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JUNHO 15 1922

klaxon
REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:
MENSARIO DE ARTE MODEBNA

S. PAULO -r- Rua Díreítá> 33 - Sala 5


ASSIGNATURAS - Arnio 12$000
Numero avulso — 1S0ÜO
REPRESENTAÇÃO:
RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollauda
Rua S. Salvador, 72-A. '
FRANÇA — L. Charles Boudovin (Paris).
SUÍSSA — Albert Ciana (Genebra) Rawpe de Ia Treillé, &
BÉLGICA — Roger Avermaeté (Antuérpia —-
Avénue d'Amèrique, n. 160)
A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos'
os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E ' permitti-
do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na
redacção. Não se devolvem manuscriptos. — São nossos agentes exclusivos
para annnncios os srs. Abilio Nobre Cruz e Antônio da Costa Boueinhas,

SUMMARIO
SARAH Rubens de Moraes
MISERE . . SergeMilHet
TEMPESTAÜE . ,. Carlos Alberto Araújo
AEROPLANO . Luiz Aranha
CERGARE IL PRÓPRIO
DOMÍNIO . . . Vin.Ragognetti
NOTAS SOBRE O HUMOUR. A, C. Couto de Sarros
CHRONICAS:
GUIOMAR NOVAES .(i) .. .. Mario de Andrade
A POESIA JAPONESA Nico Horigoutchi
ESCOLAS E IDE'AS . . . Oswaldo de Andrade
LIVROS & REVISTAS
CINEMA
LUZES E REFRACÇÕES
EXTRA-TÈXTO ,. .. Di Cavalcanti
.">$«*
Sarah
e
I linhas que corriam quando lhes
ntrou. Sentou-se a um can- levava milho; e meus músculos
to. Ninguém poz-lhe repa- também, ao me banhar no rio...
ro. Mas o mestre, que lim- E todos a amaram e lhe disse-
pava modelos velhos, des- ram que voltasse a desenhar.
cobriu-a e perguntou-lhe : Respondeu que não tinha dinhei-
— Que vieste fazer aqui? ro. Mas o mestre acariciou-lhe os
Respondeu: cabellos e disse:
— Vim desenhar. — Aqui não se paga.
II
E elle compreendeu que ella
Voltou todos os dias. Sentada
não era como os outros e inda-
a um canto desenhava torsos,
gou que preferia desenhar.
mas belos e puros.
— Um torso. Uma vez chegou-se ao mestre
Deram-lhe um pedaço de pa- e disse:
pel. Mas pediu uma folha muito — "Me" corte os cabellos?
grande. Nâo havia folha bastan- Elle, sorrindo:
te grande. Então uniram varias — Nunca fiz isso, mas vou
sobre uma prancha; e ella come- tentar.
çou a desenhar um torso. Mas o E com uma enorme thesoura
torso era tão grande que não ca- enferrujada cortou-lhe os longos
bia no papel. Pouco importava, cabellos negros, que tombavam
porque era bello. mortos, em torno delia.
E o mestre perguntou: Quando acabou, ella disse:
•— Onde aprendeste anatomia? — Sinto-me bem. Obrigada.
— Que é anatomia? E partiu, feliz, a nuca fresca.
— O estudo dos músculos, dis- III
seram-lhe. Chegou-se para nós e f aliou:
Compreendeu e lembrou: — Não posso voltar mais. Es-
— Ora! vi tantas vezes as gal- tou sem sapatos.

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Mas um dos rapazes lembrou: longe que não sabia calcular
— Tenho três irmãos menores. quanto tempo gastava para lá ir.
As botinas do mais velho talvez Então um rapaz muito pallido
te sirvam. Trarei um par usado. e magro faliou:
Trouxe-lho. E ella continuou — Sei sommar; e vou fazer a
a vir diariamente, com os cabel- conta.
los cortados e botinas de menino. Sentaram-se todos em roda.
IV Puzeram deante d'elle uma fo-
Fiz annos. lha de papel; mas como a som-
Todos no meu quarto. Ella en- ma era muito comprida pegaram
trou e entregou-me uma repro- uma grande folha de papel.
ducção de Gangin, dizendo : E o rapaz muito pallido e ma-
— Dou-te isto. gro sommou dia por dia quanto
Beijeia-a; depois perguntei on- tempo ella precisava para vir ao
de achará dinheiro para comprar Brasil. Quando a somma estava
o presente. prompta uma alumna que tinha
— Posei cinco dias, murmurou. nariz de trombeta aconselhou:
Quando voltei para São Paulo — Ponha dois dias para as do-
não chorou. Mas, ao beijar-me, res de cabeça.
seus lábios tremiam. E o rapaz muito pallido e ma-
VI gro ajuntou mais dois dias para
Escreveu-me. Sobre a pagina as dores de cabeça e annunciou
branca havia: que era preciso caminhar dois
"Tenho annos e dois dias para vir ao
duas cerejas uma para mim Brasil.
outra guardo-a para Mandaram-me o resultado da
ti." somma. Não mandaram todo o
Só. Para que mais? calculo, porque era muito gran-
VII de.
Um dia, no atelier, recorda- VIII
vam-se de mim. E ella disse: Espero-a. Sei que virá.
— Quero ir vel-o no Brasil. IX
Mas o mestre contou-lhe que Sarah
era muito longe o Brasil. Tão RUBENS DE MORAES

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MSERE
8 aluons Tépicier du coin
car toutes les platitudes sont légçres
sontlégères
Des amis m'offrent 1'apéro

IRONIE
Inconscience des bourses pleines
qui croient qiTon dine tous les jours
Mais je danse le soir au bar
et je tends Ia main au patron
et je nTintéresse à Ia politique Internationale
et le Ministre du Japon
me prend souvent
pour le danseur de Ia maison
Je remonte le fleuve intérieur
1'eau sale se purifie
Trop encaissé
redescendons

