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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA

BIOFÍSICA CELULAR
MANUAL PRÁTICO

Contração da
célula muscular
estriada

Bioenergética

Difusão Bioeletrogênese

Transporte
através de
membranas
biológicas

Potencial de
membrana

Potencial de
repouso (célula Potencial de ação
em repouso)

Propagação do Propagação do
sinal para o sinal de célula a
interior da célula célula
(célula em ação)

Junção neuro-
muscular Sinapse

Acoplamento
excitação-
contração da
celular muscular
estriada

Contração da
célula muscular
estriada

1o Ano Médico

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2
3
CURSO DE BIOFÍSICA CELULAR

Dentre os vários fenômenos biológicos que poderiam ser escolhidos para


ensinarmos o enfoque biofísico, optamos pelo processo de contração muscular, que
basicamente se resume na transformação de energia química em mecânica em função
de uma sinalização à nível da membrana plasmática da célula muscular. Veremos que
o detalhamento anatômico/histológico até o nível molecular não será suficiente para
explicarmos o processo integralmente, e um entendimento mais profundo exigirá a
aplicação de conceitos biofísicos, tais como os da bioenergética (que independem da
estrutura) que envolvem as leis que regem as trocas energéticas, determinando o
transporte de solutos e solventes através da membrana celular nas quais se baseia a
sinalização celular. Associados ao entendimento destes conceitos introduziremos a
estratégia da "caixa preta" através do estudo prático de tipos de transporte existente em
epitélio abdominal de anfíbios. esta estratégia didática terá a finalidade de introduzir o
aluno ao raciocínio científico, de certo modo análogo ao raciocínio necessário para a
proposição correta de um tratamento clínico frente a uma determinada situação
patológica. Finalmente, discutiremos os fenômenos elétricos decorrentes da migração
de solutos iônicos, gerando ondas elétricas na membrana das células excitáveis (nervo
e músculo), responsáveis pelo disparo do processo contrátil.

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ATIVIDADES DESENVOLVIDAS DURANTE O CURSO

1. Aulas Teóricas (AT): são aulas expositivas, com duração aproximada de 2 horas, em
que se faz a apresentação de tópico, sem a intenção de esgotar o assunto.

2. Seminários (S): São atividades baseadas no estudo prévio de um texto.


Desenvolvidas em grupo ou individualmente, durante 6 horas, são destinadas a tirar as
dúvidas adquiridas com a leitura do texto indicado, a resolver exercícios e problemas, e
a discutir aquilo que os alunos aprenderam com a leitura do texto.

A partir desta apostila, o curso de Biofísica Celular será ministrado pelos seguintes
professores:

Antonio de Miranda
Clóvis R. Nakaie (Chefe da Disciplina de Físico-Química)
Eneida de Gusmão Silva Barone
Eduardo Maffud Cilli
Sang Won Han
Teresa Feres de Oliveira
Viviane Louise Andrée Novailhetas (Chefe da Disciplina de Biofísica)

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ÍNDICE

CONTRAÇÃO MUSCULAR

1. Estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado 002

1.1 Sarcolema 002


1.2 Miofibrilas, filamentos de actina e miosina, sarcômero, bandas e zonas 002

2. Ultra-estrutura do músculo estriado 003

2.1 Filamentos 003


2.2 Sarcoplasma 005
2.3 Sistemas de membranas 005
2.3.1 Túbulos transversos (T) 007
2.3.2 Retículo Sarcoplasmático 008
2.3.3 Tríade 009

3. Características moleculares do miofilamentos contrateis 009

3.1 Miosina 009


3.2 Actina 014
3.3. Tropomiosina 014
3.4 Troponina 015

4. Interações da miosina com actina e o ATP 016

5. Mecanismo molecular da contração muscular 017

5.1 Tipos de contração 017


5.1.1 Contração isométrica 017
5.1.2 Contração isotónica 017

5.2 Mecanismo de contração por deslizamento 018

6. Acoplamento excitação-contração 022

6.1 Túbulos T 024


6.2 Papel do íon cálcio na contração, muscular 024
6.3 Papel da troponina-tropomiosina na contração muscular 024

7. Fontes de energia para a contração muscular 027

8. Bibliografia 029

9. Questionário de contração muscular 030

BIOENERGÉTICA

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I. Introdução 032

II. Histórico 033

III. Definições 033

1. Sistema, fronteira e arredores 033


2. Energia, calor e trabalho 033
3. Tipos de Sistema 034
4. Estado de um sistema 034
Propriedades intensivas e extensivas 035
4.1 Estado de equilíbrio 035
4.2 Estado Padrão 036

5. Processos 036

5.1 Definição 036


5.2 Tipos de processos 036
5.2.1 Processo isotérmico 036
5.2.2 Processo isobárico 036
5.2.3 Processo Isocórico 036
5.2.4 Processo reversível ou quase estático 036
5.2.5 Processo cíclico 037
5.2.6 Processo irreversível, natural 037

IV. Lei Zero da Termodinâmica 038

V. Primeiro Princípio da Termodinâmica 040

1. Conceituação 040
2. Entalpia 044
3. Interpretação molecular da energia interna e entalpia 045

VI. Segundo Princípio da Termodinâmica 049

1. Entropia 049
2. Energia Livre 052
2.1. Conceito 052
2.2. Energia livre e constante de equilíbrio (Keq) 053
2.3. Potencial químico 055
2.3.1 Potencial Químico e Trabalho Químico 056
2.3.2 Potencial Elétrico e Trabalho Elétrico 057
2.3.3 Potencial Eletroquímico e Trabalho Eletroquímico 057

VII. Trocas energéticas e a vida 058

1. Acoplamento de transformações 058

2. Estado de fluxo constante 063

VIII. Conclusão 064

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IX. Bibliografia 065

X. Questionário de Bioenergética 066

DIFUSÃO EM MEMBRANAS ARTIFICIAIS

I. Difusão de soluto 072

1. Introdução e objetivos 072


2. Difusão em sistema contínuo 073
3. Difusão através de uma membrana 075
3.1. Lei de Fick 076
3.2. Coeficiente de permeabilidade 078
3.3. Fluxos unidirecionais 078

4. Resumo e conclusões 080

II. Fluxo de água (osmose) 081

1. Introdução 081
2. Pressão osmótica 081
3. Osmolaridade de uma solução 084
4. Comparação entre osmolaridade e tonicidade de uma solução 084

III. Bibliografia 086

IV. Parte Experimental 087

A. Difusão de substâncias através de uma membrana artificial 087

I. Introdução 087

B. Introdução gerais para uso do fotômetro 088

C. Construção da curva padrão de permanganato de potássio 089

D. Difusão de permanganato de potássio através de membrana de celofane 091

V. Questionário de difusão 094

MEMBRANAS BIOLOGICAS

1. Introdução e objetivos 000

2. Bases energéticas para a estruturação de unidades funcionais 000

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2.1 Tipos de ligações químicas 000
2.2 Água 000
2.3 Energética das interações biológicas 000

3. Composição e estruturação de membranas celulares 000


3.1 Lipídeos 000
3.2 Proteínas 000
3.3 Modelo do mosaico fluido 000

4. Transporte através de membranas 000


4.1 Transporte passivo simples 000
4.2 Transporte passivo mediado 000
4 3 Transporte ativo 000

5. Bioeletrogênese 000
5.1 Membrana permeável a um único íon 000
5.2 Membrana permeável a todos os íons 000
5.2.1 Condição de equilíbrio (Equação de Nernst) 000
5.2.2 Condição estacionária (Equação de Goldman) 000
5.3 Equilíbrio de Donnan 000

6. Potencial de Repouso 000

7. Bibliografia 000

Questionário - Transporte através de membranas 000

Transporte através de membranas biológicas - informações adicionais 000

Demonstração experimental 000

A. Potenciais bioelétricos em pele abdominal de anfíbio 000


1. Noções de eletricidade 000
2. Objetivo 000
3. Composição das soluções de Ringer 000
4. Montagem Experimental 000
5. Interpretação dos dados 000
6. Resumo das informações obtidas 000
7. Modelo do transporte iônico em epitélio abdominal de anfíbio 000

B. Segunda aula (Estudo quantitativo do transporte iônico) 000


1. Efeito da concentração de sódio do lado externo da pele 000
2. Efeito da concentração de potássio do lado interno da pele 000

Observações Finais 000

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CONTRAÇÃO MUSCULAR

1. Identificar os componentes da maquinária contrátil de um músculo.


2. Entender a origem da geração de força no músculo.
3. Descrever a Ultra-estrutura de um sarcômero.
4. Descrever a estrutura molecular dos miofilamentos.
5. Enumerar a teoria dos filamentos deslizantes para a contração muscular.
6. Descrever a sequência de eventos relacionados com o acoplamento excitação-
contração no músculo.
7. Distinguir contração isotônica de isométrica.
8. Identificar as fontes de energia para a contração muscular.
9. Explicar o papel do ATP e do Ca2+ sobre a interação da actina com a miosina.
10. Entender a rigidez cadavérica.

Conexões com outras disciplinas: Fisiologia, Histologia, Farmacologia, Bioquímica,


Neurofisiologia, Neurologia etc.

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CONTRAÇÃO MUSCULAR

A característica fundamental do músculo é a de transformar a energia química,


proveniente da hidrólise do ATP, em energia mecânica, a contração. Para a realização
desta tarefa, os músculos estriados, tanto esqueléticos como cardíacos, apresentam um
sistema altamente organizado de miofibrilas. Já os músculos lisos formam um sistema
bem heterogêneo, com grande diversidade morfológica e funcional, dependendo do tipo
de órgão estudado (vasos sanguíneos, útero, canal deferente, etc.). Nosso objetivo será
o de estudar o mecanismo de contração da musculatura esquelética estriada.

1. Estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado

O músculo esquelético é constituído de numerosas fibras alongadas, sendo cada


fibra muscular correspondente a uma célula de 10 cm ou mais de comprimento. Cada
fibra é multinucleada, com os núcleos localizados na periferia.
A célula muscular contém, além da maquinaria bioquímica característica de
qualquer célula, miofilamentos orientados longitudinalmente em relação a ela, e dois
sistemas de membranas, transversal e longitudinal, que participam do ciclo excitação-
contração-relaxamento dos filamentos. Tais elementos serão discutidos a seguir.

1.1 Sarcolema

É a membrana celular da fibra muscular. Consiste de uma membrana celular


verdadeira (membrana plasmática) e de uma fina camada de material polissacarídeo.
Na camada mais externa do sarcolema estão também presentes as fibras colágenas.
Nas extremidades das fibras, as camadas superficiais do sarcolema se fundem com as
fibras tendinosas que, por sua vez, formam os tendões musculares que se inserem nos
ossos.
Os tendões não apresentam por si só atividade contrátil. As forças geradas pelas
fibras musculares são transmitidas pelos tendões aos ossos, possibilitando o
movimento

1.2. Miofibrilas, filamentos de actina e de miosina, sarcômero, bandas e zonas

Cada fibra muscular (célula muscular) é constituída de centenas a milhares de


miofibrilas (Figura 1). Cada miofibrila apresenta 1 a 2 µ M de diâmetro, e comprimento
igual ao da fibra muscular a que pertence.

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À microscopia ótica, cada miofibrila apresenta uma série de bandas transversais
claras e escuras que se alternam regularmente ao longo da mesma, dando uma
aparência em estrias. Daí estes músculos serem denominados estriados (Figuras 1 e
2).
As bandas claras foram denominadas Bandas I (isotrópicas, por permitirem a
passagem da luz em todas as direções) e as bandas escuras denominadas bandas A
(anisotrópicas, por apresentarem diferentes índices de refração com a direção),
indicando que a fibra muscular apresenta uma certa orientação molecular (Figura 1).
Quando a fibra muscular encontra-se em repouso, a banda A possui cerca de 1,5
µm de comprimento e a banda I ao redor de 0,8 µm. Na parte central da banda A,
observa-se uma zona mais clara, denominada zona H, e no meio da banda I, observa-
se uma linha mais escura, denominada linha Z. Denomina-se sarcômero à região
delimitada por duas linhas Z. Tal região corresponde à unidade contrátil, repetitiva, da
célula muscular, com um tamanho variando entre 1,5 a 3,5 µm (Figura 1).
Um único sarcômero contém cerca de 1000 filamentos grossos e ao redor de
2000 filamentos finos. No comprimento de repouso (2,3 µm), os filamentos grossos e
finos estão sobrepostos em cerca de 1/3 de seus comprimentos. O comprimento do
sarcômero durante a contração máxima atinge cerca de 1,5 µm, isto é, um
encurtamento ao redor de 30%.

2. Ultra-estrutura do músculo estriado

2.1. Filamentos

À microscopia eletrônica, cada miofibrila é constituída por dois tipos de


filamentos: filamentos grossos, com cerca de 12 nm de diâmetro e 1,5 µm de
comprimento, dispostos na região central do sarcômero, e filamentos finos, com
aproximadamente 8 nm de diâmetro e 1 µm de comprimento, que se inserem nas linhas
Z, dirigindo-se para a região central do sarcômero onde se entremeiam aos filamentos
grossos (Figuras 1 e 2).

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Figura 1. Esquema da estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado
esquelético.

Cada tipo de miofilamento se associa a outros filamentos do mesmo tipo, e os


dois conjuntos se sobrepõem parcialmente, de modo que a banda A, densa,
corresponde à região de sobreposição dos filamentos finos e grossos. Na banda I
encontram-se apenas filamentos finos, enquanto que na zona H encontram-se apenas
filamentos grossos. Observa-se ainda na banda A, com exceção da zona H, uma
conexão entre os filamentos finos e grossos através de pontes (Figura 1).
Secções transversais do músculo estriado em diferentes níveis do sarcômero
mostram uma extraordinária organização dos filamentos. Na região da banda A, o
arranjo é hexagonal (Figura 2), com os filamentos grossos ocupando o centro dos
hexágonos constituídos pelos filamentos finos; como cada filamento fino é envolvido por
três filamentos grossos, conclui-se que a relação do número total de filamentos finos

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para grossos é de 2:1. Cortes transversais na zona H mostram apenas filamentos
grossos e na banda I aparecem apenas os finos, em disposição hexagonal (Figura 2).

2.2. Sarcoplasma

É o meio onde as miofibrilas estão suspensas no interior da célula muscular. O


líquido do sarcoplasma contém baixa concentração de cálcio, grandes quantidades de
potássio, magnésio, fosfato, enzimas, e um grande número de mitocôndrias que se
localizam entre e paralelamente às miofibrilas.

2.3. Sistema de membranas

Antes ainda do advento da microscopia eletrônica, observou-se que a célula


muscular possui dois sistemas de membrana, um deles disposto perpendicularmente
aos miofilamentos (túbulos transversos) e o outro disposto paralelamente aos mesmos
(sistema longitudinal), ambos ocupando cerca de 15% do volume celular total.

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Figura 2. Representação esquemática de cortes transversais em diferentes níveis da
miofibrila (A); Músculo estriado esquelético visto à microscopia ótica (B); Linha Z,
constituída por moléculas de α -actina (C).

2.3.1. Túbulos transversos (túbulos T)

São invaginações do sarcolema na altura das linhas Z (Figuras 3 e 4). Estes


canalículos distribuem-se para o interior da célula de modo a passar
perpendicularmente às miofibrilas e são extensões do espaço extracelular para dentro
das fibras musculares, mantendo os sarcômeros situados em diferentes níveis em
contato direto com o líquido extracelular. O sistema é exclusivo do músculo esquelético
e cardíaco e mantém os sarcômeros de cada miofibrila alinhados ao sarcômero de
outra miofibrila.

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Figura 3. Representação esquemática do túbulo transverso (TT) e do retículo
sarcoplasmático longitudinal, com as cisternas laterais a cada lado do túbulo T
formando a tríade.
• Representa moléculas de ferritina16m, demonstrando que o TT está em contato com
o meio extracelular.

2.3.2. Retículo sarcoplasmático

É constituído de canalículos orientados longitudinalmente, que ocupam toda a


extensão do sarcômero. Em suas extremidades estes canalículos formam estruturas
bulbosas denominadas cisternas, que estão em íntima conexão com os túbulos
transversos, formando as tríades. O retículo sarcoplasmático está envolvido na
captação e liberação de íons cálcio.

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Figura 4. Estrutura tridimensional dos túbulos transversos e do retículo
sarcoplasmático.

2.3.3. Tríade

Como citado anteriormente, a cada lado do túbulo T observam-se estruturas


bulbosas denominadas sacos laterais ou cisternas, que são contínuas ao retículo
sarcoplasmático. Cada cisterna entra em contato com cerca de 30% do túbulo T,
através de projeções dispostas regularmente no espaço que separa estas duas
estruturas. Tais projeções são denominadas pés-juncionais e são importantes na
transmissão de sinais do túbulo T para o retículo sarcoplasmático (Figuras 3 e 4).
Denomina-se tríade ao conjunto formado por duas cisternas do retículo sarcoplasmático
e um túbulo T.

3. Características Moleculares dos Miofilamentos

A principal proteína constituinte do filamento grosso é a miosina, enquanto o


filamento fino é constituído de três proteínas: actina, tropomiosina e troponina.

3.1. Miosina

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A microscopia eletrônica da miosina isolada em solução de alta força iônica (KCl
0,6 M) mostra uma molécula alongada com cerca de 0,15 a 0,16µm de comprimento,
constituída de uma porção filamentosa, denominada cauda e outra globular, a cabeça.
Seu peso molecular é da ordem de 470.000 e ela é constituída de duas cadeias
polipeptídicas principais e quatro "cadeias leves", que se encontram ligadas não
covalentemente às partes globulares da molécula (Figura 5).
Cada cadeia polipeptídica possui peso molecular de 200.000, e na região da
cauda as duas cadeias se enrolam entre si numa estrutura chamada dupla hélice. Em
uma das extremidades as cadeias se separam e se enrolam sobre si mesmas,
constituindo as regiões globulares (ou cabeças).
O papel das cadeias leves da cabeça da miosina ainda não está bem
estabelecido, mas há sugestões de que elas possam desempenhar um papel
estabilizador da conformação tridimensional das regiões globulares e também um papel
regulatório durante a contração.
A molécula de miosina apresenta pontos particulares de suscetibilidade ao
tratamento com enzimas proteolíticas. Assim, pela ação da tripsina, a molécula é
rompida em dois fragmentos, denominados meromiosina leve (MML) e pesada (MMP)
(Figura 5). Com tratamento mais prolongado pela tripsina, a MMP é quebrada nos
subfragmentos S-1 e S-2 . O fragmento S-1 corresponde às partes globulares isoladas,
enquanto que o subfragmento S-2 corresponde à parte filamentosa. O tratamento por
papaína separa o subfragmento S-1 do restante da molécula de miosina. Acredita-se
que os pontos de maior flexibilidade da molécula de miosina localizem-se na junção
entre a MML e a MMP e entre o S-1 e S-2 (Figura 5).
A molécula de miosina apresenta, portanto, duas regiões que são
morfologicamente e funcionalmente distintas. A cauda desempenha um papel estrutural,
formando o arcabouço do filamento grosso. A cabeça, por sua vez, é capaz de se ligar
aos filamentos finos e é a sede do processo de transdução de energia química em
mecânica, base do processo contrátil. Portanto, encontramos em cada cabeça um sítio
de interação com a actina e outro sítio de ligação e hidrólise do ATP, esta última uma
reação fornecedora de energia (exergônica) essencial para a movimentação das
pontes.
Diminuindo-se a força iônica do meio a valores fisiológicos, as moléculas de
miosina se agregam, formando filamentos de aspecto muito semelhante a dos
filamentos grossos observados em cortes ou em homogenizados de músculos. Tais
filamentos apresentam projeções típicas, espaçadas em toda a sua extensão, exceto na
parte central (denominada zona careca). Nos sarcômeros, as zonas carecas estão
localizadas na altura da zona H.
Acompanhando-se o processo de polimerização das moléculas de miosina à
microscopia eletrônica, observa-se que as moléculas de miosina se agregam

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inicialmente cauda a cauda, seguida de uma agregação lado a lado. Desta maneira,
300 a 400 moléculas de miosina formam um filamento bipolar, não apresentando
cabeças na região central do filamento (isto explica o fato de o filamento de miosina ser
capaz de puxar o filamento fino em direção ao centro do sarcômero no processo de
contração muscular).

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Figura 5. Representação esquemática da molécula de miosina com os fragmentos
obtidos após a ação de enzimas proteolíticas (A); Pontos de maior flexibilidade da
molécula de miosina (B); Agregação das moléculas de miosina na formação do
filamento grosso (C).

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Observando-se a superfície do filamento grosso, nota-se que a cada plano do
mesmo encontram-se 3 pares de cabeça de miosina, dispostos simetricamente
formando tripletes com um ângulo de 120° entre eles.
Tomando-se um dado triplete como referência (triplete 1, Figura 6), o triplete
seguinte (triplete 2, Figura 6) está deslocado por um ângulo de 40° e uma distância de
14,3 nm em relação ao primeiro e assim sucessivamente. A distância entre dois pares
de cabeças projetados para o mesmo lado é de 43 nm (3 x 14,3 nm) havendo, portanto,
9 projeções neste intervalo. Como cada filamento de miosina é envolvido por 6
filamentos de actina, cada triplete está interagindo com apenas 3 dos 6 filamentos finos
circundantes (Figuras 7 e 8).

Figura 6. Representação esquemática das moléculas de miosina agregadas ao


filamento grosso, formando os tripletes.

Além da miosina, o filamento grosso possui duas outras proteínas. A Proteína C


é uma molécula alongada, e está enrolada ao redor das caudas de miosina de modo a
manter o feixe de moléculas de miosina intacto. A Proteína M está localizada na linha M
no centro da zona H, postulando-se uma função similar à da proteína C.

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Figura 7. Disposição das pontes entre os miofilamentos. O filamento grosso central
emite pontes para os filamentos finos circundantes.

Figura 8. Representação esquemática dos filamentos finos e grossos: as cabeças são


projetadas para ambos os lados, em direção às linhas Z, enquanto que as caudas estão
voltadas para a zona H.

3.2. Actina

É a principal proteína constituinte do filamento fino, sendo solúvel em água ou


em solução de força iônica baixa. Nestas condições ela é chamada G-actina (G de

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globular) sendo uma molécula quase esférica, com um diâmetro de 5,5 nm.
Aumentando-se a força iônica de soluções de G-actina no sentido da força iônica
fisiológica, a actina se polimeriza, formando a F-actina (F de filamentosa). Para que a
polimerização ocorra é necessária a presença de íons cálcio e ATP no meio.
A F-actina assim obtida apresenta à microscopia eletrônica um aspecto
semelhante aos filamentos finos obtidos diretamente de homogeneizados de músculos.
Verificamos assim que, na força iônica vigente no interior da célula (aproximadamente
0,15M), tanto a actina como a miosina encontram-se na forma agregada e insolúvel.
No filamento fino, que possui 1 µm de comprimento, as moléculas de actina
estão arranjadas em 2 filamentos de F-actina, enrolados entre si como dois colares de
contas, formando uma dupla hélice. Cada molécula de actina ocupa 5,5 nm da cadeia
(cordão), de modo que para a distância que separa duas cabeças de miosina
consecutivas (14,3 nm), encontramos 2,6 moléculas de actina (Figura 9).
Caso fragmentos S-1 da molécula de miosina sejam adicionados a uma solução
contendo filamentos de actina puros, eles espontaneamente se ligarão de modo estável
na razão de um fragmento S-1 para uma molécula de actina. A dissociação deste
complexo requer ATP, que se liga ao fragmento S-1 na razão de 1:1.

3.3. Tropomiosina

É uma proteína filamentosa, com peso molecular de 70.000 e é constituída por


duas cadeias polipeptídicas diferentes, enroladas entre si, formando uma dupla hélice
de aproximadamente 40 nm de comprimento. As moléculas de tropomiosina são
capazes de se unirem pelas extremidades, formando um filamento.
Cada filamento fino, por sua vez, possui dois filamentos de tropomiosina que se
enrolam ao redor da espiral dupla formadas pelos monômeros de actina ocupando os
sulcos entre estes últimos. Cada molécula de tropomiosina se estende por sete
monômeros de actina.

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Figura 9. Representação esquemática da estrutura do filamento fino.

3.4. Troponina

É uma proteína com peso molecular de 76.000, formada por três subunidades
globulares, unidas entre si por ligações não covalentes.
a) Troponina T (TnT): é a maior das subunidades, com peso molecular de 37.000,
capaz de se ligar à tropomiosina e à TnC. Sua função é a de unir o restante da
molécula de troponina ao filamento fino ou, mais especificamente, à tropomiosina.
b) Troponina I (TnI) (troponina inibidora): tem peso molecular de 20.800 e é capaz de se
ligar à TnC e à F-actina. Sua principal função é a de fortalecer a ligação tropomiosina-
actina, fixando a tropomiosina numa posição adequada, de modo a impedir a interação
miosina-actina na ausência de cálcio (Figura 9).
c)Troponina C (TnC): é a menor subunidade (peso molecular de 18.000) e apresenta
em sua estrutura sítios de alta afinidade pelos íons cálcio, sendo a combinação destes
íons com a troponina C o gatilho que inicia a contração muscular
No filamento fino, as moléculas de troponina estão encaixadas na tropomiosina
através da TnT. Cada complexo aparece periodicamente a cada 38,5 nm de modo que
grande parte dos monômeros de actina não estão em contato com a troponina.

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4. Interações da miosina com a actina e o ATP

Estudos bioquímicos com as proteínas isoladas em solução permitiram o


desenvolvimento de um modelo cinético de interação da miosina com a actina e o ATP
(modelo de Stein e cols., 1979). Posteriormente iremos correlacionar as reações
bioquímicas com a sequência de eventos que ocorrem na cabeça da miosina em
condições fisiológicas.
A sequência de reações envolvidas na hidrólise do ATP pela miosina ou pela
actomiosina em solução é dada pelo seguinte esquema:

A actina não possui atividade ATPásica, ela sozinha não hidrolisa o ATP. A
miosina (M) por sua vez é capaz de hidrolisar o ATP mas, na ausência de actina (A), a
liberação dos produtos da hidrólise ocorre muito lentamente como se pode notar pela
flecha pontilhada na primeira linha do esquema. A actina aumenta a atividade
enzimática da miosina acelerando a liberação do Pi (A.M.ADP.PiII → A.M.ADP). Em um
ciclo de hidrólise do ATP a miosina passa por dois estados que correspondem a uma
conformação de baixa afinidade e outra de alta afinidade de ligação com a actina. Os
eventos que marcam a transição entre um e outro estado são a ligação do ATP (que
acarreta a mudança do estado de alta afinidade para o de baixa afinidade) e a liberação
do Pi (que provoca a transição do estado de baixa afinidade para o de alta afinidade)
O estado de baixa afinidade é caracterizado por: a) baixa afinidade das cabeças
da miosina pela actina, b) equilíbrio rápido de associação e dissociação entre a actina e
a miosina.
O estado de alta afinidade é caracterizado por a) uma afinidade muito maior das
cabeças de miosina pela actina, b) uma velocidade de dissociação entre a actina e a
miosina muito menor do que no estado de baixa afinidade.

26
5. Mecanismo molecular da contração muscular

5.1. Tipos de contração

O processo de contração consiste no acoplamento de uma reação química


(hidrólise do ATP) a um mecanismo capaz de gerar tensão e liberar calor, ou então
capaz de sofrer encurtamento, produzindo calor e trabalho. Podemos observar,
portanto, dois tipos de contração:

5.1.1. Contração isométrica

Ocorre contração isométrica do músculo quando não se observa o encurtamento


do mesmo ao ser estimulado. Este tipo de contração é obtido quando se coloca uma
carga (ou peso) acima daquela que o músculo é capaz de movimentar. Nestas
condições, o músculo gera tensão , mas seu comprimento permanece constante.
Durante uma contração isométrica, a maioria da energia proveniente da hidrólise do
ATP é transformada em calor e tensão e o músculo não realiza trabalho. As contrações
isométricas constam, em geral, do enrijecimento de um conjunto de músculos contra um
objeto imóvel (uma parede, uma barra, etc.). No organismo, por exemplo, os músculos
posturais desenvolvem tensão atuando contra a gravidade.

5.1.2. Contração isotônica

Ocorre contração isotônica do músculo, quando seu comprimento diminui ao ser


estimulado, permanecendo praticamente constante a tensão. O músculo realiza
trabalho ao deslocar uma carga ou peso (trabalho = carga x distância percorrida).
Durante a contração isotônica, grande parte da energia proveniente da hidrólise é
liberada na forma de calor.
Fisiologicamente, a resposta muscular envolve a combinação das contrações
isotônica e isométrica. Suponha que se deseje elevar um peso de 3 Kg acima da
cabeça. Inicialmente, será necessário o desenvolvimento de uma contração isotônica
pelos músculos do braço, levando-o à posição desejada. Posteriormente, para a
manutenção desta posição, será necessário o desenvolvimento de contração isométrica
dos músculos que irão manter fixa a articulação do cotovelo.

5.2. Mecanismo da contração por deslizamento (contração isotônica)

27
A Figura 10 ilustra o mecanismo básico da contração muscular, onde está
representado o sarcômero em repouso e em dois níveis de contração isotônica. No
estado contraído, observa-se a aproximação das linhas Z e a diminuição da banda I e
zona H (que até podem desaparecer, conforme o grau de contração). A dimensão da
banda A e o comprimento dos filamentos finos e grossos permanecem constantes.
O estímulo determina inicialmente a contração de um sarcômero. Este puxa os
demais na sua direção (já que a disposição dos sarcômeros no músculo é em série),
resultando no encurtamento do músculo como um todo.
Tais observações levaram Huxley a formular a teoria dos filamentos deslizantes,
onde o encurtamento do músculo decorre do deslizamento dos filamentos finos entre os
grossos. Os filamentos grossos funcionam como ponto de apoio para os finos.
A participação da cabeça da miosina neste processo foi demonstrada pelo
movimento das cabeças durante o processo contrátil e pela observação de que no
músculo em repouso elas se encontram orientadas em um ângulo de 90° em relação ao
filamento fino, enquanto que no músculo contraído elas se encontram em um ângulo de
45°.
Portanto, a base para a contração é a formação de pontes transversais entre os
filamentos grossos e finos, através da interação da cabeça da miosina com uma
determinada região do monômero de actina (sítio de interação). Cada filamento grosso
tem possibilidade de interagir com 6 filamentos finos circundantes e, por sua vez, cada
filamento fino, com 3 grossos (arranjo hexagonal).

Figura 10. Mecanismo básico da contração muscular pela teoria dos filamentos
deslizantes.

28
Existe uma certa correlação entre as etapas bioquímicas e as conformações
assumidas pela cabeça de miosina. Assim, foi proposto por Eisenberg e Greene (1980)
o seguinte Modelo para um ciclo completo de movimentação das pontes transversais:

Figura 11. Diagrama ilustrando o ciclo de eventos químicos e mecânicos que ocorrem a
nível da cabeça da miosina durante o processo contrátil.

Comecemos a análise do ciclo pelo canto superior esquerdo, com as cabeças da


miosina na conformação de 90° que corresponde à de baixa afinidade pela actina.
Existe um equilíbrio rápido entre a miosina ligada com a actina e a miosina livre (como
no estudo anterior cinético com as proteínas em solução). A hidrólise de ATP e o passo
limitante ocorrem nesta conformação de 90°. O próximo passo é a transição da
conformação de 90° para 45°, onde ocorre a liberação do Pi , e a miosina passa a ter
alta afinidade pela actina. Esta transição se dá em duas etapas diferindo do
comportamento das proteínas em solução. No caso da solução não existe restrição à
mudança de conformação da cabeça da miosina, e ela pode assumir uma conformação
estável de 45°. No caso do músculo, a estrutura restringe esta mudança gerando uma
força positiva, representada no esquema por uma flecha curva, que vai induzir o
deslocamento ou deslizamento do filamento de actina, com a realização de trabalho.
Em seguida há a liberação do ADP e a entrada do ATP quando, como visto nos ensaios
bioquímicos, a miosina tenderia a assumir a conformação de 90°, com baixa afinidade
pela actina. No músculo, porém, novamente vamos encontrar esta transição em duas
fases resultando no relaxamento do músculo. A primeira, com uma força negativa,
tenderia a reverter o deslocamento, uma vez que a miosina continua ligada à actina. No
entanto, isto não acontece porque a velocidade com que o complexo miosina.ATP se
desliga da actina é muito grande, possibilitando assim a conformação de 90° da cabeça
da miosina sem que haja qualquer deslocamento do filamento de actina.

29
Se o fornecimento de ATP ao músculo não for adequado, as pontes transversais
permanecem na conformação de 45° que corresponde ao estado típico de rigidez
observado após a morte (rigor mortis). Maiores detalhes do balanço energético
envolvido nestas transições serão vistos na aula de aplicações da bioenergética, onde
este modelo será analisado novamente do ponto de vista de diferenças de energia livre
entre os complexos.
Se a teoria dos filamentos deslizantes estiver correta, a previsão mais óbvia que
dela pode ser tirada é que a quantidade de força gerada pelo músculo tem que ser
proporcional ao nível de sobreposição entre os filamentos finos e grossos.
A Figura 12 mostra a relação entre o comprimento do sarcômero e a tensão
desenvolvida pela fibra muscular em contração. Nesta Figura também estão
representados os diferentes graus de superposição dos filamentos de actina e miosina
para diferentes comprimentos do sarcômero, pré-fixados e, portanto, em contração
isométrica.

30
Figura 12. Curva comprimento-tensão em fibra muscular isolada.

Como previsto pela teoria do deslizamento, a tensão desenvolvida pelo músculo


depende basicamente do número de pontes estabelecidas entre os filamentos grossos
e finos. No ponto E do gráfico (situação de estiramento) a tensão desenvolvida é nula
e , nesta situação, o filamento de actina foi afastado até o extremo do filamento de
miosina, não existindo pontes entre os filamentos grossos e finos. No ponto C, que
corresponde ao comprimento de repouso do sarcômero, observa-se que a tensão

31
desenvolvida pelo músculo é máxima, e o número de pontes formadas também é
máximo. Os pontos A, B e D são situações onde há queda de tensão explicada pela
diminuição do número de pontes estabelecidas.
Esta experiência mostra que a contração é máxima quando há uma máxima
sobreposição entre as pontes da miosina e os filamentos finos de actina, comprovando
a idéia de que quanto maior for o número de pontes formadas maior será a força de
contração.

6. Acoplamento excitação-contração

A excitação elétrica precede a contração mecânica. A fase de subida do


potencial de ação precede em 2 ms o início dos fenômenos mecânicos. Durante este
período ocorrem uma série de processos intermediários que dão por resultado a
transmissão de um sinal elétrico da superfície da membrana até os miofilamentos no
interior da fibra. Este conjunto de processos recebe o nome de acoplamento excitação-
contração.
Descreveremos o acoplamento excitação-contração a partir do impulso nervoso.
A despolarização que o caracteriza, atravessando a junção neuro-muscular, atinge a
membrana da fibra muscular e pelos túbulos transversos pode penetrar profundamente
na massa muscular. Daí distribui-se rapidamente de maneira uniforme para regiões
adjacentes às cisternas terminais do retículo sarcoplasmático longitudinal, provocando a
liberação do cálcio estocado na cisterna para o sarcoplasma (Figura 13). O cálcio
liberado é translocado para a troponina localizada no filamento fino, permitindo que a
miosina se ligue ao sítio da actina. O complexo actomiosina assim formado hidrolisa o
ATP, iniciando-se desta maneira a contração. Ao final da despolarização, o cálcio é
reacumulado pelo retículo sarcoplasmático longitudinal, utilizando a energia proveniente
do ATP. Então, a diminuição da concentração de cálcio ao nível da troponina desliga a
maquinaria contrátil e o músculo relaxa.
O mecanismo pelo qual o túbulo transverso comunica o seu sinal para as
cisternas do retículo sarcoplasmático ainda não está completamente claro. A hipótese
mais aceita atualmente está esquematizada na Figura 13: Na membrana dos túbulos T
existem muitas unidades de uma proteína intrínseca denominada receptor de
dihidropiridina (DHP), moléculas que agem como sensores de voltagem. Na
membranas das cisternas laterais, por sua vez, existem proteínas chamadas receptores
de rianodina (pés-juncionais), que constituem canais pelos quais os íons cálcio são
liberados e estão em íntima conexão com os receptores de DHP. Quando a
despolarização atinge a membrana dos túbulos T, os receptores de DHP sofrem uma
alteração conformacional que provoca a abertura dos canais de cálcio. Estes íons, que
no retículo sarcoplasmático se encontram ligados a uma proteína chamada

32
calsequestrina, difundem-se para o sarcoplasma até que, com a cessação do estímulo
despolarizante, os canais sejam novamente fechados.

Figura 13. Sequência de eventos no acoplamento excitação-contração

6.1. Túbulos T

Como eles estão em contato com o espaço extracelular e são contínuos com a
superfície da membrana, a sua função é propagar a despolarização da superfície da
membrana até o centro da fibra de modo que as miofibrilas mais internas possam
contrair-se mais rapidamente.

33
6.2. Papel do íon cálcio na contração muscular

Há inúmeras evidências experimentais de que as membranas do retículo


sarcoplasmático ligam cálcio com alta afinidade. Há um sistema de enzimas ligado à
membrana do retículo sarcoplasmático capaz de hidrolisar ATP. A energia proveniente
desta reação de hidrólise é utilizada para bombear ativamente cálcio do sarcoplasma
para o interior do retículo sarcoplasmático sendo que, na célula muscular em repouso, a
concentração de cálcio no sarcoplasma é baixa (10-7 M) graças à atuação desta bomba.
A onda despolarizante (estímulo), chegando ao nível das cisternas, provoca um
aumento na permeabilidade da membrana destas ao íon cálcio. Consequentemente, há
um aumento no fluxo deste íon para o sarcoplasma, elevando a sua concentração para
cerca de 10-5 M e iniciando o processo contrátil. A bomba de cálcio, embora continue
retirando cálcio do sarcoplasma, não consegue contrabalançar o grande fluxo passivo
deste íon. Cessada a estimulação, este excesso de cálcio no sarcoplasma se extingue
com o tempo (a bomba de cálcio continua funcionando normalmente) e a concentração
citoplasmática do íon volta a ser baixa (10-7 M).

6.3. Papel da troponina-tropomiosina na contração muscular

O papel do cálcio como fator regulador da contração foi confirmado quando foi
feito um estudo da hidrólise de ATP em preparações de músculos estriados de
vertebrados contendo apenas os filamentos grossos e finos, ATP , Mg2+ e
concentrações variáveis de cálcio. Havia necessidade de uma concentração crítica de
cálcio para que aquela hidrólise se desencadeasse. O processo está ligado à presença
de tropomiosina e troponina nos filamentos finos pois, uma vez que estas são
removidas, a hidrólise de ATP passa a ser cálcio independente, ocorrendo
indefinidamente enquanto houver substrato. Estes resultados indicam que a regulação
da contração a nível molecular é feita pela tropomiosina, complexo troponina e íons
cálcio.
No músculo em repouso, em que a concentração de cálcio ao nível dos
filamentos é baixa, o complexo troponina-tropomiosina atua como um inibidor da
interação entre a actina e a miosina. Quando a concentração de cálcio aumenta, este
se liga à troponina e o complexo passa a não mais inibir a interação actina-miosina e o
músculo pode contrair.
A regulação da contração está relacionada a modificações que ocorrem no
filamento fino pela interação de algumas de suas proteínas com íons cálcio, provocando
a exposição dos sítios de interação da actina com a cabeça da miosina. Identificou-se,

34
no complexo troponina, a subunidade TnC, tendo esta alta afinidade pelo cálcio e
desenvolvendo alterações conformacionais quando interage com aquele íon.
Durante a contração muscular, o filamento de tropomiosina é deslocado mais
para dentro do sulco formado pela dupla hélice de monômeros de actina, expondo os
sítios de interação da actina com o complexo miosina-ATP. Esta situação pode ser
visualizada na Figura 14. Na ausência de cálcio, a subunidade TnT da troponina está
ligada à tropomiosina e a TnI à actina (estado desligado da actina com a miosina).
Quando o cálcio sai da cisterna para o sarcoplasma, ele se liga à subunidade
TnC e, em consequência, ocorre uma modificação em sua estrutura que a faz interagir
fortemente com a TnT e com a TnI (estado ligado da actina). Com isso, o filamento de
tropomiosina rola mais para dentro do sulco entre os monômeros de actina liberando o
sítio de interação dos mesmos com a miosina.

