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março/2015
Temática
O discurso histérico e a garrafa de Klein
SOBRE A A garrafa de Klein aparece muitas vezes na obra de Lacan com diferentes
finalidades e usos. Mas gostaria de ressaltar aqui dois momentos que
TOPOLOGIA considero cruciais: o da apresentação da garrafa como estrutura do
significante e o da escritura própria da histeria – e dois passos intermediários,
DOS que têm a ver com a virada que Lacan deu, passando da histeria como
DISCURSOS “estrutura clínica” para a histeria como “discurso”. Esta virada foi acontecendo
pouco a pouco ao longo do ensino de Lacan, mas há, no meu entendimento,
um ponto de não retorno: foi no seminário O avesso da Psicanálise (1969-70)
em que Lacan lançou os quatro discursos.
Vejam que na banda unilátera (esquema da esquerda) uma borda fica aberta.
Já para a garrafa de Klein (esquema da direita), esta borda (b) deve ser
costurada em “X”. Para isto ser possível deveria existir um tecido que se
autotrespassasse, como no plano-projetivo.
A garrafa de Klein (Fig.2) não pode ser construída no espaço euclideano, pois
não é possível fazer esta operação de autoatravessamento em superfícies
tridimensionais sem haver descontinuidade de seus pontos vizinhos. Porém,
pode-se tentar representá-la em D4, a partir de um cilindro de tela ou material
flexível, introduzindo uma ponta no meio do tubo, e unindo as duas pontas.
(Figura 3)
1. Apresentação da Garrafa
Mais adiante, de maneira não explícita, Lacan se daria conta de que, com a
garrafa, a operação era bem mais simples, pois esta é uma superfície que
comporta em si mesma esta passagem, ou seja, a garrafa de Klein é um toro
revirado sobre si mesmo. Então, bastaria cortar o toro e “montá-lo” de outro
jeito. (Figura 5)
Mas a garrafa de Klein seria uma grande virada não apenas na concepção do
que é o sentido na fala, mas também na lógica de Lacan a respeito da
histeria.
Pois a garrafa de Klein, esta topologia “para uso familiar” (Lacan, 1970-71,
p.2546), carrega em si esta capacidade de se revirar do avesso, que
transforma o lado de dentro em lado de fora, sem transpor nenhuma borda ou
aresta. O que ressalta Lacan na garrafa de Klein foi o que ele chama de
“ponto de reviramento” (point de rébroussement). Este conceito, usado na
geometria, corresponde ao ponto de inflexão – o ápice em que a curva se
volta, para mudar sua trajetória. Um ponto de não-retorno, presente na garrafa
de Klein, materializa aquilo que ela representa na abordagem da histeria por
Lacan.
Porém, quando lemos com atenção este seminário, vemos que o “ponto de
reviramento”, para Lacan, não se refere à curva em si (Figura 7, ponto 1), mas
ao momento em que o pescoço da garrafa atravessa seu corpo em direção a
seu interior, ou seja, à introdução do gargalo na garrafa (Figura 7, ponto 2) o
que seria um momento de reflexão, em todos os sentidos. Como um ponto de
capitoné, uma amarração que faz buraco.
Neste mesmo seminário (Lacan, 1970-71, p.2547) este discurso ganha corpo:
a garrafa de Klein. O esquema do discurso histérico lembra as torções da
garrafa. (Figura 8).
Esse “menos um” a que Lacan se refere pode ser pensado como um ponto
(-1) subtraído da rede de significantes, que fica faltando. Pode-se pensar aqui
em dois tipos de operações de subtração:
Referências Bibliográficas