AVANT APRÈS
Je crains Ia mort
le néant
Est-ce possible
Tous les moyens sont bons
Passons
Chambre sarcasme
Le tuyau de Ia pipe
devait passer
par ce trou bouché
avec du papier
Egoút des escaliers

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4:
40 francs par móis
changement de décor
II y a une alcôve ou tu viens
et une chromo qui te fait sourire
Je n'aime pas que tu ouvres ta bourse
Tous les cerisiers sont en fleurs
un bruit de ferraille qui tombe
et c'est un pont et c'est Reignier

ICIFINIT LA MISÈRE MISÉRABLE


Beaucpup de jeunes filies sous les sapins
Je m'habille convenablement
EHes aiment que je leur dise Pavenir
d'après Ia forme et le goüt
de leurs lèvres
Cest une immense comédie
je veux écrire aussi un D. Juan
et 1'ahandon de Pune
est Pabandon de toutes
Geste sec
Pli des lèvres
Non je n'ai pas de remords
Cette ame soeur voudrait changer
ma destinée
me purifier
me simplifier
Bah je connais toutes les ficelles

ICI J'AI REVU


UESCALIER QUI MONTAIT
TUNNEL
vers une cave hypothétique

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ON ME PREND ENCORE
pour un millionnaire américain
avare
Dans une cabine à six places
avec dans Ia tête
tout le soleil du nouveau monde
et des expédients inavouables
SERGE MILLIET.

TEMPESTADE
P rincipio de tarde. Carnaval no céo.
Mascaras negras, mascaras brancas,
mascaras cinzentas,
o sol experimenta todas as mascaras,
até que se esconde sob uma dellas
e não apparece mais.
Desvairamento invisivel.
Serpentinas de relâmpagos
atravessam o espaço.
E atraz dos montes longínquos,
mãos imponderáveis, mãos pobres
procuram em vão recolhe-las.
Serpentinas, mais serpentinas!

klax on
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E as nuvens rápidas
agitam-se tanto,
tão nervosamente,
que já não têm mais forças.

Pobres braços desarticulados,


braços cançados,
descendo sem querer

E a chuva fria cae, cae longamente,


cheia do perfume das folhas lustrosas,
cheia de ether, vaporosa,
cheia de céo.

E a chuva fria cae, cae docemente,


cada vez mais calma, cada vez mais fria,
até morrer

E o magro céo, branco como um palhaço,


ergue e começa a arquear sobre a cidade
o arco-iris alegre e violento,
sob o qual vae passar triumphalmente,
nos cavallos lustrosos da noite,
o prestito invisivel dos astros.

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO

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O AEROPLANO
q uizera ser az para voar bem alto
Sobre a cidade de meu berço!
Bem mais alto que os lamentos bronze
Das cathedraes catalepticas;
Muito rente do azul quasi a sumir no ceu
Longe da casaria que diminue
Longe, bem longe deste chão de asphalto...

Eu quizera pairar sobre a cidade!...

O motor cantaria
No amphitheatro azul apainelado
A sua roncante symphonia...
Oh! voar sem pousar no espaço que se eslira
Meu, só meu;
Atravessando os ventos assombrados
Pela minha ousadia de subir
Até onde só elles attingiram!*..

Girar no alto
E em rápida descida
Cahir em torvelinhos
Como ave ferida...

Dar cambalhotas repentinas


Loopings phantasticos
Saltos mortaes
Como um athleta elástico de aço

O ranger rascante do motor...


No amphitheatro com painéis de nuvens
Tambor...

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Se um dia
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O meu corpo escapasse do aeroplano,
Eu abriria os braços com ardor
Para o mergulho azul na tarde transparente.*.
Como seria semelhante
A um anjo de corpo desfraldado
Azas abertas, precipitado
Sobre a terra distante...

Riscando o ceu na minha queda brusca


Rápida e precisa,
Cortando o ar em êxtase no espaço
Meu corpo cantaria
Sibilando
A symphonia da velocidade...
E eu tombaria
Entre os braços abertos da cidade...
Ser aviador para voar bem alto!
LUÍS ARANHA.

Cereare il Próprio
IMtHIMO
g uardare.
Dire con Io sguardo cio
che esprimerebbe Tanima
con Ia musica delle parole.

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Sapere
se i sensi delia femmina
vibrano con Io stesso ritmo nostro
o, se rispondono, inerti e domi,
alie incessanti provocazioni
delia languida voluttà.

Consacrare
nel tran-tran delia vita diüturna
Tattimo eccelso che segnò
Ia rigogliosa nascita
di un sentimento che non muore.

Afferrare
Ia prima lucciola deirillusione
e vivere con essa
finche essa viva in noi
nella sua fase celestiale.

E gridare allora
che il signore sei dei tuo destino.

