o
estrangeiro.
Espectros – Henrik Ibsen 40

MANDERS Isso tudo me parece muito louvável. O que não aprovo é o fato de
ter aceitado o dinheiro.

ENGSTRAND Dinheiro? Eu? Nem um centavo!

MANDERS (Consultando a SRA ALVING) Mas – ?

ENGSTRAND Ah, sim espere – agora me lembro. Joana tinha sim algum
dinheiro, mas eu nem quis ver. Eu disse assim pra ela: “Nem me
mostre esse dinheiro imundo, esse salário do teu pecado. Vamos
jogar essas porcarias dessas notas – ou eram moedas, não lembro
direito – na cara desse tal americano”. Foi isso mesmo que eu
disse. Mas naquela altura, pastor, ele já tinha zarpado, já estava
longe.

MANDERS Será que já estava mesmo assim tão longe, meu amigo?

ENGSTRAND Estava sim. Então Joana e eu decidimos que íamos usar o dinheiro
na educação da menina, e foi o que fizemos. Posso prestar contas
de cada centavo.

MANDERS Então, isso altera tudo.

ENGSTRAND Foi isso o que aconteceu, pastor. E se me permite dizer, tentei, o


mais que pude, ser um bom pai para Regina. E se não consegui foi
porque sou este homem fraco e pobre.

MANDERS Vamos, acalme-se, meu bom homem.

ENGSTRAND Eduquei essa menina e fui um bom marido para a pobre Joana.
Construí e sustentei um lar para elas, como manda a bíblia
sagrada. Mas nunca pensei em chegar pro senhor e me vangloriar
pelas coisas honradas que fiz na vida. Não, quando uma coisa
assim acontece com Jacob Engstrand – não que aconteça todo dia
– ele simplesmente se cala. Não Pastor, quando lhe procuro é para
confessar minhas fraquezas e minha loucura. Pois como lhe disse
ainda agora, a consciência de um homem pode ficar às vezes meio
nublada.

MANDERS Dê-me sua mão, Jacob Engstrand.

ENGSTRAND Oh, "Meu Senhor", pastor!

MANDERS Venha, deixe de escrúpulos. (Apertando sua mão) Tudo bem


agora.

ENGSTRAND O senhor permite que eu lhe peça humildemente perdão, pastor.

MANDERS Não, Engstrand, quem lhe deve pedir perdão sou eu.
Espectros – Henrik Ibsen 41

ENGSTRAND Por deus, pastor, não!

MANDERS Sim, sou eu. E o faço do fundo do coração. Perdoe-me por tê-lo
julgado mal. Gostaria que houvesse algo que eu pudesse fazer,
para demonstrar o meu sincero arrependimento e minha boa
vontade.

ENGSTRAND O senhor realmente – ?

MANDERS Faria com todo o prazer.

ENGSTRAND Por que preciso que o senhor me ajude. Com o pouco dinheiro
que economizei aqui, estou pensando em fundar um abrigo para
marinheiros na cidade.

SRA ALVING Você?

ENGSTRAND Sim, e seria também uma espécie de orfanato. São muitas as


tentações para um marinheiro quando está num porto distante, aí
eu pensei que, nesta "casa" que eu pretendo abrir, ele pudesse de
uma certa forma, se sentir amparado, como se tivesse um pai por
perto.

MANDERS O que acha disso, Sra Alving?

ENGSTRAND Não é muito o que tenho para começar, mas se encontrasse


alguém que pudesse me dar uma ajuda, aí –

MANDERS Sim, claro, acho que podemos conversar mais sobre isso. Seu
plano me interessa muito. Mas agora, meu caro Engstrand, quero
que desça até o orfanato, ascenda as velas e deixe o lugar bem
iluminado, eu vou em seguida e passaremos uma boa hora juntos,
dando graças ao enobrecimento de nossas almas - sim, eu agora
acho que você está em perfeitas condições para isso.

ENGSTRAND Acho que estou sim. Então, até logo, senhora, e muito obrigado.
Tome conta de Regina por mim. (Ele enxuga uma lágrima) A
filhinha da minha pobre Joana. Engraçado é como ela cresceu tão
apegada a mim. (Ele cumprimenta e sai pelo hall).

MANDERS Então o que acha dele agora, Sra Alving? A explicação que nos
deu foi bastante diferente.

SRA ALVING Bastante diferente mesmo.

MANDERS Isso nos mostra o cuidado que devemos ter ao julgar um ser
humano. Mas é tão bom descobrir que estivemos errados! O que a
senhora diz?
Espectros – Henrik Ibsen 42

SRA ALVING Digo é que você continua uma criança, Manders.

MANDERS Eu?

SRA ALVING (Colocando as mãos nos ombros dele) E que gostaria de poder lhe
dar um longo abraço.

MANDERS (Rapidamente recolhendo-se) Não, não, por Deus, não faça isso!

SRA ALVING (Sorrindo) Não precisa ter medo de mim.

MANDERS (Perto da mesa) Às vezes a senhora se expressa de forma tão


extravagante. Deixe-me colocar estes documentos em ordem, para
guardá-los comigo. (Ele o faz) Pronto. E agora, se me permite,
estou indo. Não perca Oswald de vista quando voltar. Até mais
tarde. (Pega o chapéu e sai pelo hall)

SRA ALVING (Dá um suspiro, olha pela janela, dá uma rápida arrumada na
sala, vai para a sala de jantar, mas pára na porta com um grito
abafado) Oswald! você ainda está aí?

MANDERS (Da sala de jantar) Terminando meu charuto.

SRA ALVING Achei que você tinha saído para caminhar.

MANDERS Num tempo como este?

Ouve-se o barulho de uma garrafa tocando um cálice. A SRA


ALVING vai sentar-se com seu bordado no sofá, deixando a porta
aberta.

OSWALD Foi o Pastor Manders que acabou de sair?

SRA ALVING Sim ele foi para o orfanato.

OSWALD Hum.

Novo som da garrafa enchendo o cálice.

SRA ALVING (Preocupada) Oswald querido, tome cuidado com este licor. Ele
é bastante forte.

OSWALD É bom pra manter a umidade do lado de fora.

SRA ALVING Por que não vem para cá, para perto de mim?

OSWALD Aí eu não posso fumar.

SRA ALVING Ora, pode fumar seus charutos onde quiser.


Espectros – Henrik Ibsen 43

OSWALD Então está bem, estou indo. Só mais um gole... pronto! (Entra
com um charuto aceso, fechando a porta. Um pequeno silêncio).
Para onde foi o pastor?

SRA ALVING Para o orfanato, já lhe disse.

OSWALD Ah é, disse.

SRA ALVING Não deveria ficar tanto tempo na mesa, Oswald.

OSWALD (Uma das mãos para trás com o charuto) Mas é tão bom, mãe.
(Acariciando-a) Não imagina como é bom estar de volta, e ficar
sentado na mesa de minha mãe, na sala de minha mãe, comendo a
deliciosa comida de minha mãe.

SRA ALVING Meu menino, meu menino!

OSWALD (Andando de um lado para o outro) O que mais me resta a fazer?


Não consigo trabalhar em nada.

SRA ALVING Por que não?