Figura 14. Corte transversal do filamento fino na célula em repouso e durante a


contração muscular.

35
Figura 15. Esquema dos eventos do processo de contração muscular, indicando o
estados de baixa e alta afinidade da cabeça de miosina pela actina e o papel dos íons
cálcio.

36
7. Fontes de energia para a contração muscular

A contração depende da energia fornecida pelo ATP. Grande parte desta energia
é utilizada para ativar o mecanismo de contração, mas pequenas quantidades de ATP
são também necessárias para o bombeamento de cálcio do sarcoplasma para o retículo
sarcoplasmático.
O ATP é decomposto em ADP + Pi e é, em segundos, refosforilado a ATP
novamente. Há várias maneiras de produzir esta refosforilação. A primeira via de
regeneração do ATP é direta e corresponde a uma reação de transfosforilação
catalisada pela mioquinase, enzima específica das células musculares.

mioquinase
2 ADP →AMP + ATP

A segunda fonte de energia é a fosfocreatina (PCr) que é encontrada no músculo


em quantidades pequenas, apesar de ter uma concentração 5 vezes maior que a de
ATP.

creatina quinase
ADP + PCr →ATP + Creatina

Por outro lado, os processos metabólicos da célula, tanto aeróbico (ciclo de


Krebs) como anaeróbico (via glicolítica)), têm papel fundamental na ressíntese de ATP.
A via oxidativa (aeróbica) produz muito mais ATP que a via anaeróbica (36 ATP contra
2 ATP). No entanto, a utilização de uma ou outra via metabólica dependerá do
fornecimento adequado de oxigênio pela circulação em função da intensidade do
exercício.
Em exercícios leves, a chegada de O2 ao músculo pela circulação está
perfeitamente ajustada à demanda do músculo em atividade. Neste caso, a via
metabólica utilizada é a oxidativa, de modo que o músculo pode manter-se ativo por
período prolongado. Todavia, em exercícios intensos a velocidade de chegada de O2
ao músculo não é suficiente e a via preferencial passa a ser a via glicolítica. Como a
produção de ATP por esta via é bem menor, o músculo entra rapidamente em fadiga.

37
Figura 16. Diferentes vias de regeneração do ATP utilizado na contração muscular.

38
8. Bibliografia

1. Biofísica. Ed. Guanabara - Koogan, capítulo 13,


Contração Muscular
F. Lacaz-Vieira e G. Malnic

2. Scientific American, 230 (2): 59, 1974


J.M. Murray e A. Weber

3. Physiology: A regulatory system approach. 2a. Edição - Capítulo 23


Macmillan Publishing Co., Inc., 1983
Fleur l. Strand

4. Human Biochemistry- Macmillan Publishing Co., Inc., 1982 - Capítulo 32


Muscle
Wilhelm R. Frisell

5. Science 227: 997-1006, 1985


Muscle contraction and free energy transduction in biological system.
Eisenberg, E. and Hill, T.L.

6. Ann. Rev. Physiol. 49: 655-672, 1987.


Mechanical and structural approaches to correlation of cross-bridge action in muscle
with actomyosin ATPase in solution.
Brenner, B.

39
QUESTIONÁRIO DE CONTRAÇÃO MUSCULAR

1. Discuta a estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado. Qual a


disposição dos filamentos grossos e finos na miofibrila (Figuras 1 e 2)?

2. Identifique, nas Figuras 3 e 4, as estruturas fundamentais de uma fibra muscular.

3. Descreva a molécula de miosina e sua disposição no filamento grosso. Que


propriedades ela apresenta na região globular (Figuras 5, 6, 7 e 8)?

4. Discuta as moléculas de actina, tropomiosina e troponina e suas disposições no


filamento fino (Figura 9).

5. Discuta o modelo cinético de interação da actina com a miosina em solução.

6. Discuta o mecanismo molecular de contração feita por deslizamento - contração


isotônica (Figuras 10, 11 e 12).

7. Como ocorre o acoplamento excitação-contração? Comente os seguintes tópicos:


a) caminho do estímulo
b) localização e função da bomba de cálcio
c) papel do cálcio na contração muscular

8. Qual a função da troponina e tropomiosina no processo de contração muscular?


(Figuras 14 e 15).

9. Em que etapas do processo de contração há consumo de ATP? Como o organismo


repõe o ATP consumido?

40
BIOENERGÉTICA

1. Entender o modus operandi da bioenergética.


2. Utilizar com propriedade o vocabulário da termodinâmica: energia, calor, trabalho,
sistema e arredores.
3. Reconhecer os tipos de sistemas.
4. Caracterizar o estado do sistema: função de estado.
5. Reconhecer as propriedades extensivas e intensivas de um sistema.
6. Reconhecer através do sinal do calor se um processo é exotérmico ou endotérmico.
7. Reconhecer através do sinal do calor e do trabalho o sentido das trocas entre o
sistema e os arredores.
8. Utilizar a expressão matemática da primeira lei da termodinâmica.
9. Entender a lei zero da termodinâmica.
10. Entender como a temperatura interfere na velocidade dos processos. Conceitos de
termômetro clínico e febre.
11. Definir processo reversível e irreversível.
12. Prever o sentido espontâneo de um processo (entropia e energia livre).
13. Calcular o trabalho máximo (ou mínimo) de uma transformação qualquer.
14. Identificar processos exergônico e endergônico.
15. Conceito de potencial (químico, elétrico, eletroquímico)
16. Calcular a constante de equilíbrio de uma reação química (∆G°).
17 Prever o sentido espontâneo do fluxo de um soluto através de uma membrana
(∆µ) Calcular a energia gasta neste transporte.
18. Calcular o potencial elétrico de equilíbrio (potencial de reversão) de um íon através
da equação de Nernst.
19. Diferenciar grandezas vetoriais (ex.; gradiente de...) de grandezas escalares (ex.:
diferença de ...).
20. Entender o papel central do sistema ATP - ADP nos processos biológicos através
do conceito de acoplamento de transformações.

Conexões com outras disciplinas: qualquer disciplina em que haja o envolvimento dos
conceitos de transformações de energia e de interação de moléculas no organismo
vivo.

41
BIOENERGÉTICA

I. INTRODUÇÃO

No assunto anterior você verificou que a descrição qualitativa de um fenômeno


não é o suficiente para um entendimento mais completo do que está ocorrendo quando
você contrai, por exemplo, um dos seus músculos. Com relação a este exemplo, você
se encontra agora numa situação semelhante à de um índio que viu o motor de um
carro funcionando. Assim como ele não sabe como a queima da gasolina faz o carro
andar, você também se interroga como um estímulo faz o músculo contrair.
Vimos que o sarcômero é uma estrutura altamente organizada e complexa, que
é capaz de extrair e transformar energia do ambiente para construir e manter sua
intrincada estrutura e realizar trabalho mecânico de contração. A matéria inanimada não
tem esta capacidade de utilizar energia externa para pelo menos manter sua própria
organização estrutural. Ora, tal característica do sarcômero, que é a de qualquer
sistema vivo em geral, é que levou alguns cientistas do passado a criarem o conceito
de "força vital". No entanto, houve aqueles que não acreditaram na existência de tal
"força" e procuraram (e procuramos até hoje) as leis Físico-Químicas que regem o
fenômeno da vida. Se extrairmos do sarcômero suas moléculas constituintes,
verificaremos que se conformam a todas as leis físicas e químicas que descrevem o
comportamento da matéria inanimada. Se analisarmos e medirmos a sucessão de
processos que ocorrem desde a estimulação até a resposta do sarcômero, iremos
verificar que todos estes processos são de natureza físico-química, isto é, nenhuma lei
ou força ainda não descrita está envolvida. Que princípios fundamentais são estes que
governam a natureza, dos quais não escapa nem a Biologia? Como se demonstra que
a vida nada mais é que o resultado de uma sucessão ordenada de processos físico-
químicos?
Inicialmente, vamos estudar as leis físicas que governam qualquer atividade
biológica no que concerne às suas trocas energéticas. Isto nos leva à Bioenergética. O
objetivo da Bioenergética é estudar as trocas de energia nos processos biológicos e
está baseada na Energética que estuda as trocas de energia em processos simples,
geralmente abstratos, ideais, que não ocorrem na natureza. Mas as leis obtidas a partir
destes estudos são tão gerais que podem ser passadas para os processos reais e
complexos, de tal maneira que os princípios da Energética valem em sua totalidade na
Biologia. Logo, Bioenergética e Energética usam a mesma "linguagem" para descrever
as trocas de energia em seus processos.

42
II. HISTÓRICO

A Energética surgiu no século passado, com o nome de Termodinâmica. Isto


porque quando, na Física, começou a preocupação com as trocas de energia
envolvidas num processo, o sistema escolhido foi a máquina térmica e, Termodinâmica
seria o estudo das relações entre a ação mecânica (dynamos) e calor (thermos). As
razões da escolha são óbvias: procurava-se obter uma máquina térmica de eficiência
máxima para render mais lucro ao seu proprietário. Mas, do estudo deste sistema,
obtiveram-se leis que governam todas as trocas de calor e trabalho (trocas
energéticas), envolvidas em qualquer processo (reação química ou bioquímica,
potencial elétrico de membrana, etc.) que levam à transformação de um determinado
sistema (mudança de estado). Assim sendo, o termo Energética é mais apropriado que
Termodinâmica para se descrever este campo do conhecimento (e evita que o aluno
suponha que seu estudo seja irrelevante para a sua formação básica).
A energética é uma estupenda realização da mente científica comparável às
estruturas autoconscientes da geometria euclidiana e da mecânica. Está fundamentada
num pequeno número de princípios básicos e postulados operacionais, a partir dos
quais um vasto número de correlações podem ser deduzidas e que descrevem
adequadamente todos os fenômenos observáveis na natureza.

III. DEFINIÇÕES

Vamos ver, agora, uma série de conceitos abstratos que vão permitir verificar
como moléculas, que são intrinsecamente inanimadas, dão vida aos organismos.

1. Sistema, fronteira e arredores

Um sistema termodinâmico é aquela parte do universo físico cujas propriedades


estão sob investigação. O sistema está localizado em um espaço definido pela fronteira
que o separa do resto do universo ou arredores.

2. Energia, calor e trabalho

Energia: é a capacidade de um sistema realizar trabalho e/ou trocar calor.

Calor: é a forma pela qual a energia é trocada entre o sistema e os


arredores como consequência da diferença de temperatura.

43
Trabalho: é qualquer forma de energia trocada entre o sistema e os
arredores, independentemente da diferença de temperatura. Ex.: mecânico;
gravitacional (mgh), de expansão ou compressão (P∆V); elétrico (Q∆Ψ), etc.

Logo, trabalho e calor não são tipos de energia, mas são entidades que só têm
significado em termos de transferência de energia entre sistemas ou sistema-arredores
(energia em trânsito). Falamos em energia de um sistema, mas não calor ou trabalho
de um sistema.

3. Tipos de sistemas

O sistema pode ser:

a) aberto: troca matéria e energia com os arredores (Ex.: homem);

b) fechado: só troca energia com os arredores (Ex.: botijão de gás lacrado;

Existe também, o chamado sistema adiabático, que é um tipo de sistema


fechado, pois apenas pode trocar trabalho (não troca calor e nem matéria com os
arredores). Ex.: garrafa térmica com tampa sob pressão.

c) isolado: não troca nem matéria nem energia com as vizinhanças


(Ex.: Universo).

4. Estado de um sistema

O sistema tem um conjunto de atributos chamados propriedades do sistema que,


uma vez medidas, permitem descrevê-lo de maneira completa. Esta descrição completa
define o estado do sistema. Estas propriedades são chamadas função de estado e o
seu valor depende, por definição, somente do estado em que o sistema se encontra.

Exemplos conhecidos de função de estado são:

Pressão - Temperatura - Volume - Concentração

44
Em energética existem, além destas, outras funções de estado que iremos definir
futuramente:

a) Energia interna (E)


b) Entalpia (H)
c) Entropia (S)
d) Energia Livre (G)

As variações das funções de estado durante qualquer processo só dependem do


estado inicial e final do sistema e não do caminho que o levou de um estado para outro.
Assim, se determinarmos a variação de uma função de estado em um processo
simples, ideal e abstrato, esta será igual para um processo biológico complexo que
passou do mesmo estado inicial para o mesmo estado final.
As variações das funções de estado, que são, do ponto de vista experimental,
ditas macroscópicas, sempre permitem obter informações adicionais a respeito dos
processos estudados, quando damos a elas interpretação atômico-molecular (nível
microscópico). Embora, no decurso deste assunto, alguma ênfase seja dada a certas
interpretações moleculares de princípios termodinâmicos, devemos esclarecer que a
Energética como um todo não depende de detalhes explícitos da teoria atômico-
molecular.

Propriedades intensivas e extensivas

As propriedades de um sistema qualquer podem ser divididas em duas


categorias: intensivas e extensivas. As propriedades intensivas são as que caracterizam
o sistema como um todo e não são aditivas (exemplos: temperatura, pressão). As
propriedades extensivas, por outro lado, são dependentes da extensão (tamanho) do
sistema e são aditivas (exemplo: volume, massa).
Entre os possíveis estados que um sistema assume, existem estados
importantes que devem ser definidos:

4.1. Estado de equilíbrio

Atinge-se o estado de equilíbrio quando o sistema não apresenta qualquer


tendência de mudar as suas propriedades com o tempo. Este estado é alcançado pelo
sistema quando deixado evoluir sem qualquer restrição externa. Uma propriedade dos
sistemas em equilíbrio é que os parâmetros internos estão completamente
determinados pelos parâmetros externos, isto é, no estado de equilíbrio os parâmetros

45
externos podem ser utilizados para se determinar as funções de estado do sistema em
estudo. Esta propriedade é importante, pois simplifica a descrição de tal sistema e esta
é uma das razões porque a Energética trata primariamente com estados em equilíbrio.

4.2. Estado padrão

É o estado do sistema escolhido como referência. Geralmente é à temperatura


de 25°C (ou 298 K) e 1 atm ou 0° (273 K) e 1 atm. Não se utiliza a temperatura de 0 K,
porque pelo Terceiro Princípio da Termodinâmica (o zero absoluto é inatingível na
prática), não se pode determinar as funções de estado de referência do sistema à
temperatura do zero absoluto (-273,16°C). Na prática, no entanto, este fato não
importa, visto que o nosso interesse está voltado geralmente para transformações
Físico-Químicas que podem ocorrer como ponto de referência.

5. Processos

5.1. Definição:
É um método operacional, através do qual uma mudança de estado é
efetuada no sistema.

5.2. Tipos de Processos:


Entre os possíveis processos que um sistema pode sofrer, os mais
importantes a serem definidos são:

5.2.1. Processo Isotérmico


Aquele que ocorre a temperatura constante;

5.2.2. Processo Isobárico


Aquele que ocorre a pressão constante;

5.2.3. Processo Isocórico


Aquele que ocorre a volume constante;

5.2.4. Processo reversível ou processo quase estático


Durante tal processo, o sistema será sempre muito próximo do equilíbrio de
tal modo que o sentido da alteração pode ser sempre revertido por uma alteração
infinitamente pequena dos arredores, portanto, é um processo de duração infinita, ideal.

46
Assim, o processo reversível pode ser descrito como uma sucessão de estados, cada
um dos quais está num estado de equilíbrio. Por isto, uma alteração finita reversível
leva um tempo infinito para produzir-se, visto que, em qualquer intervalo finito de tempo
só pode ocorrer uma alteração infinitamente pequena. Um processo reversível em
termodinâmica é análogo ao movimento sem atrito na mecânica. A vantagem deste
conceito é que introduz a idéia de continuidade da análise do processo e permite assim
o uso do Cálculo. Além disso, vimos que se o sistema se encontra em equilíbrio com os
arredores durante o processo reversível, então os seus parâmetros internos são iguais
aos parâmetros externos, possibilitando a utilização dos mesmos para a descrição
completa do estado deste sistema. Os parâmetros dos arredores são de fácil acesso,
evitando-se assim, a necessidade de se introduzir no interior do sistema instrumentos
de detecção que poderiam alterar o estado do mesmo.

5.2.5. Processo cíclico


É aquele no qual o sistema sofre transformações tais que o levam a um
estado final idêntico ao inicial. Nesta condição, a variação de qualquer função de estado
do sistema é igual a zero.

5.2.6. Processo irreversível, natural


É aquele observado na natureza. Ocorre num único sentido, que é o de
atingir o estado de equilíbrio. Alcançando este estado, o processo para. Assim, num
processo espontâneo, há dissipação do seu poder movente. Este aspecto dissipativo
atraiu a atenção dos termodinâmicos do século passado, porque eles suspeitavam que,
na degradação da energia movente, estaria o critério de unidirecionalidade do processo
espontâneo, isto é, o fator que faz com que um processo ocorra na natureza num
sentido determinado.
Embora na natureza os processos sejam sempre irreversíveis, será que
podemos utilizar as informações obtidas a partir do estudo dos processos ideais
reversíveis para descrever as transformações (de estados) naturais? Sim, pois os
parâmetros utilizados para descrever os estados de qualquer sistema são funções de
estado cujas variações durante uma transformação qualquer só dependem dos estados
inicial e final, não dependendo, em absoluto, do tipo ou natureza do processo que levou
o sistema de uma situação dita inicial para uma situação final. Assim, usamos todas as
vantagens da simplicidade de um processo ideal para se obter leis gerais e, portanto,
aplicáveis a qualquer processo, inclusive aos processos complexos como os biológicos.
Vamos agora passar a ver com maiores detalhes estas leis e as correlações
mais importantes, deduzíveis a partir destas e que permitem descrever adequadamente
os fenômenos biológicos fundamentais na medicina.

47
IV. LEI ZERO DA TERMODINÂMICA

Nossa idéia primitiva de temperatura está ligada a sensações fisiológicas de frio


e quente, permitindo-nos uma escala qualitativa de temperatura. Verificamos depois
que existem diversas propriedades mecânicas e elétricas que variam de forma regular
com a temperatura. Assim, construiu-se um instrumento que permite medir este
parâmetro, o termômetro. O estudo, então, de sistemas mantidos em contato físico por
período de tempo suficientemente longo, leva-nos ao princípio zero: "se o sistema 1
está em equilíbrio térmico com o sistema 2 e o sistema 2 está em equilíbrio térmico com
o sistema 3, ao se colocar o sistema 1 em contato com o sistema 3 verificamos que 1
também está em equilíbrio térmico com 3". Esta lei implica na possibilidade de se
construir uma escala universal de temperatura, que é o caso da escala Kelvin. Em um
sistema em equilíbrio térmico, assume-se que a energia encontra-se distribuída
uniforme por todo o sistema. Um aumento na energia (∆E) do sistema como um todo é
assumido como aumento do nível de energia de todas as partes do sistema e
consequentemente a temperatura (T) do sistema aumenta monotonicamente com o
conteúdo de energia do sistema, isto é ∆E/ ∆T> 0, o que define a direção da escala de
temperatura absoluta.
Do ponto de vista molecular demonstra-se que a temperatura absoluta (T) do
sistema é diretamente proporcional à energia cinética média (EC) das moléculas que o
constituem, isto é:

2 1
T =   EC
3 k

onde k é a constante de Boltzmann (1,38062 x 10-23 J/K).


Toda matéria é constituída de átomos e moléculas que se encontram em
constante movimento e em constante colisão entre si. Como resultado disto, existe uma
certa quantidade de energia cinética distribuída pelas partículas e a noção
macroscópica de temperatura está relacionada simples e diretamente a esta quantidade
de energia. A existência de um zero absoluto de temperatura torna-se, assim, fácil de
compreender, visto que corresponderia ao estado em que todas as moléculas (e
átomos) tivessem energia cinética zero e é lógico que nenhuma temperatura mais baixa
seria possível.
A idéia de um intervalo bastante restrito de temperatura para os fenômenos
biológicos pode ser também analisada conforme esta perspectiva. À baixa temperatura,
as moléculas possuem pouca energia e os processos se tornam mais lentos. À alta
temperatura, as estruturas biológicas estão sujeitas a muitas colisões com moléculas

48
vizinhas de alta energia, o que provocará um aumento na velocidade dos processos e
reações em geral. Nunca devemos, no entanto, esquecer o outro lado destes processos
efetuados a temperaturas mais elevadas, que é o problema da denaturação da maioria
das macromoléculas biológicas. Muitas sofrem alterações conformacionais
permanentes ou não (irreversíveis ou reversíveis), dependendo da temperatura do
meio, podendo perder por completo as suas propriedades biológicas.
Você irá estudar muitos exemplos destas macromoléculas (em Bioquímica,
Farmacologia, etc.) além das já vistas em contração muscular. Para analisar melhor
cada função molecular, não se deve perder de vista o movimento térmico destas
moléculas, que é um componente tão importante quanto a sua estrutura na descrição
de um processo biológico. Assim como você se lembra sempre da grande atividade que
um macrófago apresenta apesar de vê-lo fixado na lâmina de um microscópio, você
deve lembrar, ao analisar um modelo de qualquer macromolécula, que este é só uma
visão estática de uma estrutura que está vibrando, rodando, oscilando constantemente,
onde uma grande quantidade de energia cinética se encontra distribuída entre estes
tipos de movimentos moleculares, que são muito importantes para sua função.
Revendo alguns aspectos do "fenômeno biológico associado com a
temperatura", temos que:
a) o intervalo de temperatura em que a maioria dos organismos vivem é bastante
restrito;
b) os seres vivos podem ser, de um modo geral, divididos em homeotérmicos e
poiquilotérmicos.

Poiquilotérmicos são os seres cujas alterações de temperatura interna tendem


a seguir as variações de temperatura ambiental. É o caso das plantas, microorganismos
e animais ditos de sangue frio. Seriam portanto, os seres vivos que obedecem ao
princípio zero da termodinâmica.
Os animais homeotérmicos são aqueles que mantêm a temperatura do corpo
constante, sendo independentes da temperatura ambiental, apesar de estarem em
contato térmico com os arredores. São chamados de animais de sangue quente (ex.:
mamíferos e aves). Esta propriedade lhes dá uma relativa liberdade em relação à
temperatura externa, permitindo-lhes exercer suas funções durante todo o ano, nos
mais diversos ambientes. Esta constância da temperatura corporal é essencial para
seus processos fisiológicos e bioquímicos cujas velocidades de reação dependem
estritamente deste parâmetro. Ora, esta independência da temperatura externa seria
uma evidência de que a Lei Zero da Energética não se aplica aos seres
homeotérmicos? Não, pois veremos que tais seres possuem mecanismos específicos
que, com dispêndio de energia, mantêm constante sua temperatura interna.

49
V. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE TERMODINÂMICA

1. Conceituação

Um sistema num dado estado possui uma quantidade de energia bem definida
que é denominada energia interna (E). Ao sofrer um processo qualquer que o leve para
um outro estado, este sistema pode trocar calor (q) e trabalho (w) com os arredores,
tendo portanto, a sua quantidade de energia alterada. Normalmente nos processos
biológicos, a energia interna é a energia química ligada à estrutura das moléculas
biológicas. Vamos, então, analisar as relações entre trabalho, calor e energia. Para tal
propósito vamos utilizar a reação:

piruvato + NADH + H+ → lactato + NAD+

que você verá em Bioquímica, ser a etapa final da via glicolítica na síntese de ATP (e
que foi mencionado na CONTRAÇÃO MUSCULAR, no item "Fontes de energia para a
contração muscular").
Se esta reação ocorrer numa célula eletroquímica (Figura. 1) de tal maneira que
seja obtido um trabalho elétrico à medida que a reação se processa, tem-se que:

1) nas condições ideais (processo reversível), o trabalho (w) obtido é de 47.819 J


e 42.636 J de calor (q) é liberado neste processo.

2) nas condições de irreversibilidade, o trabalho obtido é de 41.800 J, sendo


liberado 48.655 J de calor (Figura. 1).

E, se a mesma reação se der agora num frasco fechado em que nenhum


trabalho é obtido, o calor liberado é de 90.455 J (Figura. 2)

O fato de uma reação liberar 2e- numa placa de platina e na outra retirar também
2e-, cria uma diferença de potencial elétrico entre as duas placas de modo a gerar uma
corrente elétrica quando se fecha o circuito através da ponte. Acoplando-se um motor
elétrico a este sistema, este pode perfeitamente realizar um trabalho mecânico (por
exemplo, girar as pás de uma ventoinha).

50
2e- + 2H+ + piruvato → Lactato NADH + H+ →2H+ + NAD+ + 2e-

Figura. 1. Conversão do piruvato a lactato, numa célula eletroquímica de modo que o


trabalho elétrico possa ser executado pelo sistema. Nestas condições, as reações
serão realizadas junto às placas de platina (que não sofre oxirredução).

B: NADH + H+ → 2H+ + NAD+ + 2e-

e, no lado do piruvato-lactato:

A: 2e- + 2H+ + piruvato → lactato

Piruvato + NADH + H+ → lactato + NAD+

Figura. 2. Conversão de piruvato em lactato em solução aquosa de modo que nenhum


trabalho é executado pelo sistema.

Analisando estes dados, constatamos:

51
a) que o calor e o trabalho envolvidos nas transformações dependem da natureza do
processo.
b) que a diferença q - w* é a mesma nos três processos.

*Nota: a convenção para os sinais de q e w, adotados por nós, é a seguinte:

a) calor absorvido pelo sistema é positivo (processo endotérmico).


perdido pelo sistema é negativo (processo exotérmico).
b) trabalho: realizado pelo sistema é positivo.
recebido dos arredores pelo sistema é negativo.

Se analisarmos outros sistemas, iremos verificar que sempre o trabalho e o calor


trocados pelo sistema com os arredores quando este sofre uma mudança de estado
dependem do processo escolhido e a diferença q - w é invariante, dependendo somente
do estado inicial e final. Esta diferença, q - w, corresponde à variação de energia
interna, ∆E, do sistema, isto é:

∆E = q - w (2)

Esta última afirmação não é tão óbvia quanto parece. Nela está implícito o
conceito de conservação de energia que é o primeiro princípio da Termodinâmica: "A
energia não pode ser criada ou destruída" ou "A energia do universo é constante", e a
equação (2) é a expressão matemática desta lei para uma mudança de estado. Logo, o
que se observa, em qualquer processo, é a mudança de energia de uma forma para
outra, mas nunca alteração do conteúdo total de energia. Assim, esta primeira lei da
Termodinâmica expressa o princípio de conservação de energia que é de ampla
natureza pois inclui várias formas de energia. Historicamente, este princípio reconhece
a impossibilidade de se criar energia do nada. Voltando à equação (2), observamos que
ela:
a) nos permite determinar a variação do conteúdo energético do sistema que
sofre um processo qualquer através de termos mensuráveis, que são calor e trabalho;
b) declara que a energia interna é uma função de estado pois (q - w) depende
somente dos estados inicial e final.
As reações bioquímicas nos sistemas biológicos, de um modo geral, apresentam
trocas de calor sem trabalho observável macroscopicamente, visto que estas trocas se
encontram envolvidas em energias de quebra e formação de ligações químicas. Isto faz
com que o aluno muitas vezes ache que a Biologia é completamente distinta, como
ciência, da Físico-química. Mas, se analisarmos o sarcômero, vemos que existe, neste

52
sistema complexo, uma hierarquia de estrutura, organizada de tal maneira que permite
uma sucessão bem precisa e definida de processos, levando-o à realização de um
trabalho mecânico (contração). A cada um destes processos pode-se aplicar o
raciocínio energético ou termodinâmico. Assim, todas as etapas envolvidas no
acoplamento excitação-contração, desde a manutenção do potencial de membrana e
propagação do estímulo (trabalho elétrico) até as mudanças de conformação de
proteínas tanto estruturais (poros do sarcolema, dos tubos T e das cisternas) como das
contráteis (miosina, troponina, etc.) (energia química) são definidas pelo Primeiro
Princípio da Termodinâmica (E = q - w). Já foi dito anteriormente que a fonte de energia
para o sarcômero é o ATP e este é realmente a principal forma de transporte de
energia química nos seres vivos (como ele é obtido você verá em Bioquímica).
Resumindo, o sarcômero é uma máquina que transforma energia química em calor e
trabalho mecânico, não sendo necessário buscarmos uma "energia vital" para explicar o
fenômeno, pois a lei da conservação da energia se aplica ao mesmo perfeitamente.
A questão da aplicabilidade do primeiro princípio aos sistemas biológicos é
antiga. Lavoisier e Laplace, em 1781, construíram um calorímetro de gelo, onde a
quantidade de calor liberada era medida pela quantidade de água proveniente do gelo
derretido. Eles confinavam uma cobaia neste calorímetro por várias horas e
determinavam a quantidade de calor liberada e a quantidade de oxigênio consumido ou
CO2 produzido pelo animal. Fazendo-se depois a combustão de carvão (posteriormente
de alimento) na quantidade suficiente para produzir a mesma quantidade de CO2 que a
produzida pelas cobaias, verificaram que as quantidades de calor desprendidas eram
semelhantes. Demonstraram assim, que o carbono, ao ser oxidado, no animal ou em
um sistema qualquer, libera a mesma quantidade de energia, de acordo com o primeiro
princípio. Logo, o ser vivo não constitui um sistema criador de energia.

2. Entalpia

Esta função de estado é de interesse, uma vez que os processos biológicos


ocorrem à pressão constante. Se o processo ocorrer a pressão constante (isobárico), a
quantidade de calor trocada (qp) é igual à variação de entalpia (∆H), isto é:

∆H = qp (3)

Ora, já vimos que ∆E = qp - w, logo

∆E + w = qp e daí,

∆H = ∆E + w

53
Sabemos que w = P∆V onde P é a pressão a que está sujeito o sistema e ∆V é a
variação de volume que ocorre durante o processo. Assim, obtemos a seguinte relação:

H = E + PV (4)

A equação (4) define matematicamente a entalpia, que também é uma função de


estado. Esta é muito importante em Química e Bioquímica pois, o calor de reação, de
solução, de combustão (que são calores trocados à pressão constante) correspondem
à variação de energia, no caso ∆H, que acompanham estes processos.
Nos processos isocóricos, w = 0 e, portanto, ∆E = qv, onde qv é o calor trocado
no processo a volume constante.
Os processos biológicos, de um modo geral, se dão à pressão constante, no
entanto como ocorrem em líquidos e sólidos (que são praticamente incompreensíveis)
temos ∆V = 0, e por isto podemos dizer que nos sistemas biológicos ∆E = ∆H.
Não é possível se ter para E e H um estado de referência, que corresponderia ao
estado à temperatura de zero absoluto (lembre-se do Terceiro Princípio. Isto quer dizer
que não é possível se determinar absolutos de E e H. Assim sendo, num processo
qualquer, só se determinam as variações de entalpia e energia interna (∆H e ∆E). Como
estes valores variam com a temperatura, tem-se que tomar uma situação de referência
que, como já vimos, é o estado padrão. Os valores correspondentes às variações
destas funções de estado no estado padrão são representados por ∆E° e ∆H°.

3. Interpretação Molecular da Energia Interna e Entalpia

Um sistema é sempre constituído por um grande número de moléculas e átomos,


de modo que as alterações de energia envolvidas em qualquer transformação de um
sistema podem ser analisadas em termos do comportamento de seus átomos e
moléculas constituintes. Nestas condições, a energia total do sistema (E) poderia ser
interpretada como sendo o resultado da soma da energia cinética (translação, rotação,
vibração) das moléculas, da energia de ligação química dos átomos constituintes das
moléculas, da energia de ligação dos prótons e nêutrons do núcleo, da energia de
interação entre as moléculas e de mc2.
Vamos ver o que ocorre quando introduzimos uma certa quantidade de energia
num sistema e como esta se distribui pelo mesmo. Para facilitar, admitamos que o
sistema se encontra inicialmente à temperatura de 0 K. Nesta situação sabemos que a
energia cinética é zero e a energia do sistema é E o. Ao se introduzir energia a este
sistema, o mesmo passa a ter uma temperatura T e energia E, tendo portanto, uma
variação ∆E = E-Eo. Para simplicidade de raciocínio, vamos usar um exemplo numérico:

54
- Nosso sistema é constituído por 6 partículas (N = 6).
- A energia introduzida ∆E é de 10 ξ , onde ξ é uma unidade arbitrária e
conveniente de energia.
- Admitamos que existam 6 microestados de energia que possam ser ocupados
com igual probabilidade por estas partículas (seriam níveis quantizados de energia
igualmente acessíveis a qualquer uma das partículas). Postulamos que a distribuição
de energia mais provável corresponde ao estado de equilíbrio e procuraremos
determinar neste nosso sistema qual é esta distribuição.
Na Figura 3 representamos 3 distribuições (configurações) das 6 partículas nos
diferentes microestados. Destas, qual seria a mais provável e, portanto, correspondente
ao estado de equilíbrio?

55
A


5ξ ➏ ∆E = (1 x 5ξ) + (5 x 1ξ) = 10ξ
4ξ número possível de combinações: 6


1ξ ➊ ➋ ➌ ➍ ➎

B

5ξ ∆E = (1 x 3ξ) + (2 x 2ξ) + (3 x 1ξ) = 10ξ
4ξ número possível de combinações: 60
3ξ ➏
2ξ ➍ ➎
1ξ ➊ ➋ ➌

C

5ξ ∆E = (4 x 2ξ) + (2 x 1ξ) = 10ξ
4ξ número possível de combinações: 15

2ξ ➌ ➍ ➎ ➏
1ξ ➊ ➋

Figura 3. Algumas distribuições (configurações) de partículas nos microestados de


energia, sujeitas às restrições de N = 6 e ∆E = 10 ξ. O numero de combinações
possíveis foi calculado da Equação 5 (lembre-se 0! = 1).

56
Se nós marcarmos as partículas, verificamos que há somente 6 maneiras de se
distribuí-las na configuração A, 60 na B e 15 na C. O número de maneiras (W) de se
dispor N partículas, sendo n1 em um microestado, n2 em outro e assim por diante é
dado por:

N!
W = -------------------- (5)
n1!.n2!...ni!

Portanto, B é a configuração que apresenta o maior número de maneiras de se


rearranjarem as partículas nos diferentes níveis. Logo, B corresponde à distribuição de
energia mais provável. Assim, se introduzirmos num sistema a 0 K, a energia 10 ξ, ele
atingirá o equilíbrio com a distribuição de energia correspondente ao estado B.

Resumindo:
O estado mais provável é o estado de equilíbrio e a distribuição de energia mais
provável num sistema corresponde àquela que permite o maior número de
combinações das partículas nos diferentes microestados (ou níveis). Pela equação (5)
calcula-se esse número W e procura-se obter o seu valor máximo para um dado ∆E e
N.
Quando o valor de N é grande, tem-se:

- (ξ i - ξo)/kT
ni/no = e (6)

que é chamada de equação de distribuição de energia de Boltzmann, onde k é a


constante de Boltzmann, no é o número de partículas no nível mais baixo de energia
(energia basal), ni = número de partículas no nível i, ξi e ξo são as energias
correspondentes aos níveis i e o respectivamente. Da análise da distribuição de energia
em um sistema com grande número de partículas, verificamos que os conceitos não
foram obtidos analisando o comportamento de uma molécula, mas sim de uma grande
população. Logo, o que fizemos foi uma análise estatística deste sistema. Outro fato
interessante que obtivemos foi que, apesar do Primeiro Princípio não permitir dizer qual
o sentido do processo espontâneo, o sentido de uma transformação espontânea
coincide com o da obtenção do estado mais provável (que postulamos ser o estado de
equilíbrio).
Analisando o nosso exemplo, vemos que a probabilidade de um estado aumenta
com a diminuição da limitação do mesmo: quanto maior o número de níveis energéticos

57
que as partículas do sistema podem adquirir, mais provável é sua existência. Para cada
temperatura as partículas possuem uma certa energia, cujos valores estão distribuídos
segundo as curvas mostradas na Figura 4 que caracterizam a chamada distribuição de
Boltzmann (Eq. 6). Vemos que as moléculas (ou átomos) têm energias cujos valores
estão distribuídos em torno de um valor médio (por isto, no tópico anterior foi dito que a
temperatura era proporcional à energia cinética média das moléculas). À medida que se
aumenta a temperatura, as moléculas adquirem valores maiores de energia e ao
mesmo tempo observa-se aumento da dispersão dos seus valores. Em Estatística isto
corresponde a um aumento do valor médio com acréscimo do desvio padrão: as curvas
deslocam-se para valores maiores ao mesmo tempo que se alargam horizontalmente,
achatando-se na vertical.
Numa coleção de partículas, à temperatura do zero absoluto, a energia cinética
tem valor zero e a dispersão também é nula. Pela equação de Boltzmann (Eq.. 6) pode-
se observar que todas as moléculas se encontram no nível basal
(ξi - ξo = 0 e e-0 = 1 ∴ ni\no = 1)

Aumentando-se a temperatura tem-se valores crescentes de energia e cada vez maior


dispersão.

Figura. 4. Distribuição de energia cinética em uma mesma coleção de moléculas a três


temperaturas diferentes. E1 e E2 = energias cinéticas médias a 298 e 308 K; EA =
energia de ativação.

A partir da distribuição de Boltzmann podemos dar uma interpretação molecular


a esta conhecida regra de van't Hoff, segundo a qual a velocidade de reação dobra

58
quando se aumenta a temperatura de 10°C. Admitamos que a energia que as
moléculas devem ter para reagir seja EA (ver Figura. 4). Este valor é chamado de
energia de ativação para a reação em questão e a área abaixo da curva a partir da
seção EA (chuleada na Figura. 4) nos dá o número de moléculas com energia igual ou
superior à energia de ativação. Vemos que esta área para a curva correspondente a
308 K é o dobro da área correspondente para a curva 298 K. Ou seja, em 308 K o
número de moléculas com energia superior à energia de ativação é o dobro do número
de moléculas com energia suficiente para reagir a 298 K, o que vem explicar porque a
velocidade de reação dobra. A razão entre a velocidade de reação a uma dada
temperatura e a velocidade da mesma reação a uma temperatura de 10°C mais baixa é
chamada de coeficiente de temperatura, designado por Q10. Este coeficiente
geralmente tem valor próximo de 2 mas isto não ocorre em todos os processos
podendo o valor de Q10 ser maior ou menor que 2 e nestes casos pode fornecer
informações mais esclarecedoras a respeito dos processos em estudo: se existem
outros fatores que podem ajudar ou dificultar estas reações.

VI. SEGUNDO PRINCÍPIO DA TERMODINÂMICA

1. Entropia

O Primeiro Princípio nos possibilitou discutir o calor transferido e o trabalho


realizado no sarcômero quando se processa a reação química abaixo:

ATP + H2O → ADP + Pi (Pi = fosfato inorgânico)

mas não permitiu dizer se o ATP se hidrolisa espontaneamente, em solução aquosa.


Sabemos que deve existir um estado de equilíbrio entre H 2O, ATP, ADP e Pi, mas
usando apenas esta primeira lei, não podemos dizer exatamente onde este equilíbrio se
posiciona.
Analogamente ao que ocorre num processo mecânico, podemos dizer que o
equilíbrio é apenas alcançado quando a energia do sistema é mínima. Mas numa
solução em contato com a água pura observa-se que o soluto difunde-se até que a
concentração seja igual em todo o sistema, sem no entanto, a energia total do sistema
ter-se alterado com este processo (se admitirmos que não há interação entre as
moléculas de soluto e água). Agora, se lembrarmos que o estado de equilíbrio é o
estado mais provável, concluiremos que ao se colocar a água em contato com a

59
solução, a distribuição mais provável é aquela que tem o soluto distribuído
uniformemente no sistema. Logo, a principal diferença entre o estado inicial e final
deste sistema está no número de combinações (W) nas quais as moléculas do soluto
podem se distribuir pelo volume total disponível para elas. Quanto maior o volume,
maior é o número de maneiras de se distribuir N moléculas de soluto. Assim, podemos
determinar o equilíbrio de um sistema através do grau de desordem, pois há mais
opções nas configurações desordenadas que nas ordenadas.
Resumindo, a tendência universal de todas as transformações é levar os
sistemas ao estado de equilíbrio, o que pode ser correlacionado com rearranjos das
moléculas passando de configurações ordenadas para configurações desordenadas.
Para medir este grau de desordem foi definida uma função de estado chamada Entropia
(S) que está relacionada com o número de combinações (W) conforme a equação:

S = k ln W (7)

onde k é a constante de Boltzmann. A entropia já havia sido definida por Clausius na


Termodinâmica Clássica, para máquinas térmicas, como

dqrev
dS = _________ (8)
T

onde dqrev seria a quantidade infinitamente pequena de calor trocada por um sistema
com os arredores quando sofresse um processo reversível, dS é a variação infinitesimal
de entropia correspondente e T a temperatura absoluta durante esta variação. Como a
entropia é também uma função de estado, a sua variação (∆S) por um processo
qualquer, em um dado sistema, pode ser calculada utilizando-se a equação (8) e um
processo reversível conveniente.
Podemos agora formular o Segundo Princípio: "Num sistema isolado, toda
transformação espontânea é aquela que se dá com aumento de entropia". E como na
Natureza todos os processos são irreversíveis, Clausius formulou o seguinte aforisma:
"A energia do universo é constante, a entropia tende para um máximo".
Na formulação deste conceito devemos enfatizar que se o sistema não for
isolado, os arredores estarão incluídos.