VIN. RAGOGNETTI

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Notas sobre o "Humour"
t
Meu caro amigo: ressante? Si não pôde haver humour sem
enho necessidade de dizer-lhe que não essa obsessão nihilista, como explicar as pa-
concordo com alguns tópicos do ginas humouristicas de Camillo? A sua
seu artigo sobre o humour. Sei theoria está agora embaraçada como a me-
nina que ouve, pela primeira vez, uma de-
perfeitamente que você não pre-
claração de amor... Fica vermelha e em-
tende impor, com um qual ou tal dogma- mudece..,
tismo, uma theoria definitiva sobre assum- O erro inicial, o erro de quasi toda gente
pto tão controvertido. E' preciso a gente está em confundir o humour, expressão de
ter excesso de imaginação para acreditar um estado transitório do espirito, e a con-
que está fazendo cousas definitivas... cepção humouristica do universo.
O processo de derruir com vituperios e Quem lê os humouristas, de todos os tem-
mófas uma theoria qualquer, sem previa- pos e logares, ha de notar que os seus pro-
mente determinar-lhe as fragilidades e as cessos de expressão são sempre os mesmos.
incoherencias, é muito commodo, porque Tratam, em tom jocoso, de assumptos repu-
poupa o trabalho cerebral. Entretanto, a to- tados os mais graves, e, contrariamente, fal-
do instante vemol-o empregado e dahi a sem- iam de modo apparentemente sério de nona-
cerimonia com que certas creaturas rotulam das, de corriqueirices. O trecho de Swift que
de sandeus e obliterados aquelles que rezam v. transcreve é um exemplo frisante. Ora,
por outra cartilha, e não estão accordes com esses artificios, são susceptíveis de cópia e
as massudas metaphysicas que fabricam. E ha quem com elles jogue com habilidade ex-
não raro logram adeptos daquillo que com trema, com o fito único de obter o flagrante,
tanta empáfia alardeiam. Explicável este o contraste, o inesperado, fazendo a graça
phenomeno: no mundo ha pouca gente capaz zimbrar como uma flecha de ouro.
de um controle sobre as idéias alheias e as Assim, o humour pôde ser uma attitude
próprias. A maioria é boba; não recebe idéi- arbitrariamente assumida, não sendo o re-
as, antes estas é que lhe são impostas; o sultado de uma concepção de vida. Si a tris-
artificio do "quem não acceita isto é parvo" teza se manifesta por meio de determinados
resulta decisivo para ella. E esta maneira de traços phisionomicos, não se segue dahi que,
catechese espiritual é mais commum do que cada vez que encontramos numa pessoa es-
geralmente se pensa. ses traços, esteja ellá realmente triste. A
capacidade de simular é grande, assim no re-
Quando você contesta a classificação de banho humano como. nas outras espécies ani-
humourista dada a Camillo por Alcides maes. Sem simulação não teríamos theatro,
Maya, funda se no temperamento fervoroso nem jóias as mulheres, nem bemaventuran-
e crente do tremendo pamphletario e diz: ça uma porcentagem elevada de maridos...
«falta ao autor da Queda de um anjo a Camillo que tão desabaladamente gesti-
conformidade, o reconhecimento risonho da culava e que, como um vulcão, despejava la-
inutilidade da revolta, tão commum aos hu- vas de injurias sobre seus contemporâneos,
mouristas". Camillo, o pamphletario, o satyrico, o mor-
Entretanto, não ha negar, Camillo escre- daz, também tinha seus momentos de repou-
veu paginas humouristicas. Como explicar, so e approuve-lhe brincar alguns segundos
consoante o seu modo de ver, consistente em com algumas prezas, já que estava farto de
considerar a idéia do nada como fundamen- sacrificar centenas. Camillo não possuia a
to do humour, — esse phenomeno tão inte- concepção humouristica do universo. O seu

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espirito, bellicoso e aggressivo, não sabia
jeduzir os valores sociaes, antes, augmenta-
Ao lado dessa concepção humouristica
das relações humanas, resultante de um
va-lhes a virulência, de tal modo que uma al- trabalho intellectual que notou as contra-
finetada doia-lhe como um golpe de punhal. dicções, fraquezas, incoherencias e inadapta-
Camillo dá a idéia de um furacão destinado ções, não só nas attitudes e praticas huma-
a desfazer um castello de cartas, que um nas, como nas theorias mais transcenden-
simples sopro bastaria para derruir... taes (logo um scepticismo generalizado, a-
Isso não impediu que fizesse humourismo. companhado de sympathia); existe a dispo-
Mas essa flor tão clara e frágil appareceu, sição humouristica transitória — a intelli-
na sua obra, prisioneira num gradil de espi- gencia arguta descobrindo, em dado mo-
nhos. E tão perdida e timida está ella nesse mento, uma fraqueza, contradicção ou ina-
entrelaçamento de aculeos, que a gente crê daptação qualquer, sem contudo produzir
a flor não nascida da arvore, ou que é en- imprecação ou revolta.
tão um espinho disfarçado... Portanto, para haver humour, não é neces-
E' por isso que eu julgo Camillo um sa- sário a idéia de que tudo no mundo é vaida-
tyrico e não um humourista. Chegámos á de, de que tudo é egual a zero. O certo é
mesma conclusão, você e eu, mas por diver- que muitos humouristas são completamente
so caminho. Você não o classifica ao lado scepti cos e outros não. Os primeiros desco-
de Machado de Assis, porque acha que elle brem que os fructos mais puros são bicha-
não fez humour. Eu digo que, apesar de ter dos, mas nem por isso o deitam fora, por-
feito humourismo, não tem a concepção hu- que, si assim procedem, morrer de fome. Os
mouristica do universo (que é essencialmen- outros descobrem a podridão em certas
te sympathica, embora sceptica). Não, é, cousas, só em certas cousas. Têm uma con-
portanto, rigorosamente um humourista. cepção humouristica parcial do universo.
Mas em que consiste essa concepção hu- Mas tanto o humour do absolutamente
mouristica do mundo? Ella se caracteriza sceptico, como do parcialmente sceptico,
pelo facto do individuo descobrir, a custa de como do accidentalmente sceptico, encerram
uma analyse arguta e constante, o que ha de em si os mesmos elementos caracterizadores
falso, de artificial, de impostura, de inada- — o riso (proveniente de uma contradicção,
ptação, nas attitudes mais sublimes e nos etc.) acompanhado de sympathia para o seu
gestos apparentemente os mais sérios; ao objecto. O que se exige para o humourismo
mesmo tempo que um sentimento de profun- é uma intelligencia arguta, malleavel, elás-
da sympathia ou piedade enche o espirito do tica, e, sobretudo, uma grande bondade.
observador, de modo a impossibilitar revol- Agora, para finalizar, uma historia:
tas e invectivas. Da constância dessa ana- Supponha você um possante deus de bron-
lyse resulta a obsessão da mesquinhez hu- ze, olhos que fulminam, busto eril e pleno,
mana : vemos constantemente no fructo mais músculos inchados sob a pelle escura, como
apetecivel o caruncho minaz e repellente. En- grossas raizes sob a terra; que recebesse
tretanto, em vez de atirarmos fora o fructo, sacrificios de seus fieis, em vinho, em san-
guardamol-o com maior carinho. Dahi a as- gue, em mel e carne humana. Nos dias de
serção de que o humour é destituído de espi- festa o deus profere vaticinios. E as pro-
nho ,uma postura eminentemente sympathi- phecias sahem de seu lábios de bronze, co-
ca apesar de sceptica: "on voit Ia valeur de mo sons de sino numa torre. Mas na tra-
Vobject a travers son petit côté», diz Hoff- zeira do monstro divino ha uma portinhola,
ding. por onde um sacerdote entra, curvado, e
Como se exprime essa concepção? Na- desapparece. Esse bonzo é quem, cavilosa-
quella maneira literária denominada hu- mente escondido no deus ventrudo, alimen-
mourismo: sempre o contraste, o imprevis- ta a crendice popular, roncando-lhe augu-
to e tantos outros processos, já devidamen- rios tenebrosos.
te catalogados. Ora, aquelle que, dentre o povo, desço-

