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aracy amaral
ARTES PLÁSTICAS
NA SEMANA DE 22

EDITORA PERSPECTIVA
SBD-FFLCH-USP

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aracy amaral
ARTES PLASTICAS
NA SEMANA DE 22
Subsidios para uma história da renovação
das artes no Brasil

EDITORA PERSPECTIVA
o9.21 60
A9S
Copyright EDITORA PERSPECTIVA

DEDALUS - Acervo - FFLCH

2 09 0 0 2 0 11 3 9

43 edição, 1979

Direitos reservados à
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025
01401 São Paulo- Brasil
Telefone: 288-8388
1979
Do Internacionalismo
ao Nacionalismo

(...) "Por paradoxal que possa parecer,


pela consciência do seu foi
"internacionalismo mo-
dernista", na expressão de
mento chegou- Mário, que o movi-
outra expressão de Mário-
ao seu "nacionalismo embrabecido"
MÁRIO PEDROSA
Daí por que a
importância das artes
mo inspiradora da Semana não plásticas co-
lização. Sua influëncia e sua
se
extingue em sua rea-
implicação mesma no
contexto do movimento se estenderia determinando a
sua amplitude. Se Wilson Martins considera
que as
artes plásticas por uma decada "condicionaram e orien
taram" o movimento ", Mário Pedrosa é muito mais
incisivo: "A pintura e a escultura alargaram extraordi-
nariamente o
campo de visao e de interesse dos pro-
motores da Semana, e deram aos melhores uma noção
menos abstrata e menos puramente verbal dos proble-
mas estéticos em jogo e uma compreensão mais direta,
mais física e concreta do meio e da natureza envolvente,
e do que nesta e naquele são os componentes mais im-
portantes e permanentes como valores que exigem ca
racterização e expressão" 5. E vai mais 1longe: "Sem
a contribuição direta, primordial das artes plásticas, o
movimento modernista não teria marcado a data que
marcou na evoluço intelectual e artística do Brasil. A
sua própria orientação nacionalista, de descoberta e re-
velação do Brasil, não teria tido a sistematização, a
profundidade, a busca deraízes com que se assinalou"
Numa seleção feliz, Mário Pedrosa recorda a plas-
ticidade presente em Mário de Andrade em particular,
quando o autor de Macunaima cita o desencontro e a
antecipação do objeto artístico sobre a palavra ao ter
escrito "um soneto de forma parnasiana", tomado de
entusiasmo que estava diante da exposição de Anita em
(6) Mário Pedrosa, "DimensQes da Arte", Departamento de Im-
prensa Nacional, 1964 (cap. "Semana de Arte Moderna", transcr. de
no 309
Conterência realizada no auditório do Ministério da Educação,
aniversário da Semana de Arte Moderna), p. 131.
in 0 Estado de S. Paulo
7 Wilson Martins, "Arte Moderna",
(Supl. Literário), S. Paulo, 16 dez. 1961.
Mário Pedrosa, "DimensÑes da Arte" (capit. "Semana de
Arte8Moderna"), Departamento de Imprensa Nacional, 1964, PP. 130-131
(9) dem, ibidem.

221
1917. Ou quando Paulicéia Desvairada foi dada à luz
familiar perante o se
fruto de revolta ante a reação
Cristo de Brecheret. Ou mesmo ainda, em obra de

1922, no coro das "Juvenilidades Auriverdes",


na enu-

meração de "extraordinário Vigor plástico e cromático


brasileira":
da evocação da
natureza

"As franjadas flâmulas das bananeiras,


as esmeraldas das araras,
os rubis dos colibris,
os lirismos dos sabiás e das jandaias,
os abacaris, as mangas, os cajus
almejam localizar-se triunfantemente,
na fremente celebração do Universal!..."

Mário unia assim, através da imagem verbal, em


sua projeção, o universal. Na linguagem atualizada, o
primitivo encontra uma expressão sem fronteiras. O

objetivo duplo do modernismo está aqui expresso:


atualização e o nacional. E duplo, em verdade, o en-
renovadores em 22: reno-
foqueque se propuseram os
var atualizando e o estudo das nossas tradições indi-
genas ou aqui estabelecidas procedentes da Europa
como da Africa, sem complexos. Não importa que na
Semana, nas artes plásticas, a maior parte dos exposi-
tores fossem de procedência européia. Eles aceitaram
sua integração momentänea ou definitiva, num contexto
cujo objetivo era esse. E assim sendo, essa exposição,
"aglomeração de "horrores", como disse Graça Ara-
nha, somente no Brasil ou na América Latina poderia
causar celeuma, pois na Europa seria uma tranqüila e
eclética mostra coletiva das últimas tendências ante-
riores ao cubismo. Isso em 1922...
A fonte, para a atualização, só poderia ser, no
momento, Paris: "Porque Paris era o oposto do nacio-
nal em arte, a arte de cada nação desenvolveu-se atra-
vés de Paris. Nenhum povo perdeu a sua integridade
lá; ao contrário, artistas de cada região renovados por
esse ambiente magnânimo descobriram nas profundezas
de seus seres aquilo que estava mais vivo nas comuni-
dades de onde procediam" 10,. Assim foi que a necessi-
(10) Harold Rosenberg, The Tradition of the new (cap "The
Tall of Paris"), Mc Graw-Hill Book Co., 1965, p. 212. Trad. da A.