60
Portanto, podemos caracterizar um sistema em termos entrópicos da seguinte
maneira:

a) Sistema aberto: (biológico)

Sistema Arredor

∆Ssistema ∆Sarredores

∆STotal = ∆Ssistema + ∆Sarredores

b) Sistema isolado:

Sistema Arredor

∆Ssistema ∆Sarredores = 0

e portanto,
∆STotal = ∆Ssistema

Considerando-se um sistema aberto, sua variação de entropia, isoladamente


(∆Ssistema), não é suficiente para definir a espontaneidade dos processos que nele
ocorrem. Há necessidade de se determinar também ∆Sarredores e, às vezes, fica muito
difícil delimitar as suas vizinhanças.

61
Para melhor esclarecermos este aspecto, consideramos o processo de formação
do corpo humano. Percebe-se que durante o mesmo há aumento da ordem e, portanto,
∆Ssistema < 0 (entropia diminui), concluiríamos pela não espontaneidade deste
processo. Como você explica esta aparente contradição do Segundo Princípio da
Termodinâmica? Na realidade, durante a formação do corpo, temos que considerar o
∆Sarredores que, certamente, foi positivo o suficiente (∆Sarredores >> 0), permitindo que
∆STotal fique também positivo (∆STotal > 0), tornando o processo espontâneo. Portanto,
para definir a espontaneidade de um processo através da entropia, devemos
determinar duas grandezas, ∆Ssistema e ∆Sarredor. Do ponto de vista operacional, a
determinação do ∆Sarredor não é muito prática, devido à conceituação de arredor ser,
em alguns casos, difícil de ser estabelecida. Em vista disso, procurou-se uma nova
função de estado que dependesse de parâmetros restritos ao sistema. Esta nova
função é a chamada energia livre (G).

2. Energia livre

2.1. Conceito

A vida na terra é mantida graças a elevada entropia do Sol. Como se dá o


processo de transferência de energia do Sol para o Homem veremos mais adiante e,
para isto necessitamos definir uma outra função de estado: a energia livre (G). Esta
função é uma propriedade extensiva.
A variação de energia livre (∆G) representa o máximo de trabalho que se pode
obter de um dado processo isotérmico ou isobárico, e guarda a seguinte relação com
∆H e ∆S:

∆G = ∆H - T∆S (9)

Se o processo se der também a volume constante (o que é caso de processos


biológicos), a energia livre é dada por

∆G = ∆E - T∆S (10)

onde não existe trabalho realizado por variação de volume. Como a maioria dos
processos biológicos que nos interessam se dá a pressão e temperatura constantes, o
valor de ∆G dado pela equação (9) nos permite determinar a espontaneidade destes
processos.
A variação de energia livre recebe este nome porque ela define aquela porção da
variação total de energia (∆H ou ∆E) que é disponível para realizar um trabalho qualquer

62
quando o sistema caminha para o equilíbrio (à pressão e à temperatura constantes).
Atingido este equilíbrio, a entropia do sistema + arredores aumentou ao máximo e G do
sistema atingiu o mínimo, isto é, a capacidade de realizar trabalho pelo sistema em
equilíbrio se torna zero (observe pela equação (9) ou (10), que quanto maior o fator
entrópico T∆S, mais negativo será o valor de ∆G).
Em resumo, quando o sistema se encontrar em equilíbrio, ∆G = 0, e se o sistema
estiver fora do equilíbrio, o processo se dará no sentido de se atingir sempre o valor
mínimo de G. Logo, como ∆G = Gfinal - Ginicial e Ginicial é maior que Gfinal, temos que
∆G<0, e dizemos que o processo é exergônico ou espontâneo. Se determinarmos para
um processo a temperatura e pressão constantes, um valor de ∆G > 0 (processo
endergônico) podemos afirmar que o mesmo não é espontâneo. Vê-se, então, a
importância do parâmetro energia livre: ele nos permite definir o sentido ou a
espontaneidade da transformação de um sistema qualquer. Assim, para reação de
hidrólise de ATP, podemos finalmente dar o seu sentido:
∆G = -30514 J, logo, ela é espontânea, na temperatura e pressão estudadas.
No sistema biológico, ocorrem basicamente três tipos fundamentais de
processos:
primeiro: a troca de informações entre organelas celulares, entre células, entre
célula e meio extracelular. Esta troca se dá graças aos transportes de "mensageiros",
que podem ser moléculas orgânicas (hormônios) ou inorgânicas e mesmo íons. É o
item a ser estudado no próximo capítulo.

segundo: reações bioquímicas em cadeia que constituem o metabolismo em


geral. Estes processos serão abordados pela Bioquímica.

terceiro: interações químicas que permitem a estruturação de membranas,


organelas celulares, tecidos, etc., além dos processos que ocorrem em sistemas
imunológicos (antígeno-anticorpo), e farmacológicos (droga-receptor).

Em todos estes processos é sempre possível relacionar a variação de energia


livre com alguma propriedade de estado do sistema em estudo (concentração no caso
de reações químicas ou transporte; entropia e entalpia, no caso de interações
químicas). Da análise desta variação de G, determina-se a espontaneidade do
processo, descrevendo, assim, o seu comportamento termodinâmico.

2.2. Energia livre e constante de equilíbrio (Keq)

63
A variação de energia livre associada a uma dada reação química, depende de
temperatura, pressão e da atividade (= concentração) dos componentes que dela
participam.
Aqui, também, existe o problema da definição da energia livre absoluta do
sistema e para se determinar, então, a variação da mesma no estado padrão,
necessitamos escolher um estado de referência, o qual é justamente definido para a
transformação do sistema a 25°C, 1 atm de pressão e 1 M dos componentes.
Para uma reação química, por exemplo, ∆G° é a variação de energia livre,
partindo-se da concentração padrão (1 M) dos reagentes e produtos e deixando-se a
reação atingir o equilíbrio, a temperatura de 25°C e 1 atm de pressão.

situação inicial A + B → C + D
(T: 25°C, 1 atm)
1M 1M 1M 1M

situação final aA + bB → cC + dD
(T: 25°C, 1 atm)
[A] [B] [C] [D]

Nestas condições, demonstra-se que ∆G° pode ser expresso em função da


constante de equilíbrio, através da relação:

∆G° = -R.T. ln Keq (11)

onde

[C]c [D]d
Keq = ____________
[A]a [B] b ...

∆G° indica quanto o estado padrão está afastado do estado de equilíbrio. De


modo que ∆G° < 0, por exemplo, significa apenas que a reação se processará
espontaneamente do estado padrão para o estado de equilíbrio; se os reagentes e
produtos se encontram no estado inicial fora das condições padrão (i.é, pelo menos
uma das concentrações diferente de 1M) ∆G guarda com ∆G°, a seguinte relação:

∆G = ∆G° + R.T. ln f(c) (12)

Considerando-se, por exemplo, a reação:

64
aA + bB ↔ cC + dD
[A] [B] [C] [D]

[C]c [D]d ...


_______________________
f(c) = (13)
[A]a B]b

onde A, B, etc., são as concentrações dos reagentes, C e D são as concentrações dos


produtos da reação e a, b, c e d, são seus respectivos coeficientes estequiométricos no
estado inicial.
E, o processo será espontâneo no sentido que corresponder a ∆G < 0.

2.3. Potencial químico (µ)

Como, de um modo geral, os sistemas biológicos são sistemas abertos, isto é,


tem-se troca de massa com as vizinhanças ou de maneira mais ampla entre duas
regiões, temos que definir uma função que não dependa do tamanho (extensão) deste
sistema aberto e que possa exprimir a variação de energia útil do sistema quando
ocorre transporte de massa. Este novo parâmetro intensivo é o potencial químico (µ) e
sua variação é definida por:

dGi
µi = _____ (14a), onde G = energia livre do componente i e n é o
dn número de moles

Demonstra-se que

∆Gi
_____ = ∆µi = µi1 - µi2 (14b) com
n

Gi1 Gi2
µi1= _____ e µi2 = _____
-n -n

65
onde 1 e 2 são dois diferentes pontos de um sistema ou dois estados de um mesmo
sistema e µi é, portanto, a energia livre molar de um componente i deste sistema.
Demonstra-se que em qualquer processo onde ocorre transferência de massa,
uma das três possibilidades abaixo pode ocorrer, permitindo estabelecer o sentido da
espontaneidade do processo.

Condição Sentido da espontaneidade


µi (2) > µi (1) 2 →1
µi (2) < µi (1) 1 →2
µi (2) = µi (1) componente i se encontra em equilíbrio

A diferença de potencial químico de um componente i entre duas regiões (µ i(2) -


µi(1)) corresponde ao trabalho máximo que o sistema pode ceder quando um mol do
componente i passa espontaneamente da região de maior para a de menor potencial
químico. Esta diferença equivale também ao trabalho mínimo que deve ser aplicado no
sistema para que um mol seja transportado em sentido contrário.
A diferença de potencial de um componente i entre duas regiões depende do
sistema considerado e dos diversos tipos de trabalhos realizados (ou recebidos) pelo
sistema durante o processo. No campo biológico, os mais importante são:
1) químico, devido a uma diferença de concentração do componente i,
2) elétrico, devido a uma diferença de potencial elétrico, e
3) devido a uma diferença de pressão hidrostática (importante no processo de
osmose).

2.3.1. Potencial Químico e Trabalho Químico

O potencial químico de um componente i do sistema é dado por:

µi = µ°i + R.T.ln Ci.

O trabalho associado com o transporte de 1 mol do componente i de uma região


1 para 2 do sistema é dado por:

Ci (2)
R.T. ln ________
Ci (1)

onde R: constante dos gases = 8,3 J/K. mol


T: temperatura absoluta (K)

66
A relação acima corresponde à diferença de energia livre do componente i
decorrente da existência de concentrações diferentes deste componente nas regiões 1
e 2.

Ci (2)
∆µi = µi2 - µi1 = R.T. ln ________
Ci (1)

De modo claro, pode-se entender que, quando:

Ci (2) > Ci (1) µ2 > µ1 processo espontâneo de 2 → 1

Ci (2) < Ci (1) µ2 < µ1 processo espontâneo de 1 → 2

Ci (2) = Ci (1) µ2 = µ1 processo em equilíbrio

2.3.2. Potencial Elétrico e Trabalho Elétrico

Se alguns componentes do sistema forem eletricamente carregados e se existir


neste sistema um campo elétrico, o trabalho elétrico realizado é igual a q∆Ψ, sendo q a
carga elétrica e ∆Ψ a diferença de potencial elétrico entre dois pontos deste campo em
que se deslocaram estes componentes.
Assim, ao se transportar um mol de um componente i carregado, de uma região
1 para região 2 do sistema, o trabalho elétrico envolvido corresponde à energia livre
molar deste componente e é igual a

Zi.F (Ψ2 - Ψ1)

onde Zi corresponde à valência do íon e F é o número de Faraday (carga elétrica de i


mol de íons monovalentes = 96.500 Coulomb/mol) e Ψ1 e Ψ2 são os valores do potencial
elétrico nos pontos 1 e 2 deste sistema.

2.3.3. Potencial Eletroquímico e Trabalho eletroquímico

Para solutos eletricamente carregados, quando entre duas regiões 1 e 2 existem


simultaneamente diferenças de potencial elétrico e de concentração, a diferença de

67
potencial eletroquímico ou de energia livre molar do componente i será a soma
algébrica das diferenças de potencial químico e elétrico vistas anteriormente. Assim:

Ci (2)
∆µi = µi2 - µi1 = R.T. ln ________ + Zi F (Ψ2 - Ψ1)
Ci (1)

Sendo ∆µi a diferença de potencial eletroquímico do componente i entre as regiões 1 e


2. Assim, como nos dois casos já vistos, ∆µi corresponde ao trabalho eletroquímico
envolvido no transporte do componente i, carregado eletricamente, num sistema em
que existe além de um gradiente elétrico, um gradiente de concentração.
Quando ∆µi = 0, o componente i está em equilíbrio porque ambos os termos são
nulos ou porque se anulam entre si.
Nesta situação, temos:

R.T. Ci (2)
Ψ2 - Ψ1 = - _____ ln ________
Zi. F Ci (1)

Esta equação é denominada EQUAÇÃO DE NERNST. Ela dá a diferença de


potencial elétrico necessária e suficiente para equilibrar uma diferença de concentração
do componente i entre as duas regiões (potencial de equilíbrio do componente i).
A equação de Nernst também pode ser deduzida a partir da expressão que
define o potencial eletroquímico (µ)

µi = µ°i + R.T. ln Ci + Zi F.Ψi

onde µ°i é o potencial químico da substância quando o sistema se encontra no estado


padrão de referência.

Aplicações ao músculo (vide referência Mountcastle)

Voltando à contração muscular que é o exemplo de processo biológico por nós


escolhido, verificaremos que os conceitos termodinâmicos são importantes na Fisiologia
muscular.
A ativação do músculo durante a contração é um processo irreversível, portanto,
ocorre aumento de entropia, por exemplo no processo de liberação de Ca2+ das
cisternas. Observa-se troca de calor com o meio externo tanto no repouso como
durante a contração. Se o músculo encurtar, haverá realização de trabalho mecânico
(F∆l), elétrico e químico (troca de gases, reações metabólicas, translocação de íons,

68
liberação de ADP e Pi da cabeça da miosina, em suma, qualquer troca de material
entre músculo e o meio externo).

VII. TROCAS ENERGÉTICAS E A VIDA

1. Acoplamento de Transformações

Nós já vimos que, durante o relaxamento muscular ocorre a transferência de íons


Ca2+ do citoplasma (10-5 M) para o retículo sarcoplasmático (>> 10-5 M), caracterizando
portanto, um processo endergônico (µCaret > µCacit). Como, então, nos sistemas
biológicos, ocorrem certos processos que analisados isoladamente, não são
espontâneos?
Isto só é possível se acoplarmos o processo endergônico (∆G' > 0) a um
processo exergônico (∆G'' < 0) adequado, de maneira que a variação de energia livre
total de ambos os processos combinados satisfaça a condição de:

∆G' + ∆G'' = ∆G < 0

o processo exergônico mais extensivamente utilizado nos organismos biológicos para


se acoplar aos processos endergônicos é o da hidrólise do ATP (adenosina trifosfato),
dando ADP + Pi, com liberação de 32.000 J/mol de energia. A Figura 5 dá um esquema
geral dos acoplamentos entre a reação de hidrólise de ATP (produzido no organismo
pela queima de glicose) e os demais processos biológicos que ocorrem no homem. A
energia proveniente da glicose é transferida ao fosfato inorgânico, que se liga ao ADP
através de uma ligação de "alta energia", formando ATP.
Esta molécula de ATP pode transferir este fosfato de alta energia à creatina
formando então creatina-fosfato que é a forma de armazenamento de ligações de alta
energia, ou pode transferir, pelo acoplamento, a energia a qualquer processo biológico,
realizando qualquer trabalho celular. O que torna possível o acoplamento e
transferência de energia, e impede a quebra desacoplada das moléculas de alta
energia são as enzimas. Somente na presença de enzima apropriada, a creatina-fosfato
transfere seu fosfato de alta energia ao ADP, formando ATP. As enzimas, portanto,
permitem que as reações se dêem numa sequência útil para a vida celular.

69
70
Figura. 5. Relação entre ligação fosfato de alta energia e o trabalho celular

71
O Sol é a fonte única de energia de toda a vida na Terra. Através de reações
fotossintéticas nas plantas verdes, um pouco desta energia é armazenada na forma de
energia química nos carboidratos.

luz
nCO2 + nH2O → carboidrato + nO2

Esta energia química dos carboidratos recebida pelo homem é convertida nos
seguintes usos finais:

a. formação de membranas, células, organelas e órgãos

b. manutenção de temperatura

c. movimento (trabalho muscular)

d. síntese de materiais estruturais, tais como proteínas, lipídeos, etc.

e. atividade elétrica de sistemas musculares e nervosos

f. manutenção da homeostase celular

Pouca energia livre é desperdiçada pelo organismo biológico sendo ele por isto,
um sistema bastante eficiente. Em outras palavras, a queima da glicose, por exemplo,
não se dá numa única centelha (como no pouco eficiente motor de combustão interna),
mas numa série de etapas, cada uma das quais diminui o potencial termodinâmico G,
de um degrau relativamente pequeno, que será transferido a ligações químicas de alta
energia. Um exemplo deste tipo de processo será visto em Bioquímica com o nome de
ciclo de Krebs onde se tem que a transferência de energia a cada estágio ocorre
através das ligações fosfato de alta energia. No final deste ciclo tem-se a produção de
38 ligações deste tipo. A combustão de um mol de glicose produz 2.867.480 J de
energia pela via aeróbica, e no sistema biológico, 1.207.184 J desta são convertidos em
ligações químicas de alta energia, que serão envolvidos na manutenção e no trabalho
celular. Logo a eficiência deste sistema é de 42% (!). Para você poder comparar, temos
que uma máquina térmica a vapor, ideal, tem eficiência de 21,4% (se queimasse a
mesma quantidade de glicose).

72
Das relações lógicas da Energética chega-se à seguinte sinopse:

1a Lei: define e dá propriedades de ∆E

2a Lei: define e dá propriedades de ∆S

∆G, ∆µ e ∆µ
Energia Livre, Potencial Químico e
Eletroquímico

 dependência da concentração (trabalho químico)


 trabalho elétrico
 como critério de espontaneidade do processo
 energia livre padrão
 acoplamento energético
 ligação de alta energia

73
2. Estado de fluxo constante ("steady state")

Quando discutimos a diminuição de entropia de um ser vivo às custas do


aumento de entropia dos arredores, não foi discutido um problema que agora podemos
analisar: o sistema biológico vivo não está em equilíbrio no estado inicial e nem estará
em equilíbrio no instante da análise. Ele se encontra num estado estacionário,
denominado também de "steady state" ou estado de fluxo constante, onde a entrada e
saída de alimento, oxigênio, catabólitos e metabólitos é tal que não se observa
nenhuma alteração de sua homeostase, de sua temperatura, etc., isto é, o sistema está
sempre repondo na justa medida aquilo que perde.
Este estado assemelha-se ao equilíbrio na sua invariância com o tempo e a
diferença é que existem fluxos constantes das propriedades conservativas (massa,
energia) no sistema e consequentemente a entropia está sendo continuamente
produzida. Assim em ambos os casos tem-se concentração, densidade, etc.,
constantes no sistema, mas no caso do estado de equilíbrio, não há variação de
entropia total (∆Stot= 0) em função do tempo, enquanto que no estado de fluxo
constante, há uma contínua produção de entropia total (∆Stot\t > 0) em função do
tempo.

74
VIII. CONCLUSÃO

Conclui-se que ∆G é um conceito fundamental em Bioenergética, a partir do qual


são obtidas relações que permitem explicar os sistemas biológicos do ponto de vista
físico-químico. Quando estudamos então, um sistema qualquer devemos determinar o
∆G de suas transformações para começar a descrever o seu comportamento
cientificamente. É, desta forma, possível excluir-se a "força vital" ou qualquer outra
força desconhecida ou mágica do sistema biológico.
Neste texto de Bioenergética que acabaram de ler, procuramos dar um enfoque
mais voltado especificamente para a área biológica. Inúmeros conceitos de natureza
mais físico-química da Termodinâmica (como a teoria dos gases, máquinas térmicas,
termoquímica, etc.) não foram propositadamente analisadas.
Todos os processos de estruturação, desde a membrana até células, tecidos,
organelas e o corpo como um todo, passando pela difusão de inúmeros solutos e
terminando nas reações ou interações bioquímicas imunológicas e farmacológicas de
natureza química, são, na realidade, governadas por leis simples da Termodinâmica
que acabaram de ver.
Outras análises de natureza termodinâmica serão ainda expostas em tópicos
posteriores de nosso curso. Por exemplo, para explicar termodinamicamente a
estruturação de membranas biológicas, alguns conceitos de tipos de reações e
interações químicas serão correlacionados com os de ∆S, ∆H e ∆G. Na geração do
potencial elétrico de membranas celulares e na sua transmissão, estarão envolvidos os
conceitos de potencial eletroquímico, de "steady state", de acoplamento de
transformações que acabamos de discutir
Enfim, voltando ao exemplo do índio que observa incrédulo um motor ligado,
citado na parte introdutória deste tópico, nosso intuito é que o aluno não se sinta na
situação deste indígena ao observar um organismo em funcionamento. Entendê-lo em
todas as suas minúcias significará poder agir corretamente, e no momento certo, frente
a repentinas fases de mau funcionamento.

75
IX. BIBLIOGRAFIA

Klotz, I. M. "Energy changes in Biochemical Reactions"


"Introduction to Chemical Thermodynamics"

Van Holde, K. E. "Physical Biochemistry"

Moore, W. J. "Físico-Química", Volume 1

Morowitz, H. J. "Foundations of Bioenergetics"

Reif, F. "Statistical Physics" - Berkeley Physics Course - Volume 5

Giese, A. C. "Cell Physiology"

Katchalsky, A. K. e Curran , P. F.
"Non Equilibrium Thermodynamics on Biophysics"

Lehninger, A. L. "Fundamentos de Bioquímica"

Moutcastle, V. B. "Fisiologia Medica" - Volume 1

Castellan, G. W. "Físico-Química"

76
QUESTIONÁRIO DE BIOENERGÉTICA

1. Nas situações abaixo, comente os seguintes termos: sistema, fronteira, trabalho,


calor, energia, processo, e se Houve mudança de estado?, Houve trocas energéticas
com os arredores?, De que natureza?,

a) Estado 1 - Sistema composto de um béquer com água a 50°C.


Estado 2 - Sistema composto do mesmo béquer a 37°C.

b) Estado 1 - Sistema composto por uma panela com tampa contendo água a 25°C.
Estado 2 - Sistema composto da mesma panela contendo água a 100°C.
Processo: Aquecimento

c) Idem ao exemplo b, sendo o sistema a panela sem a tampa, observou-se


deslocamento da tampa.

d) Estado 1 - Sistema composto de um peso de 5 kg a uma altura h.


Estado 2 - Sistema composto do mesmo peso a uma altura zero

e) Estado 1 - Sistema composto de um peso de 5 kg a uma altura zero (h=0).


Estado 2 - Sistema composto do mesmo peso a uma altura h.
Processo: peso foi levado do nível zero a altura h colocando-se um contra peso de 7
kg.

Com relação a este ultimo item, pergunta-se:


-Qual o peso mínimo do contrapeso para levar o sistema até a altura h?
-Qual o peso máximo do contrapeso para levar o sistema da altura h ao nível 0?
-Este processo é irreversível?
-Como tornar este processo um processo reversível?

2. Em um experimento, tem-se a transformação 1 → 2, onde o sistema passa de um


estado inicial 1 para o estado final 2.

a) Se a expressão ∆X = X2 - X1, é verdadeira para qualquer processo que leve o


sistema do estado 1 para o estado 2, o que se pode dizer em relação a variável X?

b) Imagine que os estados 1 e 2 coincidam. Qual o valor de ∆X? De que tipo de


processo se trata?

77
3. A concentração de 1 l de uma solução de NaCl é 0,75 M a 25°C. Qual será a
concentração de 50 ml desta mesma solução? Classifique as seguintes funções de
estado: temperatura, no de moles de NaCl, massa de soluto, concentração, volume.

4. Lei zero de Termodinâmica: qual a relação entre temperatura e calor: temperatura e


energia cinética? Comente a importância da temperatura nos processos biológicos.

5. Como se posicionam os seres poiquilo e homeotérmicos diante do Princípio Zero?

6. Discuta os resultados obtidos com a reação do piruvato dando lactato (pg. 40). Por
que este experimento serve para entendermos o Primeiro Princípio da Termodinâmica?

7. Defina entalpia e por que se diz que em processos biológicos, a sua variação é
praticamente igual à variação da energia interna?

8. Interprete o significado dos seguintes valores de Q10:


Q10

a) H2O2 + 2HI → 2H2O + I2 (25°C) 2,08

b) Difusão em membranas artificiais


açúcar (0 a 50°C) 1,37

b) Difusão em membranas biológicas


glicose (20 a 25°C) 4,7
eletrólitos 4,7

d) Denaturação de albumina (69 a 76°C) 635

9. O que você pode concluir a respeito da espontaneidade dos processos abaixo?

∆E (J)

a) ATP + H2O → ADP + Pi -21.000

b) H+ + CH3-COO- → CH3COOH 0

c) H2O (gelo)→H2O (líquido) 4,18

78
10. Quatro moléculas (a, b, c, d) se difundem livremente entre dois compartimentos de
mesmo tamanho. Analise esta difusão em termos de estado mais provável (W),
equilíbrio e entropia do sistema.

11. Nos processos abaixo, ∆Ssist é positivo ou negativo? Quais processos são
espontâneos?

a) ATP + H2O →ADP + Pi;


b) formação de um órgão qualquer;
c) diluição de um soluto por dois compartimentos;
d) droga + vírus→ complexo inativante.

12. Comente a inter-relação energia entrópica - energia livre em um processo qualquer,


a temperatura e pressão constantes.

13. Se todos os exemplos do exercício 10 forem espontâneos, como será a variação de


∆G e de ∆S do sistema, em cada caso?

14. A reação de oxigenação da hemoglobina (Hb) é:

Hb + O2 → HbO2 com ∆Go = -27.000 J

Pergunta-se: (R = 8,3 J/K.mol; T = 298 K).


a) Qual o valor da constante de equilíbrio (K) desta reação?
b) Esta reação é espontânea em qualquer situação? Explique.

15. Fazendo-se o estudo do efeito bactericida de dois antibióticos (A e B), obtiveram-se


os seguintes dados termodinâmicos na interação com uma determinada bactéria:

a) Antibiótico A: ∆E = -26.000 J e ∆S = - 60 J/K


b) Antibiótico B: ∆Go = - 26.000 J
Dados: R = 8,3 J/K.mol; T = 298K e todos os experimentos foram feitos com a
proporção inicial de 1000:1 entre as concentrações dos reagentes e produtos
1
f(c) = --------------------------
[ 1000 ] [ 1000 ]

Qual destes dois antibióticos parece ter maior probabilidade de uso terapêutico?

79
16. Se num sistema em que diferentes processos estão ocorrendo temos ∆GTotal = 0,
significa que ∆µi também é nulo?

17. Um sistema é constituído por dois compartimentos (1 e 2), com concentrações de


um mesmo soluto não carregado eletricamente (C1 e C2). Sabendo-se que C1 > C2 e
que os dois compartimentos estão em contato, pergunta-se:

a) o sistema está em equilíbrio?


b) qual o compartimento de maior µ?
c) como você exprime ∆µ em função das concentrações?
d) proponha uma situação de equilíbrio para o qual o sistema deva caminhar.

18. Dois compartimentos de paredes rígidas (1 e 2) separados por uma membrana


permeável somente à cátions contém as seguintes concentrações de NaCl: C 1 = 1.2 M
e C2 = 10 M. Supondo-se que o cátion esteja no equilíbrio, pergunta-se:

a) Qual é o valor da ddp (∆Ψ2-1) existente através da membrana e discuta o seu


significado.
b) Impondo-se agora uma ∆Ψ2-1 de + 100 mV através desta membrana, o
sistema continuará no equilíbrio? Justifique.
Qual será a redistribuição deste cátion nesta nova situação de equilíbrio?
c) E se fosse permeável somente a ânions?
Dados: T = 298K; R = 8,3 J/K.mol; F = 96500 C/mol.

19. Em uma célula animal, temos a seguinte distribuição iônica:

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
íon meio intracelular (mM) meio extracelular (mM)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Na+ 12 145

K+ 155 4

Cl- 4 117
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Sabendo-se que a diferença de potencial elétrico (∆Ψint-ext) transmembranal nesta


célula é de -90 mV, qual destes íons está em equilíbrio eletroquímico?
Dados: R = 8,3 J/K.mol; T = 310 K; F = 96500 C/mol
Qual o sentido dos fluxos resultantes de Na+ e K+?

80
20. Por que se diz que o organismo vivo está em "Steady State" (fluxo constante) e não
em equilíbrio?

21. Qual a condição para que haja acoplamento de processos? Dê exemplos.

81
DIFUSÃO - OSMOSE

1. Identificar os fatores que governam a difusão de um soluto entre dois


compartimentos.
2. Definir fluxos unidirecional e resultante e suas respectivas unidades.
3. Discriminar grandezas escalares de vetoriais (diferença de concentração vs
gradiente de concentração).
4. Reconhecer as forças que atuam sobre um soluto.
5. Definir mobilidade de um soluto e sua respectiva unidade.
6. Entender a formula conceitual de Nernst-Planck.
7. Aplicar a lei de Fick (fórmula operacional para a determinação do fluxo de um soluto
não carregado).
8. Definir coeficiente de permeabilidade e sua respectiva unidade.
9. Definir coeficiente de difusão e sua respectiva unidade.
10. Determinar, na prática, os coeficientes de difusão e de permeabilidade (montagem
experimental, tratamento de dados, calibração de aparelhos, determinação de curva
padrão, determinação da concentração de uma solução desconhecida pelo método
fotométrico).
11. Classificar o tipo de transporte (passivo, facilitado e ativo) através dos fluxos
unidirecionais.
12. Definir o processo de osmose.
13. Definir membrana semi-permeável.
14. Aplicar a lei de van't Hoff: relacionar pressão osmótica com a concentração de
solutos impermeantes.
15. Prever o sentido espontâneo da água através da pressão osmótica.
16. Calcular a osmolaridade de uma solução.
17. Comparar soluções quanto ã osmolaridade e tonicidade.
18. Reconhecer partículas permeantes ou não em função da alteração ou não do
volume celular.
19. Definir soluções isosmóticas, hiposmóticas, hiperosmótica, isotônica, hipotônica e
hipertônica.
20. Discutir a importância da tonicidade de uma solução (pressão osmótica) do ponto
de vista fisiológico.
21. Teoria de Fotometria.

Conexões com outras disciplinas: Nefrologia, Clinica Médica, Exame Laboratorial etc.

82
DIFUSÃO EM MEMBRANAS ARTIFICIAIS

I. DIFUSÃO DE SOLUTO

1. Introdução e objetivos

Agora que você já está familiarizado com os conceitos termodinâmicos básicos,


em particular o potencial químico, podemos passar ao item seguinte que é difusão do
soluto através de membranas ou mais genericamente transporte através de
membranas. Este tópico inclui, além da difusão simples, transporte de partículas
carregadas que fornece a base para a bioeletrogênese (potencial de repouso, potencial
de ação, eletrocardiograma, etc.), transporte de água ou osmose (fisiologia renal). A
relevância deste assunto torna-se óbvia ao tentar responder a seguinte pergunta:
porque estamos e permanecemos vivos? O homem é um sistema aberto, isto é, um
sistema onde são permitidas as trocas de energia e matéria com os arredores. Assim
permanecemos vivos porque respiramos: troca CO2 e O2 por difusão a nível dos
pulmões e tecidos. A vida da célula depende da troca de informações e de substâncias
entre o seu meio interior (intracelular) e o meio externo (extracelular). A membrana
biológica separa os diversos compartimentos celulares, e é passo limitante no
transporte de uma substância de um compartimento para outro. Vários são os exemplos
e os tipos de transporte através de membranas:

a. Transporte passivo ou difusão simples: ocorre por exemplo, na troca de gases


nos pulmões e a nível dos tecidos; na difusão de Ca2+ do retículo sarcoplasmático para
o sarcoplasma durante a contração muscular.

b. Transporte mediado ou facilitado: por exemplo influxo de D-glicose pelos glóbulos


vermelhos humanos, através de um sistema que envolve um carregador específico.

c. Transporte ativo: por exemplo, de Na+ e K+ através das membranas; retirada ativa
do Ca2+ do sarcoplasma para o retículo através de uma bomba de Ca 2+ (relaxamento
muscular).

Neste capítulo, vamos nos restringir ao estudo do transporte passivo de um


soluto através de uma membrana artificial (de celofane). O objetivo principal é
estudar os fatores que governam a difusão de um soluto através da membrana de
celofane.

83
No tópico seguinte do curso (2° semestre) você terá a oportunidade de estudar a
difusão simples e outros tipos de transporte em uma membrana biológica (pele de
anfibio).

2. Difusão em sistema contínuo

Entende-se por sistema contínuo, um sistema no qual não existe barreira física
(membrana) entre duas regiões adjacentes do sistema. Consideremos nosso sistema
em estudo como uma solução. Sabendo-se que as moléculas estão em contínuo
movimento, temperatura-dependente (Lei Zero da Termodinâmica), é fácil imaginar que
as mesmas se movimentam ao acaso, de uma região para outra do sistema e que
possam ocorrer colisões entre as mesmas (movimento browniano).
Se as propriedades da solução forem iguais em toda sua extensão, o
deslocamento de cada partícula para qualquer direção do espaço tem a mesma
probabilidade de ocorrer.
Assim, se admitirmos as moléculas cruzando uma área limite imaginária no
interior da solução separando duas regiões, verificaremos que, um dado instante, o
número de moléculas que cruzam em um dado sentido é igual ao número de moléculas
que cruzam no sentido inverso. Consequentemente, o deslocamento resultante do
conjunto de moléculas será nulo. Todavia, se existir diferenças de concentração entre
duas regiões da solução, o movimento ao acaso de partículas determinará que, num
dado instante, um número maior de partículas atravesse o limite imaginário da região
de maior para a de menor concentração, criando assim um fluxo. Chamamos esse
fenômeno de difusão. Tomemos como exemplo a difusão de glicose através de dois
elementos de volume adjacentes e iguais de uma solução.

Figura 1. Difusão de glicose entre dois compartimentos de volumes iguais adjacentes.

84
Na situação inicial A, o compartimento 1 contém solução de glicose 20 mmol/l e o
compartimento 2 contém água pura. Em B, após um dado intervalo de tempo algumas
moléculas passam para o compartimento 2, devido ao movimento ao acaso das
moléculas de glicose no compartimento 1. Podemos então definir um fluxo unidirecional
de glicose do compartimento 1 para o compartimento 2 (J12).
Conforme as moléculas de glicose vão passando para o compartimento 2,
aumenta a concentração de glicose neste último. Consequentemente, teremos agora
um aumento na probabilidade das moléculas de glicose que se encontram no
compartimento 2 de retornar ao compartimento 1. Podemos então definir outro fluxo
unidirecional de glicose do compartimento 2 para o compartimento 1 (J21).
O aumento resultante na concentração de glicose no compartimento 2 é dado
pela diferença entre os fluxos unidirecionais, J12 e J21, e é chamado de fluxo
resultante.
À medida que o tempo vai passando, o fluxo resultante provoca a diminuição da
concentração de glicose no compartimento 1 e aumento da mesma no compartimento
2. Em um dado momento, as concentrações de glicose dos dois compartimentos
tornam-se iguais, bem como os fluxos de glicose em ambos os sentidos (J12 = J21),
tornando-se nulo o fluxo resultante. O sistema alcançou então, o equilíbrio de difusão,
não ocorrendo nenhuma alteração subseqüente na concentração de glicose nos
compartimentos. Isto está mostrado na Figura 1, na situação C, onde a concentração
de glicose nos compartimentos 1 e 2 é de 10 mmol/l.
Assim podemos observar que:
1. A difusão de moléculas sendo um processo espontâneo, sempre ocorre da região de
maior para a de menor concentração.
2. No processo de difusão existem 3 fluxos, dois unidirecionais, J12 e J21 e o fluxo
resultante. O fluxo resultante determina a quantidade de material que é transferida de
uma região para outra e é dado pela equação:

J= D(C2 - C1)/(x2 - x1)

Esta equação descreve o fluxo J em condições estacionárias através de uma


fatia de solução de espessura (x2 - x1), através da qual existe uma diferença de
concentração (C2 - C1). J é diretamente proporcional à diferença de concentração e
inversamente proporcional à espessura considerada, sendo D a constante de
proporcionalidade.

85
3. Difusão através de uma membrana

O sistema ilustrado na Figura. 2 é constituído por um compartimento contendo n


partículas de soluto em 1 cm3 adjacente a um cm2 de um dada membrana. Nesta
condição, a membrana é a etapa limitante para a difusão do soluto, sendo os
parâmetros que regem este fenômeno relacionados apenas com a membrana em si.

Figura 2. 1 cm3 de solução adjacente a uma membrana com área de superfície de 1


cm2.

Vamos assumir que o soluto em questão é uma partícula não carregada. O


número de partículas que atravessa a membrana na direção x por unidade de tempo é:

Ji = civi (1)

onde vi é a velocidade de cada partícula de soluto. Se v i for expresso em centímetros


por segundo e ci em moles por cm3, a unidade de Ji será de moles por cm2 por
segundo (moles cm-2.s-1). A velocidade vi é diretamente proporcional à força atuando
em cada partícula (fi) e é dada por vi = mifi. A constante de proporcionalidade mi é
definida como mobilidade e é simplesmente a velocidade por unidade de força. A
mobilidade de uma partícula em um meio depende das interações entre a partícula e o
meio que a envolve. Vários são os parâmetros que entram na determinação da
mobilidade. Quanto maior a partícula menor será a sua mobilidade. (Faça analogia com
duas esferas de pesos iguais e tamanhos diferentes caindo dentro da água. A maior
cairá mais lentamente). Quanto maior a interação da partícula com o meio, menor será
a sua mobilidade. (Faça analogia com duas esferas de tamanhos e pesos iguais, uma
caindo dentro da água, outra dentro do mel. A segunda cairá mais lentamente).
Substituindo na equação 1 o valor de v1 = mifi, teremos:

86
J i= cimifi (2)

Em geral, a força pode ser definida como a variação da energia com a distância
(dE/dx). Deste modo, a força atuante sobre um mol de matéria é o gradiente de energia
livre por mol ou o gradiente do potencial químico (µ) no caso das moléculas não
serem carregadas e eletroquímico, (µ) no caso de se tratar de íons. Assim,

Ji = -cimi (dµi/dx) (3)

Esta é a equação de Nernst-Planck e é o ponto de partida para a descrição do


fenômeno de difusão. A razão para o sinal negativo é que o fluxo J i é definido como
positivo quando o fluxo ocorre de uma região de maior potencial eletroquímico para
uma região de menor potencial eletroquímico, de tal modo que o fluxo positivo é
movido por uma diferença de potencial eletroquímico negativo(processo espontâneo).

3.1. Lei de Fick

A fim de simplificar e obter uma forma integrada da equação de Nernst-Planck


vamos assumir que: 1) o soluto não é uma partícula carregada; falaremos então do
potencial químico µi = µºi + R.T. ln ci (ver na página 55, Bioenergética); 2) a espessura
da membrana é ∆x; 3) a mobilidade do soluto (mi) é constante através da membrana.
Desta maneira podemos escrever a equação (3) da seguinte forma:

Ji = R.T.mi (∆ci/∆x) (4)

onde ∆ci representa a diferença de concentração do soluto nos 2 compartimentos


mi, mobilidade do soluto i na membrana
T, temperatura absoluta, em graus Kelvin (K),
R, constante dos gases,
∆x, espessura da membrana

O produto mi R.T. define o coeficiente de difusão, Di, do componente i na fase


da membrana, e sua unidade é: cm2.s-1.