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brisse a alicantina sacerdotal, faria o papel
que o humourista faz no nosso tempo. Pois
dade, aniquiladora de revoltas. Veja-se este
trecho de Hoffding: "II peut se développer
que é que fazem os humouristas, perspicaz (o sentimento do ridiculo) de manière a
amigo? Nada mais, nada menos que agar- devenir une disposition fondamentale, une
rar pela fralda o insinuante sacerdote e de- manière de comprendre Ia vie, qui a sans
duzir dahi que o gordo e amoravel deus é dou te un oeil ouvert sur ce que le monde
inerte como uma múmia de Pharaó. presente de borné, de douloureux, d'insigni-
Imagina, depois dessa descoberta, no fiant et de discordant, et qui met tout cela
meio da multidão reverente e pasma, o ho- en un vif contraste avec ce qu'il offre de
mem malicioso que uma vez surprehendeu grand et de considérable, mais qui cepen-
o sacerdote esgueirando-se, como um rato dant a domine toute amertune par sa pro-
sonso, na barriga do monstro! f onde sympathie pour tout ce qui vit, et par
Elle está num posto evidentemente su- sa ferme confiance dans les puissances
perior. Viu o lado de dentro — o embuste, qui règnent dans Ia nature et dans Vhis-
a fraude, o artificio; vê o lado de fora — toire",
a reverencia, o respeito, a genuflexão. c) Por qualquer face que se encare o
A flagrancia desse contraste faz nascer a humour, como expressão de um estado tran-
flor clara e tremula de um sorriso nos seus sitório ou de uma concepção de vida, sem-
lábios. pre ha nelle, como seus elementos formado-
res, uma descoberta da analyse intelle-
Aqui resumo as proposições principaes ctual que vê o lado mesquinho de uma cou-
sobre humour, desenvolvidas no bojo desta sa ao mesmo tempo que está unido ao ob-
carta massante: servador por um laço de funda sympathia.
a) O humour pôde ser uma disposição O riso que vem dahi é um espinho.
transitória do espirito. Facto familiarmen- Quando Carlyle diz que "o humour ver-
te verificável e muito vulgar. Existe tam- dadeiro, o humor de Cervantes e de Sterne
bém, accidentalmente, na literatura não hu- procede mais do coração do que do cérebro",
mouristica. Em geral se exercita sobre fa- parece fazer uma distincção entre duas es-
ctos communs e corriqueiros, prestando-se, pécies de humour: o verdadeiro e o falso.
por sua natureza, á mofa dos observadores. Mas a intenção de Carlyle é outra: elle pre-
E', por assim dizer, a espécie grosseira do tende distinguir o riso sympathico, sem fel
humour, em contraposição áquella que se nem espinho, do riso antipathico e acerbo.
exerce sobre factos que, para o commum dos Só o primeiro constituè o humour. O outro
homens, são elevados e graves. não passa de uma reacção do indivíduo con-
b) O humour pôde resultar de uma con- tra seu semelhante ou o seu meio e se expri-
cepção humouristica do universo: uma in- me na satyra, no epigramma etc. Este é,
telligencia altíssima a descobrir fragilida- por assim dizer, passivo, dependente, es-
des, mesquinhezas, inadaptações nos gestos, cravo. O humour é independente, livre, ac-
attitudes e conjecturas humanas; ao mesmo tivo.
tempo que não impreca, nem se revolta, por Por isso todos riem de D. Quixote mas
existir um laço de funda sympathia entre o não ha ninguém que o não ame. Anatole
sujeito e o objecto. Muitos dizem que a au- France, referindo-se a Rabelais, diz que é
sência de espinho no riso humouristico pro- um dos seus característicos "chérir ceux
vêm da convicção de que tudo é zero e vai- dont il se moque".
dade no mundo. Isto pôde muito bem ser. d) O humour não é uma conseqüência
O sentimento do vasio universal coexiste forçada de uma visão nihilista do universo.
em muitos humouristas. Mas ha muitos del- Haverá livro mais desolante do que o Ec-
les para os quaes nem tudo é vão, nem tudo cleseastes? Entretanto elle não tem nada de
é nada. Ao contrario, uma confiança forte humouristico.
e persistente é que faz nascer melhor a bon- A. O. COUTO DE BARROS.