OSWALD Com este tempo horrível... nem um único raio de sol. (Continua
andando) É horrível não conseguir trabalhar.

SRA ALVING Talvez não tenha sido uma boa idéia você ter vindo pra casa.

OSWALD Não, mãe. Eu tinha que vir.

SRA ALVING Não me arrependeria nem um pouco de abrir mão do prazer de ter
você aqui comigo, se isso –

OSWALD (Parando perto da mesa) Diga-me minha mãe, a senhora está


mesmo tão feliz assim por eu estar em casa?

SRA ALVING Se estou feliz?

OSWALD (Amassando um jornal) Sempre achei que a senhora pouco se


importava que eu estivesse vivo ou morto.

SRA ALVING Oswald! Como tem coragem de dizer uma coisa dessas para sua
mãe?

OSWALD A senhora viveu tanto tempo sem mim.

SRA ALVING É verdade, vivi tantos anos sem você.

Pausa. O crepúsculo começa a cair. OSWALD que apagou o


charuto, caminha pela sala.
Espectros – Henrik Ibsen 44

OSWALD (Parando ao lado da SRA ALVING) Mãe, posso me sentar a seu


lado?

SRA ALVING (Dando lugar para ele) Venha, meu menino, sente-se aqui.

OSWALD Há uma coisa que preciso lhe contar.

SRA ALVING (Apreensiva) O que é?

OSWALD (Olhando em frente) Bem é uma coisa que não consigo mais
omitir.

SRA ALVING Omitir? O que é?

OSWALD (Como antes) Foi uma coisa que não consegui escrever pra
senhora, contando, mas desde que cheguei –

SRA ALVING (Segurando seu braço) O que é, Oswald?

OSWALD Desde ontem, e hoje o dia inteiro, por mais que eu tente não
pensar nisso – não consigo.

SRA ALVING (Levantando-se) Oswald, precisa me contar o que é.

OSWALD (Fazendo-a se sentar novamente) Sente-se mãe, vou tentar lhe


contar – tenho me queixado muito de cansaço da viagem.

SRA ALVING Sim, e daí?

OSWALD Mas não é este o verdadeiro problema comigo; não é


simplesmente cansaço –

SRA ALVING (Tentando se levantar) Você não está doente, Oswald?

OSWALD (Trazendo-a de volta) Sente-se mãe, e escute com calma. Não, eu


não estou de fato doente – não é o que normalmente se chama de
doença o que eu tenho. (Cruzando as mãos sobre a cabeça) Mãe,
minha mente está indo embora, se esvaindo – acho que não vou
mais conseguir trabalhar. (Escondendo o rosto com as mãos, põe
a cabeça no colo dela e começa a chorar)

SRA ALVING (Pálida e trêmula) Oswald, olhe para mim! Não, não, isso não é
verdade.

OSWALD (Olhando-a tomado pelo desespero) Não poder mais trabalhar!


Nunca, nunca mais! Um morto-vivo, mãe! Já viu algo tão
horrível?

SRA ALVING Meu pobre filho! Como isso foi acontecer com você?
Espectros – Henrik Ibsen 45

OSWALD (Sentando-se) É justamente isso que não consigo entender.


Sempre levei uma vida regrada – nunca cometi excessos. Deve
acreditar em mim, mãe, é verdade.

SRA ALVING Acredito em você, Oswald.

OSWALD E de repente isso começa acontecer comigo. Essa desgraça.

SRA ALVING Mas você vai melhorar, meu menino, meu querido. Isso tudo é só
porque você esteve trabalhando demais – mas vai passar, você vai
ver.

OSWALD (Com tristeza) Foi o que pensei no início, mas não.

SRA ALVING Conte-me tudo, desde o início.

OSWALD Sim, minha mãe.

SRA ALVING Quando foi que começou?

OSWALD Logo depois da última vez que estive em casa. Tinha acabado de
chegar em Paris, quando comecei a sentir dores de cabeça
violentíssimas – aqui atrás, na nuca. Como se eu tivesse um aro
de ferro me apertando lentamente.

SRA ALVING E aí?

OSWALD Pensei que eram as velhas dores de cabeça que eu sentia quando
era pequeno.

SRA ALVING Sim, sim –

OSWALD Mas não eram, logo eu percebi. Eu não conseguia mais trabalhar.
Eu tinha vontade de começar um quadro novo, mas era como se a
minha capacidade de me concentrar me abandonasse, minha força
se esvaísse. Eu não consegui formar imagens definidas, as coisas
flutuavam ao meu redor – e giravam, giravam. Ah era uma
sensação horrível. Aí fui a um médico – e ele me disse a verdade.

SRA ALVING A verdade?

OSWALD Um dos melhores médicos da Europa. Contei para ele o que eu


sentia e ele começou a me fazer uma série de perguntas que eu
achava que não vinham ao caso. Não tinha idéia de onde ele
queria chegar –

SRA ALVING E então?


Espectros – Henrik Ibsen 46

OSWALD Finalmente ele disse: “Você, de uma certa forma, já nasceu


carcomido”. Foi exatamente essa a palavra que ele usou:
“vermoulu”.

SRA ALVING (Sem fôlego) E o que ele quis dizer com isso?

OSWALD Na hora também não entendi e pedi que me explicasse. Aí o velho


cínico disse – (Fechando o punho) Oh – !

SRA ALVING O que foi que ele disse?

OSWALD Ele disse: “Os filhos herdam os pecados dos pais”.

SRA ALVING (Levantando-se) Os pecados dos pais...!

OSWALD Eu quase lhe dei um murro –

SRA ALVING (Indo para o outro lado da sala) Os pecados dos pais...

OSWALD (Sorrindo tristemente) É, o que a senhora acha? Claro que disse


para ele que algo assim era absolutamente impossível. Mas acha
que ele se convenceu? Não, ele continuou a insistir, até que lhe
mostrei suas cartas, e traduzi para ele as partes que você falava de
meu pai –

SRA ALVING E aí?

OSWALD Bem, aí ele teve que admitir que estava indo pelo caminho errado.
Foi então que soube a verdade: eu nunca devia ter me deixado
levar por aquela vida de alegrias com meus companheiros; eu fui
além do que podia suportar. A culpa tinha sido inteiramente
minha.

SRA ALVING Não, Oswald, não deve pensar assim.

OSWALD Segundo ele, não havia outra explicação possível. E o que é pior,
minha vida inteira arruinada – irreparavelmente arruinada – e tudo
por causa de minha leviandade. Tudo que eu tinha sonhado pra
mim... não podia pensar em mais nada. Não posso pensar em mais
nada. Ah, se eu pudesse voltar e começar outra vez, do início.
(Esconde o rosto no sofá. SRA ALVING torce as mãos e anda de
um lado para o outro, em silêncio, lutando contra si mesma.
Depois de um tempo, OSWALD levanta o rosto e apóia-se num
dos cotovelos) Se pelo menos fosse algo que tivesse herdado –
alguma coisa da qual eu não tivesse culpa... mas não! É tão
vergonhoso ter jogado fora minha saúde e minha felicidade – tudo
o que eu tinha – de uma forma tão banal, tão inconseqüente...
Todo o meu futuro e minha própria vida!
Espectros – Henrik Ibsen 47

SRA ALVING Não meu filhinho, não, isso não pode ser possível! (Curvando-se
sobre ele) Não é assim tão terrível quando você pensa.