Ji = Di (∆ci/∆x) (5)

87
Notamos portanto que o fluxo de um soluto i é diretamente proporcional ao
coeficiente de difusão, à diferença de concentração entre os dois compartimentos e é
inversamente proporcional à espessura da membrana.
A espessura da membrana ∆x, nem sempre é fácil de ser determinada, por isso
definimos um outro coeficiente, o coeficiente de permeabilidade, Pi:

Pi = (Di/∆x) (6)

e a equação (4) fica

Ji = Pi∆ci

ou
Ji = Pi (ci2 - ci1) (7)

que é a equação de Fick,

onde: Ji é o fluxo da substância i (mol. cm-2.s-1)


ci é a concentração de i (mol . cm-3)
Pi é o coeficiente de permeabilidade de i (cm.s-1)
1 e 2 referem-se aos lados da membrana.

O fluxo Ji da equação (7) é o fluxo resultante da substância i quando existe


uma diferença de concentração através da membrana em condição estacionária.
Notamos que quando ∆ci = 0, o fluxo resultante é nulo e o sistema estará em equilíbrio,
pois a variação do potencial químico no sistema é zero:

µi1 = µºi + R.T. ln ci1


µi2 = µºi + R.T. ln ci2
µi1 - µi2 = R.T. (ln ci1 -ln ci2)
∆µ = R.T. ln (ci1/ci2)

Quando ci1 = ci2, ln 1 = 0 e portanto:


∆µ = 0, condição de equilíbrio

Se ci2 < ci1 então ∆ci < 0 e teremos um fluxo resultante de i do compartimento de
maior para o de menor potencial químico (Ji > 0), sendo portanto a difusão um processo
espontâneo.

88
3.2. Coeficiente de permeabilidade

O coeficiente de permeabilidade P tem dimensão de velocidade e indica a


facilidade com que uma determinada substância se difunde através de uma
determinada membrana.
Sua magnitude depende da temperatura, da natureza do soluto, do coeficiente
de difusão do soluto na membrana, da espessura da membrana, do coeficiente de
partição [Que é definido como a medida de solubilidade relativa de uma substância em
óleo e em água. Este parâmetro é importante em membranas biológicas] do soluto
entre a membrana e as soluções. Quanto maior a permeabilidade da membrana a um
dado soluto, mais facilmente este penetra na membrana e se difunde através dela.

No gráfico abaixo PA>PB>PC

Experimentalmente, é possível determinar-se a permeabilidade de uma


membrana a um soluto. A equação de Fick (5) é de uma reta (y = ax) e graficamente é
possível a determinação de P (ver parte prática), através do coeficiente angular da reta
obtida.

3.3. Fluxos unidirecionais

Definimos fluxo unidirecional como o número de partículas que atravessam a


membrana em apenas um sentido. Por convenção, usaremos a notação Jij um fluxo
do compartimento i para o compartimento j. É evidente que o fluxo resultante J é a
soma algébrica dos 2 fluxos unidirecionais através da membrana:

J = J12 + J21

89
(Obs. J12 e J21 têm sinais contrários)
Em uma difusão simples, o fluxo de uma partícula em um sentido é sempre
proporcional à concentração do compartimento de origem do fluxo, teremos então:

J12 = P c1 (6)

J21 = P c2 (7)

onde P é o coeficiente de permeabilidade. Somando algebricamente as expressões (6)


e (7) teremos o fluxo resultante J (Lei de Fick):

J = P ∆c

Os fluxos unidirecionais são medidos usando isótopos radioativos. Tais medidas


fornecem informações a respeito da simetria da membrana.
Em uma difusão simples através da membrana, os valores de P obtido pelas
relações acima devem ser iguais. Uma desigualdade nos valores de P calculados desta
maneira implica que devem estar ocorrendo fenômenos na membrana mais complexos
do que uma simples difusão, como por exemplo transporte ativo, difusão facilitada e
outros. Por exemplo, se observarmos que c1 = c2 e que P medido no sentido de 1 para
2 é maior que no sentido contrário, resultaria em J12> J21, isto seria equivalente à
existência de um fluxo resultante de soluto sem termos um gradiente de concentração
através da membrana. Logo, este sistema deve estar utilizando energia externa para
garantir esta assimetria de membrana, cujo resultado é este transporte sem gradiente.
É muito comum se encontrar em sistemas biológicos, transportes que se dão contra
gradiente, utilizando, é lógico, energia externa ao sistema para realizarem estes
trabalhos. Estes transportes são genericamente chamados de transporte ativo e será
o próximo assunto a ser estudado.

90
4. Resumo e conclusões

A membrana é um sistema através do qual deverão fluir diferentes moléculas ou


partículas, em ambos os sentidos.
Denomina-se fluxo a quantidade de partículas que flui por unidade de área por
unidade de tempo. O valor do fluxo pode ser determinado pela equação de Fick, J =
P∆c, onde P é coeficiente de permeabilidade da membrana ao soluto.
Fundamentalmente, a difusão é aquela que ocorre no sentido de uma região de
maior potencial químico (mais concentrada) para outra de menor potencial químico
(menos concentrada). Esta condição é fundamental de acordo com as leis da
termodinâmica. Desta maneira, o processo de difusão é espontâneo e se realiza as
custas das próprias energias do sistema.
Muitas propriedades dos organismos vivos estão associadas ao processo de
difusão. Entretanto, a difusão não é um processo eficiente para o transporte de
substâncias a longa distância. Assim, algumas células que têm volume celular
relativamente grande, assumiram uma forma que lhes possibilitam ter uma reduzida
razão volume/superfície.
As células musculares, por exemplo, têm freqüentemente mais de 10 cm de
comprimento, mas somente 10 a 100 µm de espessura. Desse modo, uma molécula
precisar se difundir apenas por uma curta distância e partir da superfície para alcançar
o centro da célula muscular (um exemplo típico disto seria a difusão do Ca2+ durante o
processo de contração muscular).

91
II. FLUXO DE ÁGUA (OSMOSE)

1. Introdução

A água é a substância mais abundante que se difunde através das membranas


biológicas, sendo o solvente biológico por excelência. O fluxo de água através de uma
membrana é sempre passivo, isto é, a água irá se difundir do compartimento de maior
potencial químico de água para o de menor potencial químico, de acordo com as leis da
termodinâmica e já definidas para o processo de difusão de soluto através de
membrana. Esta difusão particular de água é um processo denominado osmose. Os
processo osmóticos são fundamentais na distribuição de água entre os diversos
compartimentos do organismo e na manutenção do volume celular.
O objetivo desta aula é definir: 1) as forças responsáveis pelo fluxo de água
através de uma membrana, e 2) os conceitos de osmolaridade e tonicidade de uma
solução.

2. Pressão osmótica

Consideremos o sistema ilustrado na Figura. 1, onde o compartimento 1 contém


uma solução de um soluto i a uma concentração ci1 e o compartimento 2 contém uma
solução do mesmo soluto a uma concentração maior ci2 (ci1 < ci2). A membrana que
separa os dois compartimentos é rígida, estritamente impermeável ao soluto i porém
totalmente permeável a H20.
Este tipo de membrana, permeável a água e impermeável ao soluto é chamada
de membrana semi-permeável.
Partindo da situação descrita em A e deixando o sistema evoluir até atingir o
equilíbrio (situação B), notamos que:

ímembrana semi-permeável
1 2 1 2

∆P
A B

H2O H2O

Soluto ⊃ ⊂ Soluto Soluto ⊃ ⊂ Soluto

Figura. 1. Fluxo osmótico de água através de uma membrana semi-permeável.

92
1). Há um fluxo de água do compartimento 1, de maior potencial químico em H 2O, para
o compartimento 2, de menor potencial.

2). Em decorrência do fluxo de água de 1 para 2, há uma elevação da coluna líquida no


capilar introduzido no compartimento 2. A pressão existente no ponto A, localizado na
interface ar-líquido do compartimento 1, é a pressão atmosférica. Por outro lado, no
ponto B, a pressão exercida neste ponto é a pressão atmosférica mais a pressão
correspondente à coluna líquida (pressão hidrostática). Existe, portanto, uma diferença
de pressão (∆P) entre os dois compartimento. Esta ∆P ocasiona um fluxo de água do
compartimento 2 para o compartimento 1.

3). De maneira óbvia, o equilíbrio será atingido quando os fluxos de água nos dois
sentidos (de 1→2 em consequência da diferença de concentração do soluto
impermeante e de 2→1 em consequência da ∆ P) serão iguais.
Na condição de equilíbrio, a ∆P necessária e suficiente que deve ser aplicada no
compartimento mais concentrado é denominada pressão osmótica da solução (π ).
Por definição, pressão osmótica de uma solução é a diferença de pressão que
deve existir entre esta e seu solvente puro para que não haja fluxo de solvente através
de uma membrana semi-permeável. Seu valor é dado pela equação de van't Hoff:

∆P = π = R.T.∆Ci (1)

onde π é expresso em unidade de pressão (no S.I.: Pascal = Pa)


1 Pa = 1 N m-2 = 1 J m-3.
R constante universal dos gases (8,3 J K-1mol-1)
T temperatura absoluta em graus Kelvin (K)
∆ci diferença de concentração de soluto disperso e impermeante nos dois
compartimentos (mol/l).
A pressão osmótica é o parâmetro para se determinar o sentido do fluxo
resultante de água. O sentido da osmose é sempre da solução de menor pressão
osmótica para a de maior pressão osmótica.

93
Exemplo 1

Consideremos uma membrana semi-permeável separando 2 compartimentos


contendo água pura (lado 1) e uma solução de sacarose 0,1 M (lado 2). Calcular a
pressão osmótica desta solução (t = 25°C e R = 8.3 J/K.mol)) e indique o sentido do
fluxo resultante de água.
Pela equação de van't Hoff (1),

π = R.T.∆C
π = R.T. (C2 - C1) como C1 = 0
π = R.T.C2
π = 247,34 x 103 Pa

Como a pressão osmótica do compartimento 1 é menor que a do compartimento


2, o sentido do fluxo resultante de água é de 1 →2.

Exemplo 2

Consideremos uma membrana separando as seguintes soluções:

Solução 1: 0,5 M Ca Cl2 + 1 M Sacarose


Solução 2: 3 M uréia + 1 M Glicose
A membrana só é permeável à Uréia. Calcule a pressão osmótica do sistema e
indique o sentido do fluxo resultante de água.
Aplicando a equação de van't Hoff, lembrando que o ∆C se refere apenas aos
solutos impermeantes.

π = R.T.Σ (∆C)imp = R.T.Σ (C1 - C2)

π = R.T. (CCa1 - CCa2) + 2 (CCl1 - CCl2) + (Csac1 - Csac2) + (Cglic1 - Cglic2)

π = R.T. (0,5 + 1 + 1 - 1)
π = R.T. (1,5)
π = 3710,1 x 103 Pa

O fluxo resultante de água ocorre do compartimento de menor pressão osmótica


para o de maior pressão osmótica. Portanto, neste exemplo, ele é de 2→1.

94
3. Osmolaridade de uma solução

A osmolaridade ou concentração osmótica de uma solução depende do número


total de partículas dispersas na solução, e não da natureza química do soluto. Assim,
soluções contendo 1 mol de uréia ou 1 mol de sacarose, etc. terão todas a mesma
osmolaridade. Quando o soluto adicionado for um eletrólito deve-se considerar como
partículas dispersas todos os íons que este soluto fornece em solução. Exemplos: Uma
solução de 1 M de NaCl (Na+ e Cl-) tem a mesma atividade osmótica do que 2 M de
glicose, e 1 M de Na2SO4 (2 Na+ e SO42-) é equivalente a uma solução 3 M de um não
eletrólito. A unidade que expressa a osmolaridade de uma solução é osmol/litro. Desta
maneira, a osmolaridade de uma solução 1 M de glicose é de 1 osmol/l, 1M da NaCl
que contém 2 moles de partículas dispersas por litro é de 2 osmol/l.

4. Comparação entre osmolaridade e tonicidade de uma solução

Embora a osmolaridade possa ser utilizada para comparar as concentrações


osmóticas de soluções, é importante notar que tal comparação não fornece nenhuma
informação a respeito da permeabilidade da membrana ou do efeito da solução sobre o
volume celular. A osmolaridade, simplesmente relata quantas partículas osmoticamente
ativas a solução contém, mas não informa se elas podem ou não atravessar a
membrana.

Vamos comparar, por exemplo, o comportamento de hemácias quando


colocadas em 2 soluções, 0,15 M de NaCl e 0,30 M de uréia. Estas soluções tem a
mesma osmolaridade (0,30 osmol/l) e são isosmóticas entre si e em relação ao
conteúdo celular. No entanto a solução de NaCl 0,30 osmol/l não provoca alteração no
volume celular das hemácias, ao passo que a solução de uréia 0,30 osmol/l aumenta o
volume das hemácias acarretando hemólise com liberação do conteúdo celular
(particularmente da hemoglobina) para o meio extracelular. A explicação para esta
diferença reside na permeabilidade da membrana das hemácias. Ela é permeável à
uréia e não ao NaCl.

Soluções que provocam inchamento celular (aumento de volume) são chamadas


de soluções hipotônicas em relação à célula (por exemplo a solução 0.30 osmol/l de
uréia é isosmótica e hipotônica em relação às hemácias). Soluções que acarretam
diminuição do volume celular são hipertônicas em relação à célula (por exemplo uma
solução 0.40 osmol/l de NaCl em relação as hemácias). Soluções que não induzem
alteração no volume celular são isotônicas (por exemplo a solução 0,30 osmol/l de
NaCl em relação às hemácias (Figura 3)

95
Figura 3. Variação no volume celular em função da tonicidade da solução em relação à
célula.

A tonicidade de uma solução é sempre definida em relação à permeabilidade


da membrana ao soluto. Uma solução de uréia 0,3 M pode ser hipotônica para um tipo
de célula e isotônica em relação a outra, isto é, a membrana da primeira célula é
permeável à uréia e a da segunda é impermeável à esta substância.

Importância da tonicidade: para as células não terem que despender maior


energia na manutenção do seu meio interno, deve-se colocá-las em solução isotônica
quando se tratar de células isoladas ou fragmentos de tecidos, ou perfundir com
soluções isotônicas quando se tratar de órgãos isolados.

96
III. BIBLIOGRAFIA

- Giese, A. C. Cell Physiology. 3o Ed. W. B. Saunders


Company, Philadelphia, 1968

- Vander, A. J.; Sherman, J. H.; Luciano, D.S. Human Physiology:


The Mechanism of body function.. McGraw-Hill
Book Company. New York, 1970.

- Lacaz-Vieira, F. & Malnic, G. Biofísica, Guanabara Koogan, Rio de


Janeiro, 1981.

.-.Schultz, S. G. Basic principles of membrane transport. Cambridge University


Press, New York, 1980.

97
QUESTIONÁRIO DE DIFUSÃO

1. Dois compartimentos separados por uma membrana têm a seguinte composição:


Compartimento 1: glicose 0.1 M
NaCl 0,1 M

Compartimento 2: glicose 1M
NaCl 1M

A membrana não deixa passar o cloreto. (Dados: R = 8,3 J/K.mol e T = 298K)


Pergunta-se:
a) a glicose e o Na+ estão em equilíbrio?
b) Qual deve ser a condição de equilíbrio para cada um deles?

2. Represente o gráfico, Jres x ∆C e responda:

a) Qual é a relação entre Jres e ∆C?


b) Qual é a força responsável pelo fluxo?

3. O que é uma membrana semi-permeável e seletivamente permeável?

4. Uma membrana semi-permeável separa dois compartimento (1 e 2), contendo água


pura e solução 0,1M de glicose, respectivamente. Analise o fluxo de água, indicando o
seu sentido e a condição de equilíbrio nas 2 situações abaixo.

1 2 1 2

5. Defina osmose e pressão osmótica. Qual a condição para se ter, entre 2


compartimentos contíguos, um fluxo resultante de solvente?

98
6. a) Calcule a osmolaridade das seguintes soluções:

Solução A: NaCl 137 mM


CaCl2 2 mM
sacarose 0,4 M
glicose 150 mM

Solução B: KCl 35 mM
NaHCO3 0,07 M
CaCl2 15 mM
glicose 300 mM

Estas soluções foram colocadas em dois compartimentos separados por uma


membrana. (Dados: R = 8,3 J/K.mol e T = 298K)

b) Qual é o sentido do fluxo resultante de água no caso da membrana ser semi-


permeável?
c) Qual o sentido do fluxo resultante de água no caso da membrana ser
impermeável apenas à glicose.

7. Glóbulos vermelhos foram colocados nas seguintes soluções:

conc. (M) soluto alteração do volume


0.15 NaCl não mudou
0.20 NaCl murchamento
0.075 NaCl hemólise
0.30 sacarose não mudou
0.30 uréia hemólise
0.40 uréia hemólise
0.30 sacarose
+ +
0.40 uréia

a) Classifique estas soluções quanto à osmolaridade e tonicidade em relação ao


glóbulo vermelho.
b) Qual é a concentração total de partículas impermeantes na hemácia?
c) Do ponto de vista fisiológico, qual dos dois parâmetros é mais importante?

99
8. Discuta a Lei de Lambert-Beer e tente imaginar uma situação em que ela não é
obedecida.

9. Qual a sequência de experimentos (gráficos) que você faria para identificar e,


posteriormente, descobrir a concentração de uma substância que absorve na região do
visível?

10. Defina exatidão e precisão de uma medida.

100
IV. PARTE EXPERIMENTAL

A. DIFUSÃO DE SUBSTÂNCIAS ATRAVÉS DE UMA MEMBRANA ARTIFICIAL

I- Introdução

Nas próximas duas aulas serão discutidos e aplicados experimentalmente os


conceitos termodinâmicos e suas consequências já analisadas na seção anterior,
voltadas agora a um fenômeno biológico central (transporte de soluto através de uma
membrana).
A importância deste assunto pode ser facilmente captada por vocês se
imaginarem que a manutenção da vida, em todos os níveis, depende da interação do
ser que a possui com o seu meio ambiente e se levarmos isto ao nível celular, isto
implica dizer que a vida da célula depende do intercâmbio do seu citoplasma com o
meio extracelular (trocas de matéria e de energia), sendo a barreira entre estes dois
compartimentos a membrana plasmática.
Com a finalidade de simplificarmos o nosso trabalho, iniciaremos estudando os
princípios físico químicos que governam a passagem de um soluto (no caso será o
permanganato de potássio) através de uma membrana artificial (de celofane).
Estudaremos também o fluxo de um solvente em membrana seletivamente permeável à
H20 (osmose) e em hemácias.
Uma vez assimilados estes conceitos básicos na membrana artificial, vocês os
aplicarão na 2a parte do curso de Físico-Química a ser dada no 2o semestre, quando
estudarão o fluxo de soluto através de uma membrana biológica.

101
B. INTRODUÇÃO GERAIS PARA USO DO FOTÔMETRO

1) Ligar o aparelho e selecionar o filtro ou o comprimento de onda


desejado.

2) Após 5 minutos de aquecimento, ajustar o zero movimentando o botão


regulador do "zero" até que a agulha do galvanômetro indique 0% na escala de
transmitância. O "zero" flutua com a variação de voltagem e durante o uso do aparelho
você deve assegurar-se sempre de que a agulha do galvanômetro indica T% = O
quando não há tubo inserido no aparelho.

3) Inserir no aparelho uma cubeta contendo apenas o solvente em que está


dissolvida a substância que se quer determinar. Esse tubo chama-se "branco" e serve
para corrigir a absorção da luz devida ao solvente. Ajusta-se o aparelho fazendo-se
com que o "branco" acuse 100% na escala de transmitância. No fotômetro "Spectra"
isto se consegue movendo o botão preto colocado na frente do instrumento; no
"Micronal" ajusta-se de modo aproximado com o botão rotulado "100% grosso" e depois
faz-se um ajuste mais exato com o botão marcado "100 fino". O ajuste com o branco
também deve ser feito sempre durante o uso do aparelho.

4) Inserir no aparelho uma cubeta (de mesma espessura que a usada para o
"branco") com a solução cuja absorbância ou transmitância se deseja saber, e fazer a
leitura no galvanômetro. Procure o instrutor que mostrará para você como se maneja e
calibra o colorímetro fotoelétrico.

102
C. CONSTRUÇÃO DA CURVA PADRÃO DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO
(FOTOMETRIA)

Para podermos acompanhar a passagem do permanganato de potássio através


da membrana de celofane, devemos ter em mãos alguma técnica que nos permita
medir a quantidade de soluto que se difunde através da membrana num dado intervalo
de tempo.
Tratando-se de um corante, um dos métodos físico químicos mais apropriados
para isto é a Fotometria.

OBJETIVO: CONSTRUIR UMA CURVA PADRÃO DE KMNO4 QUE SERÁ UTILIZADA PARA SE DETERMINAR
CONCENTRAÇÕES DESCONHECIDAS DE SOLUÇÕES DESTA SUBSTÂNCIA (VIDE A SEGUNDA AULA).

1. PREPARAÇÃO DE DIFERENTES SOLUÇÕES DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO (KMNO4) DE


CONCENTRAÇÕES CONHECIDAs.

Enumere 5 tubos de ensaio de 1 a 5. Nestes tubos prepare diferentes diluições


de solução de KMnO4 0,10 g/l como está indicado na tabela abaixo:

Tubo KMnO4 H2O Concentração de


(ml) destilada KMnO4
(ml) (g/l)
1 1 9
2 2 8
3 3 7
4 4 6
5 5 5

Copie esta tabela em seu caderno de relatório, completando-a com os respectivos


valores da concentração de KMnO4 nos diferentes tubos, que você deve calcular.
Apresente-a ao instrutor e seus resultados estiverem corretos, você passará ao passo
seguinte.

103
2. PROTOCOLO PARA CONSTRUÇÃO DA CURVA PADRÃO DE KMNO4

Com os tubos de concentrações conhecidas de KMnO4 em mãos, faça a leitura


da absorbância e da transmitância e complete a tabela abaixo:

Tubo Concentração de Absorbância Transmitância


KMnO4
(g/l)
1
2
3
4
5

104
D. DIFUSÃO DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO ATRAVÉS DE MEMBRANA DE
CELOFANE.

Objetivo: Estudar o fenômeno de difusão de um soluto através do ajuste dos


resultados experimentais à equação de Fick e do cálculo da
permeabilidade da membrana ao soluto.

Montagem experimental:

Um pedaço de celofane deve ser colocado separando duas câmaras como


mostra a Figura. 1 (abaixo)

Figura. 1. Montagem da membrana de celofane separando dois compartimentos:


E = câmara esquerda; D = câmara direita, R = rotor responsável pela agitação da
solução na câmara esquerda, M = membrana de celofane.

No compartimento D coloca-se KMnO4 0,5 g/l (10 ml), através de uma seringa.
Verifique se não há vazamento para fora ou para a outra câmara. Se não houver,
coloque água destilada na Câmara E. Introduza neste último compartimento (E) o
agitador elétrico, ligue o motor e inicie a contagem do tempo. Aos cinco (5) minutos
retire toda a solução da Câmara E com uma seringa e recolha-a num tubo de vidro
rotulado. Lave a câmara E com um pouco de água destilada e recoloque água destilada
neste compartimento repetindo as manobras anteriores. Aguarde dez (10) minutos
desta vez. Repete-se estas operações até preencher a seguinte tabela:

105
Tabela 1

Tempo Absorbância Concentração de KMnO4


(min) (g/l)
5
10
15
20

Procedimento:

As soluções recolhidas com a seringa no fim destes diferentes intervalos de


tempo deverão ter suas respectivas concentrações determinadas fotometricamente.
Para isto você deverá determinar suas absorbâncias no mesmo fotômetro com o qual
você, na aula passada, construiu a curva padrão de KMnO4. Através desta curva
você deverá determinar as concentrações respectivas, acabando assim de preencher a
tabela 1. Construa o gráfico da concentração da solução na câmara E em função do
tempo e a partir deste determine permeabilidade da membrana do KMnO4.

106
ORIENTAÇÃO PARA DISCUSSÃO DO RELATÓRIO

1. Identifique as funções matemáticas obtidas nos gráficos T = f(Conc) e A = f(Conc).


Foram elas compatíveis com o teórico esperado?

2. Por que foi escolhido o λ = 525 nm? O que aconteceria se a curva padrão fosse lida
em um outro λ ?

3. Qual o valor de ξ (coeficiente de absorção) para o KMnO4

4. Por que agitou-se apenas o compartimento contendo água?

5. Se partíssemos de uma concentração menor de KMnO4 na experiência de difusão,


qual seria a alteração dos parâmetros J12 , J21, Jres , ∆C e P ?

6. O que aconteceria se a membrana fosse semi-permeável ?

107
IV. MEDIÇÕES E ERROS

A Biologia, que até recentemente era uma ciência muito empírica e descritiva, tem
sofrido um grande impulso devido a aplicação dos métodos quantitativos da Física e da
Química no estudo de fenômenos biológicos. Em consequência, a descrição
quantitativa assumiu grande importância para os biologistas, e em particular para os
médicos, que devem estar bem capacitados para aquilatar o valor e as limitações dos
dados numéricos com que eles tem que se haver constantemente. Entre estes
preponderam os que representam medidas, isto é, números obtidos através de
medições.

Toda medição é acompanhada de um certo erro cuja magnitude deve ser


conhecida para que o valor da medida tenha significação.

O termo erro pode ter dois significados diferentes: 1) diferença entre um valor
medido e o valor "verdadeiro” (desvio), e 2) incerteza estimada de um experimento.
Neste caso é o valor que acompanha a media do experimento, por exemplo, 123,45 +
0,06, onde o erro tem a mesma unidade que a media (Há, ainda, o termo discrepância
que significa falta de coincidência entre duas medidas de uma grandeza, tenham sido
obtidas no mesmo experimento, pela mesma pessoa ou não).
Os erros são usualmente classificados em sistemáticos e acidentais.

Erros sistemáticos são aqueles que ocorrem por um vício constante da técnica
de medição. O uso de instrumentos com calibração errada, por exemplo, uma régua
que marca 30 cm quando deveria marcar 29,7 cm, é uma das causas possíveis de
erros sistemáticos (erro instrumental). Outras causas comuns de erros sistemáticos são
o uso de métodos de medição inadequada (erro metodológico) e vícios do observador
(erro pessoal).

Erros acidentais são devidos a causas independentes do instrumento ou da


técnica usados e que escapam ao controle do observador. Se um mesmo observador
medir cuidadosamente uma grandeza, repetindo a medição várias vezes em idênticas
condições, irá obter várias medidas ligeiramente discrepantes. Se os erros sistemáticos
forem afastados, a melhor estimativa, do valor da grandeza medida será a media
aritmética dos valores obtidos.

Os erros acidentais ocorrem de modo casual, sendo igual a probabilidade de


cometer erros para mais e para menos do valor médio.

108
Se fizermos um numero muito grande de medições da mesma grandeza e ao
representarmos graficamente, colocando em abscissas os valores encontrados e em
ordenadas a frequência com que cada valor foi obtido, teremos uma distribuição normal
de freqüências ( Fig. 1), em que a medida obtida mais vezes (com maior frequência)
será o valor médio de todas as medidas obtidas. Quanto maior numero de vezes for
feita uma medição, maior será a probabilidade de os erros positivos anularem os
negativos na obtenção da media aritmética, que merecerá maior confiança. Entretanto,
isto não significa que para se obter o valor "real" de uma magnitude basta se fazer um
numero grande de medições e calcular sua media, pois por maior que seja o numero de
medições feitas o erro sistemático porventura existente não será corrigido. A figura 1
ilustra este aspecto mostrando a distribuição de freqüências dos dados obtidos na
medição de uma grandeza.

Figura. 1. Erros sistemático e acidental.

O erro acidental é a causa da dispersão das medidas em torno de seu valor médio
e o erro sistemático é responsável pela diferença entre o valor médio encontrado
e o valor real da grandeza.

Exatidão e Precisão. Diz-se que uma medida tem grande exatidão quando em
sua obtenção houve pequeno erro sistemático. Diz-se que uma medida tem
grande Precisão quando foi obtida com pequeno erro acidental. Exatidão e
precisão são, pois, qualidades diferentes das medidas que podem ou não ocorrer
juntas.

A figura 2 permite estabelecer um paralelo entre tiros ao alvo e utilização de

109
instrumentos de medida. Em ambos casos os erros acidentais originam falta de
precisão e o erros sistemáticos originam inexatidão.

Figura. 2. Alvos atingidos por tiros disparados por diferentes atiradores utilizando armas
diferentes.

EXERCÍCIO

Complete com as palavras grande e pequena.

Figura. 3. Distribuição de frequência das medidas de uma mesma grandeza feitas com
quatro técnicas diferentes: (1) precisão e exatidão; (2) precisão e exatidão; (3) precisão
e exatidão e (4) precisão e exatidão.

Exatidão das medições. Calibração dos Instrumentos.

Antes de se usar qualquer instrumento de medição é necessário conhecer sua


exatidão, isto é, a magnitude do erro sistemático cometido nas medições obtidas com
esse instrumento. Isto se faz medindo-se uma grandeza cuja magnitude é conhecida.

110
Essas grandezas são chamadas de padrões e sua magnitude real é definida por
convenção. Por exemplo, a distância entre duas marcas em uma barra de platina
iridiada e mantida a 0°C no Instituto de Pesos e Medidas de Paris, é definida como
sendo de um metro. Este é, por definição, o comprimento real da barra entre as duas
marcas. Para conhecermos a exatidão de uma fita métrica, por exemplo, medimos com
ela o comprimento padrão e após afastado o erro acidental (realizando-se várias
medidas e tirando-se a media), determinamos a diferença entre o valor obtido e o valor
real, que nos dará o erro sistemático do instrumento. Este processo é chamado
calibração do instrumento. Uma vez conhecido o erro sistemático da fita métrica,
dizemos que ela está calibrada é sempre que a usarmos em medições poderemos
corrigir o valor das medidas efetuadas eliminando o erro sistemático .

A calibração dos instrumentos de medição é um pré-requisito essencial para sua


utilização. Nos experimentos que fará durante o curso, o aluno deverá sempre se
informar sobre como os aparelhos são calibrados para ter uma idéia da confiança
merecida pelos dados que irá obter.

111
V. FOTOMETRIA

1. Introdução

A fotometria estuda a propriedade que inúmeros compostos químicos possuem


de absorverem radiações eletromagnéticas. Como esta absorção e específica para um
determinado composto, pode-se obter rapidamente dados que poderão auxiliar no
aspecto de sua identificação. Com base em leis simples (ver adiante) que regem este
fenômeno da absorção, poderemos também obter o valor da concentração de soluções
contendo tais compostos principalmente os de interesse biológico ou químico. Maiores
detalhes da parte teórica deste fenômeno de absorção e os equipamentos utilizados
serão comentados nos tópicos seguintes.

2. Radiações eletromagnéticas - características

Usualmente uma dada espécie de radiações eletromagnéticas é caracterizada ou


pelo valor de sua energia (E) ou pelo seu comprimento de onda (λ ) e a relação entre
ambos e dada pela equação 1:

E = hυ = h c/λ (1)

Onde: h = constante de Planck


υ = frequência da radiação
c = velocidade da luz (no vácuo)

O amplo espectro destas radiações eletromagnéticas está representado de uma


maneira sumaria na Tabela I em função da energia ou do comprimento de onda destas
radiações:

112
Tabela I. Principais tipos de radiações eletromagnéticas em função do seu valor
energético e de seu comprimento de onda.

tipos de radiações Energia (J/mol) Comprimento de onda (nm)


12 11
Raios cósmicos 10 – 10 10-5 - 104
Raios X 108 – 107 10-1 – 1
Ultra violeta 4.106 – 4.105 9.101 – 3.102
Visível 3.105 - 105 3.102 – 8.102
Infra vermelho 1.105 – 2.103 103 – 105
Microondas 2.102 – 4.101 5.106 – 4.107
Ondas de televisão 1 – 2.10-1 3.108 – 2.109
Ondas de radio 2.10-2 – 4.10-4 3.1010 – 7.1012

2.1 Interação da radiação com a matéria

O efeito que uma radiação eletromagnética provoca ao incidir em uma molécula


qualquer depende basicamente de sua energia. Deste modo, radiações altamente
energéticas (raios cósmicos, raios X) conseguem arrancar elétrons dos átomos
provocando principalmente o efeito da ionização molecular. Já as radiações
intermediárias (ultravioleta ou visível), quando incidem sobre uma molécula, fazem com
que alguns de seus elétrons absorvam parte desta energia incidente, passando de
estados basais para `estados com maior nível de energia (excitação eletrónica). As
radiações infravermelhos também sofrem absorções nas moléculas, mas por serem
menos energéticas que as anteriores, apenas induzem deformações nas ligações
químicas. E finalmente, as radiações mais fracas (ondas de TV, radio) somente
induzem algumas perturbações inespecíficas, dissipando-se geralmente em forma de
calor.

2.2. Espectro de absorção

Como vimos no tópico anterior, radiação ultravioleta e visível possuem a


propriedade de sofrerem absorção por algumas moléculas devido ao fenômeno da
excitação eletrônica. Esta absorção, é sempre quântica, isto é, dá-se por um salto entre
níveis de energia bem definidos, de modo que cada elétron só absorve energia quando
esta tem o valor certo para promover a sua passagem entre o seu nível basal e um dos
estados de maior energia que ele pode ocupar. E estes estados dependem da estrutura

113
molecular de modo que os elétrons de diferentes moléculas são capazes de absorver
diferentes e bem definidas quantidades de energia da radiação eletromagnética
incidente.
Por isso, quando a luz visível ou ultra violeta incide sobre certos tipos de
molécula, estas absorvem apenas a radiação com comprimentos de onda cujas
energias correspondem às transições eletrónicas permissíveis. Cada molécula,
portanto, possui um espectro de absorção de luz característico, que pode permitir a sua
identificação. Como exemplo, a figura 1 mostra o espectro de absorção de quatro
moléculas diferentes (o termo absorbância será definido posteriormente).

114
Figura. 1. Espectros de absorção da luz ultravioleta e visível por soluções aquosas da
tirosina (I), para-nitrofenol (II), hemoglobina (III) e CuSO4 (IV).

2.2. Espectrofotômetro,

Espectros como o da Fig. 1 podem ser obtidos com aparelhos do tipo


esquematizado na Fig. 2, cujos componentes principais são:

1. Fonte de luz policromática depende do comprimento de onde desejado


(lâmpada de tungstênio: luz branca para o visível; de hidrogênio: ultravioleta).

2. Espelho plano que reflete a luz sobre o colimador.

3. Colimador que reflete um feixe de raios paralelos sobre o monocromador.

4. Monocromador (pode ser um prisma ou uma grade de difração) para


dispersar, a luz.

5. Fenda que deixa passar um feixe monocromático cujo comprimento de onda

115
depende da posição do prisma

6. Luz incidente e o feixe monocromático que passou pela fenda

7. Cubeta que contem o material em estudo, que absorve a luz incidente.

8. Luz transmitida que emerge da cubeta.

9. Célula fotoelétrica que é um detetor sensível à radiação luminosa.

10. Galvanômetro que recebe um sinal elétrico da célula fotoelétrica e permite a


leitura da intensidade de luz transmitida

11. Amplificador

Figura. 2. Esquema de um espectrofotômetro.

3. Colorimetria

Por definição, colorimetria e uma parte da fotometria pelo qual pode-se obter a
concentração de soluções através da medida de suas respectivas absorções da luz em
um dado comprimento de onda (de uma dada cor). Geralmente este comprimento de
onda está no intervalo de 350 nm a 850 nm que corresponde ã faixa de luz visível.

3.1. Lei da absorção de soluções (Lambert-Beer)

Se um raio de luz monocromático atravessar a solução de uma substância capaz

116
de absorver energia desse comprimento de onda (λ), parte da luz que incide sobre a
solução e absorvida e não emerge do outro lado. Chama-se transmitância (T) a razão
entre a intensidade de luz emergente I, e a intensidade da luz incidente Io:

I onde o valor de
T=- T (adimensional) (2)
Io e rotineiramente dado em (%)

Lei de Lambert-Beer. Se uma solução for atravessada por luz de comprimento de


onda absorvido pelo soluto, mas não pelo solvente, a transmitância dependerá da
concentração do soluto (c) e da espessura da solução atravessada pela luz (l). Esta
dependência e descrita quantitativamente pela lei de Lambert-Beer segundo a qual,
para um determinado comprimento de onda,

T = 10 -ε .c.l
(3)

onde ε é uma constante característica do soluto em questão chamada coeficiente de


absorção ou de extinção. A equação (3), sendo exponencial, pode ser expressa na
forma linear se tomarmos o logaritmo decimal de ambos os membros:

log T = -ε.c.l ou -log T = ε.c.l

O valor -log T (colog T) é chamado absorbância (A) ou densidade ótica da solução.

A = ε.c.l

Portanto, para uma determinada espessura da solução (l), a absorbância é


diretamente proporcional à concentração.

3.2. Fotômetros(ou colorímetros)

Para a determinação fotométrica da concentração de soluções usaremos nas


aulas práticas aparelhos mais simples que o espectrofotômetro esquematizado na Fig.
2, onde o monocromador é substituído por filtros. Esses aparelhos (Fig. 3) são
constituídos de uma fonte luminosa, L, que emite luz branca, a qual atravessa um filtro,
F. que seleciona a luz do comprimento de onda desejado. Cada aparelho possui vários

117
filtros que são feitos de vidro colorido e rotulados com o valor do principal comprimento
de onda que eles deixam transmitir. Note-se, entretanto, que o filtro não transmite luz
monocromática mas sim um feixe de comprimentos de onda. A luz transmitida pelo filtro
passa através de uma cubeta (C), de calibre determinado, que contem a solução em
estudo, e vai incidir sobre uma célula fotoelétrica (S), que traduz a intensidade luminosa
em um sinal elétrico que e detectado por um galvanômetro, G. A escala do
galvanômetro pode ser graduada de modo a indicar a transmitância ou a absorbância
da solução colocada em C. A escala de transmitância vai de 0% (T = 0) até 100% (T =
1) [100 % de transmitância significa que toda a luz incidente é transmitida, donde I = I o e
T=I/Io =1; 30% de transmitância significa que I = (30/100).Io, donde T=I/Io = 0,3; e assim
por diante]. A escala de absorbância é graduada desde 0 (correspondendo a 100% na
escala de transmitância, pois se T = 1, A = - log 1 = 0) até ∞ correspondente a T = 0,
pois - log 0 = ∞).

Figura 3. Esquema de um fotômetro

4 Conclusão

A propriedade que a grande maioria dos compostos químicos possui de absorver


especificamente radiações eletromagnéticas é utilizada principalmente na fotometria
para auxiliar na identificação (pelo λ max e pelo ε ) e no cálculo da concentração (pela A)
de um determinado soluto em solução. Por se tratar de um método rápido e simples, é
amplamente empregado não só nas pesquisas químicas e biológicas mas também na
área medica, principalmente no setor de exames laboratoriais (determinação do teor de
glicose, hemoglobina, enzimas, etc.) importantes para o diagnóstico (e as vezes para
terapêutica) de várias patologias.

118
ESTRUTURA DE MEMBRANA BIOLÓGICA

TIPOS DE TRANSPORTE

BIOELETROGENESE

1. Descrever a estrutura e composição da membrana biológica, aplicando os conceitos


de bioenergética.
2. Conhecer os tipos de ligações químicas envolvidas na estruturação da membrana
biológica.
3. Descrever e entender as funções da membrana.
4. Analisar a relação entre coeficiente de participação de um soluto em óleo/água e o
seu coeficiente de permeabilidade: evidência da existência de canais.
5. Descrever as características do transporte passivo simples, mediado e do transporte
ativo.
6. Descrever a cinética de transporte realizado por carregador: equação de Michaelis-
Menten.
7. Determinar graficamente Km e Jmáx.
8. Analisar as condições para a gênese e manutenção de uma diferença de potencial
através de uma membrana: equações de Nernst e de Goldman, Hodgkin e Katz.
9. Entender o potencial de repouso de uma célula.
10. Reconhecer os íons que estão em equilíbrio através da membrana celular.
11. Entender a função da bomba Na+/K+.
12. Descrever o equilíbrio de Donnan
13. Diferenciar entre transporte ativo primário e secundário.

Conexões com outras disciplinas: Bioquímica, Fisiologia, Nefrologia, Cardiologia, etc.