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Chronicas
GUIOMAR Insisto em chamar á senhorinha Novaes de
pianista romântica.
Combarleu, procurando na Itália, musical os
NOVAES Influxos do romantismo alemão, eslavo e fran-
cês, salienta a figura de Paganlni, a quem de-
nomina: "violinista romântico". Mas, para mim,
o que induziu o célebre historiador a essa clas-
sificação foi muito mais a lembrança da vida do
endiabrado gênio que o espírito de sua obra e
(PIANISTA ROMÂNTICA)

a
os seus meios expressivos. O grande italiano,
afinal, nada mais faz do que continuar, no vio-
grande e jovem escola de piano de lino, as tradições do bel-canto, já então desna-
São Paulo produziu já duas artis- turado com a decadência da escola napolitana.
tas admiráveis que podemos, sem Paganlni transporta para seu instrumento,
temor, colocar á mesma altura exagerando-a porventura (e nisso ha realmente
de qualquer virtuose estrangeiro romantismo) a virtuosidade suntuosa dos alu-
actual: a senbora Budge Miller e nos de Caffaro ou de Porpora. O próprio Liszt,
a senhprinha Guiomar Novaes. moço, com ouvir Paganlni, transforma apenas
Agradável e fácil seria um paralelo entre am- sua técnica pianística. Chopin, e principalmente
bas. Nada menos trabalhoso do que salientar a Berlioz é que darão ao autor de Mazeppa o en-
antítese violenta que entre elas existe. Uma: ca- dereço espiritual do romantismo.
racter severo, tipo clássico, diríamos cerebral;
e, por todas essas qualidades dominantes .intér- A Guiomar Novaes cabe, com muito mais
prete exacta dos clássicos ou dos post-románti- exactidâo, o epíteto de "pianista romântica"
cos. Outra: pianista romântica na mais total si- Encarna, até mesmo sob o ponto de vista da li-
gnificação do termo, vibratibilidade impressio- berdade ás vezes desnorteante com que se ob-
nável á mais fina cambiante da sensação. serva a si mesma (no Prelúdio, Coral e Fuga,
no Carnaval, em Minstrels, em Scarlatt) toda a
Infelizmente Antonieta Budge Miller não estesia do romantismo.
poude continuar como representante das nossas
possibilidades artísticas no estrangeiro. Mais in- N8o cabe agora uma explicação em regra do
felizmente ainda nem aqui se faz ouvir. Grande que entendo por romantismo. Palavras elásticas
pena! A extraordinária intérprete, com a con- estas: classicismo e romantismo! E' meu dever
tinuação dos seus concertos, seria dum benefício porém explicar porquê considero a senhorinha
eficaz para o desenvolvimento do espírito mu- Novaes uma pianista romântica.
sical paulista. Em primeiro lugar: não é necessário provar
Estamos ainda em pleno romantismo sonoro; a decisiva simpatia que ela dedica aos composi-
e Chopin é o soluçante ideal de todas as nossas tores românticos. Chopin, Schumann e Liszt
planeiras. A senhora Budge Miller seria o único formam o núcleo dos seus programas. Inda mais:
mestre possível desse auditório; capaz de impor- nestes músicos a grande intérprete sente-se á
Ihe Debussy e Bavel — músicos que já repre- vontade. E' sempre maravilhosa, sempre perfei-
sentam um passado na Europa e que inda mal ta. Já o mesmo não se dá quando executa clás-
são percebidos pela nossa ignara gente. sicos ou modernos. Falo dos que são espiritual-
Guiomar Novaes — certamente maior como mente modernos. Sem dúvida nestes Guiomar
genialidade — não preenche essa falta. Artista Novaes é sempre interessante. Por mais que uma
já universal, não pode imobilizar-se neste polo- Interpretação sua contraste com o espírito dum
norte artístico que é o Brasil; e, caracteristica- autor ou dum trecho, ela interessa sempre, atrai
mente romântica, não representaria com eficácia e encanta. Mas não comove nem entusiasma
esse papel de mestre que educa. como quando executa a Barcarola ou a Dansa

