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SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM NOS CUIDADOS PÓS-

OPERATÓRIOS EM PACIENTES COM FISSURA LABIAL.

Isabel Cristina Sabim1


Maria Aparecida do Prado1
Lidia Maria Ferreira2
Eunice Kyosen Nakamura3

RESUMO
O lábio leporino é uma deformidade congênita representada por uma fissura na região do lábio do
recém-nascido. Causa enorme transtorno emocional nos pais e familiares porque a fissura é aparente
já que se localiza no rosto, a área de importância estética e centro de expressão da criança. O
tratamento é complexo e envolve cirurgia e reparo estético e/ou funcional. A queiloplastia é a única
forma de corrigir a fissura labial unilateral ou bilateral. Atualmente há uma diversidade das técnicas
utilizadas e o cirurgião pode optar pela que melhor se aplicar ao paciente. O objetivo deste trabalho é
divulgar a importância da assistência da enfermagem nos cuidados pós-operatórios. Os
procedimentos técnicos realizados exclusivamente pela equipe de enfermagem, tais como higiene
bucal, curativo, controle dos sinais vitais, imobilização dos cotovelos com colete de restrição e
orientação aos pais, são fundamentais para o sucesso da recuperação do paciente portador de fissura
labial.

PALAVRAS CHAVE: lábio leporino, pós–operatório, enfermagem.

ABSTRACT
Cleft lip is a congenital defect in the form of a fissure on the newborn’s lip. It is a source of great
emotional distress for parents and relatives since the fissure is quite visible and impacts on the child’s
appearance and facial expression. Treatment is complex and involves surgery and functional and/or
aesthetic intervention. Cheiloplasty is the only method of correction for unilateral or bilateral labial
clefting. There are a number of techniques available for the surgeon to select from in order to find the
best match for the patient. Our intention here is to report on the importance of nurses’ assistance in
post-operative care. Technical procedures carried out solely by the nursing team such as oral hygiene,
applying dressings, monitoring vital signs, immobilizing the elbows with a restraining vest and
counseling parents are crucial to the successful recovery of patients affected by labial clefting.

KEY WORDS: cleft lip, clefting, post-operative care, nursing

_____________________________________
1 Graduando do curso de Enfermagem, UNIANDRADE
2 Enfermeira, Professora, Pós-Graduação Emergência em Enfermagem
3 Professora, doutora em Enfermagem.
INTRODUÇÃO

... “a sorte trabalhou a favor do grupo brasileiro de pesquisadores ligados à USP e


UNESP que, em parceria com cientistas norte-americanos e europeus, obtiveram a
pista para por fim a uma busca de 16 anos pelo gene causador da mutação genética
responsável pelo desenvolvimento da deformação labial”...
(ZANELLA, 2002)

Popularmente conhecida como lábio leporino (por lembrar a boca de uma


lebre), a fissura labiopalatal é uma abertura na região do lábio e/ou palato do recém-
nascido ocasionada pelo não fechamento destas estruturas na fase embrionária, isto
é, entre a 4ª e a 12ª semana de gestação (SILVA, 2003).
A presença desse tipo de alteração congênita causa enorme choque nos pais
que, geralmente, esperam uma criança perfeita. Mesmo naqueles que descobrem a
anomalia no pré-natal pelo ultra-som o impacto é grande. A fissura labial é aparente,
já que se localiza no rosto, área de grande importância estética.
De acordo o Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio-Palatal (CAIF),
mantido pela Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, apesar de ser escasso o
investimento em pesquisas para atualização dos dados, pode-se afirmar que no
levantamento feito em 1986, na cidade de Curitiba, onde foram examinadas 18.000
crianças em idade escolar foi constatado um caso de fissura para cada 569
examinados. Esse percentual não pode ser usado nacionalmente, porque, segundo a
Organização Mundial de Saúde, a ocorrência no Brasil é de um fissurado para cada
650 nascimentos (NICOLOTTI, 2005).
Em Bauru, no interior paulista, o Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais (Centrinho) que oferece tratamento a portadores de fissura labial e/ou
palatal, sempre pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é um hospital de referência
nacional e internacional nessa especialidade. Nas suas pesquisas e em seus
estudos, demonstram que há uma predisposição hereditária conjugada a fatores
teratogênicos para o aparecimento desta anomalia, e que o lábio leporino ou fenda
labiopalatal é uma deformidade que atinge crianças de todas as raças (THOMÉ,
1990).
As pessoas com fissura lábio palatal, quando conseguem beneficiar-se com
atendimento de reabilitação nos poucos centros especializados, necessitam ser
submetidas a um tratamento longo e complexo que as afastam das suas atividades
diárias. O tratamento, permeado por cirurgias e reparo estético ou funcional pode
levar até 20 anos. Pela complexidade do processo no atendimento, que envolve
vários aspectos de grande importância, é necessária a integração de uma equipe de
profissionais especializados para dar atendimento adequado ao paciente portador de
fissuras orais e outras deformidades craniofaciais (CONSENTINO FILHO, 2002)
Sem o devido tratamento, as fissuras podem provocar seqüelas graves, como a
perda da audição, problemas de fala e déficit nutricional, além do sofrimento com o
preconceito. É possível a total reabilitação do paciente com fissura labiopalatal.
Quanto mais cedo a intervenção, melhor. A única forma de corrigi-lo é através de
cirurgia (GOMES,1997).
Objetivo desse artigo é descrever e divulgar aos profissionais da área de saúde,
e equipes de enfermagem, as técnicas da assistência nos cuidados pós-operatórios
de pacientes portadores de fissura labial.
A metodologia utilizada foi desenvolvida por meio de revisão da literatura; visita
ao CAIF; pesquisa bibliográfica com consulta em livros especializados, revistas
científicas de cirurgia plástica, otorrinolaringologia e odontologia, endereços
eletrônicos nacionais e internacionais.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fissura labiopalatal está prevista no Capítulo XVII da Classificação Estatística


Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID 10 adotada pelo
Ministério da Saúde desde janeiro de 1998, que inclui as malformações congênitas,
deformidades e anomalias cromossômicas, agrupadas em três categorias, sendo:
fenda palatina, fenda labial e fenda labial com fenda palatina.
A fenda labial é considerada como uma das deformidades congênitas mais
freqüentes nos seres humanos e a cada 2 minutos e meio nasce uma criança com
fissura (RIBEIRO, 2005).
Didaticamente, para tratar das formas de fissura labial, o estudo de Gomes,
Mélega (1997), estabelece a classificação das fissuras em grupos, conforme segue:

a) Fissura Labial Unilateral: várias são as formas possíveis de acometimento da


fissura labial unilateral, considerando desde as alterações menores sobre o lábio, tais
como um simples entalhe sobre o vermelhão, até o acometimento de todo o lábio,
podendo ter ainda, associação da deformidade do lábio com o assoalho da narina,
com ou sem alteração do arco alveolar.

b) Fissura Labial Bilateral: apresentam como característica alterações anatômicas


importantes, principalmente quando associadas às fissuras palatinas, onde a de
gravidade maior fica por conta da ausência de certos elementos bilaterais como a
ausência do cinturão muscular do lábio cuja pré-maxila projeta-se muitas vezes sem
relação com os segmentos maxilares e alveolares devido ao crescimento a partir do
septo nasal. Além das assimetrias o pró-lábio é de volume variável, a columela curta,
as asas nasais são alargadas e planas e os arcos alveolares, sem manter relação
com a pré-maxila, podem apresentar colapso.

Em 1957, Millard apresentou sua técnica cirúrgica no I Congresso Internacional


de Cirurgia Plástica em Estocolmo, a qual é utilizada até hoje. Apesar da diversidade
do número de técnicas existentes e das novas propostas descritas, esse grande
número provavelmente signifique não ter surgido ainda à técnica ideal. Todas as
técnicas trazem vantagens e desvantagens, devendo então o cirurgião se familiarizar
com uma delas, adquirindo assim experiência na procura de bons resultados.
A queiloplastia também chamada de lábioplastia, ou seja, a correção do lábio
leporino e das alterações nasais, pode ser realizada a partir do 3º mês de idade com
êxito absoluto. Nessa fase a criança ainda está com os anticorpos transmitidos pela
mãe, e apresenta aumento de glóbulos vermelhos, o que do ponto de vista
anestésico é altamente positivo.
A idade em que se realiza a cirurgia depende dos critérios médicos, mas o
momento ideal para a correção obedece à regra dos dez: a criança ter dez semanas,
dez gramas de hemoglobina e pesar dez libras (igual ou maior que 3kg) (GOMES,
1997).
No protocolo do CAIF para a cirurgia dos lábios leporinos encontramos as
orientações:
FISSURA PRÉ-FORAME INCISIVO (lábio) UNILATERAL - Completa ou Incompleta:
Cirurgia – 3 meses de idade:
Técnica: Millard, Spina ou Skoog
Retirada pontos com 7 dias.
Revisões com 30 dias, 6 meses e 12 meses