119
MEMBRANA BIOLÓGICA

(ESTRUTURAÇÃO E TRANSPORTE)

1. Introdução e objetivos

A vida de qualquer ser vivo depende da sua capacidade de interação com o meio
em que vive. Se considerarmos isto a nível celular, observaremos que a vida da célula
depende da troca de informações e de substâncias entre o meio externo (extracelular
ou intersticial) e o meio interno, através da membrana. Podemos visualizar a célula
como um conjunto de compartimentos, cada qual com composição química diferente e
com capacidade de realizar conjuntos distintos de reações químicas. Cada
compartimento é, portanto, separado dos demais por uma membrana. Assim temos,
além da membrana plasmática, as membranas que envolvem cada organela celular
(mitocôndria, sistema de Golgi, núcleo, etc.). Já que, para a sua sobrevivência, a célula
necessita receber matéria prima e eliminar os produtos manufaturados (mantendo ao
mesmo tempo a constância do meio intracelular), sua unidade estrutural básica é a
membrana cuja função é a de agir como barreira à entrada e saída de substâncias.
O objetivo principal das aulas a seguir é, em primeiro lugar, analisarmos a
estruturação das membranas biológicas não somente em termos puramente de
composição química, mas também do ponto de vista bioenergético baseando-nos nos
princípios e conceitos vistos anteriormente. O entendimento mais completo de como, no
caso das membranas biológicas, diferentes moléculas orgânicas ou íons dispersos
aleatoriamente em meio aquoso tendem espontaneamente para a formação de uma
estrutura definida, servirá de modelo de raciocínio a ser extrapolado para a formação
de outras estruturas complexas como a célula, tecidos e órgãos.
Em segundo lugar pretendemos analisar alguns fenômenos físico-químicos
envolvidos no transporte de substâncias através da membrana, visualizar os fatores
que influenciam estes transportes, caracterizar os tipos de transporte existentes na
célula e, finalmente, descrever as propriedades da membrana de uma célula excitável
em repouso e em atividade.

2. Bases energéticas para a estruturação de unidades funcionais nos organismos


vivos

Um ser vivo deve ser encarado como uma entidade dinâmica permanentemente
sofrendo transformações. Se, por um lado, os constituintes orgânicos interagem na
busca de uma maior estabilidade (menor conteúdo de energia livre), por outro lado,
precisam de uma fonte externa de energia para reativar todos ou alguns destes

120
estados, estabelecendo uma sequência de transições cíclicas que no final de tudo irão
possibilitar a manutenção da vida propriamente dita (em estado de fluxo constante).
O organismo vivo é constituído predominantemente de água, moléculas
orgânicas grandes e pequenas e de íons que se complexam em diversos níveis de
organização (complexos moleculares livres, organelas, células, tecidos, órgãos, etc.),
de modo a formar um conjunto harmônico e capacitado a exercer funções múltiplas e
altamente sofisticadas, como as requeridas nos mecanismos vitais.
Quais serão, portanto, as bases energéticas (termodinâmicas) que no final das
contas irão explicar, por exemplo, que moléculas de miosina se "atraiam" formando o
filamento grosso em um sarcômero, ou que moléculas de naturezas químicas diferentes
como lipídeos, proteínas, íons e água acabem formando uma estrutura extremamente
ordenada e complexa como a membrana?
Para que possamos começar a responder, em parte, a perguntas desta natureza,
precisamos agora introduzir ou relembrar resumidamente certos conceitos básicos.

2.1. Tipos de ligações químicas

A formação de estruturas complexas estáveis num organismo vivo subentende a


interação de diversos tipos de moléculas entre si, com afinidades químicas específicas.
Recapitularemos de modo sucinto os principais tipos de ligações químicas, exceto as
clássicas (covalentes).

a) Interações eletrostáticas

Ocorrem entre cargas e podem ser de atração (cargas de sinais contrários) ou


de repulsão (cargas de mesmo sinal). Como exemplos, além de íons inorgânicos,
temos cargas elétricas em grupos carboxilatos (COO-), amínicos (NH3+) e outros,
presentes em proteínas e alguns tipos de lipídeos.

b) Interações polares

São mais fracas que as eletrostáticas e ocorrem principalmente entre dipolos. A


maioria das moléculas biológicas possui dipolos permanentes formados pelas ligações
covalentes entre átomos de eletronegatividades diferentes ou com assimetria na
distribuição eletrônica. Como exemplos de dipolos temos:

C=O C N S H O H N H
δ + δ- δ+ δ- δ- δ+ δ- δ+ δ- δ+

121
As pontes de hidrogênio constituem um caso especial de interação polar,
apresentando um requisito geométrico bastante definido:

NH------------O = C

Na figura acima, o átomo de oxigênio é o receptor e o átomo de nitrogênio é o


doador de hidrogênio. Para que a ponte de hidrogênio seja formada é preciso que as
ligações covalentes contendo o doador e o receptor de hidrogênio estejam numa
posição relativa adequada, isto é, o eixo destas ligações deve estar na mesma linha.
Além disso, a distância entre o hidrogênio e o receptor (o átomo de oxigênio) precisa ter
um valor bem definido. Se estas condições não forem perfeitamente satisfeitas, haverá
a formação de uma interação do tipo polar comum entre NH e C=O. A diferença entre
estas duas condições é que a ponte de hidrogênio contribui muito mais para diminuir a
entalpia de um sistema do que a interação polar comum.

c) Interação de van der Waals (dipolo induzido e instantâneo)

Os elétrons em um átomo ou em uma molécula encontram-se em movimento


contínuo de modo que em períodos de tempo extremamente curtos, as nuvens
eletrônicas podem criar distorções na distribuição de carga originando os dipolos
instantâneos. Ao mesmo tempo, dipolos permanentes podem induzir uma assimetria de
carga semelhante em ligações químicas homopolares vizinhas criando dipolos
induzidos. As interações entre estes tipos de dipolos são extremamente fracas e de
alcance muito curto (interações de van der Waals), pois requerem uma aproximação
íntima dos grupos químicos participantes. Como exemplos, temos as interações entre
moléculas de metano, butano, benzeno, etc.

2.2. Água

A água representa a maior parte da massa total de um organismo vivo. É,


portanto, o solvente universal de reações biológicas e está presente em todas as
estruturas. Obviamente, a análise da sua interação com solutos de diferentes
características químicas deve ser essencial para um entendimento mais completo de
todos os processos biológicos.
A molécula de água pode ser representada do seguinte modo:

δ-
O
H H
δ+ δ+

122
É, portanto, uma molécula polarizada (dipolo permanente), formando
predominantemente pontes de hidrogênio com outros grupamentos polares ou com
outras moléculas de água. Soluções aquosas puras são geralmente constituídas, não
apenas por moléculas de água aleatoriamente dispersas, mas por uma mistura de
complexos, alguns dos quais estão representados a seguir:

O O O O

H H H H H H H H

O O O O

H H H H H H H H

O O

H H H H

Figura 1. Alguns tipos de complexos na estrutura da água.

2.3. Energética das interações biológicas

Recapitulando resumidamente o que vimos no tópico Bioenergética, sabemos


que todos os processos biológicos nos animais homeotérmicos ocorrem a temperaturas
definidas (37°C) e a uma pressão ambiente constante em torno de uma atmosfera.
Nestas condições, a análise termodinâmica de qualquer tipo de interação pode ser
efetuada com base na equação clássica:

∆ G = ∆H - T∆S

E, se considerarmos que a maioria destes processos também ocorre sem


alterações significativas de volume, a equação ainda passa a ser representada do
seguinte modo:

∆G = ∆E - T∆S

Deste modo, a espontaneidade de qualquer processo que envolva interações


moleculares é regida basicamente pelos fatores entálpico e entrópico do sistema.

123
Quanto maior a diminuição da entalpia e/ou aumento da entropia (desordem do
sistema) mais estável será a estrutura formada, pois esta atinge um valor mínimo de
energia livre (∆ G << 0).
Voltemos agora ao exemplo de um complexo sendo formado a partir de uma
mistura heterogênea de inúmeras moléculas orgânicas e íons e tendo-se a água como
o único solvente deste processo de estruturação. Logicamente a espontaneidade ou
não da formação deste complexo será dependente da somatória dos fatores entálpicos
e entrópicos de todas as interações químicas efetuadas (formadas ou rompidas) entre
os diferentes solutos entre si e com as moléculas de água.
Para que possamos entender melhor este processo da formação do complexo,
precisamos agora introduzir o seguinte tópico:

INTERAÇÃO ÁGUA-SOLUTO (HIDRATAÇÃO)

a) Hidratação de moléculas apolares

É a interação da água com moléculas ou grupamentos químicos apolares


(geralmente moléculas biológicas contendo cadeias alifáticas ou aromáticas). Estes
compostos apolares interagem apenas por ligações fracas (van der Waals) pois podem,
no máximo, apresentar dipolos instantâneos ou induzidos.
Estes compostos, isoladamente em contato com a água, tendem a apresentar os
seguintes efeitos termodinâmicos:

|||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Composto apolar + H2O ⇔  Composto apolar 
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||

água mais
estruturada
(∆S < 0)

Há uma nítida diminuição da entropia do sistema devido a uma organização


maior das moléculas de água em torno do soluto apolar (formam-se complexos de água
maiores - ver Figura 1). E por serem moléculas com possibilidade de interagir apenas
por ligações muito fracas, praticamente não se observam alterações no valor entálpico
deste processo (∆H ≅ 0). Deste modo, como há uma predominância do efeito entrópico
(∆S < 0), o valor final de ∆G será positivo e este processo de dissolução do composto
apolar em água não é espontâneo (∆G >0).
Concluindo, a espontaneidade para este tipo de composto será a de fugir do
contato com as moléculas de água e interagir entre si. Esta é a chamada interação

124
hidrofóbica. Um exemplo simples e clássico deste tipo de interação é a mistura água :
benzeno (apolar). As moléculas de benzeno se associam entre si, fora do contato com
a água. Forma-se, portanto, uma solução com duas fases imiscíveis.

b) Hidratação de moléculas polares

É a interação entre a água e grupamentos químicos polares ou ionizados de


moléculas biológicas. São compostos que ligam-se entre si por ligações eletrostáticas
ou polares. Estes compostos, isoladamente em contato com a água, tendem a
apresentar as seguintes alterações nos parâmetros termodinâmicos:

|||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Composto polar + H2O ⇔  Composto polar 
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||

água mais
estruturada
(∆S < 0)

Embora existam determinados íons que, devido ao seu tamanho ou densidade


de carga, tendam a aumentar a desordem do sistema como um todo, a maioria dos
íons e compostos polares promove ordenação das moléculas de água ao redor de si
(∆S<0). A grande diferença em relação aos solutos apolares reside no fato de que
estes compostos carregados, por formarem interações mais fortes, apresentam um
decréscimo acentuado do fator entálpico (∆H << 0). Deste modo, no cômputo geral, o
valor de ∆G deste processo de hidratação é negativo e, portanto, espontâneo.
Concluindo, a análise termodinâmica da formação espontânea de uma estrutura
baseia-se nos seguintes mecanismos:

Interação hidrofóbica: associação entre grupos apolares (geralmente cadeias


alifáticas ou aromáticas de proteínas, lipídeos, etc.) no sentido de fugir do contato com
a água e evitar diminuição da entropia do sistema).

Hidratação e interação hidrofílica: associação entre grupos polares e ionizados


entre si ou com moléculas de água. Embora tenhamos visto que a interação destes
compostos com moléculas de água (hidratação hidrofílica) já seja um processo
espontâneo, obtêm-se às vezes maiores quedas no valor de ∆G quando esta interação
ocorre entre os próprios grupos, fora do alcance de moléculas do solvente (interação
hidrofílica).

125
Sabendo-se que muitos dos componentes biológicos como proteínas e lipídeos
podem apresentar dualidade de funções químicas, isto é, regiões polares e apolares em
uma mesma molécula (próximo tópico), os mesmos se orientarão e se associarão na
mistura aquosa heterogênea de conformidade com estas regras termodinâmicas
citadas, à procura sempre de um estado final mais estável.

3. Composição e estruturação de membranas celulares

A membrana celular é formada predominantemente de proteínas e lipídeos


ligados por interações não covalentes. A membrana plasmática contém, em geral, 20 a
70% de seu peso em proteínas, 20 a 40% em lipídeos e o restante em carboidratos.
As membranas são barreiras de permeabilidade altamente seletivas. Criam
compartimentos que podem ser toda a célula ou uma organela dentro da célula.
Bombas e poros na membrana regulam a composição molecular e iônica destes
compartimentos. As membranas também controlam o fluxo de informações entre
células e, além disso, estão intimamente envolvidas em processos de conversão de
energia como a fotossíntese e a fosforilação oxidativa.
As membranas são estruturalmente e funcionalmente assimétricas, como
exemplificado pelos seus sistemas direcionais de transporte de íons (que veremos
posteriormente) e a ligação de carboidratos apenas na superfície externa das
membranas plasmáticas de mamíferos (Figura 2). As membranas de células
eucarióticas contêm geralmente de 2 a 10% de carboidratos na forma de glicolipídeos e
glicoproteínas.

126
Figura 2. Localização dos resíduos de açucares de glicoproteínas e glicolipídeos na
superfície externa da membrana plasmática de mamíferos.

3.1. Lipídeos

As principais classes de lipídeos da membrana são os fosfolipídeos, glicolipídeos


e colesterol (Figura 4).
Os fosfolipídeos são derivados ou do glicerol ou da esfingosina. Os fosfolipídeos
derivados do glicerol são chamados de fosfoglicerídeos, sendo que um fosfoglicerídeo
consiste de um esqueleto de glicerol, duas cadeias de ácido graxo e um álcool
fosforilado. Tipos diferentes de fosfoglicerídeos são denominados de acordo com o
álcool da sua cabeça polar (indicado por X na Figura 4). A esfingomielina é o único
fosfolipídeo na membrana que não é derivado do glicerol. Em vez dele, o esqueleto na
esfingomielina é a esfingosina.
Os glicolipídeos são também lipídeos derivados da esfingosina, contendo um ou
mais açucares no lugar da unidade de fosforil-colina da esfingomielina (Figura 4).
O colesterol é um esteróide, presente em células eucarióticas, mas não em
células procarióticas.

127
Figura 3. Representação esquemática de moléculas de fosfolipídeos.

Figura 4. Estrutura química dos principais lipídeos de membrana.

128
Tabela 1. Unidades hidrofóbicas e hidrofílicas de lipídeos de membrana

Lipídeo de membrana Unidade hidrofóbica Unidade hidrofílica

fosfoglicerídeo Cadeias de ácido graxo álcool fosforilado

esfingomielina Cadeia de ácido graxo e fosforil-colina

cadeia de hidrocarboneto

da esfingosina

glicolipídeo Cadeia de ácido graxo e açucares

cadeia de hidrocarboneto

da esfingosina

colesterol Molécula inteira, exceto o grupo OH no C-3

grupo OH

Em soluções aquosas os lipídeos simples como os ácidos graxos tendem a


formar uma estrutura denominada micela (Figura 5). Os ácidos graxos são compostos
anfipáticos (ou anfifílicos), isto é, possuem tanto uma região apolar quanto uma polar.

129
Figura 5. Estrutura geral de uma micela.

Nas micelas, os lipídeos posicionam-se de modo a ter a cabeça polar para fora,
em contato com o solvente ou íons, e a cauda apolar para dentro. A constituição de
uma micela é regida por dois mecanismos básicos:

a. interação hidrofóbica das caudas em sua região central.

b. repulsão eletrostática entre cabeças ionizadas ou hidratação de cabeças polares.

Estes dois mecanismos funcionam de uma maneira sincrônica. No caso de


lipídeos com cabeças ionizadas com cargas de mesmo sinal, a força de atração entre
as caudas hidrofóbicas compensa a repulsão eletrostática das cabeças. Em uma micela
estável, as cabeças estão posicionadas em uma distância suficiente para tornar
desprezível esta repulsão. No caso de micelas com cabeças polares em que a repulsão
eletrostática esteja ausente, as cabeças interagem entre si ou precisam ter uma
posição relativa tal que permita a formação de camadas de hidratação e de interação
com íons suficientes para contribuir na estabilização micelar.
Os fosfolipídeos, cuja estrutura apresenta duas cadeias alifáticas na cauda para
apenas uma cabeça apolar, também são compostos do tipo anfipático. Entretanto,
diferentemente dos ácidos graxos, em solução aquosa estruturam-se formando as
chamadas bicamadas (Figura 6).
Do mesmo modo que nas micelas vistas anteriormente, duas forças opostas
integram-se para estabilizar a estruturação das bicamadas: a atração hidrofóbica na
matriz central e a repulsão eletrostática das cabeças polares ou ionizadas. No caso das
bicamadas, contudo, o fato de existir duas cadeias para cada cabeça permite a
estruturação lamelar em que o maior efeito hidrofóbico central permite uma maior
aproximação das cabeças polares ou ionizadas. Por isso, a bicamada tem a tendência
geral de crescer nos dois sentidos e fundir seus dois extremos para formar uma
vesícula (lipossomo).

130
Figura 6. Estrutura de um lipossomo.

A preferência para uma estrutura em bicamada é de importância biológica crítica.


Uma micela é uma estrutura limitada, cujo tamanho em geral é inferior a 20 nm de
diâmetro. Em contraste, uma camada bimolecular pode ter dimensões macroscópicas
de até 1 milímetro (106 nm).

3.2. Proteínas

As diferentes funções da membrana biológica, como o transporte, comunicação


e transdução de energia, são mediadas por proteínas específicas que se associam à
bicamada lipídica. De acordo com esta associação, as proteínas podem ser
classificadas em dois tipos fundamentais:
a. Proteínas periféricas ou extrínsecas

Ficam localizadas preferencialmente na parte externa da bicamada (Figura 7).


Requerem, portanto, tratamentos brandos tais como aumento da força iônica do meio
ou adição de um agente quelante para dissociá-las, molecularmente intactas, da
membrana. Elas dissociam-se livre de lipídeos e, neste estado dissociado, são
relativamente solúveis em meio aquoso neutro. Estes critérios sugerem que a proteína
periférica está presa à membrana por interações não covalentes, principalmente do tipo
eletrostática, e não está fortemente associada aos lipídeos da membrana. Como
exemplos de proteínas periféricas temos o citocromo C (na superfície interna da
membrana de mitocôndrias) e a espectrina (na superfície interna da membrana de
eritrócitos).

131
b. Proteínas integrais ou intrínsecas

Localizam-se predominantemente dentro da bicamada lipídica, podendo inclusive


atravessá-la de um lado a outro (proteína transmembranal). Para dissociá-las da
membrana necessitam-se tratamentos muito mais drásticos, com reagentes tais como
detergentes, desnaturantes protéicos ou solventes orgânicos. Em muitos casos elas
permanecem associadas aos lipídeos e mesmo quando, finalmente dissociadas, são
altamente insolúveis ou formam agregados em solução aquosa neutra. As proteínas
integrais constituem a principal porção (>70%) das proteínas membranais.
O fato de as proteínas integrais localizarem-se preferencialmente dentro da
matriz lipídica sugere um caráter bastante apolar à sua estrutura química. Na realidade,
a maioria destas proteínas tem propriedades anfipáticas como os fosfolipídeos, isto é,
elas são estruturalmente assimétricas, com um terminal altamente polar (em contato
com o meio exterior aquoso ou com a cabeça polar dos lipídeos) e outro apolar (dentro
da bicamada lipídica). A região polar destas proteínas integrais seria principalmente
aquela na qual se localizariam as cadeias laterais ionizáveis de alguns aminoácidos e
os resíduos polares de certos carboidratos covalentemente ligados a elas. A região
apolar seria aquela praticamente isenta destes resíduos polares, contendo uma grande
quantidade de resíduos de aminoácidos apolares.

Figura 7. Localização postulada de proteínas periféricas (a) e integrais (b, c e d) em


membranas biológicas.

3.3. Modelo do mosaico fluido

Os requisitos termodinâmicos necessários para uma estruturação estável,


associados à composição química da membrana, colocam restrições nos modelos
propostos para sua estrutura. Dessa forma, diversos modelos anteriormente propostos

132
para a membrana celular tornam-se altamente improváveis. Por exemplo, analisemos o
modelo clássico de um arranjo trilamelar de uma bicamada lipídica contínua disposta
entre duas monocamadas de proteínas. Esse modelo é termodinamicamente instável
não somente porque os resíduos de aminoácidos apolares das proteínas estão
amplamente expostos à água, mas também porque os grupos iônicos e polares dos
lipídeos estão sequestrados do contato com a água por uma camada de proteínas.
Desta forma, nem interações hidrofóbicas nem hidrofílicas estão facilitadas neste
modelo clássico.
As considerações termodinâmicas e os resultados experimentais obtidos até
agora se encaixam no modelo do mosaico fluido proposto em 1972 por Singer e
Nicholson (Figura 8). Neste modelo as proteínas periféricas e os carboidratos
posicionam-se em contato com o meio aquoso externo. As proteínas integrais
constituem um conjunto heterogêneo de moléculas globulares, cada uma delas
arranjada em uma estrutura anfipática, com os grupos iônicos e polares destacando-se
da membrana e entrando em contato com o meio aquoso e os grupos apolares
mantidos no interior hidrofóbico da bicamada lipídica da membrana.

Figura 8. Modelo do mosaico fluido (aspecto tridimensional). Observa-se a matriz


lipídica e as proteínas integrais, representadas pelos corpos sólidos distribuídos
aleatoriamente no plano da membrana.
A massa de fosfolipídeos está organizada como uma bicamada fluida,
descontínua, embora uma pequena fração de lipídeos possa interagir especificamente
com as proteínas da membrana. O grau de fluidez das membranas depende do
comprimento da cadeia e do grau de insaturação de seus ácidos graxos constituintes. A
maioria dos lipídeos que compõem as membranas biológicas possui ponto de fusão
abaixo da temperatura corporal.

133
Este aspecto da fluidez é de grande importância para a função biológica das
membranas pois este estado semilíquido (semelhante ao azeite de oliva) permite um
alto grau de movimentação de muitos componentes de sua estrutura. Tal fato introduz
uma concepção dinâmica para as membranas celulares, onde as proteínas e os
lipídeos difundem-se rapidamente no plano da membrana (difusão lateral), a menos
que sejam restritos por interações especiais (presença de colesterol). Em contraste, a
rotação de proteínas ou lipídeos de uma face a outra da membrana (difusão transversa
ou "flip-flop") é em geral muito lenta.
Concluindo, todas estas considerações feitas até o momento permitiram um
entendimento mais completo da estruturação de uma membrana biológica e é esta sua
natureza dinâmica e complexa que vai lhe possibilitar exercer diferentes funções vitais,
tais como:

a) receber e transmitir sinais químicos


b) transportar moléculas pequenas ou íons
c) englobar partículas por fagocitose ou pinocitose
d) estabelecer o limite físico celular
e) resguardar o conteúdo celular

4. Transporte através de membranas

4.1. Transporte passivo simples (difusão simples)

Inicialmente foram estudados a difusão simples de um soluto através de uma


membrana e também o fenômeno de osmose que é o fluxo de solvente através de uma
membrana semi-permeável que separa dois compartimentos contendo um soluto em
diferentes concentrações. Com relação à osmose:

1. O transporte de água é passivo e ocorre do compartimento de menor pressão


osmótica para o de maior pressão osmótica;

2. A pressão osmótica é, por definição, a diferença de pressão que deve existir


entre esta e seu solvente puro para que não haja fluxo de solvente através de uma
membrana semi-permeável. Seu valor é dado pela equação de van't Hoff, π = R.T.∆C,
onde π é expresso em unidades de pressão (Pa), R é a constante universal dos gases
(8,2 J. K-1.mol-1), T é a temperatura absoluta (K) e ∆C é a diferença de concentração
das partículas dispersas e impermeantes nos dois compartimentos (mol/l).

134
Os principais pontos da difusão são:

1. O sentido espontâneo da difusão se dá sempre do compartimento de maior


potencial químico (µ ) do soluto para o de menor potencial químico;

2. A força responsável pela difusão de um soluto entre dois compartimentos é o


gradiente de potencial químico -dµ/dx ou, mais especificamente, o gradiente de
concentração -dc/dx;

3. O fluxo de soluto é dado pela lei de Fick, J = P∆C, onde J representa o fluxo
resultante do soluto (mol.cm-2. min-1), ∆C representa a diferença de concentração entre
os dois compartimentos (mol/l) e P representa a permeabilidade da membrana ao
soluto (cm.min-1).
Diversos fatores influenciam a permeabilidade da membrana celular aos
solutos, tais como coeficiente de partição (ver mais adiante), tamanho e conformação
molecular, carga do soluto, etc.
A velocidade com que uma substância atravessa a membrana celular pode ser
medida pela velocidade com que a concentração intracelular (Ci) aumenta quando a
célula é colocada em uma solução contendo a substância (Figura 9).

Figura 9. Comparação entre as velocidades de difusão de 3 moléculas diferentes


através da membrana celular a uma concentração externa constante.
Assim, quanto maior a permeabilidade da membrana a um soluto, mais
rapidamente este penetra na membrana e se difunde através dela. No gráfico da Figura
9, PA>PB>PC. Tanto a estrutura da membrana quanto a estrutura química da
substância transportada influem diretamente na permeabilidade. Como já foi visto
anteriormente, a matriz da membrana celular é constituída de uma bicamada lipídica.
Assim, a passagem de substâncias da fase aquosa (extracelular) para a lipídica (fase
membrana), e da lipídica (fase membrana) para a aquosa (intracelular), representam

135
barreiras que só podem ser ultrapassadas pelas moléculas que possuírem energia de
ativação suficiente. A seguinte ilustração esclarece o problema:

Meio extracelular Membrana Celular Citoplasma


(*aquoso) (lipídica) (aquoso)

→ fácil difícil →
MASL MASL - molécula com alta
solubilidade em lipídeos ou alto
coeficiente de partição

→ difícil fácil →
MBSL MBSL - molécula com baixa
solubilidade em lipídeos ou baixo
coeficiente de partição

Definimos coeficiente de partição (Kp) como a medida da solubilidade relativa de


uma substância em óleo e em água. Podemos verificar pela figura da página anterior
que uma substância com alto coeficiente de partição terá facilidade tanto para a sua
entrada quanto para a sua difusão através da membrana, mas a sua passagem para o
meio aquoso intracelular será muito dificultada. Por outro lado, uma substância com
baixo coeficiente de partição terá muita dificuldade tanto em penetrar como em se
difundir através da membrana, enquanto que a sua entrada no citoplasma estará
facilitada. De fato, quando se estuda a capacidade de uma série de substâncias em
atravessar membranas biológicas, observa-se que a permeabilidade está diretamente
relacionada com o seu coeficiente de partição (Figura 10), uma vez que P =
m.R.T.Kp/∆x, onde m é a mobilidade do soluto na membrana (mol.cm2.s-1.J-1) e ∆x é a
espessura da membrana (cm).

136
Figura 10. Relação entre coeficiente de partição (Cóleo/Cágua) e a constante de
permeabilidade para diversas moléculas.

Existem alguns tipos de moléculas que possuem alta constante de


permeabilidade, apesar de terem baixo coeficiente de partição. Como exemplos, temos
a água e os íons K+, Na+ e Cl- (pontos cheios no gráfico acima).
Outro fator que influencia a permeabilidade da membrana às substâncias é o
tamanho molecular. Algumas substâncias com diâmetro molecular elevado conseguem
penetrar rapidamente na célula em função de seu alto coeficiente de partição.
Entretanto, se compararmos duas substâncias com coeficientes de partição iguais, será
mais permeante aquela que tiver menor tamanho molecular.
A maior parte das substâncias de importância biológica é essencialmente
hidrossolúvel, com baixa solubilidade em lipídeos. Apesar disto, tem a capacidade de
atravessar as membranas biológicas. Estas observações levaram à hipótese da
existência de poros nestas membranas. Tais poros seriam canais cheios de água que
atravessariam as membranas de lado a lado, dando passagem às substâncias
hidrossolúveis. O diâmetro destes poros pode ser medido indiretamente através do
estudo da permeabilidade das membranas a moléculas hidrossolúveis de diâmetro
conhecido.
É evidente que a permeabilidade da membrana à substâncias que a atravessam
por meio de poros vai depender do diâmetro do poro e da carga do mesmo, assim
como da camada de hidratação (caso de íons), entre outros fatores.

137
4.2. Transporte passivo mediado (difusão facilitada)

A difusão passiva de determinadas substâncias como açucares e aminoácidos


através da membrana ocorre muito lentamente para suprir as necessidades da célula.
Por isto, a membrana celular possui mecanismos especiais ligados a sua estrutura, que
facilitam o movimento das mesmas através da membrana. Tal processo é chamado de
transporte mediado ou difusão facilitada. Tal transporte, assim como o transporte
passivo simples, ocorre a favor de gradiente químico (ou eletroquímico, em se tratando
de um soluto eletricamente carregado). Além disso, o transporte mediado apresenta as
seguintes propriedades:

a) Especificidade química

É a habilidade em transportar um grupo específico de substâncias químicas


(Figura 11). Nesta Figura observa-se que apesar de a diferença entre os dois
aminoácidos ser apenas na geometria da molécula, o L-aminoácido penetra bem mais
rapidamente que o D-aminoácido, indicando que tal sistema de transportadores é mais
específico para o L-aminoácido.

Figura 11. Comparação entre as velocidades de passagem do L-aminoácido e do D-


aminoácido através da membrana.

b) Saturação

Na difusão simples (transporte passivo simples), o fluxo de moléculas que entra


na célula a qualquer instante é proporcional à concentração da substância no meio

138
externo (Je→i = PCe), considerando-se constante o valor da concentração no meio
intracelular (Ci).
No transporte mediado, o influxo aumenta com a concentração extracelular da
substância até um determinado ponto. Existe, portanto, uma velocidade máxima de
transporte e quando esta é atingida, dizemos que o sistema atingiu a saturação (Figura
12).

F
Figura 12. Comparação entre o transporte passivo simples e o mediado quanto à
saturação.

c) Competição

É a terceira característica do transporte mediado. Se duas moléculas A e B,


penetrando na célula pelo mesmo sistema transportador, estiverem presentes
simultaneamente no meio extracelular, disputarão entre si os sítios transportadores
disponíveis em número limitado na membrana. A presença de B diminuíra, portanto, o
ritmo de entrada de A (Figura 13).
As propriedades de especificidade, de saturação e de competição sugerem que
sítios químicos específicos da membrana são capazes de se combinar com as
moléculas transportadas (S). Chamaremos de transportadores (C) estes sítios de
ligação da membrana.

139
Figura 13. Comparação entre o transporte passivo simples e o transporte passivo
mediado quanto à competição.

O modelo da existência de transportadores procura explicar as propriedades dos


sistemas de transporte mediado em termos de deslocamento dos transportadores e dos
complexos transportador-substância a ser transportada (C-S) através da membrana.
Assim, uma molécula de transportador livre se combinaria com uma molécula da
substância a ser transportada numa das superfícies da membrana e formaria o
complexo transportador-substância. Tal complexo se deslocaria, por difusão passiva
(da região de maior para a de menor potencial químico ou eletroquímico), para a
superfície oposta onde ocorreria a dissociação da substância de seu transportador. O
transportador livre retornaria à outra superfície, recomeçando assim um novo ciclo.

140
Cinética do transporte realizado por carregador

Suponhamos que estamos estudando, no sistema abaixo, a seguinte série de


reações:

Exterior Membrana Interior

Se Si
C ⇔S

k1 k3
→ →
S + C SC C+S

k2
(S - q) (C - q) (q)

Onde:
C: concentração de carregador livre na membrana
Se: concentração da substância a ser transportada no compartimento externo (S)
Si: concentração da substância a ser transportada no compartimento interno
SC: concentração do complexo substância-carregador (q)
k: constantes de velocidade das reações

Segundo a lei da ação das massas, a velocidade de formação de um produto é


proporcional ao produto das concentrações dos reagentes. Assim temos:

v1= k1[S].[C] = k1[S-q].[C-q]


v2=k2[SC] = k2q

No equilíbrio, vamos ter v1 = v2, portanto,

k1[S-q].[C-q] = k2[q], e como S>>>>q, teremos


k1[S].[C-q] = k2[q]

k2 = [S].[C-q] = [S].[C] - [S].[q]


k1 [q] [q]

141
k2 = Km = [S].[C] -[S].[q]
k1 [q]

Km.[q] = [S].[C] - [S].[q]


Km.[q] + ([S].[q]) = [S].[C]
[q].(Km + [S]) = [S].[C]

[C] = [q].(Km + [S])


[S]

[C)]= [q].Km + [q].[S]


[S] [S]

[C] = [q].Km + [q] [C] = [q]. (Km/[S] + 1) ∴


[S]

[q] = [C]
Km/[S] + 1

Supondo que a reação limitante (mais lenta) seja a decomposição de CS em C e


S na superfície interna da membrana, a velocidade será diretamente proporcional a SC
= q. Assim,

v = k3 [SC] = k3[q]

v = k3 . [C]
Km + 1
[S]

Quando C estiver totalmente na forma de SC, o processo atinge a velocidade


máxima, isto é:

Vmáx = k3. [C] e então,

v= Vmáx ou v = Vmáx . [S]


Km + 1 Km + [S]
[S]

onde:

142
Km: é a constante de Michaelis-Menten e corresponde à concentração de substância
sendo transportada com velocidade correspondente à metade da velocidade máxima. A
equação acima corresponde à equação matemática

y= ax
b+x

que é a equação de uma hipérbole equilátera. Invertendo-a temos:

1 = b . 1 + 1
y a x a

Portanto, invertendo-se a expressão para a velocidade, obtemos:

1 = Km . 1 + 1
V Vmáx [S] Vmáx

Sabendo-se que existe uma relação direta entre velocidade (v) e fluxo (J), dada
pela equação J = v.c (c = concentração), podemos também escrever a equação acima
de modo similar, usando o conceito de fluxo:

1 = Km . 1 + 1
J Jmáx [S] Jmáx

4.3. Transporte ativo

Os mecanismos de transporte passivo simples (difusão simples e osmose) e


transporte passivo mediado têm uma propriedade em comum, qual seja, a de
provocarem fluxo resultante de material somente por diminuição ou dissipação da
energia livre total disponível do sistema. Todavia, a tendência ao equilíbrio não é
característica dos organismos vivos e é incompatível com a vida. Todo ser vivo deve
poder impedir, ao menos por um breve instante, esta condição energeticamente
degradada. Já que o sistema inerte tem mecanismos de transporte passivo, é evidente

143
que as células vivas podem manter um "steady state " somente através do fornecimento
de energia livre no mesmo ritmo em que a mesma é espontaneamente degradada; a
fonte para esta energia é o metabolismo bioquímico dos substratos energéticos.
Assim, ao contrário dos transportes passivos simples e passivo mediado, o
transporte ativo ocorre contra ou na ausência de gradiente químico ou eletroquímico,
com utilização de energia metabólica. É, portanto, dependente de substratos
energéticos tais como a glicose, ou do metabolismo aeróbico quando O2 será
consumido, sendo que o ritmo do transporte está relacionado estequiometricamente
com o consumo de energia. Apresenta sensibilidade a venenos metabólicos que inibam
ou desacoplem as reações metabólicas, como por exemplo o DNP (dinitrofenol).
Também se dá por meio de carregadores e portanto apresenta, como o transporte
mediado, as características de especificidade química, competição e saturação.

144
Tabela 2. Principais características dos diferentes tipos de transporte

Tipo Forças Característic Gráficos Energia Inibidor


as

TPS a favor de Lei de Fick dissipa a


gradiente energia do -
eletroquímico P=mRTKp/∆x sistema

TPM a favor de saturação dissipa a


gradiente competição energia do -
eletroquímico especificidade sistema

TA contra ou na saturação requer


ausência de competição energia inibidor
gradiente especificidade externa ao metabóli
químico ou sistema co
eletroquímico

145
5. Bioeletrogênese

Até o momento, procuramos elucidar os fatores responsáveis pelo transporte de


substâncias não carregadas através de uma membrana. Todavia, é conhecida há muito
tempo a existência de fenômenos elétricos associados a vários tipos de atividades de
diagnóstico: eletrocardiograma, eletroencefalograma, eletromiograma, etc. Do ponto de
vista fisiológico, tais fenômenos têm ampla importância pelo fato de existir potenciais
bioelétricos em cada célula viva e através de muitas estruturas do tipo de membranas
epiteliais. Qual seria a origem destes potenciais? Para responder a esta pergunta
vamos analisar algumas situações que permitem o aparecimento de potencial elétrico
através de uma membrana.

5.1. Membrana permeável a um único íon

Imaginemos uma membrana separando dois compartimentos contendo


concentrações diferentes de KCl. Vamos supor, também, que a membrana seja
impermeável ao cloreto e permeável ao potássio.

A B C D

(1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2)

K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+ K+

Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- Cl-

Como o potencial químico do potássio é maior no compartimento 1 do que no


compartimento 2, ele tende a se difundir para o compartimento 2 (A). No entanto, o
potássio não é acompanhado pelo cloreto (a membrana é impermeável a esta espécie
iônica) e fica nas proximidades da membrana, tornando o compartimento 2 positivo em
relação ao compartimento 1. Desta maneira observa-se o aparecimento de duas
camadas carregadas, uma positivamente e outra negativamente, a cada lado da
membrana. Cria-se, portanto, uma diferença de potencial elétrico entre os dois
compartimentos chamada de potencial de difusão. O aparecimento do gradiente elétrico

146
entre os compartimentos 2 e 1 retarda a passagem de potássio do compartimento 1
para o 2, agindo, portanto, em sentido oposto ao gradiente de concentração (B). O
gradiente de concentração ainda consegue suplantar o efeito oposto gerado pelo
gradiente elétrico (C). Esta situação evolui até o momento em que o equilíbrio é atingido
(D), quando a difusão do potássio devido ao gradiente de concentração do
compartimento 1 para o 2 for igual à passagem de potássio do compartimento 2 para o
1 devido ao gradiente elétrico. Portanto, para o sistema atingir o equilíbrio, existe a
atuação de duas forças iguais, mas em sentidos opostos: a força devida ao gradiente
de concentração favorecendo J1→2, e a força devida ao gradiente elétrico criado
favorecendo J2→1.
O potencial elétrico de equilíbrio é dado pela equação de Nernst (como já visto
anteriormente):

∆Ψ 2 - 1 = - R.T ln C2
Z.F C1

Este potencial corresponde à diferença de potencial elétrico que surge através


da membrana contrabalançando exatamente a difusão deste íon provocada pelo
gradiente de concentração. Desta forma, o potencial obtido pela equação de Nernst é
também chamado de potencial de equilíbrio. Isto significa que se um íon com uma
determinada distribuição através de uma membrana tiver seu potencial calculado pela
equação de Nernst igual à diferença de potencial existente através da membrana, ele
estará em equilíbrio através da mesma. Este equilíbrio deve ter sido atingido por
mecanismos puramente passivos, ou seja, sem utilização de energia externa ao
sistema (equilíbrio eletroquímico).
A evolução temporal da diferença de potencial através da membrana será:

O valor da diferença de potencial através da membrana é um valor estável (não


se altera com o tempo) e corresponde ao valor calculado através da equação de
Nernst que é aplicada na situação de equilíbrio (∆µ = 0, Jres = 0).

147
5.2. Membrana permeável a todos os íons

5.2.1. Condição de equilíbrio (Equação de Nernst)

Na verdade, as membranas biológicas são sempre permeáveis a várias espécies


iônicas. Neste caso, se a membrana estiver banhada por soluções de composições
diferentes em cada um de seus lados, a difusão dos íons a favor de seus gradientes de
concentração poderá gerar uma diferença de potencial elétrico através da membrana.
Imaginemos uma membrana separando dois compartimentos contendo cloreto de sódio
em concentrações diferentes e suponhamos que a permeabilidade da membrana seja
maior ao sódio do que ao cloreto. A difusão do sódio induz o aparecimento de uma
diferença de potencial elétrico através da membrana que se opõe à sua própria difusão
e favorece a difusão do cloreto.