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dos Duendes. A esse prodígio de graça que ê a
"Pastoral" de Scarlatti, por exemplo, ela con-
A POESIA
segue dar um dinamismo perMto, mas não uma
interpretação integral. Falta-lhe o senso do equi- JAPONEZA
líbrio e da medida a que os românticos deram
uma elasticidade incompatível com o espírito CONTEMPORÂNEA
dansante e protocolar do século 18.
Admiram-nos freqüentemente os progressos
O mesmo se dá com o misticismo de César rápidos e prodigiosos da civilisaçâo japoneza
Franck. Guiomar Novaes, estou certo disso, in- nos últimos cincoenta annos. Entretanto, si ten-
terpretaria genialmente os trechos religiosos de tássemos estudar cuidadosamente a poesia japo-
Liszt; mas no "Prelúdio, Coral e Fuga" nSo é neza, maravilhar-nos-hiam as transformações
perfeita. Entre o misticismo do abade Liszt e o profundas que se produziram num tempo muito
misticismo de Franck ha uma distinção cabal menos curto, pois que a evolução só começou
que explica perfeitamente o romantismo da nos- ha uns vinte e cinco annos mais ou menos.
sa grande artista. Liszt é um religioso dos sen-
tidos. Franck, um católico intelectual. Liszt sofre Não é, com effeito, senão por 1895 que a poe-
e resa. Franck pensa e prega. Não creio que por sia japoneza despertou, sahindo da espécie de
isso se possa dizer que Liszt seja mais humano; somno lethargico em que estivera mergulhada
mas podemos verificar que êle é mais sentimen- até então.
to, ou milhor: mais sentidos. A sensibilidade fi- Este movimento produziu-se em todos os gê-
níssima de Guiomar Novaes, a sua impetuosidade neros poéticos: Tankas, Hai-kais e Shin-tai-Shi.
apaixonada levam-na a milhor realizar a mesma Os velhos poetas só cantavam themas universaes
Impetuosidade, a mesma dor sem controle que o e gastos, numa linguagem caduca e em fôrmas
misticismo romântico realizou. estabelecidas das quaes não podiam se afastar.
Dir-se-hia que todos os poetas respiravam uma
E o que digo do misticismo, poderia glosar mesma atmosphera poética, de maneira que os
para todas as demais paixões. poemas se pareciam muito, qualquer que fosse o
Todos os artistas afinal (exceptuados aque- objeeto tractado, sem que se manifestasse qual-
les que, por um preconceito infecundo, procu- quer dlfferença de temperamento dos autores.
raram abafar o próprio eu) uns mais discretos, A poesia era uma espécie de prisão; e foi em
outros mais derramados, todos os artistas ex- derrubar essa bastilha suffocante que se empe-
pressaram sua sensibilidade e fizeram reflectir nharam os promotores do movimento litterario
nas suas obras as circunstâncias passageiras em que hoje continua.
que existiram Bach, Beethoven, Verdi como Mas, nesse admirável paiz do Sol Levante, as
Sehumann, exprimiram, antes de mais nada, sua cousas vão mais depressa que em outra parte,
maneira de sentir. A afinidade de Guiomar No- de sorte que os primeiros novadores foram ra-
vaes e dos românticos não está em procurarem pidamente suplantados pelos mais novos, que
estes e aquela expressar a sensibilidade que pos- não tardaram em consideral-os perfeitamente
suem. E' mais subtil do que isso. Os românti- "vieux jeu", activando o movimento com uma
cos, entregues ao delírio de viver pelos sentidos, velocidade vertiginosa.
traduziram, mais do que o próprio eu interior, Foram, com effeito, os jovens que supprimi«
um eu de sentidos, si me poderei assim explicar, ram a linguagem convencional poética por vá-
um eu livre de controle. Vejo neles uma reali- rios séculos empregada, para substitull-a pela
zação toda sensual, toda exterior. Para esses ar- linguagem falada, corrente, que é em summa a
tistas de 1830 o julgamento da inteligência, na verdadeira língua japoneza, a que melhor traduz
criação da obra de arte, realizava-se tão somente toda a vida desse povo que soube, em tão pouco
sob o ponto de vista da beleza formal. tempo, collocar-se entre as grandes potências do
A senhorinha Novaes apresenta, quer inter- mundo. E \ pois, na mudança radical dessa lin-
prete Scarlatti, quer Bachmaninoff, as mesmas guagem empregada em poesia que consiste a re-
tendências românticas que acima demonstrei. E, volução, que, a principio, foi muito mal acolhida
embora admirável num estudo de Scriabine, em- pelos meios acadêmicos e officiaes, onde tudo,
bora atraente numa fuga de Bach, é sempre em a despeito do progresso, permanecia affectado e
Sehumann, Liszt e especialmente Chopin que convencional.
atinge sua maior força de expressão. Pouco a pouco, porém, essa espécie de ostra-
Foi por isso que, antes de mais pormenoriza- cismo acabou por ceder lugar a uma certa be-
damente estuda-la como intérprete e virtuose (o nevolência para chegar emfim á acceitação com-
que farei num segundo artigo) insisti em pro- pleta do que se reconheceu poesia verdadeira,
clamar a senhorinha Guiomar Novaes uma pia- anica susceptível de dar emoções sinceras aos
nista romântica. que comprehendem a vida actual.
MABIO DE ANDRADE NICO HOBIGOUTCHI.