222
mens rlo
KLXON
de rte
mo
dern

Klaxon, n° 7, nov. 1922

dade de uma vida livre, "numa sociedade que a cada


ano envolvia-o mais e mais fundamente na teia do sis-
temático levara o indivíduo demasiado longe" 1", ex-
plica ainda Rosenberg no relacionamento Paris-Moder-
no: "Assim o Moderno se tornou, não um movimento
histórico evolutivo, tentando enterrar os mortos mais
profundamente, mas um nôvo sentimento de eternidade
e de vida eterna" 1, E foi "assim que a Paris moderna,
(11) Idem, p. 213.
(12) ldem, P. 213. da relação Paris
fercSmo; "Paris tem sido ainda, a depropósito
Diz sinônimo Modernismo no sentido do
trad.
cmpoe estilo especial de nossa conscientização". Idem. p. 214,
da.A.

223
Alberto Cavalcanti, Klaxon, "hors texte", n°, 3, jul. 1922.

assumindo de modo profundo que a história poderia


ser inteiramente controlada pela mente, produziu uma
Ausência de Lugar. E isto foi o mais longe que a hu-
manidade foi para se libertar de seu passado" 13.
Oswald explicaria novo volver para
esse nosso
Paris em Ponta de Lança ao afirmar que "em 1922 o
mesmo contato subversivo com a Europa se estabeleceu
para dar força e direção aos anseios subjetivos nacio-
nais, autorizados agora pela primeira indústria, como
o outro o fora pela primeira mineração"14, Um mo-
(13) Idem, p. 214.
(14) Oswald de Andrade in Ponta de Lança, Livr. Martins Editora,
Sao Paulo, (1945), pp. 118-119. E se reporta aos fatos historicOs
"ESsa insatisfação era assim motivada em carta a Jefferson, por um

224
MT

Anita Malfatti, Klaxon, "lhors texte", n? 5, set. 1922.

mento histórico que repetia, sendo


se o primeiro gesto
ue fins do século XVIII.
Mas em 22 mesmo o pequeno grupo tinha uma
noçaa mais ou menos nítida de sua importancia, comno
sse Mário em carta-blague pois toda brincadei
e s o S estudantes inconfidentes na Europa, José Joaquim da Mala:
un brésilien et vous savez que ma malheureuse patrie gemit dans
areux esclavage qui devient chaque jour p]us insup a
satisfação de 22 nos levara a Paris entre duas guerras
teresdobramento foi mais longe. Levou brasileiros a Kussia
u e haviam inventado o fascismo". Idem, 1bidem

225
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DiAVAKANTI

Di Cavalcanti, "hors lexte" de Klaxon, n? 2, jun. 1922.

ra tem sua parcela de seriedade a Menotti: .


Seremos lidíssimos! Insultadíssimos. Celebérrimos. Te-
remos os nossos nomes eternizados nos jornais e na
História da Arte Brasileira"15
Mas o retorno ao nacional tanto tempo desprezado
não era simples. Era como se o passado se tivesse es-
vaído de mãos demasiado abertas: "Quem quiser estu-
dar as tradições, os costumes, a vida, em suma, da velha
sociedade brasileira, não encontrara facilmente os ele-
mentos necessários a tais pesquisas" escreveu Ronald
de Carvalho em 1924 1, "Vão desaparecendo, pouco
a pouco, do país, vendidas a vil preço aos colecionado-
res americanos e europeus, as mobilias, as jóias, as al-
faias, as baixelas, todas as peças da indumentária dos
(15) Mário de Andrade em carta a Menotti, publicada sob o
titulo "Uma carta'" na secção "Crônica Social"', de Hélios, in Correio
Paulistano, 23 fev. 1922,
(16) Ronald de Carvalho, Estudos Brasileiros, Ed. do Anuário do
Brasil, Rio, 1924, p. 164.