OSWALD A senhora não sabe – (Levantando-se) E depois, a tristeza que


estou lhe causando, mãe. Eu até preferia, que você realmente não
se importasse comigo.

SRA ALVING Oswald, você é a única coisa que importa para mim. Meu único
filho – a única pessoa que tenho no mundo.

OSWALD (Pegando as mãos dela e beijando-as) Eu sei disso, sim eu sei.


Quando estou em casa eu percebo isso – o que é ainda pior. Mas
agora a senhora já sabe de tudo, e por hoje não vamos mais falar
sobre esse assunto. Não suporto mais pensar nisso. (Cruzando a
sala) Preciso beber alguma coisa, mãe.

SRA ALVING Beber? O que você quer beber?

OSWALD Oh, qualquer coisa. Será que tem alguma coisa forte e gelada?

SRA ALVING Claro, mas meu querido Oswald –

OSWALD Por favor, mãe, não me recuse isso. Seja boazinha comigo e traga
alguma coisa que me ajude a esquecer esses pensamentos
horríveis. (A SRA ALVING toca a campainha) E essa chuva que
não pára! Parece que vão ser semanas de chuva constante, meses
a fio sem um mínimo raio de sol! Não lembro de jamais ter visto
o sol em nenhuma das vezes que vim pra casa.

SRA ALVING Oswald – você está pensando em me deixar novamente?

OSWALD Hum – (Suspira profundamente) Não estou pensando em nada –


não consigo pensar em mais nada. (Falando baixo) Eu desisti de
pensar.

REGINA (Da sala de jantar) Chamou, senhora?

SRA ALVING Sim, poderia nos trazer um lampião?

REGINA Sim, senhora, acabei de acender. (Ela sai)

SRA ALVING (Indo em direção a OSWALD) Oswald, seja franco comigo.

OSWALD Estou sendo, mãe. (Indo até a mesa) Já lhe contei tudo.

REGINA traz um lampião e coloca-o sobre a mesa.

SRA ALVING Regina, por favor, traga meia garrafa de champanhe.

REGINA Pois não, senhora. (Sai)


Espectros – Henrik Ibsen 48

OSWALD (Enlaçando com os braços a SRA ALVING) Era justamente o que


eu queria, mãe. Sabia que não ia deixar seu filho com sede.

SRA ALVING Oswald, meu querido, como posso lhe recusar qualquer coisa?

OSWALD Verdade, mãe? Está falando sério?

SRA ALVING Como assim?

OSWALD Que não pode me recusar nada?

SRA ALVING Mas, meu querido –

OSWALD Ssh!

REGINA (Entra com uma bandeja com meia garrafa de champanhe e dois
copos que coloca sobre a mesa) Quer que eu abra a garrafa?

OSWALD Não, pode deixar; eu abro.

REGINA sai.

SRA ALVING (Senta-se à mesa) E o que é que – eu poderia lhe recusar?

OSWALD (Tentando abrir a garrafa) Vamos primeiro tomar uma taça – ou


duas. (A rolha pula, ele enche uma taça e vai encher a outra)

SRA ALVING (Colocando a mão na taça) Não obrigada. Eu não quero.

OSWALD Não quer? Então tomo eu. (Enche a taça, bebe, torna a enchê-la,
senta-se)

SRA ALVING (Com curiosidade) Então?

OSWALD (Sem encará-la) Bem, eu achei a senhora e o pastor Manders tão


calados – tão esquisitos, durante o almoço.

SRA ALVING Achou?

OSWALD É. Hum – (Depois de uma pausa) Diga-me, o que acha de


Regina?

SRA ALVING O que acho?

OSWALD Sim, ela não é fabulosa?

SRA ALVING Oswald, você não a conhece como eu a conheço.

OSWALD Não?
Espectros – Henrik Ibsen 49

SRA ALVING Acho que Regina ficou tempo demais na casa de seus pais.
Devíamos tê-la trazido para cá mais cedo.

OSWALD Sim, mas a senhora não acha que ela está encantadora? (Torna a
encher a taça)

SRA ALVING Regina tem muitos, e graves, defeitos –

OSWALD Ora que importância tem isso? (Bebe mais)

SRA ALVING Mas mesmo assim, eu gosto muito dela, e sinto-me responsável
por ela. Não deixaria que nada de mau lhe acontecesse.

OSWALD (Levantando-se) Mãe, Regina é minha única salvação.

SRA ALVING (Levantando-se) O que quer dizer com isso?

OSWALD Não conseguiria suportar esta minha agonia sozinho.

SRA ALVING Mas eu estou aqui, meu filho, pronta para lhe ajudar.

OSWALD Foi o que pensei. Por isso voltei para casa. Mas vi que não vai
adiantar, eu sei que não vai. Eu não suportaria viver aqui.

SRA ALVING Oswald!

OSWALD Preciso de uma vida diferente, mãe. Por isso tenho que ir embora
– não quero que a senhora assista –

SRA ALVING Meu pobre filho! Mas Oswald, enquanto você estiver doente –

OSWALD Se fosse só pela doença, eu ficaria aqui com a senhora, pode ter
certeza disso – afinal a senhora é a melhor amiga que tenho no
mundo.

SRA ALVING E sou mesmo, Oswald, não tenha dúvida.

OSWALD (Andando, inquieto) Mas esse remorso que me tortura – e o medo.


Esse medo mortal!

SRA ALVING (Seguindo-o) Medo? Como assim? Medo de que?

OSWALD Por favor não me pergunte. Eu não sei. Não consigo explicar.

SRA ALVING toca a campainha novamente.

OSWALD O que a senhora quer?


Espectros – Henrik Ibsen 50

SRA ALVING Quero que se sinta feliz, meu filho, é tudo o que eu quero. Chega
de ficar se lamentando. (Para REGINA que aparece na porta)
Mais champanhe – uma garrafa grande.

REGINA sai.

OSWALD Mãe!

SRA ALVING Acha que não sabemos viver aqui nesta casa?

OSWALD Ela não é linda? Tão bonita! Tão saudável!

SRA ALVING (Sentando-se à mesa) Sente-se aqui, Oswald, vamos falar


calmamente, nós dois.

OSWALD (Sentando-se) A senhora não sabe, minha mãe, mas eu prometi


uma coisa a Regina.

SRA ALVING Você?

OSWALD Sim, uma coisa boba, uma promessa inocente. Foi quando estive
aqui em casa, a última vez.

SRA ALVING E o que foi?

OSWALD Ela vivia me perguntando sobre Paris, e eu lhe contava como era.
Aí lembro que um dia, perguntei se ela não gostaria de ir a Paris.

SRA ALVING Então?

OSWALD Ela começou a ficar vermelha, e disse: “Sim, eu adoraria”. Então,


eu disse, vamos ver se arranjamos um jeito – ou algo parecido.

SRA ALVING E depois?

OSWALD Eu obviamente esqueci da promessa, mas ontem, quando


perguntei a ela se estava contente por eu ter voltado pra casa,
depois de tanto tempo –

SRA ALVING Sim?