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ESCOLAS LIVROS
&IDÉAS & REVISTAS
(Notas para um possível prefacio) "A Mulher que peccou" —
Boger Avermaete em extensão. Toda arte rea- por Menotti dei Picchia —
lista, interpretativa, metaphysica. Editores: Monteiro Lobato
A única arte excellente — a que fixa a rea- & Cia. — S. Paulo.
lidade em funcção transcendental. Mais um livro do nosso admirável colaborador.
O péssimo = a Interpretação = Romantis- KLAXON é parco de elogios. O novo livro de
mo. Vejam o ruim de Shakespeare, o ruim de Menotti dei Picchia assim julgamos: Dos milho-
Balzac. Zola inteiro. José de Alencar inteiro. res da literatura brasileira.
Coelho Netto inteiro. A figura de Nora é uma figura humana. Mo-
O Eu instrumento não deve apparecer. Esta- ve-se como poucas outras da ficção nacional. Ge-
belecer a metaphysica experimental. Tinham ralmente, tem-se a impressão, ao ler romances
razão os bons naturalistas. A' morte o Eu es- nacionais, que às personagens são percebidas
torvo, o Eu embaraço, o Eu pezames. Mal de por nós por um binóculo em que se olha ás aves-
Maupassant e de Flaubert — unilateralidade. sas. Nós vemos Nora. Sentimo-la. Agora mesmo
Desconheceram o imperativo metaphysico. sentou-se a meu lado. Menotti dei Picchia é um
Os grandes — Cervantes, Dante, depois dos criador.
gregos que primeiro fixaram a realidade em Como língua: virilidade, expressão, beleza.
funcção da eternidade = O SEGBEDO. Imagens luxuriantes. Bepetições. Adjectivaçâo
Os gregos, depois dos prophetas. Todos, pre- sugestiva. Descrições magníficas. Poesia. Eis
cursores e futuristas, na mesma medida da Be- uma página genial:
láçâo. "O crepúsculo ardia, phosphoreo, no occiden-
Derivou d'ahí uma lei de escolha, fazendo te. Como uma theoria processional de phantas-
entrar para artistas, mais gente. ticos trapistas, nuvens enormes acompanhavam
Quem attingiu, attingiu. E seleccionar nos á cova do poente, o cadáver do sol. Havia uma
enormes, nos gênios. Saber ver os que fizeram, extranha pompa fúnebre, no alto r como no en-
na arte, como Aristóteles, como Thomas de terro dum deus. Da outra banda do ceu, a noite,
Aquino, como, Kant. Sempre na medida da Be- que subia, ganhava o zenith cor de cobre. Esten-
lação, na medida do Segredo. "Por cima de mim, dia, morosa, a tapeçaria macabra da treva, pre-
o estrellado ceu; a lei moral dentro de mim." gando-a com taxas de estrellas, como se armasse
Somma: Methaphysica + Bealidade = Luz. uma gigantesca câmara ardente. E vinha uma
Licht, mehr Liçht! A suggestão dos-assumptos lua muito triste chorar luz nessa noite de luto..."
= toda a historia do mundo = toda a historia Menotti dei Picchia é um artista.
do Exilio = A Divina Comedia, Fausto; M. A.
A suggestão dos poemas definitivos — O livro Benato Almeida — "Faus-
de Job, Prometheu, Edipo, Hamlet, A tempes- t o " T— Edição do Annuário
tade, Dom Quichotte, Brand e Peer, As Flores do Brasil.
do Mal.
Bemdictos os que reagiram contra a Interpre- Benato Almeida com este "Ensaio sobre o
tação — Bimbaud, Lautréamont, Apollinaire e Problema do Sêr", fortalece a alta posição que
a Corja até Cendrars, Soffici, Bonald, Mario de lhe cabe entre os moços do Brasil Novo. Grande
Andrade, Manuel Bandeira, Luiz Aranha — "O erudição. Linguagem nítida. Clareza de concei-
Homem e a Morte", "Soror Dolorosa", Bibeiro tos. Estuda a finalidade humana, relaciona a
Couto inédito e Serge. Antônio Ferro genial. nossa dependência para com o Supremo Motor,
E Juan Gris, pelo processo, pelo "round", pela pregando a redempção pela fé. Paira sobre a
raiva provocada nos interpretadores de bois. energia da sua demonstração, tal sopro de sen-
•Bemdictos, Brecheret, Malfatti, Di Cavalcanti. timento e de piedade, que lhe faz da obra, sobre
Avermaete, exacto, descobrir. Pedro Alvares Ca- scientífica, immensamente lírica. E' preciso ler
bral sem acaso. Renato Almeida.
Definir mais ensinar, berrar. Três pinturas. Farias B r i t o . . . Jackson de Figueiredo. . . Re-
Não só. Três maneiras de arte. Bealista, Inter- nato A l m e i d a . . .
pretativa, Metaphysica. Fora a interpretação! Está chegando o dia em que o Brasil, em vez
Lei da Metaphysica Experimental: Bealisar o de celebrar centenários de fantasmas, proclama-
infinito. rá a sua Independência.
OSWALD DE ANDRADE. V. L.

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De Antuérpia (Bélgica) chega-nos âs mãos o E* preciso comprehender os norte-americanos
numero de Março ultimo de "LTJMIÊBE", ór- e não macaqueal-os. Aproveitar delles o que têm
gão representativo do novo pensamento belga. de bom sob o ponto de vista technlco e não sob
No summario. o que ha de bom: Boger Aver- o ponto de vista dos costumes. Artistas regala-
maete, Bob Claessens. Charles Cros, Guilherme res. Pouco photogenicos. Porque não usam pó de
de Almeida, Armand Henneuse, Andreas Latzko, arroz azul? De quando em quando um gesto pe-
Serge Milliet, Mareei M i l l e t . . . Bellas gravuras nosamente r i d í c u l o . . . Num film o que se pede
em madeira, assignadas por "Walter Grammaté é vida. E' preciso continuar. O apuro seria pre-
e pelos flamengos Henri van Straten, Joris Min- conceito esterilizante no inicio de empreitada
ne e Jan Cantrê. Grande espirito de selecçâo. tão difficil como a que a Bossi Film se propõe.
direcção graphica notável. Applauso muito sincero. Seguiremos com en-
"LTJMIÊRE" precisa ser lida. thuslasmo os progressos da cinematographia
*** paulista.
Editado por "LUMIÊBE". o curioso desenhis- B. DE M.
ta Van Straten lança um álbum de gravuras em
madeira: "LA DOBMETJSE. Como todas as pu- THE KID — Charles Chaplin
blicações que saem da grande revista editora, o
poema sem palavras do artista flamengo é amos- A obra magistral de Carlito, vae ser repre-
tra brilhante do moderno espirito belga. Seis es- sentada em S. Paulo. Trabalho marcando uma
tampas soltas. Um thema arrojado, tratado com era. Jamais foi attingido interpretativamente o
uma linda liberdade. Van Straten é realista, mas grau registado ahi. Passa da alçada commum do
de um realismo de sonho. Os detalhes que com- film. Vemos onde pode chegar o cine e como
menta e que em outros seriam brutaes, parecem elle deve ser. "The Kid" é Integral, harmônico
sempre bellos pela espiritualidade que lhes ac- com a época. Nelle Chaplin, por sua vez, está
crescenta. Grande força synthetica. Primitivis- na culminância da sua arte.
mo adorável. Chegou magistralmente ao fim da evolução
de que dera mostras desde "O Vagabundo":
Carlito artista, director, enscenador, creador de
CINEMAS um gênero inteiro novo, interprete ainda nnnca
visto; e acima de tudo immensamente humano.
Ao seu lado, o pequeno Jackie Coggan produziu
DO RIO A SXO PAULO PARA CASAR sensação. A critica europêa, em geral pouco in-
dulgente para com o cine yankee, foi unanime
A empresa Rossi apresenta uma tentativa de em elogia-lo. Sua apparição na tela, devida a
comedia. Applausos. Transnlantar a arte norte- Carlito director, e seu jogo scenico é simples-
americana para o Brasil! Grande beneficio. Os mente prodigioso. Assim, entre outros, disse J.
costumes actuaes do nosso paiz conservar-se- G. Boissiére, autoridade na matéria.
hiam assim em documentos mais verdadeiros e Em synthese: The Kid é uma revelação.
completos que todas as "icoisas-da-cidade" dos
chronistas.
Photographia nitida, bem focalizada. Aquellas LUZES
scenas nocturnas foram tiradas ao meio-dia, com
sol brasileiro. . . Filmadas á tardinha. o rosado E REFRACÇÕES

