(1) O autor discute o estado do teatro no Brasil do século XIX, argumentando que ele reflete as características do povo brasileiro da época, que carecia de identidade nacional, ciência, arte e filosofia; (2) Consequentemente, o teatro brasileiro se limitava a peças de disparate, ridículo e burlesco; (3) Também critica a hipocrisia da moralidade no teatro brasileiro, que condenava peças por sua forma ao invés de seu conteúdo.
(1) O autor discute o estado do teatro no Brasil do século XIX, argumentando que ele reflete as características do povo brasileiro da época, que carecia de identidade nacional, ciência, arte e filosofia; (2) Consequentemente, o teatro brasileiro se limitava a peças de disparate, ridículo e burlesco; (3) Também critica a hipocrisia da moralidade no teatro brasileiro, que condenava peças por sua forma ao invés de seu conteúdo.
(1) O autor discute o estado do teatro no Brasil do século XIX, argumentando que ele reflete as características do povo brasileiro da época, que carecia de identidade nacional, ciência, arte e filosofia; (2) Consequentemente, o teatro brasileiro se limitava a peças de disparate, ridículo e burlesco; (3) Também critica a hipocrisia da moralidade no teatro brasileiro, que condenava peças por sua forma ao invés de seu conteúdo.
Sem pretender levantar a defesa dessa peça, que tantas e tão
valiosas considerações tem provocado de nossos críticos teatrais, punge-me todavia o desejo de dizer alguma coisa a respeito de que vem a ser isto de teatro entre nós. O teatro, segundo todos os exemplos que se possam evocar, nada mais é do que o transunto da época em que vive, ou por outras palavras é a síntese da moral, do caráter, da índole, dos costumes e das aptidöes artísticas e políticas do povo que o sustenta. Partindo desse princípio, o teatro acompanha as transformações de seu tem- po e toma a feição e sabor do povo que representa. Se esse povo Ou Se essa época forem aventurosos e guerreiros ele será fatalmente febril e violento e produz a tragédia. Mas se a época for triste e desesperançada, como em geral sucede depois de uma grande cala- midade popular, o teatro será lírico, apaixonado, choroso, amigo do Suicídio, e então se manifesta pelo drama. E se finalmente o povo for ranquilo, artista, amigo do trabalho útil, prático, calmo e tfilosotico, Surge nesse caso a comédia. Assim cada época e cada povo apre- Sentam uma filosofia, e uma forma especiais. Cada um vê e diz a seu modo sem cogitar o modo de ver e de dizer dos outros. Pois bem, nos que não somos aventureiros, que não temos um passado de uta para arrastarmos um presente de cansaço e desesperança, que não somos das calmas investiga igualmente amigos do trabalho e çoes científicas e artísticas, não podemos ter a tragédia, nem o drama 578 DÉIAS TEATRAIS: O SECULO XIX NO BRASIL
e muito menos a comdia. O que teremos então? Sim, o que mos
nós, que não possuímos caráter nacional, nós que não dispomos de ciência, nem arte, nem literatura, nós sem filosofia, sem política, sem paixöes elevadas, sem toilette, sem saude, sem coragem para coisa alguma. Nós, nos fazemos representar no teatro pela mágica e pela opereta. Está claro. Nosso ideal é a Rom Encantada, e o Orfeu na Roça. Para um povo como nós somos, só há no teatro uma manifes. tação possível, é o disparate, o burlesco, o ridículo exagerado feito cores vivas, de sons estridentes e de pilhérias velhacas e extra- vagantes. Que isto é lamentável e profundamente triste, não há dúvida nenhuma, porém, querer condenar o nosso teatro porque o desgra- çado segue o seu destino fatal e misérrimo, é o que me parece ainda mais tristee mais lamentável. Não se pode colher bons pêssegos onde se planta pevides de abóbora. Ainda se tivéssemos herdado alguma coisa, nesse sentido, de nossos pais, vá. Mas, Portugal, coitado, no teatro nunca passou do lenço encarnado, da caixa de rapé, da bengala de cana da Îndia e do robe de chambre. Farsas, farsas e alguns postiços do falecido Almeida Garrett. Não é com semelhante legado junto à nossa incompetência que se obtém um teatro. Não! Enquanto formos o que somos, tenham paciência os senhores críticos, não passaremos do Perriquito e do Nhó Quim. Ora, em semelhantes condições, quando o teatro não atingiu ainda a posição que lhe compete no meio seriamente constituído; é infantil, é quase ridículo, exigir que ele seja moral, fecundo e reformador. Suas senhorias querem teses discutidas em cena, querem criação de tipos, querem crítica de costumes, querem modelos de moral; de
acordo. Acho que tudo isso é muito bom e principalmente para
con quem escreve, para quem representa; mas por amor de Deus, vém saber qual é o público com que se pode contar para semelnanc COisa? Ou qual é o governo que est disposto a sustentar os tearos
e proteger as peças nacionais? Mas admitindo que o governo suo
vencionasse o teatro nacional e que os autores estivessem dispo0 tos como estão a escrever peças de alta moralidade. Vejamos o quc
entre nós se entende pela moralidade no teatro. Em primeiro ug
Dama as quando e quem entre nós já se lembrou de condenar a
Camélias, Suplício de uma Mulher e mil e outras peças roman
nas quaiso vício, disfarçado por um perfume atraente e misterios de desgraça ganha e conquista a simpatia e a indulgência do puo mos
co. Não. Todo nosso escrúpulo não passa da forma. Aceita
tudo contanto que a frase não nos ofenda o ouvido. Para exenpplo AFLOR-DE-LIS 579
podemos citar um fato: a comédia Divorçons caiu aqui em dois tea-
tros por imoral; quando aliás ela foi a primeira que conseguiu esma- gar energicamente c cobrir de ridículo o pelintra sedutor que se introduz no seio da família para desorganizá-la. Todavia, os próprios burgueses que fugiam de Divorçons, porque o Divorçons dizia as verdades um tanto amargamente, levavam a família a bebero vene- no de outras peças nas quais o adultério toma um caráter simpáticoo e as suas conseqüências um sabor triste e agradável de romantismo. Qual será a rapariga velha, que, assistindo ao Suplício ou o mesmo de uma Mulher, no desculpe o crime do amante apaixonadoe não misture as suas lágrimas com as da infeliz esposa que teve a desgraça de enganar o marido e conceber um filho com o amante. Boa morali- dade, não há dúvida. Severos com a frase, indulgentes com a idéia. Podemos dizer com Geoffroy: Nous aimons beaucoup mieux sur la scène des filles qui font des enfants que des valets qui font des plaisanteries un peu libres. Voltando porém à Flor-de-Lis, vemo-nos forçados a confessar que todo o clamor levantado em redor dela, só conseguimos tirar uma conclusão, é que a maioria de nossa imprensa e a maioria do nosso público são essencialmente monarquistas. A peça no seria reputada imoral se o Imperador não se lembrasse de sair do teatro no meio do espetáculo. Entretanto vejam como se escreve a histó- ria. A retirada de sua Majestade tem uma causa puramente patológica. Sua Majestade sofre de enxaqueca.
[Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1882.]