OSWALD Ela me olhou estranhamente e perguntou: “E minha viagem a


Paris?”

SRA ALVING Sua viagem?

OSWALD Aí eu percebi que ela tinha levado minha promessa a sério. Todo
esse tempo e ela não esqueceu. Inclusive começou a estudar
francês –
Espectros – Henrik Ibsen 51

SRA ALVING Então foi por isso – !

OSWALD Quando vi aquela menina linda e iluminada, parada na minha


frente – nunca a tinha olhado assim – mas naquele instante, era
como se ela estivesse de braços abertos para me receber.

SRA ALVING Oswald!

OSWALD – Vi que ela era a minha salvação. Tamanha era a alegria de viver
que emanava dela.

SRA ALVING Alegria de viver? E pode-se achar salvação nisso?

REGINA (Vindo da sala de jantar) Desculpe se demorei, mas tive que


descer até a adega. (Coloca a garrafa de champanhe sobre a
mesa)

OSWALD Traga mais uma taça, Regina.

REGINA (Olhando-o com surpresa) A taça da senhora já está aí, Sr Alving.

OSWALD Sim, mas traga uma para você, Regina. (REGINA leva um susto
e dá um olhar tímido para a SRA ALVING) Então, o que está
esperando?

REGINA Será que a senhora – ?

SRA ALVING Traga a taça, Regina.

REGINA sai para a sala de jantar.

OSWALD (Seguindo-a com o olhar) Viu só como ela anda? Tão leve e
segura.

SRA ALVING Oswald, isso não pode ser.

OSWALD Já está tudo certo, mãe. Não há mais o que discutir. (Regina volta
com uma taça de champanhe vazia que fica segurando) Sente-se,
Regina.

REGINA consulta a SRA ALVING.

SRA ALVING Sente-se. (REGINA senta-se numa cadeira perto da sala de jantar
ainda segurando a taça vazia) Oswald, mas o que queria dizer
com alegria de viver?

OSWALD A alegria de viver, minha mãe – é uma coisa da qual não se tem
noção nesse país. Nunca senti por aqui.

SRA ALVING Nem quando estou com você?


Espectros – Henrik Ibsen 52

OSWALD Nem quando estou em casa. Mas acho que não entenderia o que
eu quero dizer.

SRA ALVING Não, eu entendo. Acho que estou começando a entender.

OSWALD E também a alegria de trabalhar. Bem na verdade, são a mesma


coisa. Mas também sobre isso a senhora não sabe nada.

SRA ALVING Pode ser, mas me explique o que é, Oswald.

OSWALD Bem, o que eu acho é que aqui as pessoas aprendem a encarar o


trabalho como uma maldição, como um castigo por seus pecados.
E suas vidas viram um inferno; uma desgraça da qual devem se
livrar o mais rápido possível.

SRA ALVING Um abismo, é – e nós fazemos de tudo para que ele se torne cada
vez mais profundo.

OSWALD Mas no mundo lá fora, as pessoas não pensam assim. Ninguém


acredita mais nessas coisas. Lá a senhora sente o prazer que as
pessoas têm em respirar a vida. A senhora já reparou mãe, que
minha pintura é exatamente sobre isso? Sobre a alegria de se estar
vivo? – luz, brilho, sol – rostos iluminados de alegria. Por isso
tenho medo de ficar aqui em casa com a senhora.

SRA ALVING Medo? Medo de que, se me tem por perto?

OSWALD Tenho medo que meus instintos se acostumem à feiúra.

SRA ALVING (Olhando-o com firmeza) É isso que acha que pode acontecer?

OSWALD Tenho certeza. Por mais que se tente, a vida que se leva aqui
jamais será igual a que se leva lá fora.

SRA ALVING (Que ouviu com interesse, levanta-se, com os olhos brilhando
pela conclusão) Agora vejo com clareza a seqüência das coisas.

OSWALD O que a senhora vê?

SRA ALVING Estou vendo pela primeira vez e sinto-me capaz de falar.

OSWALD (Levantando-se) Mãe, não estou entendo a senhora.

REGINA (Que também se levantara) Acho melhor eu ir.

SRA ALVING Não, fique. Agora eu posso falar – agora você vai ouvir tudo, e
então vai poder fazer sua escolha. Oswald! Regina!

OSWALD Ssh! O pastor –


Espectros – Henrik Ibsen 53

MANDERS (Vindo do hall) Bem, que hora mais edificante a que acabamos de
passar lá no orfanato.

OSWALD Nós aqui também.

MANDERS Devemos apoiar o “lar” dos marinheiros de Engstrand. Regina


precisa ir junto com ele para ajudá-lo –

REGINA Eu não gostaria, senhor.

MANDERS (Só agora percebendo a presença dela) Ora – você está aí! Com
uma taça na mão?

REGINA (Rapidamente pondo a taça em algum lugar) Pardon!

OSWALD Regina vai morar comigo, pastor.

MANDERS Ela vai – morar com você?

OSWALD Sim, como minha esposa – caso ela prefira.

MANDERS Mas, por Deus...!

REGINA Não é culpa minha, pastor.

OSWALD Ou ficará aqui comigo, se eu ficar.

REGINA (Involuntariamente) Aqui?

MANDERS Estou absolutamente pasmado com sua reação, Sra Alving.

SRA ALVING Isso não vai acontecer. Porque agora eu posso contar a verdade.

MANDERS Não, não pode fazer isso!

SRA ALVING Posso e vou. E sem ferir os ideais de ninguém.

OSWALD Mãe! O que é que você está escondendo?

REGINA (Ouvindo) Ouça – senhora! Tem gente gritando lá embaixo. (Ela


vai para a janela e olha para fora).

OSWALD (Indo para outra janela) O que é isso, que clarão é esse?

REGINA (Gritando) O orfanato está em chamas!

SRA ALVING (Indo para a janela) Em chamas!

MANDERS Mas como é possível. Acabei de vir de lá.


Espectros – Henrik Ibsen 54

OSWALD Meu chapéu, onde está? O que importa! O orfanato de papai! (Ele
sai correndo para o jardim).

SRA ALVING Meu xale, Regina. O fogo já tomou conta de tudo!

MANDERS Que horror! Sra Alving, esse incêndio é um castigo a este lar
corrompido.

SRA ALVING É, é possível. Vamos, Regina. (Ela e REGINA saem


apressadamente pelo hall).

MANDERS (Juntando as mãos) E não tinha seguro. (Ele vai atrás delas).

Cai o pano.
Espectros – Henrik Ibsen 55

ATO 3

A mesma sala. Todas as portas abertas; o lampião continua aceso sobre a mesa. Está
escuro lá fora, exceto por uma pequena claridade no fundo à esquerda.

SRA ALVING, usando um grande xale sobre a cabeça, está no hall envidraçado
olhando para fora. REGINA, também de xale, olhando para fora
um pouco atrás dela.

SRA ALVING Tudo queimado – não sobrou nada.

REGINA O porão ainda está pegando fogo.

SRA ALVING Por que Oswald não volta? Não há mais nada a salvar.

REGINA Quer que eu vá levar-lhe o chapéu?

SRA ALVING Ele nem o chapéu levou?