FISSURA PRÉ-FORAME INCISIVO (lábio) BILATERAL - Completa ou Incompleta:


Cirurgia:
Tempo único: 3 meses de idade (Técnica: Veau III, Manchester);
2 Tempos: primeiro tempo com 3 meses de idade;
segundo tempo com 6 meses de idade (técnica: Millard, Spina)
Retirada pontos com 7 dias.
Revisões com 30 dias, 6 meses e 12 meses

A cirurgia de reparação da fissura dos lábios é realizada sob anestesia geral de


duração de aproximadamente 2 horas sendo necessário um período de internação
de 24 a 48 horas. Os cuidados no pós-operatório são de grande importância para
obtenção de melhores resultados (SOUZA, 1974).
Os cuidados pré-operatórios são orientados para garantir que a criança não
tenha problemas de pele, cáries dentárias anemia e infecções. Antes da cirurgia os
hábitos de sucção como utilização de chupeta ou “chupar dedo” devem ser retirados
para que não comprometam a reabilitação pós-operatória. Duas semanas antes da
cirurgia deve ser realizado o desmame e a introdução de alimentos liquefeitos na
dieta para que a criança se acostume com a consistência dos alimentos e aceite no
pós-operatório, mais adequados para esta fase de tratamento (RIBEIRO, 2005).
Segundo o manual de orientações do CAIF, o protocolo para as atividades da
equipe de Enfermagem, dividem-se em setores: ambulatorial, internamento e centro
cirúrgico. Em cada uma dessas unidades a equipe oferece atenção e cuidados
constantes para promover a recuperação dos pacientes. Entre as atividades estão:
Avaliação inicial (consulta de Enfermagem); Assessoramento quanto à programação
e agendamento para o tratamento; Orientações e acompanhamento no pré e pós-
operatório; Cuidados e realizações de procedimentos técnicos de Enfermagem;
Levantamento de dados estatísticos; Ações educativas aos pais, familiares e a
comunidade (CAIF, 2007).
O diagnóstico de enfermagem no pré e pós-operatório, e alguns cuidados na
orientação aos pais, ajudam na boa condição inicial e seqüência do tratamento
(FONTES, 2001).

DIAGNÓSTICO DE ENFERMAGEM E PLANOS DE CUIDADOS


Com base numa avaliação física minuciosa, vários diagnósticos de enfermagem
tornam-se evidentes. Definições e Classificação segundo (NANDA 2001-2002).

 Nutrição alterada: menor do que as necessidades corporais


 Administrar dieta apropriada para a idade
 Ajuda a mãe na amamentação
 Estimular a eliminação freqüente de ar deglutido (arroto)
 Monitorar o peso

 Alto risco de não aceitação dos pais


 Permitir a expressão dos sentimentos
 Demonstrar uma atitude de aceitação do lactente
 Indicar, através de comportamento, que a criança é um ser humano
valioso
 Descrever os resultados da correção cirúrgica da fissura
 Alto risco de traumatismo do local cirúrgico
 Colocar a criança em decúbito dorsal ou lateral
 Utilizar técnicas de alimentação não traumática
 Imobilizar os cotovelos com coletes de restrição
 Ensinar os procedimentos de limpeza e imobilização, sobretudo quando
o lactente receber alta antes da retirada dos pontos

 Dor relacionada com o procedimento cirúrgico


 Avaliar o comportamento e os sinais vitais à procura de qualquer
evidência de dor
 Fornecer aconchego e estimulação tátil
 Envolver os pais nos cuidados da criança

 Processos familiares alterados devido a uma criança com fissura e


hospitalização
 Encaminhar a família a instituições e grupos de apoio apropriados.