226
Oswald de Andrade por Tarsila do Amaral, óleo s/ tela, set.
1922, col. da artista.

nossos maiores. Vamos destruindo, assim, a fisionomia


do nosso passado, o espólio, pequenino mas valioso,
que nos foi transmitido pelos antecedentes"
17

E numa previsão que não deixa de ter sua carga


de pessimismo verdadeiro, conclui: "No rumo em que
vamos, porém, dificilmente criaremos uma arte própria,
nascida da nossa carne e do nosso espirito, vinda das
profundezas do nosso ser. Enquanto tais causas persis-
(17) Idem, ibidem.

227
Di Cavalcanti, "O 'beijo"', óleo s/ teta, 1923, c., col. Museu
de Arte Contemporânea da U.S.P.

tirem, iremos produzindo excelentes pintores, esculto-


res e arquitetos, mas continuaremos a ser um povo sem
pintura, sem escultura e sem arquitetura" 18.
Em conferência realizada
por Oswald em Paris
em 1923 sobre a renovação artística no
Brasil, ele se
referiria ao aproveitamento que do cubismo fizeram os
artistas brasileiros: "O cubismo era
também um pro-
testo contra a arte imitativa dos
museus. E se é absur-
do aplicá-lo ao
Brasil, as leis que ele soube tirar doS
(18) Idem, ibidem, p. 165.

228
Di Cavalcanti, desenho, nanquim e lápis s/ papel, col. Museu
de Arte Contemporânea da U.S.P.

velhos mestres foram julgadas aceitáveis por muitos de


nossos jovens pintores". E acrescenta que a "reação
produzida no Brasil pelos processos enérgicos de Anita
Malfatti e pela fantasia de Di Cavalcanti enriqueceu-
em Paris com as pesquisas de Rego Monteiro, que se
lançou de maneira particular na estilização de nossos
motivos indígenas, procurando criar, ao lado de uma
arte pessoal, a arte decorativa do Brasil, e de Tarsila do
Amaral, que alia os assuntos do campo brasileiro aos

229
avançados da pintura atual" 1, Fm
Em
processos mais se-
parado, cada um
se exercitava e experimenta emPa-
1923 estiveram Tarsila, Di Cavalcanti
ris (onde em

Anita Malfatti, Brecheret, Rego


Monteiro, além de
como Sérgio Milliet
tros modernistas
não-pintores e
Oswald de Andrade).
Com Tarsila em particular, aparecia ja nesse ano
de 1923 uma brasilidade que nao resultava da imitacão
das regras do cubismo mas de uma devolução em ter
mos pictóricos, de uma realidade absorvida intensame
te 30 Foi o caso de A Negra, e de A Caipirinha, am-
bos óleos de 1923. Já em Di Cavalcanti, após breve
estada, seu vocabulário plástico "se define, inscrito num
esquema de grandes curvas moles que o instinto forte,
antropofágico das cores sustenta" 2". A seu retorno pro
duziria as telas pertencentes à fase das Moças de Gua-
ratinguetá, sem dúvida um dos pontos mais altos de
sua obra pictórica. Se Rego Monteiro na mesma época
pesquisava desenhos indigenas, Regina Gomide Graz
por seu lado se aplicava no estudo da tecelagem dos
índios do Alto Amazonas, ao mesmo tempo que clari-
ficava os interiores de residencCias novas de São Paulo
com a decoração modernista, formas geométricas e co-
res vibrantes, a introdução de panneaux na decoração
interior, almofadas e abajures inspirados em estilizações
cubistas.
Esse empenho na renovação das artes, simultâneo
com a busca das raízes, parece pairar sobre os moder-
nistas mais eloqüentes por sua obra plastica como a
explicar que "a revolução é possível somente em ins-
tâncias e domínios onde a tradição está presente. Onde
não há tradição, no há revolução", segundo disse John
Graham.
Oswald teria palavras semelhantes às de Mário
indicando o movimento modernista como assinalador de
(19) Ver "Oswald de Andrade na Sorbonne" e "O
tual do Brasil esförço intelec-
Contemporâneo", Revue de l'Amérique
jul. 1923, pp. 197-207 transcr. in Minas Gerais Supl.Latine, Vol. 3,
Literário, B.
Horizonte, 20 abril 1968.
(20)
Tarsila, durante a Semana de Arte Moderna, estava em Paris,
c
voltaria Brasil em meados de 22, de imediato integrando-se no
ao
modernista através de Anita. grupo
Regressaria
mesmo ano, sua pintura modernizada a Paris ao finalizar esse
através da inclusão
"Juz"e da pincelada nervosa e solta. Em 23 iniciaria com doelemen
Serviço militar do cubismo'" como o denominou, estudando método, seu
com LhOe
e Gleizes.
(21) Mário Pedrosa, obra cit.,
p. 138.