REGINA (Apontando) Não, está ali.

SRA ALVING Pode deixar. Ele já devia ter voltado. Vou até lá ver se o encontro.
(Ela sai pelo jardim).

MANDERS (Vindo pelo outro lado) A Sra Alving não está?

REGINA Não, ela acabou de descer pelo jardim.

MANDERS Acho que esta deve ser a pior noite que já passei na vida.

REGINA É, que tragédia horrível, não é, senhor?

MANDERS Nem fale. Gostaria de poder esquecer.

REGINA Mas como foi que aconteceu?

MANDERS Não me pergunte, Srta Engstrand. Como quer que eu saiba? Acha
também que... Já não chega o que seu pai...

REGINA O que é que tem meu pai?

MANDERS Ele está me enlouquecendo!

ENGSTRAND (Entrando pelo hall) Pastor...!

MANDERS (Virando-se com pavor) Você veio me seguindo até aqui?

ENGSTRAND Vim, que Deus me perdoe, mas vim... Meu senhor, que coisa
horrível, pastor!
Espectros – Henrik Ibsen 56

MANDERS (Andando de um lado para o outro) Horrível – horrível...!

REGINA Mas o que que é isso?

ENGSTRAND É que, foi tudo culpa do sermão... (Falando baixinho) Ele ta no


papo, menina. (Alto) E pensar que foi por minha causa que o
pastor é o culpado d’uma coisa dessa!

MANDERS Mas tenho certeza, Engstrand...!

ENGSTRAND Mas só quem mexeu nas velas foi o senhor.

MANDERS (Parado de pé) Sim, você já disse isso. Mas tenho certeza, que
não peguei em vela nenhuma.

ENGSTRAND Mas eu vi, muito bem, o senhor apagar uma vela entre os dedos e
jogar a brasa na serragem.

MANDERS Você me viu fazendo isso?

ENGSTRAND Perfeitamente, senhor.

MANDERS Eu não entendo. Eu nunca apago vela com os dedos.

ENGSTRAND Pois na hora eu também achei estranho. Puxa e como é mesmo


perigoso hem, pastor!

MANDERS (Continua a andar) Oh, nem me diga.

ENGSTRAND (Seguindo-o) E também não tinha seguro, não é pastor?

MANDERS (Andando) Não, não, não quantas vezes já disse isso.

ENGSTRAND (Acompanhando-o) Sem seguro! E aí vem alguém e põe fogo em


tudo – por Deus, todo poderoso, que calamidade, meu Deus.

MANDERS (Enxugando o suor da testa) Você tem razão, Engstrand.

ENGSTRAND E pensar que uma coisa dessas pudesse acontecer justamente a


uma instituição de caridade, um local abençoado por toda a
vizinhança. Acho que os jornais vão é falar muito do senhor.

MANDERS Não; é justamente nisso que estou pensando. Essa é a pior parte
da desgraça... as insinuações maliciosas, os ataques. É terrível
pensar nisso!

SRA ALVING (Vindo do jardim) Não consigo tirá-lo de perto do fogo.

MANDERS Que bom chegou, Sra Alving.


Espectros – Henrik Ibsen 57

SRA ALVING Então, Pastor Manders, está livre do discurso de inauguração.

MANDERS Preferiria fazê-lo a...

SRA ALVING (Num tom mais baixo) É melhor que tenha sido assim. O orfanato
não faria bem a ninguém.

MANDERS A senhora acha isso?

SRA ALVING O senhor não?

MANDERS De qualquer forma, é uma tremenda infelicidade.

SRA ALVING Temos que encarar meramente como um negócio. Engstrand,


você está esperando o pastor?

ENGSTRAND (Na porta do hall) É isso mesmo, madame.

SRA ALVING Então sente-se um instante.

ENGSTRAND Prefiro esperar de pé, obrigado.

SRA ALVING (Para MANDERS) Vai tomar o vapor de volta?

MANDERS Sim, sai dentro de uma hora.

SRA ALVING Se importaria em levar toda a papelada com o senhor? Não quero
ouvir nem mais uma palavra sobre isso – Tenho outras coisas em
que pensar.

MANDERS Sra Alving –

SRA ALVING Vou lhe mandar uma procuração para fazer o que achar melhor.

MANDERS Vou ter prazer em solucionar tudo. Os termos de seu testamento


terão que ser modificados.

SRA ALVING Naturalmente.

MANDERS Acho que em primeiro lugar, devo fazer com que a porção da
propriedade passe para a custódia da paróquia. Aquele terreno
certamente tem algum valor – não será difícil encontrar um bom
uso para ele. E quanto ao montante de juros sobre o capital que
restou no banco – eu poderia destiná-lo a alguma ação que fosse
do interesse da cidade.

SRA ALVING Faça como quiser. Eu não quero mais saber.

ENGSTRAND Lembre-se do nosso “lar” pros marinheiros, pastor.


Espectros – Henrik Ibsen 58

MANDERS Verdade, que boa sugestão. Muito bem, é algo em que vou pensar.

ENGSTRAND Ora que pensar uma ova – Meu pai...!

MANDERS (Com um suspiro) Infelizmente eu não sei quanto tempo vou ter –
a opinião pública pode me forçar a abandonar tudo. Vai depender
do resultado da investigação do incêndio.

SRA ALVING O que está dizendo?

MANDERS Não sabemos qual pode ser o resultado.

ENGSTRAND (Aproximando-se dele) Ah, mas pra que serve ter Jakob Engstrand
por perto?

MANDERS Mas...?

ENGSTRAND E Jakob Engstrand não é sujeito de largar seu benfeitor na hora


que ele estiver precisando de ajuda, como é comum por aí.

MANDERS Mas meu caro, como - ?

ENGSTRAND Jakob Engstrand, pastor, pode ser seu anjo da guarda.

MANDERS Não, não, isso eu não poderia aceitar.

ENGSTRAND Ah poderia sim. Conheço alguém que uma vez levou a culpa por
outro.

MANDERS Jakob! (Juntando as mãos) Há poucos como você! Pode contar


com minha ajuda para o seu “lar” para os marinheiros – conte
comigo.

ENGSTRAND tenta agradecer mas se engasga de emoção. MANDERS põe sua


mochila no ombro.

Agora vamos. Viajaremos juntos.

ENGSTRAND (Na porta da sala de jantar fala baixo para REGINA) Vem
comigo menina – vai ficar mais protegida que a gema do ovo!

REGINA (Atirando a cabeça para trás com desdém) Merci! (Sai para o
hall para pegar o casaco do pastor).

MANDERS Adeus, Sra Alving. Faço votos que o espírito da ordem e da lei
voltem logo a ocupar essa casa.

SRA ALVING Adeus, pastor Manders. (Ela sai para o hall envidraçado ao ver
que OSWALD está voltando pelo jardim).
Espectros – Henrik Ibsen 59

ENGSTRAND (Com o auxílio de REGINA ajuda o pastor a vestir o casaco)


Adeus, minha criança. Se algum dia precisar de ajuda, sabe onde
encontrar Jakob Engstrand. (Baixo) Rua do Cais Pequeno. Hãm!
(Para SRA ALVING e OSWALD) E vou chamar a minha casa pros
marujos de “Lar do Capitão Alving”, é esse que vai ser o nome. E
se eu conseguir botar ela pra funcionar do jeito que eu quero, vai
ser a homenagem justa que a memória do capitão merece.