A B C

(1) (2) (1) (2) (1) (2)

Na+ Na+ Na+ Na+ Na+ Na+

Cl- Cl- Cl- Cl- Cl- Cl-

PNa+ > PCl- → Na+ Na+ Cl-


→ Cl- ← ←
∆ψ ≠ 0 → →
∆ψ = 0

Conforme a difusão continua, os gradientes de concentração para Na+ e Cl- vão


diminuindo até que as concentrações se igualam nos dois compartimentos. Assim, no
caso de íons difusíveis para os quais a permeabilidade da membrana seja diferente (e

148
diferente de zero), observa-se o surgimento de uma diferença de potencial elétrico de
caráter transitório ou dissipativo.
No equilíbrio, a ∆Ψ através da membrana será nula uma vez que o gradiente de
concentração dos íons difusíveis através da membrana também se anula. O perfil da
evolução temporal da diferença de potencial através da membrana é:

5.2.2. Condição Estacionária - (Steady State)


(Equação de Goldman, Hodgkin e Katz)

A diferença de potencial elétrico que surge através de uma membrana permeável


a todos os íons pode, sob algumas circunstâncias, ser também uma diferença de
potencial elétrico do tipo estacionário. Na condição estacionária, todavia, devemos
observar que, além de a diferença de potencial elétrico através da membrana se manter
estável, as concentrações dos íons nos compartimentos não se alteram apesar da
existência do fluxo constante de massa (reveja a definição de estado de fluxo
constante). Assim, a diferença de potencial elétrico transitória observada no item
anterior poderia ser mantida em condição estacionária desde que a membrana
pudesse, através de algum mecanismo, manter constantes as concentrações iônicas
nos dois compartimentos sem haver, portanto, dissipação dos gradientes químicos.
Nesta situação estacionária, a intensidade da ∆Ψque se estabeleceria através da
membrana dependeria das permeabilidades relativas dos ânions e cátions permeantes,
sendo dada pela equação de Goldman, Hodgkin e Katz (GHK):

Ψ2 - Ψ1 = R.T ln PNa[Na]1 + PCl[Cl]2


F PNa[Na]2 + PCl[Cl]1

149
Em um gráfico ∆Ψ x tempo, observaríamos o aparecimento de uma ∆Ψ estável e
constante através da membrana, que não corresponderia a uma ∆Ψ de equilíbrio, uma
vez que o sistema não se encontraria neste estado (∆µ ≠ 0, Jres ≠ 0)

5.3. Equilíbrio de Donnan

Entre a célula e o meio ambiente podemos distinguir dois compartimentos


separados por uma membrana (membrana plasmática): o meio intracelular e o meio
extracelular. Embora a membrana plasmática seja permeável a diversos íons, o meio
intracelular contém substâncias tais como proteínas, ácidos nucleicos, esteres e outras,
que em pH fisiológico têm carga resultante negativa e não conseguem atravessá-la. A
análise do comportamento de um sistema deste tipo leva ao chamado equilíbrio de
Donnan, com características diferentes do estado de equilíbrio atingido por uma
membrana permeável a um único íon ou a todos os íons, como descrito nos casos
anteriores.
Assim, este sistema, após ter alcançado o equilíbrio, encontra-se na seguinte
situação:

C+ C+
A- A-
P-

Int Ext

Onde:

[Ci] = concentração de cátion difusível no compartimento interno


[Ce] = concentração de cátion difusível no compartimento externo
[Ai] = concentração de ânion difusível no compartimento interno

150
[Ae] = concentração de ânion difusível no compartimento externo
[Pi] = concentração de ânion não difusível no compartimento interno

Trata-se de um sistema fechado com paredes rígidas, que apresentará as


seguintes características:

• Eletroneutralidade:

O número total de cargas negativas deve ser igual ao número de cargas


positivas em cada um dos dois compartimentos. Portanto:
Pi + Ai = Ci, no compartimento interno.
Ae = Ce, no compartimento externo.

• Equilíbrio eletroquímico de todos os íons difusíveis:

Quando o sistema atinge o equilíbrio, o potencial eletroquímico deve ser igual,


nos dois compartimentos, para cada um dos íons difusíveis (qualquer estado de
equilíbrio é sempre caracterizado por ∆µ=0, Jres=0) . Isto significa que a equação de
Nernst pode se aplicada para cada íon difusível do sistema. Para os cátions difusíveis
(Z=+1):

Ψi - Ψe = R.T ln Ce
F Ci

E para os ânions difusíveis (Z=-1):

Ψi - Ψe = R.T ln Ai
F Ae

Como no equilíbrio R.T ln Ce = R.T ln Ai


F Ci F Ae

Conclui-se que CiAi= CeAe

Assim, no estado de equilíbrio estabelece-se uma diferença de potencial elétrico


através da membrana, tal que o compartimento que contém o ânion não difusível é
eletronegativo em relação ao outro (polarização elétrica da membrana).

151
•Desequilíbrio Osmótico:
Esta é outra consequência do equilíbrio de Donnan. Quando ele é atingido, a
concentração iônica total (cátions e ânions) no compartimento que contém o ânion não
difusível é maior que a concentração de íons no outro compartimento. Isto origina uma
diferença de pressão osmótica entre os dois compartimentos, de sérias consequências
para a vida celular (como já visto anteriormente).
A existência de ânions intracelulares incapazes de atravessar a membrana
celular origina distribuição assimétrica dos cátions e ânions permeantes. Quando o
equilíbrio é atingido, a relação de concentrações dos íons deve obedecer a seguinte
distribuição (considerando apenas o Na+, o K+ e o Cl- dentre os íons difusíveis presentes
nos meios extra e intracelular):

[Na]e = [K]e = [Cl]i = r (razão de Donnan)


[Na]i [K]i [Cl]e

Esta distribuição, no entanto, ocorre apenas em células submetidas à inibição


metabólica prolongada. Na célula viva normal, na presença do fornecimento adequado
de ATP, tal distribuição iônica é profundamente alterada. Assim, por exemplo, a relação
de concentração interna/externa para o sódio é da ordem de 1/12, enquanto que para o
potássio é de 39/1. Esta diferença de distribuição não vai contra o princípio da
eletroneutralidade pois no interior celular as cargas positivas do K+ estão compensando
as cargas aniônicas não difusíveis através da membrana celular. A pressão osmótica
gerada por estes proteinatos não difusíveis deve então ser compensada nestas células
por algum soluto impermeante do lado extracelular que, no caso, é o Na +, que se
encontra em grande quantidade neste meio, evitando alterações danosas nos volumes
da maioria das células. O mecanismo responsável pela manutenção do íon Na +
praticamente impermeante do lado extracelular é o transporte ativo, cuja importância
será ressaltada no tópico seguinte.

6. Potencial de Repouso

Introduzindo-se um microeletrodo de vidro no interior de uma célula viva


qualquer, mede-se uma diferença de potencial entre os meios externo e o interno da
ordem de -50 mV a -100mV, o meio interno sendo negativo em relação ao meio
externo. Tal potencial é denominado potencial de repouso e ocorre em todas as células
do organismo. Qual a origem deste potencial?
Como já foi discutido anteriormente, a diferença de potencial através de uma
membrana qualquer surge de uma separação de cargas. Esta separação de cargas
ocorre quando existe um gradiente de concentração através da membrana e quando a

152
membrana apresenta coeficiente de permeabilidade diferente em relação às espécies
iônicas envolvidas. A diferença de potencial pode ser transitória (item 5.2.1.), ou estável
se o sistema for mantido em condição estacionária (item 5.2.2.) ou evoluir para uma
situação de equilíbrio (itens 5.2. e 6). Nosso sistema de estudo, a célula, consiste em
um sistema mantido em condição estacionária: o potencial através da membrana, bem
como as concentrações iônicas intracelulares, não se alteram com o tempo apesar do
fluxo constante de massa.
O meio celular é constituído por proteinatos carregados negativamente (em
decorrência do pH intracelular) e por íons tais como sódio, cloreto, potássio, hidrogênio,
magnésio, bicarbonato, fosfato e cálcio. Com exceção dos proteinatos, a membrana
plasmática é seletivamente permeável a estes íons. No entanto, os íons que podem
contribuir para a gênese do potencial através da membrana são o Na+, o K+ e o Cl-
(cujas distribuições celulares estão mostradas na tabela abaixo) por estarem presentes
nos tecidos vivos em quantidades bem maiores do que as outras espécies iônicas,
cujos fluxos resultantes podem ser desprezados.

Tabela 3. Distribuição dos íons sódio, potássio e cloreto em uma célula muscular de
mamífero, cujo potencial de repouso é de -90 mV.

Íon Concentração Concentração ∆Ψeq (mV)

intracelular extracelular

(mM) (mM)

K+ 155 4 -97

Na+ 12 145 +66

Cl- 4 117 -90

Os cálculos de ∆µ para cada um dos íons, através dos dados da tabela acima,
permitiriam verificar que na célula muscular em repouso ocorre um fluxo resultante de
K+ para fora da célula (efluxo) e um fluxo resultante de Na + para dentro da célula
(influxo), enquanto que o fluxo resultante de Cl- é nulo (o Cl- encontra-se em equilíbrio
eletroquímico através da membrana). A permeabilidade da membrana é cerca de 100x
maior ao K+ do que ao Na+ e assim, admitindo-se inicialmente que não exista potencial
de membrana, para cada 100 íons potássio que saem, 1 íon sódio entra na célula.
Portanto, a separação de cargas através da membrana celular é devida primariamente
à difusão de potássio através da célula (tanto é assim, que o potencial de repouso da
célula muscular encontra-se muito próximo ao potencial de equilíbrio do K+ e muito

153
afastado, com polaridade inversa, do potencial de equilíbrio do Na+). Com o
desenvolvimento do potencial elétrico, ocorre uma diminuição gradativa do fluxo
resultante de K+ e um aumento do fluxo resultante de Na+ através da membrana. Estes
dois fluxos resultantes em sentidos opostos se igualam a partir do momento em que o
potencial elétrico atinge o valor de -90 mV, que é o potencial de repouso. Nesta
situação, não existe mais fluxo resultante de cargas positivas através da membrana; o
sistema atinge o estado estacionário, não ocorrendo alteração imediata na magnitude
do potencial. Todavia, o sistema não poderia permanecer assim por muito tempo uma
vez que continuaria ocorrendo perda de K+ e ganho de Na+ pela célula de tal modo que
a concentração intracelular de K+ diminuiria e a de Na+ aumentaria com o decorrer do
tempo. Embora estas alterações devessem ocorrer muito lentamente pelo fato de os
fluxos resultantes destes íons serem muito pequenos, a longo prazo observaría-se
diminuição do gradiente dos íons K+ e Na+, com consequente diminuição de seus
potenciais de difusão e do potencial de membrana. Entretanto, não é isto que se
verifica. A célula muscular mantém o seu potencial de repouso durante muito tempo e
as concentrações de K+ e Na+ são mantidas constantes. O potencial de repouso é
mantido graças à atuação de transporte ativo, onde um transportador específico
(bomba de Na+ e K+), utilizando energia metabólica, retira Na+ do meio intracelular e
repõe o K+ no interior da célula.
Um esquema da célula muscular em repouso poderia ser representado pela na
figura:

Figura 14. Mecanismos de transporte de íons em um modelo de célula muscular

O valor do potencial de repouso da célula muscular, portanto em condição


estacionária (reveja item 5.2.2.), pode ser previsto pela equação de Goldman, Hodgkin
e Katz (GHK):

154
Ψi - Ψe = R.T 2,3 log PK[K]e + PNa[Na]e + PCl[Cl]i
F PK[K]i + PNa[Na]i + PCl[Cl]e

Onde: PK = 2 x 10-6 cm/s PNa = 2 x 10-8 cm/s PCl = 4 x 10-6 cm/s

Como o Cl- encontra-se em equilíbrio eletroquímico através da membrana, não


participando portanto da gênese do potencial de repouso, a equação de GHK poderia
ser utilizada excluindo-se o fator a ele relacionado, sendo que o mesmo valor de Ψi-Ψe
seria obtido:

Ψi - Ψe = R.T 2,3 log PK[K]e + PNa[Na]e


F PK[K]i + PNa[Na]i

Podemos verificar através desta equação que a distribuição iônica do íon mais
permeante terá maior influência sobre o valor do potencial de repouso. Assim, torna-se
evidente que o K+, sendo mais permeante através da membrana da célula muscular,
destaca-se como o íon mais importante na gênese do potencial de repouso da mesma.
Diversas comprovações experimentais foram feitas a respeito da importância do
potássio para o potencial de repouso devido basicamente à sua permeabilidade. Por
exemplo, foi observado que em músculo sartório de rã existe variação no potencial de
repouso quando se altera a concentração extracelular de potássio (Figura 15). Como
podemos ver no gráfico da página seguinte, quando as concentrações externas de
potássio são muito pequenas, o potencial de repouso da membrana está desviado do
potencial de equilíbrio deste íon. Todavia, o potencial de repouso da membrana
acompanha o potencial de equilíbrio do potássio quando as concentrações externas
deste íon são superiores a 10mM.
Em diversos tipos de células foi demonstrado que o potencial de repouso é
dependente das concentrações interna e externa de K+, tais como células gliais do
nervo óptico da salamandra Necturus, nervo de lula, músculo de rã e várias células
vegetais. Em nenhum caso, a alteração na concentração de Na + externo resultou em
alterações significativas do potencial de membrana.
Assim, o principal responsável pelo aparecimento do potencial de repouso celular
é o potencial de difusão ao K+, visto que a membrana é mais permeável a este íon.
Como na célula em repouso existe uma tendência difusional passiva de saída de
potássio para o meio externo e uma entrada de Na + para o meio intracelular, o
transporte ativo desempenha um importante papel para a manutenção do potencial de
repouso da célula uma vez que ele é responsável pela manutenção do estado
estacionário da mesma. O seu funcionamento evita alterações nas concentrações
iônicas, expelindo Na+ e captando K+ (manutenção da homeostasia celular),

155
consequentemente mantendo constante o potencial elétrico transmembranal ao redor
de -90mV.

Figura 15. Relação entre a concentração externa de potássio e a diferença do potencial


de membrana da fibra muscular de anfíbio. Admite-se constante a concentração
intracelular do íon (140mM).

Uma outra consequência importante da existência deste transporte ativo


relaciona-se com a propriedade do desequilíbrio osmótico, já estudado no equilíbrio de
Donnan. Observa-se que numa célula em repouso a presença dos proteinatos
intracelulares (impermeantes) acaba sendo compensada pela manutenção de altas
concentrações extracelulares de Na+ (como se este íon fosse "impermeante"), evitando
deste modo o desequilíbrio osmótico.
Enfim, a presença de um mecanismo de transporte ativo, embora mantido às
custas de energia externa, torna-se essencial para a versatilidade das células dos
organismos animais.

156
No tópico seguinte (Potencial de Ação) será vista a importância da manutenção
deste potencial elétrico de repouso para o fenômeno da propagação do estímulo
nervoso.

157
8. BIBLIOGRAFIA

- Fisiologia Renal- capítulo 1


G. Malnic e M. Marcondez ed. Edart, São Paulo, 1972

- Transporte através de membranas- 1a parte-capítulo 1


Fisiologia Médica- U. B. Mountcastle
ed. Guanabara- Koogan- 13a edição

- Biofísica- capítulos 4, 5 e 7
F. Lacaz-Vieira e G. Malnic
ed. Guanabara-Koogan

158
QUESTIONÁRIO DE TRANSPORTE ATRAVÉS DE MEMBRANAS

1. Recapitule os principais tipos de ligações ou interações químicas (exceto a


covalente).

2. Analise a energética da hidratação de solutos polares e apolares.

3. Qual a composição química de uma membrana celular?

4. Por que o modelo do mosaico fluido é mais aceitável no aspecto termodinâmico?

5. Recapitule o que é difusão simples e quando ela ocorre. Qual a lei que rege o fluxo
de um soluto no transporte passivo simples através da membrana?

6. Quais são os fatores que influenciam a permeabilidade? O que é coeficiente de


partição?

7. Quais são as características e as diferenças principais entre transporte passivo


simples, transporte passivo mediado e transporte ativo?

8. Analise a cinética dos transportes mediados por carregadores. Compare a sua


equação final com a equação do transporte passivo simples e prove que Km = [S]
quando v = Vmáx/2.

9. Como surge uma diferença de potencial elétrico através de uma membrana? Analise
esta questão nas seguintes situações:

a) quando a membrana é permeável a um único íon.


b) quando a membrana é permeável a todos os íons, mas apresenta coeficientes de
permeabilidade diferentes em relação aos mesmos (nas condições de equilíbrio e
estacionária).

10. Recapitule o que é potencial eletroquímico e indique quais íons encontram-se em


equilíbrio eletroquímico nas duas situações do exercício 9. Qual é o significado da
equação de Nernst?

159
11. Calcule a razão de Donnan e indique a polaridade da diferença do potencial elétrico
no equilíbrio : Compartimento 1: 5mM de NaCl e 20mM de NaPr (proteinato de sódio);
Compartimento 2 : 5mM de NaCl. [Obs: Pr- é impermeante)

12. Determine o sentido dos fluxos resultantes de Na+ e K+ através de uma célula
muscular, utilizando as informações da tabela 3 (página 35). Quais os valores de ∆µ
para cada um destes íons?

13. O que é potencial de repouso? Determine o seu valor numa célula muscular de
mamífero, utilizando os valores das concentrações intra e extracelulares de Na + e de K+
dados na tabela 3 (página 35) e das respectivas permeabilidades, indicadas na página
36.

14. Através de quais mecanismos a célula consegue manter o seu potencial de


repouso? Nesta situação, como estão os fluxos resultantes de Na+ e K+ ?

15. Discuta a Figura 15 em função da equação de Goldman. Qual é a importância da


permeabilidade celular no potencial de repouso?

16. Analise os fatores que impedem, na célula muscular em repouso, o


desenvolvimento para um equilíbrio do tipo Donnan.

17. Classifique os tipos de cotransporte e analise a importância do transporte ativo


secundário.

160
TRANSPORTE ATRAVÉS DE MEMBRANAS BIOLÓGICAS
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Quando o transporte de solutos é efetuado por algum tipo de proteína


(carregadores), este transporte pode ser classificado segundo o esquema representado
na figura abaixo:

Uniporte é o transporte simples de um único soluto de um lado a outro da


membrana e, quando se tem a participação simultânea de dois solutos, temos o
chamado cotransporte. Se a passagem dos solutos for na mesma direção, é
classificado como cotransporte do tipo simporte e, se em sentidos contrários, do tipo
antiporte. Esta nomenclatura é válida para o transporte passivo mediado e para o
transporte ativo. Este último, pode ainda ser classificado em transporte ativo primário e
transporte ativo secundário.

1. Transporte ativo primário

É aquele que utiliza diretamente a energia proveniente da hidrólise de ATP.


Como exemplos, temos a bomba de Ca2+ no retículo sarcoplasmático (tipo uniporte) e a
bomba de Na+ - K+ (tipo antiporte).

2. Transporte ativo secundário

O fluxo na ausência ou contra-gradiente de uma dada espécie se dá graças ao


acoplamento com o transporte de um outro soluto (íon) que se difunde normalmente
segundo o seu gradiente eletroquímico mantido por um sistema primário de transporte

161
ativo. Este tipo de transporte funciona, portanto, sempre como um sistema de
cotransporte.
Como exemplos, temos a entrada de aminoácidos nas células e a passagem de
açucares través do epitélio intestinal impulsionados pela diferença de potencial
eletroquímico de Na+ que é mantido pela atividade da bomba de Na+- K+ (simporte).
Um outro exemplo importante de transporte ativo secundário do tipo simporte
ocorre no ramo ascendente da alça de Henle, onde a difusão do Na + da luz para o
interstício (gradiente também mantido pela bomba de Na+ - K+) determina o transporte
de Cl- no mesmo sentido.
Ao nível da membrana da fibra cardíaca, tem-se um cotransporte do tipo
antiporte: para a entrada de 3 Na+ (a favor de um gradiente eletroquímico) para o meio
intracelular, tem-se a saída de um Ca2+ para o interstício. Uma inibição deste
cotransporte leva a um acúmulo de Ca2+ no sarcoplasma e consequente aumento de
contração cardíaca. É neste fato que se baseia a utilização de digitálicos no tratamento
de insuficiência cardíaca congestiva.
No conjunto dos processos de transporte que ocorrem nas membranas celulares,
os transportes ativos secundários contribuem para a economia de energia celular. A
célula investe ATP apenas no transporte de uma espécie química e consegue
transportar contra-gradientes (por acoplamento de processos) aminoácidos, Cl-, Ca2+,
etc.

Nota importante: Em Fisiologia, a nomenclatura mais utilizada é cotransporte para o


simporte e contra-transporte para o antiporte.

162
DEMONSTRAÇÃO EXPERIMENTAL

POTENCIAIS BIOELÉTRICOS EM PELE ABDOMINAL DE ANFÍBIO

1. Noções de Eletricidade

Como pretendemos determinar as características elétricas de pele isolada de


anfíbio, faz-se necessário recordar alguns conceitos fundamentais de eletricidade.
Toda carga elétrica (Q) gera um campo elétrico nos arredores. Assim, se
colocarmos uma carga de prova (q) em qualquer ponto deste campo, esta carga ficará
sujeita a uma força elétrica = k. Q.q/r2, onde r é a distância entre as duas cargas. Logo,
se a carga q se deslocar neste campo, temos a realização de trabalho, o que significa
que a carga q em cada ponto tem uma determinada energia potencial (capacidade de
realizar trabalho).
Podemos, então, caracterizar o campo elétrico gerado por Q pela razão energia
potencial (U)/carga de prova (q), que recebe o nome de potencial elétrico (U/q), cuja
unidade no MKS é o Volt (=Joule/Coulomb). Se cada ponto do campo tiver um potencial
diferente, entre dois pontos deste campo existirá uma diferença de potencial (DDP) que
é o trabalho realizado neste campo para transportar uma unidade de carga do ponto de
maior potencial para o de menor potencial. Se num meio condutor tivermos uma
diferença de potencial, qualquer carga colocada neste meio migrará portanto do ponto
de potencial maior para o de menor. A um fluxo de carga (uma porção de elementos
carregados migrando de maneira mais ou menos ordenada, num dado sentido, num
meio condutor, devido a uma DDP) damos o nome de corrente elétrica. Portanto,
corrente elétrica é a quantidade de carga que na unidade de tempo atravessa uma
dada secção de um meio condutor, sujeito a uma diferença de potencial, e que tem por
unidade o Ampère (=Coulomb/s). Ao fluxo de elementos carregados opõe-se uma força
de atrito característica do meio condutor, de modo que as cargas não se deslocam com
grande velocidade. No caso de um fio condutor (condutor eletrônico) em que os
elementos carregados são elétrons, a sua velocidade de deslocamento é da ordem de
1mm.s-1; numa solução salina (condutor eletrolítico) é da ordem de 2-10 mm.s -1. A esta
oposição ao movimento ordenado de cargas sujeitas a uma DDP dá-se o nome de
resistência (R), cuja unidade é o Ohm (Ω ). Ohm verificou que, para um dado condutor,
a variação da DDP com a corrente se dá segundo o gráfico da página seguinte.
Verifica-se experimentalmente que R=ρ .L/S, onde L é o comprimento, S é a
secção do meio condutor e ρ é a resistividade, que é característica do material de que é
feito o condutor. Assim, neste gráfico, supondo-se que os condutores 1 e 2 fossem
constituídos do mesmo material, o maior valor de R encontrado para o condutor 1

163
poderia ser decorrente de um maior comprimento em relação ao condutor 2. Portanto,
para gerar a mesma intensidade de corrente, a DDP aplicada em 2 deveria ser maior do
que a DDP aplicada em 1.

Para se observar uma corrente elétrica é necessário que exista no sistema pelo
menos um percurso fechado (circuito fechado) para a passagem das cargas elétricas, e
que haja um gerador elétrico (que varia e mantém uma DDP). Chamamos de circuito
elétrico ao conjunto de todos os percursos possíveis para a corrente em um sistema e
de todos os dispositivos associados a este percurso.

Gerador elétrico é todo dispositivo capaz de fornecer energia elétrica a um


circuito a partir de energia em uma forma não elétrica. ë importante frisar que um
gerador não fornece energia às cargas do circuito que o atravessam (existe um
princípio importante em eletricidade que diz que não é possível "criar" ou "destruir"
cargas num sistema isolado).

164
Elementos de um circuito

•gerador de tensão contínua

• resistência Ôhmica

• condutor Ôhmico
_____________

• "terra" (em que V=0

Gerador de tensão contínua é aquele em que a tensão em seus terminais é


constante. O sentido convencional da corrente em um circuito elétrico é do terminal
positivo para o terminal negativo do gerador.
O aparelho utilizado para se medir corrente é o amperímetro e, no caso em que
as correntes a serem medidas são da ordem de 10 -6 Ampères, utiliza-se o
microamperímetro. Para medir DDP (ou tensão) utiliza-se o voltímetro e quando as
DDPs a serem medidas são da ordem de 10-3 Volts, tem-se a escala em milivolts.

2. Objetivo

O objetivo desta aula demonstrativa é o de determinar os mecanismos de


transporte iônico através da pele de anfíbio.
Os epitélios transportadores, isto é, os epitélios que têm como função principal o
transporte de substâncias (absorção ou secreção), têm muitas características em
comum em diferentes espécies animais. Assim, ao estudarmos o epitélio de anfíbio
(que absorve íons do meio externo), obtemos informações de caráter mais geral que se
aplicam também a epitélios tais como o dos túbulos renais, o de revestimento do
intestino, o da mucosa gástrica, o das glândulas salivares, etc.

165
A pele abdominal de anfíbio é constituída por duas camadas distintas: o epitélio e
a camada de tecido conjuntivo. Esta última não tem função de transporte e serve
somente de sustentação do epitélio que é a camada que nos interessa.

166
3. Composição das Soluções de Ringer

Nesta aula demonstrativa diferentes soluções salinas de Ringer-sulfato serão


utilizadas, cujas constituições são indicadas abaixo:

• Ringer Na2SO4 (RNa2SO4) →[Na+] =115 mM

Na2SO4 57,5 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO2 1,0 mM

• Ringer Na2SO4 (RNa2SO4) →[Na+] = 6,0 mM

Na2SO4 3,0 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM

• Ringer NaCl (RNaCl) →[Na+] =115 mM

NaCl 115,0 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM

• Ringer K2SO4 (RK2SO4) →[K+] = 115 mM

K2SO4 57,5 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM

167
4. Montagem experimental

a) Destruir o SNC do anfíbio e retirar, com o auxílio de tesoura e pinça, um retalho da


pele abdominal de aproximadamente 25 cm2. Dessecar cuidadosamente, sem lesar a
pele.

b) Após lavar o retalho da pele com um pouco de solução Ringer, montá-la como uma
membrana separadora entre duas câmaras (ver Figura abaixo), deixando os lados
externo e interno voltadas para as câmaras E e I, respectivamente. Após verificar que a
pele não apresenta dobras e que está obliterando perfeitamente a comunicação entre
as duas câmaras, fixá-la nessa posição com o dispositivo apropriado.

E e I são os compartimentos do lados externo e interno, respectivamente, da pele de


anfíbio.

1. pontes de agar KCl (o agar é uma gelatina proveniente de algas, constituindo-se na


sustentação sólida para o condutor eletrolítico KCl).

2. eletrodos de calomelano (geram potenciais bastante estáveis e como estão dispostos


de maneira simétrica, assegura-se que qualquer DDP registrada provém da assimetria
elétrica gerada pela membrana que separa os dois compartimentos).

3. eletrodos de cobre/sulfato cúprico.

4. resistência variável.

5. gerador elétrico em oposição à DDP (∆Ψi-e ) transepitelial.


A. amperímetro.

168
V. voltímetro (para medir a diferença de potencial transepitelial).

c) Colocar 10 ml de solução Ringer-sulfato de [Na+ ] = 115mM na câmara I e verificar se


há algum vazamento para a outra câmara ou para fora. Se não houver, colocar 10 ml
de Ringer-sulfato de [Na+ ] = 115mM também na câmara E.

d) Introduzir em cada câmara os eletrodos 2 e 3. Verificar a conexão dos eletrodos 2 ao


voltímetro e dos eletrodos 3 à caixa do microamperímetro. O eletrodo da câmara E
deverá estar ligado ao polo positivo da bateria e o da câmara I ao negativo.
A nossa montagem pode ser, então, representada pelo circuito elétrico abaixo:

onde Em é a força elemotriz gerada pelo epitélio, Rm é a resistência oferecida


pelas células da pele e Rs é a resistência oferecida pelos espaços intercelulares.
Se tentarmos medir neste circuito a corrente Im, notaremos que apenas uma
pequena porção ou nenhuma corrente passará pelo nosso instrumento de
medida (amperímetro) porque Rs é muito menor do que a resistência do nosso
aparelho. Assim, a maior parte da corrente tenderá a circular pelo ramo de Rs . A
maneira de se contornar este problema está em anular a ∆Ψi-e transepitelial de
modo a não haver DDP entre os terminais de Rs. A anulação da DDP existente é
feita ligando-se no sistema um gerador com polaridade inversa à apresentada
pelo epitélio e uma resistência variável que nos permita aplicar, entre E e I, uma
DDP igual e de sinal contrário à ∆Ψi-e transepitelial.

Com base nestas informações, podemos dar prosseguimento à nossa montagem


experimental:

169
e) Com Ringer-sulfato [Na+] = 115 mM em ambos os lados da pele, ligar o voltímetro e
mantendo-o ligado, ligar o microamperímetro. A caixa do microamperímetro contém
também um gerador (bateria) e resistores que correspondem às "resistências
variáveis", ligadas a ele em série. Através de dois botões (G e F), colocados à frente da
caixa, é possível variar tais resistência ligadas à bateria e consequentemente a
voltagem aplicada em oposição à ∆Ψi-e transepitelial.
Utilizando os botões G e F variar a voltagem aplicada nos eletrodos de
calomelano até que o voltímetro indique zero; a corrente então indicada pelo
microamperímetro é a corrente de curto-circuito (c.c.c ou Icc).
O circuito elétrico se apresenta agora da seguinte forma:

onde A representa o amperímetro, G o gerador, R.V. a resistência variável, e Icc a


corrente de curto-circuito, que passa pelo ramo superior quando VE - VI = 0.

f) Manter o microamperímetro ajustado para a passagem de I cc através da membrana e,


após 5 minutos, anotar os valores da mesma. Desligar o microamperímetro e anotar
também o valor da ∆Ψi-e indicada no voltímetro. Este protocolo deverá ser repetido
durante 30 minutos, a intervalos constantes de 5 minutos.

g) Calcular a resistência da pele, empregando a lei de Ohm (R = V/I). Fazer este cálculo
para cada par de leituras de ∆Ψi-e e Icc, e multiplicar o valor médio da resistência pela
área da pele para determinar a resistência de 1 cm2 da mesma (resistência específica).

170
h) Proceder às substituições das soluções de Ringer nas câmaras E ou I, conforme a
tabela abaixo. A cada ponto, manter o microamperímetro ligado e ajustado para a
passagem de Icc durante 3 minutos, após os quais os valores de Icc através da
membrana devem ser medidos. Em seguida, desligar a chave de ajuste para a
passagem de Icc e ler, no voltímetro, o valor da ∆Ψi-e através da membrana.

171
Os resultados obtidos estão no quadro abaixo:

Externo Interno ∆Ψi-e (mV) Icc (mA)

Estudo de ânions
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (115) 159 0.49
RNaCl (115) RNaCl (115) 90 0.46
RNa2SO4 (115) RNaCl (115) 172 0.62
RNaCl (115) RNa2SO4 (115) 65 0.36

Estudo de cátions
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (115) 159 0.49
RNa2SO4 (6) RNa2SO4 (115) 85 0.35
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (6) 159 0.49
RK2SO4 (115) RNa2SO4 (115) 47 0.01
RNa2SO4 (115) RK2SO4 (115) 39 0.10
RK2SO4 (6) RNa2SO4 (115) 47 0.01
RNa2SO4 (115) RK2SO4 (6) 113 0.24

Estudo de drogas
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (115) 159 0.49
RNa2SO4 (115) + A RNa2SO4 (115) 47 0.01
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (115) + A 159 0.49
RNa2SO4 (115) + D RNa2SO4 (115) 159 0.49
RNa2SO4 (115) RNa2SO4 (115) + D 0 0

A= 0,5 ml de amiloride (10-4M) D=0,5 ml de dinitrofenol (0,1%)

172
5. Interpretação dos dados:

a) Hipótese:---------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimento realizado:

Externo Interno
- +

RNa2SO4 RNa2SO4
(115) (115)

Resultado esperado (Resp): ∆Ψi-e = ------------- Icc = -------------


Resultado obtido (Robs): ∆Ψi-e = 159 mV Icc = 0.49 mA

Conclusão:-----------------------------------------------------------------------------------------------------

Questão 1: Qual a polaridade da pele abdominal de anfíbio? Que tipo de transporte, e


de que íon, deve estar resultando na Icc?-------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Estudo de ânions

b) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimento realizado:

Externo Interno
- +

RNa2Cl RNa2Cl
(115) (115)

Resp: ∆Ψi-e = ------------- Icc = -------------


Robs: ∆Ψi-e = 90 mV Icc = 0.46

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

173
Questão 2. A qual dos ânions (SO4= ou Cl-) a pele é mais permeável? Por que?
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

c) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimentos realizados:

1 2 3

Externo Interno Externo Interno Externo Interno


- + - + - +

RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNaCl RNaCl RNa2SO4


(115) (115) (115) (115) (115) (115)

Resp:
∆Ψi-e = ------- icc = -------- ∆Ψi-e = ------- icc = -------- ∆Ψi-e = ------- icc = -------
Robs:
∆Ψi-e = 159 mV icc = 0.49 mA ∆Ψi-e = 172 mV Icc = 0.62 mA ∆Ψi-e = 65 mV Icc = 0.36 mA.

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

Questão 3. Na situação experimental 1, a que se deve a Icc? E nas situações 2 e 3?


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

174
Estudo de cátions

d) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimentos realizados:

1 2 3

Externo Interno Externo Interno Externo Interno


- + - + - +

RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4


(115) (115) (6) (115) (115) (6)

Resp:
∆Ψi-e = ------- icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------
Robs:
∆Ψi-e = 159 mV icc = 0.49 mA ∆Ψi-e = 85 mV Icc = 0.35 mA ∆Ψi-e = 159 mV Icc = 0.49 mA.

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

e) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimento realizado:

1 2 3 4

Externo Interno Externo Interno Externo Interno Externo Interno

RK2SO4 RNa2SO4 RK2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RK2SO4 RNa2SO4 RK2SO4


(115) (115) (6) (115) (115) (115) (115) (6)

Resp:
∆ Ψ 1i-e = --- mV Icc1 = ------ mA ∆Ψ2i-e = --- mV Icc2 = ----- mA ∆Ψ1i-e = ---- mV Icc1 = ------ mA ∆Ψ1i-e = ----- mV Icc1 = ----- mA
Robs:
∆Ψ1i-e = 47 mV Icc1 = 0.01 mA ∆Ψ2i-e = 47 mV Icc2 = 0.01 mA ∆Ψ1i-e = 39 mV Icc1 = 0.10 mA ∆Ψ1i-e = 113 mV Icc1 = 0.24 mA

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

175
Estudo de drogas

f) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimentos realizados:

1 2 3

Externo Interno Externo Interno Externo Interno


- + - + - +

RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4


(115) (115) (115) (115) (115) (115)
+ +
amiloride amiloride

Resp:
∆Ψi-e = ------- icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------
Robs:
∆Ψi-e = 159 mV icc = 0.49 mA ∆Ψi-e = 47 mV Icc = 0.01 mA ∆Ψi-e = 159 mV Icc = 0.49 mA.

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

g) Hipótese:------------------------------------------------------------------------------------------------

Experimentos realizados:

1 2 3

Externo Interno Externo Interno Externo Interno


- + - + - +

RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4 RNa2SO4


(115) (115) (115) (115) (115) (115)
+DNP +DNP

Resp:
∆Ψi-e = ------- icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------- ∆Ψi-e = ------- Icc = -------
Robs:
∆Ψi-e = 159 mV icc = 0.49 mA ∆Ψi-e = 159 mV Icc = 0.49 mA ∆Ψi-e = 0 mV Icc = 0 mA.

Conclusão:-------------------------------------------------------------------------------------------------

176
6. Resumo das informações obtidas:

E I

7. Modelo do transporte iônico através do epitélio abdominal de anfíbio:

Questão 6. De que resulta a ∆Ψi-e através da pele de anfíbio e que equação você
utilizaria para a determinação da mesma? Através de que mecanismo esta DDP é
mantida em "steady state"? -------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

177
B. Segunda aula (Estudo Quantitativo do transporte iônico)

1. Efeito da concentração de sódio do lado externo da pele

a) Montar a pele de anfíbio colocando solução Ringer-sulfato com [Na +] = 115 mM nos
dois lados da pele. Equilibrar por 30 minutos e medir a ∆Ψi-e e Icc.

b) Desligar o voltímetro e, com o auxílio de uma seringa, remover a solução da câmara


externa substituindo-a por 10 ml de solução Ringer-sulfato [Na+] = 3 mM. Esperar 3
minutos durante os quais o potencial deve ser mantido nulo. Fazer a leitura da Icc e
então da ∆Ψi-e.

c) Da maneira descrita em (b), substituir a solução da câmara externa por outra em que
[Na+] = 6 mM e fazer a leitura de Icc e ∆Ψi-e.

d) Da mesma maneira acima determinar os valores de Icc e ∆Ψi-e com concentrações de


sódio 18, 30, 60 e 115 mM.

e) Os resultados obtidos estão no quadro abaixo:

[Na+]e log [Na+]e 1/[Na+]e Icc (mA) ∆Ψi-e J (mmol/cm2.s) 1/J (cm2.s/mmol)

(mM) (mV)

3 0.27 68

6 0.35 85

18 0.43 113

30 0.47 126

60 0.48 143

115 0.49 159

f) Calcular o fluxo resultante de íon sódio através da pele nos diferentes tempos da
experiência. De acordo com a lei de Faraday, cada mol de Na+ corresponde a uma
carga elétrica de 96 500 Coulombs. Como a unidade de corrente, o ampère (A),
corresponde a 1 Coulomb por segundo, a migração de 1,04 x 10-5 (1/96 500) moles de

178
Na+ por segundo corresponderá a uma corrente de 1 ampère. Sabendo-se que a Icc
corresponde à corrente gerada pela migração de Na+, calcular o fluxo de íon nos
diferentes tempos da experiência e anotar na tabela acima. (I = ZFJ)

g) Fazer um gráfico levando em abcissas o logaritmo da concentração de íon sódio na


câmara externa e em ordenadas a diferença de potencial (∆Ψi-e).

Questão 1. Houve obediência à equação de Nernst? Por que?--------------------------


-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

h) Fazer dois outros gráficos: um levando [Na+]e em abcissas e J em ordenadas, e


outro levando 1/[Na+]e em abcissas e 1/J em ordenadas.

Questão 2. Existe um transportador de sódio na pele de anfíbio? Justifique, calculando


e analisando os parâmetros adequados destas Figuras.----------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

2. Efeito da concentração de potássio do lado interno da pele.

a) Substituir a solução da câmara interna por Ringer-sulfato com [K+] = 3,0 mM. Esperar
3 minutos, durante os quais o potencial deve ser mantido nulo. Ler a ∆Ψi-e.

b) Da mesma maneira descrita acima, determinar as DDPs para [K+] = 6, 18, 30, 60 e
115 mM.

179
c) Os resultados obtidos estão no quadro abaixo:

[K+]i (mM) log [K+]I ∆Ψi-e (mV)

3 130

6 113

18 85

30 72

60 55

115 39

d) Fazer um gráfico levando em abcissas o logaritmo da concentração de íon potássio


na câmara interna e em ordenadas a ∆Ψi-e.

Questão 3. Houve obediência à equação de Nernst? Por que?---------------------------------


-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

180
Observações Finais

O objetivo básico destas aulas demonstrativas não foi exatamente o de se


descobrir com detalhes todos os mecanismos de transporte existentes em pele
abdominal de anfíbio. Este modelo experimental foi escolhido basicamente em função
de sua facilidade de obtenção e de estudo, pois não foram necessários equipamentos
tecnologicamente sofisticados.
Procurou-se, na realidade, fazer com que o aluno pudesse se iniciar nos
processos, nem sempre fáceis, de interpretação de dados experimentais baseados
apenas na sua formação teórica sobre o assunto. Teve-se a oportunidade, portanto, de
coletar dados experimentais que serviram para o reestudo de toda a teoria
anteriormente vista, desde o papel de membranas em processos difusionais, os tipos
de transporte de solutos e solventes e até os conceitos termodinâmicos envolvidos
nestes mecanismos, como o surgimento de importantes gradientes de natureza química
ou eletroquímica.
No decorrer de todo o curso médico, o aluno terá a oportunidade de ouvir falar
muito em bombas, secreções e reabsorções de eletrólitos, água, etc. Esperamos que
tenhamos tido sucesso em transmitir algumas bases teóricas essenciais para o
entendimento mais físico-químico de todos estes processos biológicos.
Obviamente, as conclusões simplificadas obtidas quanto aos mecanismos de
transporte existentes em epitélio abdominal de anfíbio não podem ser totalmente
extrapoladas para os diversos sistemas epiteliais que ocorrem no organismo humano.
De qualquer modo, algumas analogias são observáveis e, mais com caráter de
informação, descreveremos, nos esquemas a seguir, os mecanismos de transporte
mais aceitos atualmente em alguns epitélios de mamíferos.