n
nao sendo photogenico, a producção sahiria suf-
ficientemente escura. Isso emquanto a empresa
não conseguir filmar á noite. a Academia Brasileira de Lettras, a
O enredo não é máu. Fora preciso extirpai-o respeito do monumento a Machado
de umas tantas incoherencias. de Assis, o sr. Afranio Peixoto lem-
A montagem não é má. Fora preciso extir- brou "os dois maiores escultores
pal-a de umas tantas incoherencias. brasileiros,: Bernardelli e Correia
L i m a . " . . ^ Nosso querido Graça
O galã, filho de uma senhora apparentemente Aranha aparteou: " E porque nao
abastada, por certo teria o dinheiro necessário Brecheret?". O sr. João Bibeiro: "Quem ê Bre-
para vir de Campinas a S. Paulo. A sala e o cheret?" Respondemos: Victor Brecheret é um
quarto de dormir da casa campineira brigam escultor paulista actualmente em Paris. Seus
juntos. Aquella burguesa, este paupérrimo. Ac- trabalhos também são aceitos no Saláo de Ou-
cender phosphoros no sapato não é brasileiro. tomno. Varias revistas do Bio já reproduziram
Apresentar-se um rapaz á noiva, na primeira vez obras suas. A " E v a " descansa nos jardins do
que a vê, em mangas de camisa, é imitação de Anhangabahú. Brecheret é tão forte artista que,
hábitos esportivos que nâo são nossos. E outras em vez de copiar a natureza, crea tirando ape-
coisinhas.

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nas da natureza a causa primeira da inspiração. Paulo, para o B r a s i l ! . . . Brasileiros, não plan-
Mas é preferível que o sr. João Ribeiro continue tai grão pérfido na terra roxa! Cuidado, que a
a ignorar Brecheret. Este naturalmente não fa- terra é boa!
ria do gênio de Braz Cubas um retratinho em »**
que se enumerassem todas as rugas e cabellos ;— João de Talma, lá d'"O Imparcial", não sabe
único processo estético capaz de commover a fazer uso dos seus dentes. Contemplando KLA-
languida saudade endinheirada dos srs. acadê- XON, em vez de sorrir (de prazer ou ironia,
micos. pouco importa), arreganha-os com exaggerado
* ** ódio.
Ribeiro Couto em "O Mundo Literário" n. I : Deante da capa tão alegremente moderna da
"Uma literatura á parte — principalmente revista, confessa "ter a impressão de que se
quando ella é a vasta literatura paulista —'Si- trata da engenhosa reclame de um purgativò
gnifica: uma nação em marcha, a surgir. O que enérgico." Ainda bem qué ellè o perceba: para
me parece inteiramente inquietante." Também ficarmos livres dessa alimentação pesada que ha
tu, amigo! Até agora, acossados por um temor 30 ou 40 annos os nossos actüaes acadêmicos
sentimental, eram os irmãos dos outros Estados vêm cozinhando para nós (e que ainda satisfaz
que nos lembravam de quando em quando as o paladar complacente e o estômago de ferro
ldeas de São Paulo independente e de separa-
tismo. Agora, comtigo, até os próprios paulistas do sr. Talma), só mesmo com o uso constante
que estão fora do Estado, principiam a alimen- de taes medicamentos.
tar em nós essas idéas. Desolador! Mas não te
lembras do fundo sulco de indignação que arou Andamos mal de bellas-artes. A inauguração
a sociedade paulista quando o sr. João Ribeiro do índio Pescador de Leopoldo Silva, dando en-
disse de nós as maravilhas, únicas que poderiam sejo a falsas interpretações do artigo subsequen-
•brotar na parca phantasia desse acadêmico? O te de Raul Poliilo. Polillo contra os avanguar-
paulista, é verdade, tem orgulho de ser paulista. distas?
Mas o bahiano também se orgulha de ser ba- Nós não somos contra Leopoldo e Silva, prin-
hiano. São Paulo progrediu devido, em grande cipalmente depois do notável túmulo Melchert,
parte, á terra mansa que Deus lhe deu. A Bahia na Consolação. E' a melhor — a única — obra
permittiu que suas laranjas fossem constituir de arte da Necropole, inundada das commerciaes
uma das riquezas da Califórnia. A culpa é de proezas dos srs. Bernardelli, Starace, Zani.
São Paulo? E seria justo que cruzássemos os
braços na penúria, só para ficarmos eguaes a Poliilo exagerou. E Rollo, o próprio Rollo por
um ou outro irmão? Assegura-te, amigo: os elle tão nobremente admirado? Acceitamos Rollo
paulistas são brasileiros e querem ser brasilei- também. O grupo que encima a frente do Pa-
ros. E' preciso e justo porém que os demais lácio das Industrias é soberbo. Rollo e Leopoldo
brasileiros não nos venham lembrar mensalmente e Silva são dois grandes artistas que nos hon-
uma idéa pretenciosa que poderia assim fracti- ram.
*icar. E que fructo» amargos então para São Mas temos Brecheret. Brecheret é o gênio, a
exhuberancia, o insuperavel-lei.

PAULICE'A DESVAIRADA, poemas de Mario de Andrade


OS CONDEMNADOS, romance de Oswald de Andrade
A OBSESSÃO DO SÁBIO






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