MANDERS (Na porta) Hm... Vamos então, meu caro Engstrand. Adeus,
adeus. (Ele e ENGSTRAND saem pelo hall).

OSWALD (Indo para a mesa) Que casa é essa que ele falou?

SRA ALVING É uma espécie de “lar” que ele o pastor Manders estão pensando
em abrir.

OSWALD E que vai queimar como esta daqui.

SRA ALVING Por que está dizendo isso?

OSWALD Tudo vai queimar, até que não sobre nada que lembre meu pai.
Inclusive eu, que já me sinto queimando também.

REGINA lança-lhe um olhar assustado.

SRA ALVING Oswald, meu menino, não devia ter ficado tanto tempo lá fora.

OSWALD (Sentando-se à mesa) A senhora deve estar certa.

SRA ALVING Você está todo molhado, Oswald – deixe-me enxugar seu rosto.
(Ela enxuga o rosto dele com seu lenço).

OSWALD (Olhando em frente, impassível) Obrigado, minha mãe.

SRA ALVING Não está cansado, Oswald? Por que não vai dormir?

OSWALD (Angustiado) Dormir – não! Eu não durmo mais, apenas finjo.


(Tristemente) Mas não vai ser por muito tempo.

SRA ALVING (Olhando-o com apreensão) Meu filho querido, você está mesmo
doente!

REGINA O Sr Alving está doente?

OSWALD (Irritado) E fechem todas as portas! Este medo mortal...

SRA ALVING Feche as portas, Regina.


Espectros – Henrik Ibsen 60

REGINA obedece e fica parada na porta do hall. SRA ALVING tira o xale,
REGINA também. SRA ALVING leva uma cadeira para perto de
OSWALD e senta-se.

Agora vou me sentar aqui a seu lado.

OSWALD Faça isso. E Regina deve ficar aqui também – Regina deve ficar
para sempre comigo. Você vai me ajudar, não vai, Regina?

REGINA Não estou entendendo...

SRA ALVING Ajudar?

OSWALD É, quando eu precisar de ajuda.

SRA ALVING Mas Oswald, você não tem sua mãe para lhe ajudar?

OSWALD Você? (Sorrindo) Não, mãe, você jamais me daria a ajuda que
estou falando. (Com um triste sorriso) Ha! Você não! (Olhando
para ela com sinceridade) Mas, afinal, quem mais, além de você
me ajudaria? (Impetuosamente) Regina, por que você é sempre
tão formal comigo? Por que não me chama de Oswald?

REGINA (Baixo) Acho que madame não aprovaria.

SRA ALVING Logo você terá esse direito. Agora venha e sente-se aqui conosco.

(Após alguma hesitação, REGINA, senta-se cuidadosamente no outro lado da


mesa)

E agora, meu triste menino, vou tirar um peso dos seus ombros...

OSWALD Você, mãe?

SRA ALVING Todo o remorso e toda auto censura de que me falou.

OSWALD A senhora acha que pode?

SRA ALVING Posso sim, Oswald, agora eu posso. Quando você falou na alegria
de viver foi como se de repente eu visse minha própria vida, tudo
que me aconteceu, sob uma luz diferente.

OSWALD (Balançando a cabeça) Não entendo.

SRA ALVING Gostaria que tivesse conhecido seu pai quando ele não passava de
um jovenzinho subalterno. Ele tinha essa alegria de viver.

OSWALD Eu sei.
Espectros – Henrik Ibsen 61

SRA ALVING Seu entusiasmo e sua inesgotável energia faziam bem a alma de
quem simplesmente o observasse.

OSWALD Mas então?

SRA ALVING Então esse garoto, tão cheio de alegria e vitalidade, porque
naquela época ele era um garoto – teve que vir para essa cidade de
segunda, vazia de prazeres e repleta de dissimulações. Ele não
tinha objetivo na vida, só uma posição oficial. Ele não tinha um
trabalho ao qual se entregasse de corpo e alma, tinha uma rotina a
cumprir. Nem um de seus amigos jamais suspeitou o que é ter
alegria de viver – eram todos preguiçosos e bêbados...

OSWALD Mãe!

SRA ALVING Então o inevitável aconteceu.

OSWALD O inevitável?

SRA ALVING Você mesmo disse o que lhe aconteceria se permanecesse nessa
casa.

OSWALD Quer dizer que meu pai...?

SRA ALVING Seu pobre pai não tinha onde extravasar a enorme alegria que
existia dentro dele. Nem eu fui capaz de dar-lhe um ínfimo raio
de sol.

OSWALD Nem você?

SRA ALVING Me ensinaram tudo sobre o dever, e essas coisas. Me ensinaram a


acreditar nisso. Então eu vivia para cumprir um dever – o meu
dever e o dever dele... e eu acho que acabei fazendo desta casa um
lugar insuportável para o seu pai, Oswald.

OSWALD Por que nunca me falou nada em suas cartas?

SRA ALVING Só agora, que consigo enxergar isso como uma coisa que eu possa
falar para você – que é filho dele.

OSWALD Como isso aconteceu?

SRA ALVING (Lentamente) Antes eu só via uma coisa: que seu pai já era um
homem arruinado antes de você nascer.

OSWALD (Suavemente) Ah...! (Levanta-se e vai para a janela).

SRA ALVING E depois uma idéia me perseguia ininterruptamente : que Regina


deveria ter tanto direito a esta casa como meu próprio filho.
Espectros – Henrik Ibsen 62

OSWALD (Virando-se rapidamente) Regina?

REGINA (Levantando-se e falando com a voz estrangulada) Eu...?

SRA ALVING Sim, agora vocês dois sabem.

OSWALD Regina...!

REGINA (Para si mesma) Então minha mãe foi mesmo...

SRA ALVING Sua mãe tinha muito boas qualidades, Regina.

REGINA Mas mesmo assim não prestava. Eu às vezes achava, mas...


madame, posso ir embora, o mais breve possível?

SRA ALVING Você quer realmente ir, Regina?

REGINA Sim, eu quero ir embora.

SRA ALVING Pode fazer o que quiser, claro, mas –

OSWALD (Indo para ela) Ir embora agora? Quando o seu lugar é aqui?

REGINA Merci, Sr Alving... bem, acho que agora posso lhe chamar de
Oswald – se bem que não era assim que eu esperava.

SRA ALVING Regina, não fui franca com você.

REGINA Realmente não foi. Se eu soubesse que Oswald estava doente,


então... E sabendo que nada mais sério pode haver entre nós... Ah
não, eu não vou desperdiçar minha vida aqui nesse fim de mundo
cuidando de um doente!

OSWALD Nem sabendo que o doente é alguém tão próximo?

REGINA Não, certamente que não. Uma garota pobre tem que tirar todo
proveito de sua juventude, antes que seja tarde e eu seja jogada
fora. Eu também tenho a alegria de viver, madame.

SRA ALVING Eu sei que tem, mas não se destrua, Regina.