181
Note que no túbulo contornado distal o transporte de Na+ e K+ guarda
semelhança com o movimento destes íons em pele de anfíbio. A luz, ou lado luminal,
corresponde ao lado externo da pele e o interstício, ou lado seroso, corresponde ao
lado interno da pele. O transporte de aminoácidos no túbulo contornado proximal é
semelhante ao cotransporte com Na+ observado na mucosa intestinal.

182
Existe, neste tecido, um transporte transepitelial de NaCl à semelhança do que
ocorre também no túbulo contornado proximal e na mucosa intestinal de mamífero. Este
tipo de transporte é muito importante nestes epitélios para o transporte de água, da luz
para o interstício (reabsorção de água), sem consumo de ATP. O processo de
reabsorção de água está acoplado ao de reabsorção de NaCl e, este último sim, se dá
com hidrólise de ATP.

183
EXCITABILIDADE CELULAR: SISTEMA NERVOSO E MUSCULAR

1. Diferenciar uma célula excitável de uma não excitável.


2. Compreender o comportamento elétrico de uma célula excitável e não excitável.
3. Descrever o comportamento dos canais de Na+ e de K+ dependentes de
voltagem das membranas de células excitáveis em função do tempo e do potencial.
4. Entender como é disparado o potencial de ação, utilizando o conceito de limiar.
5. Descrever o comportamento de uma célula excitável em resposta a um estímulo
abaixo e acima do limiar.
6. Compreender como a ativação dos canais de Na+ dependentes de voltagem
determinam o disparo do potencial de ação.
7. Compreender como a intimação dos canais de Na+ e a ativação dos canais de K+
combinados determinam a finalização do potencial de ação.
8. Interpretar as propriedades do potencial de ação (período refratário absoluto e
relativo, mecanismo de "feedback", potencial liminar) em termos de canais iônicos.
9. Estabelecer os fatores que determinam a velocidade de condução dos potenciais
de ação nos axônios.
10. Entender o papel da mielina como isolante e caracterizar a condução saltatória.
11. Descrever os fundamentos básicos das técnicas de registro de variações do
potencial ou de corrente através de uma membrana biológica.

O texto a seguir foi traduzido e adaptado do livro "MOLECULAR BIOLOGY


OF THE CELL", 2nd edition, 1989.

184
EXCITABILIDADE CELULAR: SISTEMA NERVOSO E MUSCULAR

Introdução
Nesta etapa final do curso estaremos discutindo os mecanismos que participam da
sinalização celular e intercelular (nervo-músculo), garantindo que a mensagem contração-
relaxamento seja percebida pela célula muscular.
Na aula inicial do Curso de Biofísica Celular (início do ano) sobre contração,
referimo-nos à mensagem que atinge a membrana plasmática da célula muscular como a
chegada do impulso nervoso, isto é, de uma onda de despolarização ou de excitação.
Nesta fase do curso, estaremos detalhando os mecanismos celulares responsáveis pela
geração e condução do impulso nervoso no axônio motor e na célula muscular, assim
como a sua transmissão na junção neuromuscular.
A partir das informações sobre o meio ambiente percebidas pelos nossos órgãos
do sentido (tato, visão, audição, olfato e gustação) ou da vontade cognitiva, as mensagens
são enviadas para processamento no sistema nervoso central, e a resposta de um
conjunto de músculos pode ser solicitada através de uma mensagem enviada através dos
nervos que inervam os referidos músculos (axônios motores). A linguagem utilizada pelo
sistema nervoso para receber e levar mensagens corresponde sempre a uma alteração
do potencial de membrana, que denominamos impulso nervoso. Esta mensagem deve
ser mantida inalterada (amplificação) ao longo do trajeto percorrido até atingir o órgão
efetor, no caso a célula muscular estriada. Portanto o impulso nervoso percorre toda a
extensão do axônio motor (propagação ou condução), é transferido para a célula
muscular na junção neuromuscular (transmissão) e percorre a membrana plasmática da
célula muscular (propagação ou condução), atingindo os túbulos T. A chegada do
estímulo no
túbulo T determina a liberação dos íons Ca2+ das cisternas laterais do retículo
sarcoplasmático, aumentando a concentração deste íon no citoplasma, disparando assim
o processo contrátil.
Alguns progressos importantes sobre o cérebro foram obtidos, especialmente
através do estudo de células nervosas isoladas, assim como de suas moléculas
constituintes, sobre a condução e transmissão do impulso nervoso, tendo sido
estabelecido alguns fundamentos básicos do funcionamento deste sistema multicelular.
Embora o cérebro como um todo ainda seja um dos órgãos menos conhecidos do corpo,
as propriedades dos neurônios são bem mais conhecidas que em outras células,
principalmente em relação às propriedades elétricas da membrana. Os mecanismos de

185
sinalização celular dos neurônios, responsáveis pela excitabilidade celular, que serão
descritos a seguir, são semelhantes aos que ocorrem na célula muscular estriada.
Portanto este capítulo se concentrará no funcionamento da célula nervosa, que é o
principal componente do sistema nervoso. Inicialmente iremos descrever como algumas
proteínas de membrana funcionam como canais iônicos, permitindo à célula conduzir,
transmitir e responder aos estímulos. Deste modo, iremos entender como estes canais
iônicos permitem à célula nervosa integrar e processar as informações a ela transmitidas.
Para se estudar a excitabilidade celular, isto é a capacidade da célula gerar,
propagar e transmitir o impulso nervoso, devemos ter uma maneira experimental de gerar
um estímulo elétrico através da membrana, portanto um circuito estimulador, e uma
maneira de captar, registrar e armazenar a resposta biológica decorrente deste estímulo,
e portanto um circuito de registro. Deste modo, em qualquer estudo eletrofisiológico
deve ficar claro para o aluno os componentes do circuito de estimulação (geralmente uma
fonte de corrente ou de tensão) e os componentes do circuito de registro (geralmente um
voltímetro ou osciloscópio, ou outra combinação de aparelhos de medida mais
sofisticados). Além disto, como a excitabilidade celular depende de variações do potencial
e da presença de correntes eletrolíticas através da membrana, em qualquer experimento
eletrofisiológico é necessário a presença de um dispositivo (os eletrodos ou
microeletrodos) que permite a transformação da corrente eletrolítica (aquela que ocorre
na preparação biológica, ou seja através da movimentação de íons) em eletrônica (aquela
que é percebida pela circuitaria eletrônica, ou seja através da movimentação de elétrons)
e vice-versa.

As Células Nervosas e Musculares são Excitáveis


Para respondermos se uma célula apresenta excitabilidade ou não, fazemos uma
montagem experimental que permite a aplicação de um estímulo elétrico na mesma,
como apresentado na figura 16.
De acordo com o esquema, o circuito de estimulação corresponde a um eletrodo
de corrente conectado a uma fonte de corrente ou de tensão, que permite enviar
corrente para dentro ou para fora da célula (convenção para corrente: sentido das
cargas positivas; corrente para dentro: entrada de cargas positivas na célula e
registrada como deflexões negativas; corrente para fora: saída de cargas positivas da
célula e registrada como deflexões positivas). Chamamos de estímulo hiperpolarizante
àquele que determina aumento da negatividade do meio celular (o potencial de membrana
varia de -70 para -100 mV, por exemplo) e de estímulo despolarizante àquele que
determina diminuição da negatividade do meio celular (o potencial de membrana varia de

186
-70 para -50 mV, por exemplo). O circuito de captação e registro do sinal é constituído de
um microeletrodo colocado no meio intracelular e conectado a um dos terminais do
voltímetro e de um outro microeletrodo conectado ao segundo terminal do voltímetro e
em contato com o meio externo, sendo este ligado ao "terra" do sistema (microeletrodo
de referência). Deste modo mede-se, de acordo com a convenção, Vi-Ve, com Ve igual
a 0 mV (esta convenção deve ser SEMPRE obedecida).
Por exemplo, no caso da célula hepática, uma vez feita a montagem experimental,
verifica-se que antes de ligar o circuito de estimulação, registra-se no voltímetro uma
diferença de potencial, que obviamente corresponde ao potencial de repouso da célula
(Figura 17).
Aplicando-se um estímulo hiperpolarizante, observa-se uma variação lenta do
potencial de membrana, estabilizando-se em um novo valor mais negativo
(hiperpolarizado) em relação ao potencial de repouso após um determinado intervalo de
tempo e aí permanecendo desde que o estímulo seja mantido. A resposta da membrana
neste caso é proporcional à intensidade e duração do estímulo. Assim, quanto maior a
intensidade do estímulo, maior será a hiperpolarização atingida pela membrana. O mesmo
acontece se um estímulo despolarizante for aplicado. O potencial de membrana assumirá
valores mais positivos (despolarizados) que o potencial de repouso, de acordo com a
intensidade do estímulo. A esta variação gradual do potencial de membrana em resposta
a um estímulo hiper ou despolarizante denominamos potencial eletrotônico (Figura 18,
registros a,b,c e d).

187
No caso da célula muscular estriada, a aplicação de um estímulo hiperpolarizante
de qualquer intensidade sempre determinará uma variação do potencial de membrana no
sentido hiperpolarizante, caracterizando uma resposta eletrotônica, com as mesmas
características descritas para a célula hepática (Figura 18, registros a e b). Já a aplicação
de um estímulo despolarizante determina comportamentos distintos do potencial de
membrana de acordo com a intensidade do mesmo. Abaixo de uma determinada
intensidade e duração do estímulo (limiar de excitabilidade), observamos o
desenvolvimento de uma resposta graduada, e portanto, eletrotônica (Figura 18,
registros c e d). Porém quando um estímulo despolarizante de intensidade e duração
acima do potencial liminar é aplicado, observamos SEMPRE um mesmo tipo de
resposta: uma variação rápida e transiente do potencial de membrana, com 2 a 3 ms de
duração (no caso de nervos e músculos estriados) e de amplitude constante, qualquer
que seja a intensidade do estímulo despolarizante aplicado. Denomina-se este tipo de
resposta de potencial de ação (PA) e de potencial liminar ao valor do potencial de
membrana que determina o aparecimento do potencial de ação em resposta a um
estímulo despolarizante de intensidade e/ou duração mínimos (Figura 18, registro e).
Concluindo, a célula hepática é dita não excitável porque em resposta a um
estímulo elétrico hiper ou despolarizante, desenvolve um potencial eletrotônico; já a célula
muscular estriada é dita excitável porque desenvolve um potencial de ação (PA) em
resposta a um estímulo despolarizante acima do seu limiar de excitabilidade.
Quais os fatores que determinam uma mudança do potencial de membrana,
justificando o desenvolvimento de um potencial eletrotônico ou do potencial de ação?

Canais Dependentes de Voltagem e o Potencial de Ação

A diferença de potencial elétrico (voltagem) através da membrana plasmática de


uma célula - isto é, o potencial de membrana (Vm) - depende da distribuição das cargas
elétricas através da mesma (Figura 19). As cargas são transportadas de um lado ao outro
da membrana da célula nervosa através dos íons inorgânicos, principalmente Na+, K+, Cl-
e Ca2+, mas estes só conseguem atravessar a bicamada lipídica através de canais
protéicos especiais. Quando os canais iônicos abrem ou fecham, a distribuição das cargas
através da membrana é alterada, e consequentemente o Vm através dela. A sinalização
neuronal depende da presença de canais cuja permeabilidade é controlada -estes canais
são denominados "gated channels"1. Duas classes de "gated channels" são de extrema

1 "Gated channels são canais de abertura controlada por um "gate" (porta) que por sua vez é
controlada por voltagem ou por um "ligand" (ligante).

188
importância: (1) os canais dependentes de voltagem, que desempenham papel central
no disparo da atividade elétrica através da qual os PAs são propagados ao longo de um
processo celular nervoso e (2) os canais dependentes de ligantes, que convertem
sinais extracelulares químicos em sinais elétricos, desempenhando um papel central no
funcionamento das sinapses. Estes dois tipos de canais não são restritos apenas aos
neurônios: são também encontrados em outros tipos de células, como nas musculares,
onde desempenham funções semelhantes.

A Bomba Na+/K+ Mantém a Bateria Carregada, Alimentando o Potencial de Ação


(PA)

Na maioria dos neurônios, os íons mais importantes envolvidos na propagação do


PA são o Na+ e o K+. Os neurônios, como todas as outras células, utilizam grande parte da
energia metabólica bombeando Na+ para fora e K+ para dentro da célula através de uma
ATPase Na+/K+ presente na membrana plasmática. Como resultado de sua atuação, a
concentração de Na+ dentro da célula é cerca de 10 vezes menor do que fora, enquanto a
distribuição de K+ é oposta à distribuição do Na+. Estas diferenças nas concentrações
iônicas constituem um depósito de energia livre disponível para promover o fluxo de íons
através da membrana plasmática. Este depósito é significativo de modo que ele é pouco
afetado pelos fluxos transientes de íons associados à passagem de um único PA. Uma
célula nervosa típica, mesmo com a bomba Na+/K+ inibida por um bloqueador, como por
exemplo a ouabaína, à semelhança de um capacitor carregado, consegue propagar
milhares de PAs antes de se descarregar. Isto porque um influxo pequeno de íons
transfere uma quantidade de cargas através da membrana suficientes para provocar uma
grande alteração de Vm (Figura 20). Portanto podemos considerar as concentrações intra
e extracelulares de Na+ e de K+ praticamente constantes, mesmo quando a célula está
eletricamente ativa: os fluxos iônicos responsáveis pelo PA são tão pequenos que só
provocam pequeníssimas alterações de concentração.

O Potencial de Membrana Depende da Permeabilidade Seletiva da Membrana

A atividade elétrica de uma célula nervosa depende fundamentalmente da relação


entre o Vm e a permeabilidade da membrana. Na célula nervosa em repouso, as
concentrações intracelulares de Na+ e de K+ são determinadas pelo balanço entre os

189
fluxos movidos pela ATPase Na+/K+ e as taxas de vazamento de Na+ e de K+ através dos
"leak channels"2 . A condição de repouso em termos elétricos é definida como "steady
state" ou potencial de repouso (PR), sendo o Vm no qual o fluxo resultante de corrente
através da membrana plasmática é nulo. Em outras palavras, no PR, os fluxos de Na +, K+,
Cl- e de outros íons, embora possam não ser nulos individualmente, estão exatamente
contrabalançados quanto à carga total que atravessa a membrana.
O fluxo de um íon através de um canal é decorrente do gradiente eletroquímico.
Este gradiente resulta da combinação de duas forças: o gradiente de voltagem através da
membrana e o gradiente de concentração do íon. Quando estas duas forças são
exatamente iguais, o gradiente eletroquímico é nulo, não havendo

2 "Leak channels" são canais que não possuem "gates", cuja abertura e fechamento
independem de voltagem ou de ligante. Podem estar aleatoriamente abertos ou fechados, e
são responsáveis pela permeabilidade da membrana em seu estado de repouso. Nesta
situação o número médio de canais abertos não varia no decurso do tempo.

190
191
fluxo resultante do íon considerado através do canal
(Figura 21).
A equação de Nernst estabelece quantitativamente esta condição de equilíbrio. Se
o interior da membrana apresentar uma voltagem Vi em relação ao meio exterior (Ve = 0
mV), e se as concentrações interna e externa do íon são Ci e Ce respectivamente, não
haverá fluxo resultante do íon através da membrana quando:

Vm = Vi - Ve = -(RT/zF)ln(Ci/Ce) = -(RT/zF)2,3log(Ci/Ce)

onde:
R = constante dos gases
T = temperatura absoluta (em K)
F = constante de Faraday (96.500 coulomb/mol)
z = valência do íon

Portanto, para um íon monovalente a 20°C,

(RT/zF)2,3 » 0,058 V ou 58 mV

Assim, não haverá fluxo resultante de Na+ através da membrana quando o valor de
Vm for igual a 58log([Na+]e/[Na+]i) mV, isto é no potencial de equilíbrio do Na+ (ENa). Do
mesmo modo, o fluxo resultante de K+ será também nulo, se o Vm assumir o valor de
58log([K+]e/[K+]i) mV, correspondente ao potencial de equilíbrio do K+ (EK). Para uma célula
típica, ENa fica entre +50 e +65 mV e EK entre -100 e -70 mV.
Para um determinado valor de Vm, a força resultante que promove a saída ou
entrada de um determinado íon na célula (corrente iônica) pelos canais iônicos na
membrana é descrita como:
femx = Vm - Ex
onde:
femx: corresponde à força movente para o íon X
Ex: corresponde ao potencial de equilíbrio do
íon X.

192
193
A corrente carreada pelo íon x é dada por:

ix = gx.femx

onde:
gx: corresponde à condutância da membrana ao íon x

Assim,
ix = gx.(Vm - Ex)

Portanto, mesmo se o valor de condutância da membrana ao


íon x for alta, nenhuma corrente será transportada através da membrana por aquele íon
(ie ix = 0), se o potencial de membrana (Vm) for igual a Ex. Como os gradientes iônicos
geralmente são mantidos constantes na célula (e portanto, Ex não varia), as alterações de
gx (condutâncias) são as responsáveis pela modulação da corrente transportada por um
determinado íon. Portanto, são as alterações nas condutâncias iônicas, isto é no número
de canais ativados, que controlam a intensidade da corrente elétrica carreada através das
membranas biológicas.
Para um dado Vm, a força movente que promove a saída ou entrada dos íons na
célula é proporcional à diferença (Vm-ENa) para o íon Na+ e (Vm-EK) para o íon K+. O fluxo
de cada íon não depende somente desta força, mas também da facilidade com que o íon
passa através dos canais desta membrana (Figura 22).
Se as condutâncias dos canais para os íons Na+ e K+ forem respectivamente GNa
e GK, as correntes de Na+ (iNa+) e de K+ (iK+) serão, respectivamente, GNa.(Vm - ENa) e GK.
(Vm - EK) (condutância é a recíproca da resistência (1/R) e a unidade é a recíproca de
Ohm ou siemens, representada pela letra S). Por definição, durante o PR os fluxos iônicos
de cada íon estão compensados de tal maneira que a corrente elétrica total resultante
através da membrana é zero. Consequentemente, se Vm for igual ao PR, a seguinte
equação deve ser satisfeita:

194
195
GNa.(Vm-ENa) + GK.(Vm-EK) + corrente originada pela bomba Na+/K+ +
correntes carreadas por outros íons = 0.

Como no PR os "leak channels" são bem mais permeáveis ao K+ que ao Na+, GK é


relativamente maior que GNa. Além disso, tanto a corrente originada pela bomba Na+/K+,
como as correntes carreadas pelos outros íons são relativamente pequenas. Assim,
normalmente a corrente de K+ é muito grande para ser contrabalançada pelos outros
termos da equação acima, a menos que (Vm-EK) esteja próximo de zero. Portanto, o PR
deve estar bem mais próximo do EK, que está compreendido entre -100 a -70 mV. Se o
Vm diferir do valor do PR, uma corrente resultante flui no sentido de reconduzir o Vm para
o valor de repouso. Pela mesma razão, se a condutância ao sódio GNa tornar-se alta, o Vm
se deslocará para um novo nível próximo do ENa (Figura 21). Isto é justamente o que
ocorre, instantaneamente, durante a passagem do PA em consequência da abertura dos
canais de Na+, dependentes de voltagem. Diversamente dos "leak channels", estes canais
de Na+ estão na maior parte do tempo fechados com o neurônio em repouso. Quando
ocorre uma mudança no Vm, eles passam para o estado aberto. Vamos estudar em
detalhes as propriedades destes canais de Na+, dependentes de voltagem.

A Membrana Biológica Pode Ser Representada por um Circuito Elétrico Equivalente


De acordo com o modelo de membrana biológica proposto por Singer e Nicholson
(modelo mosaico-fluido), a membrana biológica é constituída de uma bicamada lipídica,
formada pelos fosfolipídios e colesterol, com as proteínas mergulhando parcial ou
totalmente (proteínas periféricas), ou atravessando a espessura da bicamada (proteínas
integrais), de modo que as suas extremidades hidrofílicas se projetam no meio aquoso
extra e intracelular. Por outro lado, sabemos que o neurônio e o músculo, assim como
qualquer outra célula viva em repouso, apresentam uma diferença de potencial elétrico
(Vm = Vi - Ve) estável entre o meio intra e extracelular, sendo uniformes os potenciais
elétricos dos referidos meios, isto é eles têm o mesmo valor em qualquer ponto do meio
intra e extracelular em que forem medidos, respectivamente. Assim o potencial elétrico em
qualquer ponto do meio extracelular é arbitrariamente definido como 0 mV, e o valor do
potencial em qualquer ponto do meio intracelular é negativo, como por exemplo -90 mV
na célula muscular.

196
Do ponto de vista elétrico, podemos representar a membrana biológica pelo circuito
equivalente abaixo:
onde:
Cm: representa o elemento capacitivo equivalente da
membrana.
Rm: representa o elemento resistivo equivalente da
membrana.

Sabemos que o maior constituinte da membrana biológica é a camada bimolecular


de lipídios, e que esta bicamada lipídica é impermeável aos íons, e pode, portanto, manter
separadas cargas na forma de íons através dela. Dizemos então que a membrana
biológica possui características de um capacitor porque existe uma diferença de potencial
elétrico estável através da membrana, ou seja um armazenamento de cargas elétricas
através da membrana. Além disto, a bicamada lipídica é altamente hidrofóbica,
constituindo um meio elétrico isolante. Um capacitor é um dispositivo elétrico capaz de
armazenar cargas; é formado por duas placas condutoras separadas por um material
isolante, de modo que é caracterizado por sua capacitância, ou seja por sua capacidade
de armazenar cargas por unidade de potencial, que é dado pela seguinte relação:

C = Q/V

onde:
Q: é o valor absoluto das cargas armazenadas em uma das
placas (coulomb).
V: é o valor absoluto do potencial de uma das placas
(Volt).
C: é a capacitância (Faraday = 1 Coulomb/ 1 Volt).

Como o capacitor não é capaz de gerar ou separar cargas elétricas, mas apenas
armazená-las, qualquer variação do potencial elétrico em uma das placas decorre do
aporte ou da retirada de cargas da placa, gerando uma corrente capacitiva.
Assim toda membrana biológica apresenta as propriedades de um capacitor, onde
a bicamada lipídica representa o material isolante e os meios iônicos intra e extracelular,
aquosos, representam as placas. Consequentemente, toda membrana biológica pode ser

197
caracterizada por sua capacitância específica, isto é a capacitância de 1 cm2 de
membrana, que em geral tem o valor de
1 uF/cm2. Assim, durante uma variação qualquer do potencial de membrana, seja em
função de um potencial eletrotônico ou de ação, surge uma corrente capacitiva (Ic) na
membrana, que corresponde a uma maior ou menor aproximação dos íons no plano da
membrana, cujo sentido dependerá da natureza do sinal estimulador (intensidade e
duração).
Por outro lado, a membrana biológica apresenta distintas permeabilidades aos
íons, isto é a membrana apresenta maior ou menor facilidade à passagem de íons
através dela. Do ponto de vista elétrico isto significa dizer que a membrana apresenta
menor ou maior resistência (Rm). Atualmente sabemos que uma pequena porção das
proteínas integrais de membrana funcionam como canais iônicos, com distintas
seletividades aos íons, permitindo a passagem dos mesmos através da membrana.
Portanto, para completarmos a representação elétrica de um canal iônico para um
determinado íon na membrana, devemos acrescentar uma bateria em série com a
resistência. Sua força eletromotriz (fem) corresponde ao potencial elétrico imposto pela
distribuição daquele íon através da membrana (Eíon, calculado pela equação de Nernst).
Finalmente, conectamos a Cm e a Rm em paralelo pelo fato da extensão total da
membrana se encontrar submetida ao mesmo potencial (potencial de repouso). Portanto,
uma representação mais correta da membrana em repouso através de um circuito elétrico
seria:

onde:
Cm: capacitância da membrana
RNa e ENa: resistência e potencial de equilíbrio
do íon Na.
RK e EK: resistência e potencial de equilíbrio
do íon K.
RCl e ECl: resistência e potencial de equilíbrio
do íon Cl.

Assim, estas duas propriedades da membrana, capacitância e condutância, são


as responsáveis pelo comportamento elétrico passivo da membrana.
Submetendo o circuito elétrico acima a um estímulo hiperpolarizante (corrente
positiva), observamos um deslocamento gradual do potencial através das placas do
capacitor (aumento do potencial), devido à corrente capacitiva gerada em resposta ao

198
estímulo. De acordo com a sua constante de tempo (t = RmCm), o potencial estabiliza
em novo valor de acordo com a intensidade do estímulo. O potencial permanecerá neste
valor enquanto o estímulo for mantido (duração). Finalizado o estímulo, o potencial
retornará ao valor observado antes da estimulação, também de modo gradual, e
novamente refletindo a constante de tempo do circuito. O mesmo sucederá se o estímulo
for despolarizante (corrente negativa), apenas com diminuição do potencial através das
placas do capacitor (Figura 23).
O mesmo efeito é observado em uma membrana biológica submetida a um
estímulo hiperpolarizante de qualquer intensidade e duração, ou despolarizante de
intensidade abaixo de um determinado valor (limiar), isto é, enquanto o estímulo
despolarizante não alterar o valor de Rm de repouso da célula. A este tipo de resposta
gradual e proporcional à intensidade e duração do estímulo denominamos potencial
eletrotônico, e reflete a propriedade capacitiva da bicamada lipídica da membrana.
Assim, qualquer alteração do potencial de membrana em função de um estímulo hiper ou
despolarizante abaixo do limiar obedecerá à seguinte equação:

DV = DVm (1 - e-t/t) = DVm (1 - e-t/RmCm)

indicando não ter ocorrido qualquer modificação na resistência da membrana durante a


ocorrência de um potencial eletrotônico hiper ou despolarizante. Portanto a resposta do
potencial de membrana ocorre independentemente de quaisquer alterações
moleculares, tais como abertura ou fechamento de canais iônicos na membrana. A
corrente iônica que produz as respostas elétricas passivas da membrana flui
primariamente por canais ditos inexcitáveis (isto é, não dependentes de voltagem), e já
sabemos que deve se tratar de canais de K e Na, que estão abertos no repouso e que se
mantém assim durante a variação do potencial de membrana. Estes canais são
denominados canais "leak" ou de vazamento.
Quando na equação acima t for igual ao produto RmCm, DVt será igual a DVm.(1 -
1/e) = 0.63.DVm, caracterizando a constante de tempo do processo. Este parâmetro
indica o tempo necessário para a voltagem atingir 63% do valor final da variação do
potencial imposta na membrana.
É de fundamental importância entender que a constante de tempo é um índice
simples que indica quão rápido uma membrana biológica responde a um estímulo.
Suponhamos que um nervo seja impalado com um eletrodo para registrar o potencial de

199
membrana e um outro eletrodo para estimular a célula artificialmente, como apresentado
na figura 24:
Suponhamos que o potencial de repouso deste nervo seja de
-60mV e a constante de tempo seja de 10 ms. Admitamos ainda que a bateria ao ser
ligada desencadeia um estímulo que leva o nervo a se despolarizar de 10 mV.
Antes da bateria ser ligada, registramos o potencial de repouso do nervo, qual seja
-60 mV. No instante zero, o eletrodo é conectado à bateria (a chave é fechada), o
potencial de membrana se desloca do seu valor inicial (-60 mV) para o valor final (-50
mV). Observe que apesar da variação da corrente ser instantânea e constante, o
potencial de membrana NÃO se modifica instantaneamente. Existe um intervalo de tempo
no qual o potencial de membrana se desloca gradualmente até alcançar seu valor final.
Este processo de carga da membrana é uma função exponencial do tempo, de acordo
com a sua constante de tempo. Assim, em 10 ms, o potencial de membrana passou de
-60 mV para -53,7 mV, ou seja a 63% do valor do deslocamento final do potencial de
membrana). Assim, quanto menor a constante de tempo, mais rapidamente a célula
responderá a um estímulo qualquer. Se no exemplo acima a constante de tempo fosse de
1 ms, a célula alcançaria os mesmos -53,7 mV em apenas 1 ms.

Os Canais Iônicos São Caracterizados pela Seletividade, "Gating" (mecanismo de


abertura e fechamento) e Sensibilidade a Toxinas Específicas
Os métodos empregados para estudar os canais iônicos dependem muito do fato
de que fluxo de íons implica em corrente, podendo esta última ser medida quase que
instantaneamente, com alta precisão e sensibilidade. Um procedimento usual consiste em
inserir dois microeletrodos no interior de uma célula cuja membrana contém os canais de
interesse (Figura 25). Um dos microeletrodos intracelulares - o eletrodo de voltagem - é
usado para medir a voltagem através da membrana em relação a um terceiro eletrodo
(eletrodo de referência), que é colocado no meio em que a célula está imersa (Ve = 0 mV).
O outro eletrodo intracelular - o eletrodo de corrente - é utilizado para impor uma corrente
conhecida. Se a corrente for dirigida para o interior da célula de maneira a adicionar
cargas positivas ao meio intracelular, o Vm fica menos negativo que no estado de repouso
normal. Um desvio do Vm neste sentido é chamado despolarização. Se, ao contrário, a
corrente fluir no sentido oposto (para o meio extracelular), o Vm fica mais negativo e, este
desvio é chamado hiperpolarização. Nos dois casos, a alteração do Vm provoca a
passagem de corrente através dos canais presentes na membrana, equilibrando a
corrente elétrica injetada

200
através do eletrodo de corrente. O valor de Vm se manterá constante se, e somente se,
não houver perda ou acúmulo resultante de cargas no interior da célula - isto é, quando, e
somente quando, a corrente que fluir através dos canais da membrana for exatamente
igual e oposta à corrente injetada. Logo, se o Vm se mantiver constante, a corrente
através dos canais da membrana pode ser determinada pela intensidade da corrente
medida no eletrodo de corrente. Desta maneira, o eletrodo de corrente serve
simultaneamente para controlar o Vm e medir a corrente que passa através dos canais da
membrana. Além disto, é possível ajustar automaticamente, através de um circuito
eletrônico adequado, a corrente injetada em função do sinal elétrico enviado pelo eletrodo
de potencial. Assim o Vm é mantido constante no valor de voltagem desejado. Este
arranjo eletrônico é conhecido como "voltage clamp" (fixação de voltagem), e o valor
determinado de Vm é chamado de voltagem de comando. Impondo voltagens de
comando distintas e medindo as correspondentes correntes injetadas para mantê-las,
pode ser investigada com detalhes a condutância da membrana em função do Vm.

201
A identificação dos íons que transportam a corrente transmembranal pode ser feita
através do monitoramento do efeito de uma alteração da concentração de um íon
específico no banho. Por exemplo, qualquer corrente de Na+ através da membrana
depende da concentração extracelular de Na+, que é anulada quando a concentração
extracelular de Na+ for tal que o Vm assume o mesmo valor do ENa. A corrente para um
determinado íon através dos "leak channels" ou dos "gated channels" são indistintamente
afetadas por alterações no gradiente de concentração daquele íon através da membrana
e, portanto, pode ser analisada da mesma maneira. Porém, o canal dependente de
voltagem é reconhecido devido a uma alteração drástica da condutância da membrana
para um aquele íon em resposta a uma alteração brusca do Vm.
Estes métodos permitem distinguir a contribuição dos diferentes íons para a
corrente total, assim como identificar os fluxos que ocorrem através de "gated channels".
Mas, caso a corrente seja composta parcialmente por íons Na+ e parcialmente por íons K+,
como distinguir se estes íons atravessam a membrana através de canais distintos ou
através de um mesmo canal seletivo a cátions? A maneira mais simples é utilizar toxinas
específicas para os canais. Assim, se a tetrodotoxina (TTX) - um veneno extraído das
vísceras do baiacu - for adicionada ao meio externo, o componente da corrente devido à
passagem dos íons Na+ pelos canais de Na+ dependentes de voltagem é bloqueado,
enquanto o componente devido à corrente de K+ não é afetado. Por outro lado, a adição
do íon tetraetilamônio (TEA) bloqueia o componente da corrente devido á passagem de
íons K+ através de canais de K+ dependentes de voltagem, presentes em diferentes
tipos de neurônios, sem afetar o componente devido à corrente de Na+. Estas e outras
evidências indicam que existem pelo menos dois tipos distintos de canais dependentes de
voltagem: um seletivo ao Na+ e bloqueado por TTX, e outro seletivo ao K+ e bloqueado por
íons TEA.

A Despolarização Promove a Abertura e a Inativação de Canais de Na+

Um canal dependente de voltagem, por definição, é um canal que abre e fecha em


resposta a alterações de voltagem através da membrana. Esta descrição sugere um
mecanismo simples, tipo "chave" liga/desliga. Porém os canais de Na+ dependentes de
voltagem, responsáveis pelo PA, são mais complexos, e o tempo que permanecem em
um estado determinado é crítico para a sua função. O comportamento deste canal pode
ser estudado através da técnica de "voltage clamp", já descrita acima. Fixando o Vm a -70
mV, que é o valor normal do PR, não há praticamente corrente de Na + através da
membrana. Isto indica que a maior parte dos canais de Na+ estão fechados nesta

202
condição. Se a voltagem de comando for bruscamente alterada para valores menos
negativos que o PR - digamos para 0 mV - e a célula for mantida neste estado
despolarizado, os canais de Na+, dependentes de voltagem, são abertos e os íons Na+
fluem para o interior da célula devido ao gradiente de concentração de Na+ existente
através da membrana. Esta corrente de Na+ atinge o máximo em cerca de 0,5 ms após a
mudança do potencial. No entanto, esta ela não é mantida elevada, voltando praticamente
a zero em poucos milisegundos, mesmo mantendo-se a membrana despolarizada (Figura
26). Assim, os canais que abriram por alguns instantes, agora fecham rapidamente. Uma
vez fechados, eles permanecem assim, no estado inativado, distinto do estado inicial,
fechado, quando são então capazes de abrir em resposta a uma despolarização da
membrana. No estado inativado estes canais não são responsivos, e assim permanecem
enquanto o Vm não retornar, por no mínimo alguns milisegundos, ao seu valor negativo
original (ie ao PR).

203
As Flutuações da Corrente Transmembranal Sugerem que os Canais
Estão Individualmente Abrindo e Fechando ao Acaso

A membrana celular do neurônio contém milhares de canais de Na+ dependentes


de voltagem e a corrente total de Na+ através desta membrana é a soma das correntes
que fluem através de toda a população de canais de Na+ presentes na mesma. Então,
como seria o comportamento individual de um único canal? Supondo que todos os canais
de uma mesma população apresentem uma mesma estrutura, uma possibilidade é que a
corrente através de cada canal aumente e diminuía com o mesmo perfil temporal que o
perfil, suave e previsível, apresentado pela corrente total, e em perfeita sincronia com os
outros canais da mesma população. Outra possibilidade é que, uma vez despolarizada a
membrana, cada canal possa abrir e fechar independentemente, de modo tudo-ou-nada,
com tempos de abertura e de fechamento variáveis (na verdade, ter-se-ía, nesta situação,
um aumento na frequência de abertura deste canal por um determinado intervalo de
tempo). Estas variações individuais podem, em média, dar o registro contínuo semelhante
ao observado para a corrente macroscópica resultante. Se assim for, um exame mais
acurado da corrente macroscópica deve revelar que ela não é perfeitamente suave e
previsível: sobreposto a esta curva idealizada devem aparecer saltos, flutuações casuais,
que refletem a abertura e o fechamento individual de cada canal. De fato, estas flutuações
podem ser observadas, como pode ser visto na figura 27. A abertura e o fechamento de
cada canal não é suave, tampouco sincronizada com os outros canais pertencentes à
mesma população.
Na década de 70, por falta de informações mais diretas, os canais unitários foram
estudados analisando-se as flutuações da corrente total - um procedimento chamado
análise de flutuação ou análise de ruído ("noise analysis") (Figura 27). Admitindo que
cada canal tenha somente dois estados possíveis de condutância, um totalmente aberto e
o outro totalmente fechado, e que ele passe instantaneamente de um estado para o outro,
estimou-se, através da análise de ruído, que o canal unitário de Na +, quando aberto (no
nervo de rã), tem condutância aproximada de 10-11 S. Isto significa que uma diferença de
potencial elétrico de 100 mV determina uma corrente de 10-12 A (1 pA) através deste canal
unitário no estado aberto. Uma corrente de 1 pA equivale à passagem de 6.000 íons
Na+/ms. Esta estimativa, assim como as suposições na quais ela está baseada, foram

204
confirmadas por um método mais direto, introduzido na década de 80 e chamado registro
de "patch clamp"3, que será discutido na próxima seção.

3 "Patch clamp" é um sistema eletrofisiológico de registro de correntes iônicas através de


uma pequena porção ("patch") da membrana, que permite a fixação ("clamp") da voltagem.

205
A Abertura e Fechamento dos "Gated Channels" Ocorre de Maneira Tudo-ou-Nada
O registro de corrente pela técnica de "patch clamp" fornece uma rara oportunidade
- na verdade quase sem precedentes - de estudar o comportamento cinético de uma
única molécula protéica. A idéia é simples, embora a execução seja trabalhosa (para não
dizer capciosa). A ponta de uma micropipeta de vidro, preenchida com solução fisiológica,
é comprimida sobre a superfície de uma célula e, após uma ligeira sucção, um "patch" da
membrana é aspirado para dentro desta micropipeta (Figura 28); se o vidro estiver limpo e
a membrana não se encontrar recoberta com material extracelular espúrio, forma um selo
elétrico firme entre as bordas do "patch" de membrana, que se encontra no interior da
micropipeta, e a superfície interna da micropipeta.
A corrente injetada no interior da pipeta só pode sair passando através das
proteínas que constituem os canais no "patch" de membrana que veda a ponta da pipeta.
Se a membrana da célula tiver uma baixa densidade de canais, e se o diâmetro da ponta
da pipeta for menor que 1 µm, uma das três alternativas são possíveis: encontrarmos
poucos canais, apenas um ou a vezes nenhum canal neste "patch" de membrana
estudado. Os equipamentos eletrônicos modernos permitem o registro da corrente através
de um único canal, que é da ordem de 1 pA, assim como o estudo da sua variação em
resposta à voltagem aplicada sobre o "patch" da membrana que o contém.
207
A figura 29 mostra algumas observações típicas da resposta de um canal unitário
de Na+ dependente de voltagem registradas em um "patch" de membrana de célula
muscular de rato. Fica evidente que a abertura de cada canal ocorre de uma maneira
tudo-ou-nada. Quando aberto, o canal apresenta sempre a mesma condutividade (para a
mesma voltagem através da membrana), mas os tempos de abertura4 e de fechamento5
são variáveis e casuais. Logo, a corrente total que atravessa a membrana celular em toda
sua extensão através de uma população elevada de canais não indica o grau de abertura
de um canal unitário típico, mas sim a probabilidade deste canal estar aberto.

A Energia das Diferentes Conformações de um Canal São Controladas pelo Campo


Elétrico

É importante resumir as propriedades dos canais de Na+ dependentes de


voltagem, uma vez que elas são bem semelhantes às propriedades de outros canais
dependentes de voltagem, como por exemplo, os canais de K+. Primeiro, os canais são
seletivos a íons específicos. Segundo, eles não abrem lentamente, mas sim por transições
abruptas entre várias conformações discretas. Eles podem estar abertos ou fechados,
mas nunca parcialmente abertos. Há pelo menos duas conformações fechadas distintas -
uma em que o canal é capaz de se abrir em resposta a uma variação de voltagem da
membrana, e outra em que está inativado. As transições de uma conformação para outra
ocorrem probabilisticamente; uma dada conformação em determinadas condições tem
uma certa probabilidade por unidade de tempo de transitar para um outro estado. Tal
processo é análogo ao decaimento de um isótopo radioativo, que tem uma certa
probabilidade por unidade de tempo de sofrer este decaimento. A velocidade de transição
pode ser caracterizada por um tempo de relaxação, semelhante ao tempo de meia-vida
de um radioisótopo.