230
um temp0 novo: ver-se-ácomo aqui também se
pronunciou o caos do mundo novo".
Quando começou? Com o manifesto futurista de
Marinetti, que afirmava ser a guerra a única higiene do
mundo? (Ele talvez tivesse acertado se dissesse "de um
mundo", do seu mundo, isto é, do mundo de Mussoli-
ni.) Teria começado com a geometrização dos pri-
meiros cubistas, de Picasso e de Braque? Ou antes, no
óvulo do impressionismo, quando Cézanne fez tremer a
certeza das oleografias geniais de Dominique Ingres?
Ou com o gesto ingènuo do povo que vinha nos car-
tões postais do douanier Rousseau? No Brasil, sabe-se
quando começou. Foi com a Semana de Arte Moderna
de 22, que precedeu de alguns meses o levante dos 18
do forte de Copacabana" 2,
Esse relacionamento que se estabelece entre o mo-
Vimento dos moços da Semana e os acontecimentos cul-
turais e políticos por que passaria o Brasil fez com que
Wilson Martins escrevesse que são "tão "modernistas" o
Tenentismo e a Revolução de 1930 quanto a poesia de
Mário de Andrade ou a pintura de Portinari"
Amadeu Amaral observara, no artigo já citado em
O Mundo Literário de 1924, diante da falta de "fun-
damentação filosófica" no movimento: "é talvez culpa
do momento que atravessamos. O Brasil está sonolen-
tamente parado num beco de expectativas e hesitações,
sem um único estremecimento de desejo, de esperança
ou de revolta. No existem convicções militantes, não
há sombra de ideal coletivo, nenhum dos estandartes
levantados por ai, de quando em quando, se mostra

capaz de congregar alguns milhares de almas a cami-


nho de uma trincheira. Nossa mocidade faz desporto,
atira-se ao fox-trott, ambiciona todas as comodidades
da vida, prepara precavidamente as posições em que se

há de instalar e isto entrega ao uso


quando nao se

de tóxicos ainda piores. O sentido social e o sentido


nacional desaparecem de todas as suas apagadas agita-
Como poderão os
ções. Somos um povo que vegeta.
(22) Oswald de Andrade, Ponta de Lança, 34. Livr. Martins Editora,
(1945) (capit. "Poesia e artes de guerra"), P.
in O Estado de São Paulo
(23) Wilson Martins, "Arte Moderna",
S. Paulo, 16 dez. 1961.
(Supl. Literário),

231
erguer vooS rasgados e luminosoe
poetas novos
nevoeiros e chuvas?" 4 nesta
atmostera de
Mário de Andrade, entretanto, esclareceu em 42
àqueles que se precipitavanm atribuindo ao movimend
modernista ação revolucionária: "O muilO
uma
de Inteligência que representamos, na sua fase verd
a-
deiramente "modernista, nao foi o fator das lanças
político-sociais posteriores a ele no Brasil. Foi
Foi essen
essen-
cialmente um preparador; o criador de um estado-de-
-espírito revolucionario e de um sentimento de arreben-
tação. E si numerosos dos intelectuais do movimento
se dissolveram na politica, si vários de nós patticipa-
mos das reunioes iniciais do Partido Democrático, care-
ce não esquecer que tanto este como 1930 eram ainda
destruição". E acrescenta: Os movimentos espiri-
tuais precedem sempre as mudanças de ordem social.
O movimento social de destruiçao e que principiou comn
oP. D. e 1930" 2

A Liberdade à Pesquisa

No campo especifico das artes plásticas a


conquis-
ta à liberdade de pesquisa foi talvez uma das maiores
vitórias do modernismo. A tentativa
inigualada, por
sua qualidade resultante, em Tarsila em particular, e
em Di Cavalcanti, de
conseguir uma integraço da bra-
silidade neles inerente atravs de uma
linguagem atual
do ponto de vista pictórico, foi a expressão mais ele-
vada do movimento.
Por outro lado, como disse Mário de
Andrade,
hoje o artista brasileiro tem diante de si uma verdade
social, uma liberdade (infelizmente só estética), uma
independência, um direito às suas inquietações e
quisas que não tendo passado pelo que passarampesos
modernistas da Semana, ele nem
pode imaginar que
conquista enorme representa" 2. Mesmo que John
Graz tenha
partido para a decoração, que Haarbers
(24) Ver art. cit. de Leonardo Arroyo,
as Armazém literário (acn
vol. a0 modernismo)", in Rev. do Arquivo
Municipal, Depto. Cuu
CLXXVI, 1969, pp. 121-122.
la Mario de Andrade, "O Movimento Modernista" in Aspec
ad
tinsLiteratura Brasileira (O. Completas de M. de Andrade)
Editôra, 1967, p.
232.
(26) Mário de
Andrade, Ohra cit., pp.
24I-242..
232

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