REGINA Ah sim, mas o que é tem? Se Oswald puxou a seu pai por que eu
não posso ter puxado a minha mãe? Posso lhe perguntar uma
coisa? O pastor Manders sabe sobre mim, madame?

SRA ALVING O pastor Manders sabe de tudo.

REGINA (Recolocando o xale, preparando-se) Então, acho que o melhor


que tenho a fazer é pegar o vapor o mais rápido possível. O pastor
Espectros – Henrik Ibsen 63

é um homem bom, e agora acho que também tenho direito a um


pouco da grana que aquele carpinteiro imundo ta indo atrás.

SRA ALVING Você é que sabe, Regina.

REGINA Devia ter me criado como filha do patrão – teria sido mais justo.
(Joga a cabeça com desdém) Mas agora, pra mim tanto faz!
(Com um olhar amargo para a garrafa ainda fechada) Ainda vou
beber muita champanhe com gente fina.

SRA ALVING Se algum dia precisar de um lar, Regina, pode contar comigo.

REGINA Não, madame, obrigada; pastor Manders vai cuidar muito bem de
mim. E se o pior acontecer, sei de uma casa onde serei sempre
bem vinda.

SRA ALVING Que casa?

REGINA O “Lar do Capitão Alving”!

SRA ALVING Regina, você está indo pro abismo, sei que está.

REGINA Tss! Adieu. (Ela faz uma reverência e sai pelo hall).

OSWALD (De pé, olhando pela janela) Ela se foi?

SRA ALVING Foi.

OSWALD (Falando para si próprio) Isso foi uma burrice.

SRA ALVING (Vindo por trás dele e colocando as mãos em seu ombro) Oswald
querido, isso o deixou muito triste?

OSWALD (Virando-se para olhar para ela) Quer dizer, isso tudo sobre meu
pai?

SRA ALVING Sobre o coitado do seu pai sim, tenho tanto medo que isso possa
ter sido demais pra você.

OSWALD Por que acha isso? Claro que me deixou chocado, mas afinal, não
vejo porque possa ser tão importante assim para mim.

SRA ALVING (Tirando as mãos) Não acha importante? Que seu pai tenha sido
tão desesperadamente infeliz?

OSWALD Claro que sinto pena dele – sentiria por qualquer um – mas...

SRA ALVING Só isso? Pelo seu próprio pai?


Espectros – Henrik Ibsen 64

OSWALD Ora, meu pai – meu pai! Nunca soube nada sobre meu pai. A
única coisa que lembro dele, é de me fazer sentir terrivelmente
enjoado.

SRA ALVING Este é um pensamento ruim! Não importa o que aconteça, toda
criança deve sentir algum afeto por seu pai.

OSWALD Mesmo quando essa criança não tiver nada o que agradecer a ele,
mesmo quando ele for pra ela um completo estranho? Você ainda
acredita nessas velhas superstições ? Você que é tão inteligente.

SRA ALVING Chama isso de superstição?

OSWALD Claro, será que a senhora não vê, mãe? Essas idéias ultrapassadas
e mortas em que o mundo se agarra e –

SRA ALVING (Agitada) Espectros!

OSWALD (Andando) Sim, pode chamar de espectros.

SRA ALVING (Violentamente) Quer dizer então que também não me ama,
Oswald?

OSWALD Pelo menos a senhora eu conheço.

SRA ALVING Sim você me conhece – mas é só isso?

OSWALD Sei o quanto a senhora gosta de mim, e naturalmente sou-lhe


muito agradecido por isso. E agora que estou doente a senhora
pode me ser particularmente útil.

SRA ALVING Sim eu posso, Oswald. Oh, eu posso quase dizer que agradeço por
essa sua doença ter-lhe obrigado a voltar para casa, pois agora
percebo que você ainda não é realmente meu – eu vou ter que
conquistá-lo.

OSWALD (Impacientemente) Sim, sim, sim, isso tudo são apenas palavras!
Não se esqueça, minha mãe que eu sou um homem doente. Não
me sobra muito espaço para me preocupar com os outros – já
tenho muito o que fazer e o que pensar sobre mim mesmo.

SRA ALVING (Delicadamente) Sou paciente e de fácil convivência.

OSWALD E alegre também, mãe.

SRA ALVING Sim, meu pequeno, você tem razão. (Indo até ele) Mas será que
tirei dos seus ombros o peso do remorso e da auto censura?

OSWALD Tirou sim, mas agora, quem vai me tirar o medo?


Espectros – Henrik Ibsen 65

SRA ALVING Medo?

OSWALD (Andando pela sala) Regina seria capaz, com uma única e simples
palavra.

SRA ALVING Não entendo... Que medo é esse? Por que Regina?

OSWALD Já está muito tarde, mãe?

SRA ALVING Já é quase de manhã. (Olhando através do hall envidraçado) Está


começando a clarear por trás das montanhas. Vai ser um belo dia,
Oswald – daqui a pouco você vai ver o sol!

OSWALD Isso me deixa feliz. Ou talvez tenham muitas coisas que me façam
feliz – que me façam viver...

SRA ALVING Tenho certeza que sim.

OSWALD Mesmo que eu não consiga trabalhar?

SRA ALVING Meu menino, logo você vai ser capaz de trabalhar novamente.
Sem ter mais que se deixar abater por aqueles pensamentos
sombrios.

OSWALD É um grande alívio, que possa ter me livrado deles. E quando eu


tiver resolvido só mais uma coisa... (Sentando-se no sofá) Mãe,
nós precisamos ter uma conversa.

SRA ALVING Sim, por que não? (Ela puxa uma poltrona para junto do sofá e
senta-se perto dele).

OSWALD Então o sol vai se erguer. E você vai saber – e eu nunca mais vou
ter medo.

SRA ALVING O que quer me dizer?

OSWALDO (Sem ouvi-la) Mãe, no início da noite você disse que faria
qualquer coisa por mim, se eu pedisse?

SRA ALVING Sim, foi o que eu disse.

OSWALD E continua pensando assim?

SRA ALVING Pode confiar em mim, meu menininho; não tenho mais nada por
que viver nesse mundo a não ser você.

OSWALD Muito bem, mãe, vou lhe dizer. Agora vejo sua coragem – por isso
quero que enquanto eu fale a senhora fique calma.

SRA ALVING Mas o que há de tão terrível?


Espectros – Henrik Ibsen 66

OSWALD Ouça, mãe, por favor não grite – prometa-me que não vai gritar.
Que vamos conversar calmamente aqui sentados. Você me
promete, mãe?

SRA ALVING Sim claro que prometo, mas o que é Oswald?

OSWALD Bem, precisa entender que esse meu cansaço, e essa incapacidade
de me concentrar no trabalho – são só vestígios da verdadeira
doença...

SRA ALVING E qual é a verdadeira doença?

OSWALD Essa doença que herdei – (Aponta para a sua testa e continua
muito suavemente) – está presa aqui dentro.

SRA ALVING (Quase sem fala) Oswald! Não, não!

OSWALD Não grite. Eu não iria agüentar. Ela está presa aqui, e espera. E
um dia qualquer, de uma hora pra outra, ela escapa.

SRA ALVING Mas isso é horrível...!

OSWALD Não fale nada. É isso que vai acontecer comigo.