4 Tempo de abertura é a duração do intervalo de tempo em que o canal permanece no


estado aberto.

5 Tempo de fechamento é a duração do intervalo de tempo em que o canal permanece no


estado fechado.

208
209
Usando esta terminologia, dizemos que o canal de Na+ abre e inativa em resposta à
despolarização da membrana porque, enquanto ambas transições são favorecidas pela
despolarização, a transição do estado fechado, mas responsivo, para o estado aberto
ocorre com tempo de relaxação curto, enquanto que a transição de qualquer um dos dois
estados acima para o estado inativo ocorre com um tempo de relaxação longo.
A compreensão dos fenômenos de controle por voltagem pode ser feita a partir de
princípios físicos simples. A voltagem no interior de um neurônio em repouso é de
aproximadamente 50 a 100 mV, negativa em relação ao meio externo. Esta diferença de
potencial pode parecer pequena, mas por ser através de uma membrana celular de
apenas 5 nm de espessura, provoca um gradiente de voltagem resultante da ordem de
100.000 V/cm. Portanto, as proteínas da membrana estão sujeitas a um campo elétrico
muito intenso. As proteínas da membrana, como todas as proteínas, possuem vários
grupos ionizados na superfície e ligações polarizadas (que dão origem a momentos
dipolares) nas ligações entre pares de átomos. Portanto, o campo elétrico exerce força
sobre a estrutura molecular. Por outro lado, as forças internas entre as cadeias de uma
proteína são relativamente fortes e agem modelando uma conformação particularmente
estável em relação a estas forças distorcivas. Portanto, para muitas proteínas de
membrana, os efeitos de modificações no campo elétrico da membrana não são
significativos.
Porém, o mesmo não acontece com os canais dependentes de voltagem que
apresentam uma sensibilidade finamente ajustada ao campo elétrico através da
membrana. Estes canais são proteínas que podem adotar conformações alternativas,
sendo cada uma delas estável em relação à influências distorcivas pequenas, mas podem
"saltar" para uma outra conformação, caso recebam uma perturbação suficientemente
violenta proveniente dos movimentos térmicos casuais dos arredores (Figura 30). É
necessário fornecer energia para que a proteína (ou o complexo de subunidades
protéicas) passe pelas conformações transicionais intermediárias instáveis que separam
uma conformação quase-estável de outra também quase-estável.

210
211
Quanto maior esta barreira energética, mais raras são as transições. Portanto, só
raramente o canal é encontrado nas conformações quase-estáveis de alta energia; na
maior parte do tempo ele transita nas conformações de baixa energia. Se as
conformações alternativas diferirem devido à distribuição de carga, então durante uma
alteração do campo elétrico da membrana, mudam tanto as energias relativas, como a
probabilidade do canal adotar uma determinada conformação. O comportamento do canal
de Na+ dependente de voltagem pode ser facilmente entendido desta maneira (Figura 31).

Os Canais de Na+ Dependentes de Voltagem São os Responsáveis pelo Potencial


de Ação
Os canais de Na+ dependentes de voltagem tornam as células nervosas
eletricamente excitáveis, capacitando-as a conduzir os PAs. Para entender como isto
ocorre, examinaremos inicialmente a sequência de eventos que envolve a excitação
simultânea de todas as partes de uma membrana celular. Veremos como a excitação,
iniciada em uma extremidade da célula, é propagada ao longo de sua estrutura. Quando a
membrana de uma célula, contendo muitos canais de Na+, é parcialmente despolarizada
por um estímulo momentâneo, alguns dos canais são imediatamente abertos, permitindo
a entrada de íons Na+ em seu interior. O influxo de cargas positivas despolariza ainda
mais a membrana, determinando a abertura de outros canais, que admitem a entrada de
mais íons Na+, causando despolarização ainda maior. Este processo continua de modo
auto-amplificador até que o Vm, saindo do repouso elétrico, é deslocado de
aproximadamente -70 mV, em direção ao ENa, que é de aproximadamente +50 mV
(mecanismo de "feedback" positivo). Neste ponto, onde a força movente resultante
(eletroquímica) para o fluxo de Na+ é nula, se a conformação do canal no estado aberto
fosse estável, a célula atingiria um novo estado de repouso com todos os canais de Na+
ficando permanentemente abertos. Na realidade, a célula é salva deste espasmo elétrico
permanente pela inativação automática dos canais de Na+, que agora fecham
gradualmente e assim permanecem até que o Vm retorne ao seu valor de repouso inicial
negativo. O ciclo completo, do estímulo inicial até o retorno ao estado de repouso original,
leva alguns milisegundos ou menos (Figura 32).
Em muitos tipos de neurônios, excetuando os axônios mielinizados de mamíferos,
a recuperação é acelerada pela presença na membrana plasmática de canais de K+,
dependentes de voltagem. De modo similar aos canais de Na+, estes canais se abrem em
resposta à despolarização da membrana, mas com decurso temporal mais lento.
Aumentando a permeabilidade da membrana ao K+ no momento em que os canais de Na+
estão se inativando, os canais de K+ ajudam a trazer o Vm rapidamente em direção ao EK,

212
voltando assim ao estado de repouso (Figura 33). A repolarização da membrana provoca
o fechamento dos canais de K+ e permite que os canais de Na+ se recuperem da
inativação. Assim, a membrana celular fica pronta para responder a um segundo estímulo
despolarizante em menos de 1 ms.

Os Potenciais de Ação São do Tipo Tudo ou Nada

O disparo do PA envolve a sequência de eventos que ocorrem durante uma


despolarização explosiva desencadeada por uma pequena diminuição do Vm. Para abrir
canais de Na+ em quantidade suficiente para disparar o PA, a variação inicial do Vm deve
ser suficiente para despolarizar a membrana até uma determinada voltagem liminar. Uma
vez atingido este limiar, um aumento na intensidade do estímulo despolarizante não
altera mais a amplitude de voltagem de pico atingida pela membrana: uma vez disparado,
o sistema se dirige para saturação, independentemente do estímulo de disparo (Figura
34).
O caráter tudo-ou-nada dos PAs, que será visto posteriormente, contrasta com a
natureza modulada das variações de voltagem devidas à abertura de canais
dependentes de ligantes nas sinapses. Portanto, é a propriedade tudo-ou-nada que
capacita os PAs a propagarem sinais à longas distâncias, sem atenuações, nem
distorções dos mesmos ao longo do percurso.
Para uma melhor compreensão do funcionamento deste mecanismo,
consideremos inicialmente a propagação de perturbações elétricas ao longo da célula
nervosa na ausência de PAs.

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215
216
As Mudanças de Voltagem São Propagadas Passivamente no Neurônio

A despolarização local de um axônio pode ser obtida por injeção de corrente


através de um microeletrodo inserido no mesmo (Figura 35).
Se esta corrente for pequena, a despolarização é subliminar, praticamente não se
abrem canais de Na+, e o PA não é disparado. No estado de "steady state" resultante, a
entrada de corrente, injetada através do microeletrodo, é contrabalançada pela saída de
corrente através da membrana: assim, a entrada total é igual à saída total de cargas do
axônio. Parte da corrente fluirá para o meio externo nas vizinhanças do microeletrodo, e
parte se deslocará no interior do axônio em todas as direções até uma certa distância do
ponto de injeção da corrente, antes de escapar para o meio externo. A quantidade de
corrente que flui através de cada local de saída depende da resistência (resistência
transversal ou da membrana) deste local à passagem de corrente. Como o citoplasma do
axônio oferece resistência (resistência longitudinal), a maior saída de corrente através da
membrana ocorrerá nas vizinhanças do microeletrodo, e as saídas de correntes são
progressivamente menores à medida que o sinal se afasta do local de estimulação. A
consequência deste padrão de fluxo de corrente é que a intensidade da perturbação
ocorrida no Vm decai exponencialmente com a distância do local de estimulação. Esta
propagação passiva do sinal elétrico ao longo de um processo celular nervoso - isto é, a
transmissão de um sinal elétrico na ausência de amplificação pela
abertura de canais dependentes de voltagem - é análoga à transmissão de um sinal ao
longo de um cabo telegráfico submarino. Um cabo submarino é formado por um núcleo
constituído de um material altamente condutor (geralmente cobre), envolvido por uma
camada isolante (geralmente neoprene), mergulhado em um meio condutor (água do
mar). A finalidade do cabo submarino é enviar sinais elétricos a longas distâncias com alta
eficiência. A analogia do axônio ao cabo submarino pode ser feita se reconhecermos que
o citoplasma contido ao longo do axônio constitui um meio condutor (água e íons),
envolvido por uma camada isolante (a membrana) e mergulhado em um meio condutor
(meio extracelular). Todavia suas qualidades de cabo são bem piores em relação aos
cabos submarinos (discuta isto com o seu professor), ainda que possamos empregar as
equações desenvolvidas para a comunicação via cabo na comunicação celular.
Podemos representar um segmento de axônio de um nervo pelo seguinte circuito
elétrico equivalente:
onde:
Rm: resistência de membrana
Cm: capacitância de membrana

217
Ri: resistência longitudinal do citoplasma
Re: resistência longitudinal do meio extracelular

Portanto, um segmento de axônio é representado por um conjunto de vários


circuitos equivalentes elementares/unidade arbitrária de distância, representando a
capacitância e a resistência uniformemente distribuídas ao longo da membrana do axônio
em repouso. Na circuito acima, as capacitâncias e condutâncias elementares estão
mostradas como elementos discretos apenas para fins didáticos.
Como ocorre a propagação de um potencial eletrotônico numa estrutura como a
apresentada na figura acima?
Para responder a esta pergunta, necessitamos estimular o corpo celular de um
axônio e registrar o potencial em diferentes pontos ao longo do axônio. Para isto, um
microeletrodo de corrente é introduzido no corpo celular do axônio, que é utilizado para
despolarizar a célula artificialmente, e vários outros microeletrodos de registro são
dispostos ao longo do axônio. Antes de estimular a célula, registramos em todos os
eletrodos, no corpo celular e no axônio, o potencial de repouso, digamos de -60 mV.
Aplicando um estímulo despolarizante subliminar que despolarize o corpo celular a -50
mV, e após esperarmos o tempo suficiente para que as alterações no potencial se
estabilizem, verificaremos que o potencial registrado em um ponto muito próximo do local
de estimulação é de -50 mV, mas o potencial registrado à medida que nos afastamos do
ponto de estimulação vai ficando gradualmente mais negativo (por exemplo, -55 mV), até
que o potencial de repouso é novamente registrado. Se fizermos um gráfico do potencial
registrado em função da distância do ponto de estimulação, verificaremos que o perfil do
potencial é uma função exponencial da distância.
Como isto pode ser interpretado em função do circuito equivalente descrito acima?
Desprezando inicialmente o elemento capacitivo (já que esperamos o tempo suficiente
para o potencial se estabilizar no novo valor em função do estímulo), e assumindo que a
corrente flui somente através da resistência, estimulemos um segmento de axônio no
ponto 0, como mostrado na figura 35.
A soma de todas as correntes que deixam o ponto de estimulação dentro do
circuito deve ser igual à soma de todas as correntes que entram naquele mesmo ponto (1ª
lei de Kirchoff). Além disto, de acordo com a lei de Ohm, a corrente se distribui na
proporção inversa às resistências dos vários caminhos por ela encontrado em cada ponto
de diversificação da mesma. Assim, quando no circuito equivalente o estímulo é dado, o
pulso de corrente constante (DI) se distribui e flui através da "membrana" nos pontos de
ramificação (pontos 0,1,2,3 e 4). A corrente longitudinal se divide em cada ponto de

218
ramificação (pontos 1,2,3 e 4), parte atravessando o segmento de membrana (r m)
(corrente transmembranal) e parte continua ao longo do axônio (ri) (corrente
longitudinal).
A corrente longitudinal diminuirá para cada incremento na resistência longitudinal
(ri) encontrada, porque esta é cumulativa (lembrar que r = rl/A). A corrente
transmembranal, através de rm, decresce exponencialmente à medida que aumenta a
distância do ponto de injeção da corrente de estímulo (ponto 0 até 4) (Figura 36).

219
Define-se como constante de espaço (l) a distância do ponto de estimulação na
qual o sinal decai de 63% do seu valor inicial, já que o decaimento exponencial do
potencial, uma vez estabilizado, é descrito pela equação:

Vx = V0.exp-x/l

onde:
Vx: valor do potencial à distância x do ponto de origem. V0:
valor do potencial no ponto de origem, isto é x = O.
l: constante de espaço

A constante de espaço está relacionada à resistência do axônio pela expressão:

l = rm/re + ri = rm/ri

onde:
rm: resistência de uma unidade de comprimento do axônio.
ri: soma das resistências longitudinais interna por unidade de distância.
r e: soma das resistências longitudinais externas por unidade de distância.

Quando x = l, então,

Vx = V0.exp-1 = V0.1/exp = 0,37V0

Concluindo, o alcance da corrente elétrica ao longo do interior do axônio (corrente


longitudinal) é aumentado quando a resistência da membrana é elevada e/ou a resistência
longitudinal interna é baixa. Outra conclusão interessante a se observar é que em cada
ponto de ramificação da corrente longitudinal, a corrente que flui através de r m (corrente
transmembranal) é a responsável por despolarizar aquele segmento de membrana, sendo
cada vez menor à medida que se distancia do ponto de origem, como ilustrado na figura
36, onde observamos um decréscimo gradativo da variação do potencial de membrana,
assim como do intervalo de tempo necessário para alcançar o novo valor de potencial
estável em função do estímulo dado (Figuras 35 e 36). Por esta razão, as características
elétricas envolvidas na propagação passiva são geralmente designadas como as
propriedades de cabo do axônio (Rm, Cm, constantes de espaço e de tempo).
Os axônios são piores condutores que os cabos elétricos, e a propagação passiva é
inadequada para transmitir um sinal a distâncias superiores a alguns milímetros, mesmo

220
quando a fonte do sinal produz um distúrbio que é mantido por um intervalo de tempo
prolongado. A propagação passiva é ainda menos satisfatória para transmissão de sinais
transientes a longas distâncias, porque a alteração do Vm que resulta do fluxo de corrente
não é instantânea, mas consome certo tempo para se estabelecer. Este tempo depende
da capacitância da membrana, isto é, da quantidade de carga que deverá ser acumulada
em cada lado da membrana para estabelecer o novo valor de Vm (veja a Figura 35). A
capacitância da membrana tem o efeito de desacelerar a propagação passiva dos sinais
ao longo do axônio, assim como distorcê-los, de modo que um estímulo induzido em um
dado ponto, na forma de uma onda quadrada, será detectado a poucos milímetros do
mesmo somente como um aumento e queda de potencial, lento e gradativo, e com
amplitude significativamente menor (veja a Figuras 35 e 36). Consequentemente, para
que ocorra uma propagação fiel a uma distância superior a poucos milímetros, o axônio
deverá ter, além de suas propriedades passivas de cabo, um mecanismo ativo para
manter a intensidade do sinal durante a transmissão.

Os Potenciais de Ação Garantem a Comunicação Rápida a Longas Distâncias


A sinalização neuronal rápida a longa distância é obtida através da utilização de
canais de Na+ dependentes de voltagem, encontrados na membrana em densidade
suficiente ao longo do axônio para permitir o disparo dos PAs (Figura 37A,B).
Injetando-se uma corrente de intensidade suficiente para despolarizar localmente a
membrana acima do seu limiar em um dado ponto do axônio, os canais de Na + se abrem,
permitindo a entrada de Na+ na célula. Consequentemente há despolarização no "patch"
de membrana, observando-se um PA. Este influxo elevado de Na+ determina a passagem
de correntes ao longo do comprimento do axônio (corrente longitudinal), despolarizando a
membrana das regiões vizinhas, do mesmo modo como a injeção de corrente através do
microeletrodo produziu uma despolarização nas condições de propagação passiva. Mas a
despolarização das regiões vizinhas, por transmissão passiva, agora é de intensidade
suficiente para excitá-las, levando-as a atingir o limiar, de modo que elas disparam PAs.
Este processo ocorre ao longo de toda a extensão do axônio, analogamente à
propagação do fogo através do rastilho de pólvora que dispara uma dinamite.

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223
No caso dos vertebrados, os PAs se propagam com velocidades que variam entre
1 e 100 m/s, dependendo do tipo de axônio.

A Mielinização Acelera a Condução

Qualquer fator que aumente a velocidade e a eficiência da propagação passiva da


despolarização ao longo da membrana, aumentará também a velocidade e a eficiência de
propagação dos PAs. Um dos fatores a ser considerado é o diâmetro do axônio. Os
invertebrados, por exemplo a lula, desenvolveram axônios gigantes, com diâmetros de até
1 mm, garantindo assim uma rápida sinalização. Entretanto, os vertebrados
desenvolveram uma estrutura mais adequada. Estes conseguem altas velocidades de
condução, sem alterar as dimensões do axônio, através do isolamento de grande parte do
axônio pela bainha de mielina. A bainha de mielina é constituída por células
especializadas, células gliais - células de Schwann nos nervos periféricos e
oligodendrócitos no SNC. Estas células envolvem, em camadas concêntricas, suas
membranas plasmáticas em uma espiral bem comprimida ao redor do axônio (Figura 38).
Cada célula de Schwann está comprometida com um único axônio, formando diversos
segmentos de mielina de aproximadamente 1 mm de comprimento ao longo do axônio; os
oligodendrócitos formam segmentos de camadas semelhantes, porém para diversos
axônios simultaneamente.
A bainha de mielina é tão comprimida e espessa - podendo atingir em alguns casos
até 100 camadas concêntricas de membrana plasmática, de modo a impedir praticamente
todo o vazamento ("leakage") de corrente através da porção recoberta da membrana do
axônio por mielina (internodo). Entre um segmento de bainha e o próximo permanecem
expostas pequenas regiões da membrana do axônio. Os chamados nodos de Ranvier,
com cerca de 0,5 µm de extensão, são os focos da atividade elétrica. Praticamente todos
os canais de Na+ do axônio estão concentrados nestes nodos, fornecendo uma densidade
de vários milhares de canais por µm2 nesta região, enquanto os internodos são
praticamente desprovidos destes canais. Conforme já foi descrito, quando um PA é
disparado em um nodo, ele despolariza as regiões vizinhas.

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225
Os internodos não são excitáveis, pois além de não possuírem os canais
adequados, são regiões que oferecem grande resistência à passagem de corrente através
delas. Por outro lado, estas mesmas áreas possuem excelentes propriedades de cabo -
baixa capacitância e alta resistência ao vazamento de corrente. Consequentemente, as
correntes associadas ao PA nodal são pronta e eficientemente canalizadas por
propagação passiva ao próximo nodo, onde um novo PA é disparado. Portanto, a
condução é saltatória: o sinal é propagado ao longo axônio saltando de nodo a nodo. A
mielinização tem duas vantagens principais: os PAs se propagam rapidamente, e a
energia metabólica é economizada porque a excitação ativa está confinada à pequenas
regiões nodais.

226
Resumo
A sinalização elétrica nas células nervosas depende das mudanças do potencial de
membrana devido ao movimento de um pequeno número de íons através de canais. A
bomba sódio/potássio, às custas de energia metabólica, controla estes movimentos
iônicos, diminuindo a concentração de sódio intracelular e aumentando a de potássio,
garantindo a manutenção dos gradientes iônicos. Na membrana do neurônio em repouso,
os canais seletivos ao potássio mantêm a permeabilidade deste íon mais alta do que para
os demais; consequentemente, o potencial da membrana está muito próximo do potencial
de equilíbrio do potássio, que é de -70 mV. Uma despolarização repentina da membrana
altera a permeabilidade iônica devido à abertura dos canais de sódio dependentes de
voltagem, os quais são inativados, caso a despolarização se mantenha por muito tempo.
Os canais individuais sofrem transições abruptas entre seus estados conformacionais
alternativos, influenciados pelo campo elétrico da membrana. Um potencial de ação surge
logo depois que um breve estímulo despolarizante causa a abertura de alguns canais de
sódio dependentes de voltagem, tornando a membrana mais permeável ao sódio, e
posteriormente deslocando o potencial da membrana em direção ao potencial de
equilíbrio do sódio. Este "feedback" positivo causa a abertura de um número maior de
canais de sódio, dando ao potencial de ação um caráter tudo-ou-nada. O potencial de
ação é rapidamente interrompido pela inativação dos canais de sódio e, em muitos
neurônios, pela abertura dos canais de potássio dependentes de voltagem. A propagação
do potencial de ação através da fibra nervosa depende de suas propriedades passivas de
cabo elétrico. Quando, após uma despolarização local, a membrana dispara um potencial
de ação, a corrente atravessa a membrana através dos canais de sódio que foram
abertos, causando assim a ativação das regiões vizinhas e consequentemente
propagando o PA. Em muitos axônios de vertebrados, a velocidade e a eficiência da
propagação do potencial são maiores devido à existência de uma bainha de mielina que
permite a ativação de apenas algumas regiões excitáveis da membrana, isto é os nodos
de Ranvier.

227
LEITURA COMPLEMENTAR

Esquema das Células do Sistema Nervoso:

Antes de iniciarmos uma explicação minuciosa das células do sistema nervoso,


forneceremos resumidamente algumas de suas principais características.

As Células Nervosas Carreiam Sinais Elétricos

As células nervosas ou neurônios recebem, conduzem e transmitem sinais. O


significado destes sinais depende da função exercida pelas células nervosas no
funcionamento do sistema nervoso como um todo (Figura 1). No neurônio motor, os sinais
determinam os comandos para a contração de um dado músculo. No neurônio sensor,
eles conduzem a informação de que um estímulo específico, como por exemplo luz, força
mecânica ou substância química, está atuando em um determinado local do organismo.
Já no interneurônio, os sinais fazem parte do sistema de análise de dados que processa
as informações sensoriais oriundas de fontes distintas, gerando em resposta um conjunto
de comandos motores. Entretanto, apesar destes sinais possuírem diferentes
significados, todos possuem uma mesma natureza: são potenciais elétricos presentes na
membrana plasmática do neurônio. A comunicação ocorre porque o distúrbio elétrico
produzido em uma determinado local da célula se espalha em toda sua extensão. Caso o
sinal não sofra amplificação, ele é atenuado à medida que se afasta do local de origem do
mesmo. No caso de comunicação a curtas distâncias, a atenuação é desprezível. De fato,
neurônios de pequena dimensão conduzem seus sinais passivamente, isto é, sem
necessidade de amplificação. Contudo, para comunicação a longa distância, a condução
passiva é inadequada. Portanto, os neurônios de dimensões maiores possuem um
mecanismo ativo de propagação de sinais (ou seja, de amplificação do sinal), que é uma
de suas propriedades mais típicas.

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O estímulo elétrico com intensidade acima de um determinado valor liminar dispara
uma onda de atividade elétrica, que rapidamente se propaga por toda a membrana
plasmática do neurônio. Esta onda de excitação elétrica em movimento é conhecida como
potencial de ação (PA) ou impulso nervoso. Ela transporta uma mensagem, amplificada
ponto a ponto, de um extremo a outro do neurônio, com velocidade igual ou superior a
100 m/s.
A função de uma célula nervosa depende de sua forma, pois esta determina o local no
qual o sinal é recebido e o alvo para onde o sinal será enviado. Geralmente, os neurônios
são bastante alongados - bem mais do que qualquer outra classe de células do
organismo. Assim, um neurônio motor humano envolvido na transmissão de um sinal da
medula espinhal para o músculo do pé deve ser necessariamente longo. Basicamente, o
neurônio apresenta três partes principais: o corpo celular, os dendritos e o axônio
(Figura 2). O corpo celular é o centro biossintético, que abriga o núcleo e a maioria dos
ribossomos, o retículo endoplasmático e o aparelho de Golgi. Os dendritos são um
conjunto de ramificações tubulares da célula que se expandem do corpo celular como
antenas, formando, portanto, uma superfície bem amplificada para a captação de sinais
provenientes de outras células. O axônio é uma expansão celular geralmente única e mais
longa que os dendritos e que conduz os potenciais de ação do corpo celular para alvos
distantes. Nas suas extremidades, o axônio geralmente se subdivide em inúmeras
ramificações, distribuindo os sinais simultaneamente para muitos células alvos.

Nas Sinapses as Células Nervosas se Comunicam Quimicamente


Os sinais nervosos são transmitidos de uma célula a outra em locais específicos de
contato denominados sinapses (Figura 3). Mas, surpreendentemente o mecanismo usual
de transmissão é indireto. As células são eletricamente isoladas umas das outras, sendo a
célula pré-sináptica separada da pós-sináptica pela fenda sináptica. Uma mudança no
potencial elétrico da membrana faz com que a célula pré-sináptica libere um composto
químico, denominado neurotransmissor, que se difunde através da fenda sináptica e

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231
induz uma alteração elétrica na célula pós-sináptica. Deste modo esta comunicação
envolve, inicialmente, a conversão do sinal elétrico em químico, e em seguida, do químico
em elétrico novamente.
Os neurônios diferem entre si quanto aos neurotransmissores liberados, assim
como pela forma e tamanho (Figura 4). Os diversos tipos de neurônios se entrelaçam,
formando circuitos extremamente complexos. Geralmente as estruturas são ordenadas e
bem repetitivas. Por exemplo, o córtex visual possui uma estrutura modular, isto é, ele é
constituído de agrupamentos de neurônios que não só recebem informações de diferentes
regiões do campo visual, como também são interligados entre si. Deste modo, executam,
em conjunto, a análise dos sinais recebidos por este grupo, dentre os demais sinais
captados pelo sistema visual.

O Tecido Nervoso é Formado de Neurônios e Células da Glia


Os neurônios não são os únicos constituintes do tecido nervoso, este inclui também as
células da glia ou de suporte (Figura 5). No cérebro de mamíferos, as células da glia
excedem numericamente os neurônios na proporção de 10:1, ocupando praticamente
todo o espaço livre entre os neurônios e vasos sanguíneos. As células da glia no sistema
nervoso central (SNC) são agrupadas em quatro classes principais: astrócitos,
oligodendrócitos, células ependimais e células da microglia. Os astrócitos fornecem o
suporte mecânico e metabólico para os delicados e complexos circuitos neuronais:
sintetizam e degradam compostos neuronais importantes e ajudam a controlar a
composição iônica dos líquidos que banham as células nervosas. Os oligodendrócitos
formam camadas isolantes de mielina ao redor dos processos neuronais no SNC (veja a
Figura 38). As células ependimais forram as cavidades internas do SNC, enquanto que as
células da microglia são um tipo especializado de macrófago. Durante o desenvolvimento
embrionário, as células da glia parecem guiar a migração dos neurônios, e o crescimento
de axônios e dendritos. Provavelmente também desempenham outros papéis menos
compreendidos.

232
233
ROTEIRO DE AULA PRÁTICA DE POTENCIAL DE AÇÃO

Esta aula prática é constituída de duas partes, onde serão apresentados, em vídeo,
experimentos relacionados á bioeletrogênese e excitabilidade celular (primeira parte) e
experimentos utilizando a técnica de "patch clamp" (segunda parte), que possibilita o
estudo de correntes iônicas através de canais unitários.

VÍDEO 1: BIOELETROGÊNESE E EXCITABILIDADE CELULAR

Neste vídeo o Professor Guilherme Suarez-Kurtz, da Universidade Federal do Rio


de Janeiro, apresenta de modo didático os experimentos que comprovaram a
excitabilidade celular.

1. Preparação do nervo ciático - músculo gastrocnêmio de rã

1.1. Estimulação do nervo com eletrodo bimetálico.


Resultado: comprovação indireta da excitabilidade celular através da
visualização da movimentação (contração) da perna da rã.

1.2. Registro da contração muscular.


Estimulação eletrônica do nervo (estimulador: pulsos de voltagem de
amplitude, duração e frequência conhecidas) e registro da contração do músculo
em tambor esfumaçado de velocidade de movimento controlada.
Resultado: abalo muscular
O registro obtido é isométrico ou isotônico?

1.3. Efeito da frequência de estimulação.


Resultado: observar o efeito da frequência de
estimulação na contração. Discutir os
resultados: aumento da amplitude da contração e o fenômeno da fadiga muscular.

2. Registro extracelular da resposta elétrica do nervo (ou


músculo): potencial de ação bifásico.

234
Estimulação do nervo com dois eletrodos externos (na superfície do nervo), um
eletrodo de terra e dois eletrodos externos para a captação do resposta biológica (na
superfície do nervo ou músculo).
Desenvolvimento de equipamentos de alta sensibilidade e tempo de resposta
adequado (na faixa de ms): osciloscópio (procure saber com o professor como funciona
um (osciloscópio).
Resultado: registro de um potencial bifásico de amplitude e
duração conhecidas.
Descreva o sinal observado em termos de duração e de
amplitude. Compare este sinal com o registro intracelular do PA (amplitude e duração)
discutido em classe e também com a duração da contração muscular. Descreva as
propriedades do potencial bifásico. Descreva período refratário absoluto e relativo.

3. Registro da resposta elétrica em músculo sartório de rã


Estimulação: semelhante ao item anterior.
Resultado: relação entre intensidade de estimulação e
aparecimento da resposta biológica: potencial bifásico.
Compare este registro registrado no nervo em relação à sua amplitude e duração
com o potencial bifásico do nervo.

4. Efeito do metoxi-verapamil (10 uM) no potencial bifásico do músculo


sartório de rã. Efeito frequência-dependente.
O verapamil é um bloqueador de canais de Na, voltagem- dependente.
Estimulação: semelhante ao item anterior. Efeito da frequência de estimulação.
Resultado: bloqueio da condução do potencial de ação
bloqueio é frequência-dependente.
Descreva o efeito provocado pelo verapamil e as condições
em que ele é observado.

235
VÍDEO 2: DEMONSTRACAO DA TÉCNICA DE "PATCH CLAMP" EM
CÉLULAS DA LINHAGEM GH3 E MIÓCITOS DE AORTA BOVINA

Neste segunda fase do vídeo, o Professor Guilherme Suarez-Kurtz demonstra


detalhadamente a técnica de "patch clamp", nas suas distintas modalidades, e discute as
informações que a aplicação desta técnica permite do ponto de vista da participação de
canais iônicos nos fenômenos eletrofisiológicos.

1. Definição da técnica de "patch clamp"


- modalidade da técnica de "voltage clamp".
- objetivo: interromper o fenômeno elétrico de membrana a um valor de potencial
determinado e estudar as correntes envolvidas (fixação de voltagem).
- explicação do termo "patch" e selamento entre a membrana biológica e a pipeta.

2. Demonstração da obtenção do selo elétrico em célula GH3


- equipamento: microscópio invertido, sistema de vídeo e monitor,
micromanipuladores, microeletrodos, sistema de pressão negativa, amplificador de "patch
clamp", osciloscópio, polígrafo.
- o amplificador de "patch" fixa o potencial de membrana no valor desejado e
simultaneamente registra as correntes iônicas.

2.1. Medida da resistência de ponta da pipeta e de


selamento elétrico entre a membrana e a pipeta.
Através da aplicação de um pulso de voltagem de 1mV com o
microeletrodo em contato com o meio de perfusão (câmara de perfusão, onde as células
se encontram aderidas), obtém-se o valor da corrente elétrica.
Uma vez feito o contato adequado entre a micropipeta e a membrana
celular (pressão negativa), aplica-se um pulso de voltagem de 100 mV, obtendo-se um
novo valor de corrente. O aumento da resistência entre a membrana e a pipeta
(selamento) permite registros de corrente da ordem de pA, que corresponde à grandeza
das correntes através de um único de canal iônico. Calcule o valor da resistência de ponta
da micropipeta e da resistência de selamento. Compare as duas e comente. Qual a
importância desta resistência para a qualidade do registro?

236
2.2. Obtenção da configuração "cell-attached":
reconhecimento da presença de
canais iônicos. Propriedades de
um canal iônico.

2.2.1. Condutância do canal:


Determine a condutância do canal através da
corrente unitária observada em resposta a um dado potencial de
membrana.
2.2.2. Estados do canal: aberto e fechado
A presença de um canal iônico no "patch" é feita pela observação
de ondas quadradas de amplitude constante, porém com tempos de permanência
variáveis.
Como você reconhece o estado aberto e
fechado de um canal iônico?
Como você determinaria o tempo médio de abertura e fechamento
do canal?
Identifique quantos canais iônicos estão presentes no "patch" de
membrana estudado, através do número de níveis de corrente.

237
2.2.3. Probabilidade de abertura do canal
E calculado a partir da medida do período de tempo que o canal
passou no estado aberto dividido pelo tempo total de registro.
2.2.4. Seletividade de um canal iônico
Através de que parâmetro se determina a
seletividade de um canal iônico?
- desvantagens e vantagens desta configuração

3. Demonstração da configuração "inside-out" em célula GH3: estudo


dos canais de K, ativados por Ca intracelular.
Qual a importância da concentração de Ca intracelular?
Como você observou que o estado aberto e fechado do canal de K é
dependente de Ca?
Como você pode calcular a probabilidade de abertura do canal?
Como são os tempos de residência no estado aberto e fechado?

4. Bloqueio de um canal iônico:


a) por diminuição da amplitude da corrente unitária.
b) por redução do tempo de abertura do canal, sem
alteração de condutância.
Demonstração do efeito do Cs+ (5 mM) e o fenômeno do
"flickering" em canal de K, ativado por Ca: diminuição do tempo de abertura do canal, e
portanto aumento na frequência de aberturas e fechamentos do canal.
Esquematize o registro observado antes e após o efeito do íon Cs+.

238
5. Demonstração da configuração em "whole cell" em célula GH3.
5.1. Obtenção da configuração "whole cell"
- pulso despolarizante de 50 mV
- presença de tetrodotoxina no meio externo
- presença de CsCl(5 mM) na solução da pipeta
- parâmetro medido: corrente elétrica total através da membrana: IK +
INa + ICa
- resultados:
1) presença das correntes IK e ICa
2) com o Cs + na célula, ocorre o bloqueio da IK, ativado por Ca, visualizando-
se melhor a corrente para dentro determinada pela entrada de íons Ca, pelos canais de
Ca, do tipo T (ativação e inativação rápidas).
5.2. Isolamento da corrente de Ca da corrente total:
- presença de íons Cs+ na pipeta (bloqueio dos canais de K, ativados por
Ca) e presença de TTX no banho (bloqueio dos canais de Na).
Esquematize e comente o resultado observado.

239
PERGUNTAS PARA SEMINÁRIOS

1. Quais são os dois principais fatores que influenciam o movimento de íons


através da membrana?
2. O que significa "potencial de equilíbrio” para um determinado íon?
3. Por que o potencial de equilíbrio do K+ é -100 mV e o de Na+ é 41 mV quando
os dois íons são positivos?
4. Se o PR é -65 mV nas condições normais, que valor teria se as concentrações
de K+ e de Na+ através da membrana fossem trocadas?
5. O que é um canal iônico e como podem ser classificados?
6. Qual a relação entre a bomba de Na/K e o PA?
7. O que são "leak channels"?
8. Baseado no modelo estrutural da membrana biológica, discuta o circuito elétrico
equivalente à membrana:
a) o que é um resistor e qual a lei que relaciona voltagem e corrente; qual o
significado do coeficiente angular?
b) o que é um capacitor e defina corrente capacitiva; discuta a variação
de voltagem em função do tempo quando se carrega e descarrega um capacitor. Defina a
constante de tempo de um capacitor e seu significado.
c) discuta o comportamento elétrico de um capacitor e um resistor em paralelo
quando alimentados por uma bateria. O que acontece quando desligo a mesma?
9. Discuta a montagem experimental para se estimular eletricamente uma célula, e
o circuito para se registrar a variação do potencial de membrana.
10. No circuito acima, represente um estímulo subliminar hiperpolarizante, assim como
o respectivo sinal elétrico registrado. Faça o mesmo para um sinal despolarizante
subliminar. Identifique a propriedade da membrana que é afetada durante um estímulo
hiper ou despolarizante subliminar.
11. Quais são as propriedades elétricas passivas de uma membrana e como
podem ser determinadas.

QUESTIONARIO DE POTENCIAL DE AÇÃO

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1. Quais são as principais diferenças entre PR e PA? Quais as características de
um PA? Descreva as fases do PA?
2. O que significa despolarização e hiperpolarização da membrana?
3. Esquematize o circuito básico de "voltage-clamp" e explique o princípio desta
técnica? Em que outra parte do nosso curso você teve que utilizar esta técnica?
4. Como foram identificados os íons responsáveis pela corrente registrada em um
experimento de "voltage-clamp"?
5. Como ocorre a abertura e inativação dos canais de Na +, dependentes de
voltagem?
6. Qual a técnica para se estudar a corrente iônica através de um canal iônico? No
que ela se diferencia do "voltage clamp"? Como você reconhece um canal iônico
dependente de voltagem com esta técnica?
7. Que propriedades caracterizam um canal iônico?
8. Interprete as diferentes fase do PA em termos de canais iônicos?
9. O que é tempo de abertura e de fechamento de um canal?
10. Qual a importância dos canais de Na+ para o PA?
11. Comente o caracter "tudo-ou-nada" do PA?
12. Duas drogas A e B (ainda a serem descobertas) bloqueiam especificamente os
"leak channels" de K+ e Na+, respectivamente. Discuta seus efeitos sobre o potencial de
repouso e de ação. Analise os efeitos das duas drogas A e B sobre o potencial de repouso
e de ação, mas em presença de ouabaína.
13. A relação corrente-voltagem foi determinada em três células, considerando que as
mesmas eram permeáveis apenas aos íons Na+ e K+ e que o potencial de Nernst para o
íon Na+ é de
+50 mV e para o K+ -50 mV. Analisando as relações obtidas:
a. discuta a seletividade da membrana para cada célula (A, B e C).
b. qual o sentido da corrente em cada célula quando o potencial de
membrana for igual a 0 mV nos três casos.
c. o que há de comum entre os valores de -50 mV em A, 0 mV em B e +50 mV em
C.
11. Duas células hipotéticas A e B apresentam os seguintes potenciais de repouso
de +30 mV e -30 mV, respectivamente. Em seguida, foi feita uma montagem experimental
de modo a alterar o potencial de membrana de cada célula para os seguintes valores:
a. +60 mV; b. 0 mV; c. -60 mV

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Discuta o estado de polarização (relativa) para cada célula nas três situações
experimentais.

12. Relembre a montagem experimental feita na pele de anfibio que lhe permitiu
fazer um "voltage clamp". Discuta o princípio básico de um experimento de "voltage
clamp". Qual o parâmetro medido? Na pele de anfibio, seria possível fixar a sua voltagem
em outros valores? Que parâmetros Você mediria?
13. Foi feito um experimento de "voltage clamp" em axônio gigante de lula, dando-
se um pulso despolarizante para +10 mV a partir de um potencial de membrana
correspondente ao de repouso (-70 mV), em três condições experimentais:
a. em presença de Ringer normal
b. em presença de Ringer normal contendo 10 uM de tetrodotoxina
c. em presença de 20 mM de TEA (tetraetilamônio)
obtendo-se os resultados abaixo:
- Indique nos traçados onde a corrente registrada é para dentro e onde é para fora
da célula. Qual a convenção para registro de correntes?
- A corrente registrada é a corrente total ou é a corrente através de um único canal
iônico? Justifique a sua resposta.
- A que íons Você associaria a corrente para dentro e para fora? Justifique.
- Baseado nos dados acima posso afirmar que existem dois canais iônicos
envolvidos no potencial de ação? Justifique a sua resposta.
14. Discuta a propagação passiva de um sinal elétrico através de uma membrana
biológica? Por que o axônio funciona como um cabo?
15. Por que a célula não utiliza a propagação passiva para comunicação a longa
distância? Justifique.
16. Em uma situação de hipocalcemia (por exemplo na alcalose respiratória ou tetania
por baixo Ca) observa-se que ocorre o disparo espontâneo e repetitivo de PA(s)? E
durante uma hipercalemia? Interprete o ocorrido?

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REFERENCIAS

1. Molecular Cell Biology, ed. J. Darnell, terceira edição, Capítulo 21, 1995.
2. Animal Physiology, ed. R. Eckert, terceira edição, Capítulo 5.

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