Após a pesquisa de revisão bibliográfica dos procedimentos e orientações de


prescrição de enfermagem no pós-operatório, encontramos o que é hoje
desenvolvido pelas equipes de enfermagem na assistência dos cuidado pós-
operatório em pacientes com fissura labial. Entre eles:
 Evitar que a criança chore muito principalmente no pós-operatório imediato;
 Manter a criança em decúbito dorsal e lateralizada;
 Manter o lábio sempre limpo, com o auxílio de água filtrada ou soro fisiológico;
 Aspirar à saliva e/ou muco quando presentes;
 Administrar alimentos líquidos, fracionados em xícara ou em colheradas,
lentamente em posição de proclive;
 Passar pomada 2 vezes ao dia no lábio até a retirada dos pontos que deverá
ser feita por volta do 7º dia de pós-operatório;
 No dia de retirar os pontos, a criança deverá estar de jejum de 5 horas (a
retirada é feita em alguns pacientes sob analgesia/sedação);
 Não usar bico ou chupeta / mamadeira nos primeiros 30 dias pós-operatórios;
 Não deixar a criança levar as mãos ou dedo na boca, se necessário usar
aparelho de contenção (imobilização) nos braços, principalmente até a retirada
dos pontos;
 Após a retirada dos pontos, orientar técnica das massagens nas cicatrizes do
lábio, durante 3 meses;
 A criança não deverá tomar sol na face nos 3 meses após a cirurgia (usar filtro
solar, de proteção 30 ou maior, no lábio);
 Usar medicação analgésica e as demais prescritas, rigorosamente e caso a
criança apresentar algum sinal ou sintoma de anormalidade, comunicar o
cirurgião.

A troca de informações entre a equipe de enfermagem é fundamental para


assistir integralmente o tratamento da criança nas diversas fases cirúrgicas, pois um
fator interfere diretamente no outro, no que diz respeito à assistência nos períodos
pré, trans e pós-operatórios.

Além das complicações locais dos primeiros dias tais como: infecção, necrose
e deiscências, mais tarde pode ocorrer retração labial e deformidades decorrentes na
maioria das vezes do mau uso da técnica empregada, sendo então necessário que o
paciente seja submetido a uma queiloplastia secundária (GOMES, 1997).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a literatura consultada, podemos afirmar que há muito tempo


vem sendo realizada a cirurgia para a correção dos lábios leporinos. Surgiram novas
técnicas e foram aprimorados os cuidados aos pacientes. Atualmente, o tratamento é
feito por uma equipe multidisciplinar composta por cirurgião plástico, fonoaudiólogo,
pedagogo, assistente social, odontólogo, otorrinolaringologista, nutricionista,
psicólogo e pediatra.

Porém, na etapa pós-cirúrgica, a responsabilidade pelo atendimento do


paciente é exclusivamente da equipe de enfermagem, que presta cuidados para
evitar complicações imediatas.

Da mesma forma que a primeira cirurgia é fundamental para a correção


funcional e estética, a assistência de enfermagem nos cuidados pós-operatórios em
paciente com fissura labial é essencial para garantir o sucesso do trabalho de toda a
equipe multidisciplinar.

REFERÊNCIAS

CAIF – Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal. Secretaria do


Estado do Paraná. Instituto de Saúde do Paraná.
http;/saude.pr.gov.br/CAIF/fissura_labio.htm. Acesso em 16 fevereiro/2007.

CONSENTINO, FILHO L. Tratamento e Reintegração em todos os Sentidos. Revista


Sentido CAIF/AFISSUR. Curitiba, 2002.

FONTES, C.M.B. Fissuras lábio-palatais: diagnóstico de enfermagem no pré e


pós-operatório. São Paulo, 2001. Dissertação de mestrado Escola de Enfermagem,
USP.

GOMES, P.R.M. MELEGA, J.M.Tratamento Cirúrgico. In: Altmann EBC. Fissuras


labiopalatinas. 4. ed., São Paulo: Pró-Fono; 1997.

NANDA. Diagnósticos de Enfermagem – Definição e Classificação 2001-2002. São


Paulo: Artmed, 2002.

NICOLOTTI, M T. Fissura lábio palatal: o papel da enfermagem. Curitiba, PR,


2005. Monografia - Graduação em Enfermagem - Centro Universitário Campos de
Andrade UNIANDRADE

RIBEIRO, E.M. et al. Atualização sobre o tratamento multidisciplinar das fissuras


labiais e palatinas. Rev. Bras. Promoção da Saúde, 2005; 18(1); 31-40.
SILVA HA, BORDON AKCB, DUARTE DA, Estudos da fissura labiopalatal. Aspectos
clínicos desta malformação e suas repercussões. Considerações relativas à
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SOUZA FREITAS JA. Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-


Palatais: Manual de orientação. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru da
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THOMÉ, S, BACHEGA, M I, CRISCI, A M. Assistência de enfermagem à criança


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ZANELLA, J. Vilão Identificado.Jornal da UNESP, n.172, nov. 2002.

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