SRA ALVING (Levantando-se) Não é verdade, Oswald. Não é possível – não


pode ser!

OSWALD Tive um ataque há pouco tempo. Logo passou; mas quando soube
do que se tratava comecei a me sentir perseguido por este medo
absurdo, então resolvi voltar imediatamente para casa.

SRA ALVING Então é este o medo –

OSWALD É. E não sabe que condição humilhante... Se pelo menos fosse


uma rápida doença terminal qualquer... porque não tenho medo da
morte, mãe, embora sonhasse tanto com uma vida tão longa
quanto eu quisesse.

SRA ALVING Pois sonhe, Oswald.

OSWALD Mas é uma coisa tão assombrosamente humilhante. Virar de novo


uma criança; receber a comida na boca, ter que – Ah, não consigo
falar!

SRA ALVING Meu menino terá sua mãezinha para cuidar dele.

OSWALD (Levantando-se) Não, nunca! É isso justamente o que eu não


quero. (Com simplicidade) Não é improvável que eu continue
vivo nesse estado por alguns anos – até ficar velho e careca. E
Espectros – Henrik Ibsen 67

talvez você morra antes de mim. (Ele senta-se na poltrona em que


ela estava) Porque o médico me disse que muitas vezes a morte
demora. Ele disse que vai ocorrendo uma espécie de amaciamento
do cérebro. (Sorrindo sem graça) Achei uma expressão tão
bonita; sempre que penso, me faz lembrar cortinas de veludo da
cor de cerejas, sei lá –

SRA ALVING (Gritando) Oswald!

OSWALD (Levanta-se e anda pela sala) E agora, você tirou Regina de mim.
Se pelo menos eu a tivesse – sei que ela seria capaz de me ajudar..

SRA ALVING (Indo até ele) Meu filho, querido – o que quer dizer? Acha que eu
não sou capaz de lhe dar toda a ajuda que precise?

OSWALD Quando me recuperei do ataque, na França, o médico disse que


certamente haveria um próximo, e que quando isso acontecesse,
não haveria mais volta..

SRA ALVING Que crueldade a dele –

OSWALD Eu tive que arrancar dele. Disse-lhe que tinha assuntos


importantes que deveriam ser resolvidos. (Com um sorriso de
astúcia) Mas então consegui... (Tirando uma caixinha do bolso de
dentro do paletó) olhe pra isso, mãe.

SRA ALVING O que é isso?

OSWALD Morfina.

SRA ALVING (Olhando-o aterrorizada) Oswald... oh meu Deus!

OSWALD Consegui doze pílulas.

SRA ALVING (Dando um bote para pegar) Dê-me isso aqui, Oswald!

OSWALD Ainda não, mãe. (Recoloca a caixinha de volta no bolso).

SRA ALVING Não quero estar viva para presenciar isso.

OSWALD Mas precisa. Se Regina estivesse aqui, se eu contasse a ela sobre a


minha doença, e implorasse sua última ajuda, ela me ajudaria,
tenho certeza.

SRA ALVING Nunca.

OSWALD Quando o horror tomasse conta de mim, e ela me encontrasse no


chão como um bebê recém-nascido – indefeso, abandonado,
irreversível – condenado a –
Espectros – Henrik Ibsen 68

SRA ALVING Regina não seria capaz – ela nunca faria isso.

OSWALD Regina faria sim. Ela era uma criatura tão incrivelmente livre – e
logo se cansaria de ficar tomando conta de um inválido como eu.

SRA ALVING Então agradeço ao céus que ela não esteja mais aqui.

OSWALD Pois então será você quem vai me dar ajuda, mãe.

SRA ALVING (Num forte grito) Eu?

OSWALD Quem melhor do que a senhora?

SRA ALVING Eu? Sua mãe?

OSWALD Por isso mesmo.

SRA ALVING Mas eu lhe dei a vida!

OSWALD Isso foi algo que nunca lhe pedi. E depois que vida foi essa que a
senhora me deu? Não obrigado, pode levar de volta.

SRA ALVING Socorro! Ajudem! (Ela sai em direção ao hall)

OSWALD (Seguindo-a) Não me deixe! Onde você vai?

SRA ALVING (No hall) Buscar um médico para você, Oswald. Deixe-me ir.

OSWALD (Também no hall) Não vai a lugar nenhum! Não vai buscar
ninguém.

Ouve-se uma porta sendo trancada a chave.

SRA ALVING (Voltando) Oswald – Oswald, meu menino!

OSWALD (Voltando atrás dela) Chama de amor, me deixar sofrer esse


indescritível horror?

SRA ALVING (Após um momento de silêncio, tentando controlar a voz) Você


tem minha palavra.

OSWALD A senhora vai...?

SRA ALVING Caso seja preciso. Mas não vais ser preciso... não, não é possível.

OSWALD Bem... vamos torcer que não seja. Para que possamos viver juntos
por muitos anos. Obrigado, minha mãe.

Ele senta-se na poltrona que SRA ALVING havia deslocado para perto do sofá.
O dia está nascendo. O lampião continua aceso sobre a mesa.
Espectros – Henrik Ibsen 69

SRA ALVING Está sentindo-se melhor?

OSWALD Estou.

SRA ALVING Isso foi um terrível delírio, Oswald, apenas um delírio. Toda essa
agitação foi demais para você, mas agora deve descansar – na sua
casa, perto de sua mãe, meu querido. Você vai ter tudo o que
quiser, exatamente como quando você era um garotinho. Pronto!
Agora tudo passou. Viu só como foi fácil – eu sabia que seria. E
olhe Oswald, vamos ter um lindo dia – um dia claro de sol. E
você vai poder ver a sua casa!

Ela vai até a mesa e apaga o lampião. O sol se levanta; as geleiras e os picos
cobertos de neve se iluminam ao longe com a luz da manhã.

OSWALD (Sentado na poltrona de costas para a vista, começa a falar de


repente sem se mover) Mãe, por favor me dê o sol.

SRA ALVING (Ainda perto da mesa, olhando-o assustada) O que foi que disse?

OSWALD (Continuando, monotonamente, sem expressão) O sol... o sol...

SRA ALVING (Indo para ele) Oswald – qual é o problema?

OSWALD se encolhe na poltrona, seus músculos se soltam, seu rosto sem


expressão, seu olhar vago e congelado.

SRA ALVING (Tremendo de medo) O que é isso? (Num forte grito) Oswald – o
que está acontecendo? (Caindo de joelhos) Oswald! Oswald, olhe
para mim – você me conhece?

OSWALD (Ainda branco) O sol, o sol...

SRA ALVING (Levantando-se desesperada, agarrando os cabelos com as mãos,


ela grita) Eu não vou agüentar! (Sussurrando como que
paralisada) Eu não vou agüentar... nunca! (De repente) Onde foi
que as guardou? (Procurando apressadamente no paletó dele)
Aqui! (Ela recua alguns passos e chora) Não, não, não... Sim!
Não, não...

Ela fica a um ou dois passos dele, segurando a cabeça com as mãos, olhando
para ele aterrorizada.

OSWALD (Continua sentado, imóvel, como antes) O sol... o sol.


Cai o pano.

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