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ENTREVISTA

MUNIZ SODRÉ

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A COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA
É EPISTEMÓLOGA
O intelectual carioca faz uma prévia do recém-lançado livro A Ciência do
Comum e fala também sobre classes sociais, afeto e a formação
do jornalista
Por Rafael Grohmann
Fotos José Geraldo de Oliveira
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m dos maiores nomes do nica é, ela própria epistemóloga. teorias. Eu sei da escola de Palo
campo da Comunicação O que interessa à comunicação é Alto e do pensamento de Bateson
e das Ciências Humanas estudar os vínculos, as relações. e vários outros pensadores que
no Brasil e na América Latina. In- Muniz Sodré põe o dedo da pensaram na comunicação de um
telectual no sentido forte do temo, ferida ao mostrar a ainda atua- modo melhor. Mas o funcionalis-
Muniz Sodré de Araújo Cabral, lidade das teorias funcionalistas mo, portanto, a escola da socio-
consegue transitar entre diversas da comunicação e falar da finan- logia da comunicação em massa
áreas: cultura popular, educação, ceirização da comunicação. Para americana serviu à indústria da
televisão, jornalismo e estudos de ele, a comunicação é peça central mesma forma que serviu ao go-
raça. nos processos atuais do chamado verno e atendeu à demanda de
Desde o livro As estratégias “turbocapitalismo”, como ideo- pesquisa sobre o conhecimento
sensíveis, de 2006, tem provocado logia que move um novo tipo de dos públicos. Só que eu acho que
o campo da comunicação a pen- força de trabalho. isso passou. Eu acho que a era da
sar de forma complexa a ques- comunicação de massa acabou.
tão do “afeto”. Para ele, é o afeto Esse baiano de fala mansa seja em Eu acho que essa era passou. E
que nos dá a pré-compreensão russo, alemão, francês ou iorubá de certo modo foi a internet e a
do mundo e que ninguém morre recebeu a PARÁFRAGO no inter- comunicação eletrônica, o acaba-
somente por ideias. Depois, lan- valo do 5º Seminário Teorias da mento da comunicação eletrônica
çou em 2009 o livro A narração Comunicação: Quinta Essencial na internet que sepultou isso.
do fato, sobre o jornalismo, e em – Pensadores da Comunicação
2012, Reiventando a educação. ocorrido na Faculdade Cásper É preciso repensar a comunica-
Nesse mesmo ano, foi home- Líbero, onde conversou sobre fi- ção? Acho que a comunicação
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nageado em várias universidades nanceirização da comunicação, eletrônica, ela própria é uma epis-
brasileiras por causa de seu sep- classes sociais, afeto e a formação temóloga, é uma máquina episte-
tuagenário. Agora, aos 73 anos, do jornalista. Leia agora os princi- mológica também, que nos leva
acaba de lançar seu novo livro: A pais pontos dessa entrevista. a pensar a comunicação de outra
ciência do comum: notas sobre o maneira. Não mais como um pa-
método comunicacional, que che- PARÁGRAFO Eu queria pergun- radigma funcionalista de emissor
gou às livrarias em dezembro de tar sobre algo que o senhor tem que provoca efeitos e esses efeitos
2014. escrito em seus últimos artigos, são analisados, mas antes a comu-
Quem o lê se impacta da mes- como “Comunicação: uma ciên- nicação como organização das re-
ma forma que quem assistiu a al- cia em apuros”, da revista Ma- lações sociais.
guma de suas recentes palestras: trizes, e que está presente no seu
admiração e espanto. Um bom novo livro, A ciência do comum”. Por que? Houve alterações no
espanto, diria, tocando em pon- Gostaria de saber como o senhor modo de produção capitalista. O
tos polêmicos e necessários. Mu- relaciona o ainda predomínio turbo-capitalismo hoje é predo-
niz Sodré está no melhor de sua hoje das teorias funcionalistas na minantemente financeiro. Não é
forma, sem medo de dizer o que comunicação ou qual a atualida- que o industrialismo tenha acaba-
pensa, o que pode ser notado nes- de desse pensamento dominante. do, senão não estaríamos vestindo
sa entrevista. Como relacionar isso à financei- roupas, comendo. Mas não é mais
Em A ciência do comum, está rização da comunicação? a dominância ideológica. A domi-
mais inteligível do que em An- MUNIZ SODRÉ Primeiro eu nância ideológica são as finanças,
tropológica do Espelho, mas não acho que essas teorias funciona- no mundo inteiro. Mesmo com
menos complexo. O autor procu- listas deslancharam a questão da a crise financeira americana, as
ra contribuir para o debate epis- comunicação nos anos 1940 e finanças continuam. Duas coisas
temológico e metodológico do foram incorporadas não só por fortes no Brasil, o agronegócio e
campo da comunicação, ao colo- americanos, mas também por as finanças. Mas é um pouco no
car a comunicação como uma ci- franceses, alemãs e pela América mundo inteiro, com diferenças
ência pós-disciplinar. O que é afi- Latina inteira. Eu acredito nisso. de grau. É menor na Alemanha,
nal, pensar a comunicação nesse Mas é preciso dizer que, mesmo na China onde o industrialismo
tempo do “novo bios midiático”? nos Estados Unidos, isso não foi ainda tem muita vez. Ora, en-
Para ele, a comunicação eletrô- unanimidade com relação a essas tão a financeirização do mundo,

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que é muito estudada por Marx, Marx pensava assim. Mas há uma no Brasil. O problema disso é a
não com esse nome, mas com o homologia, uma analogia de se- ilusão de ascensão, de que a pas-
nome de “capital fictício”, no ter- melhança, de espírito entre o que sagem de classe se dá por mora-
ceiro volume d’O Capital. Essa ocorre na economia, na política e dia plena, saúde, educação... Isso
financeirização tem característi- na vida. É como se o tempo, ou, não tem. O consumo faz transitar
cas intrínsecas: são as caracterís- no argumento hegeliano, se tives- imaginariamente para outra clas-
ticas da comunicação tal como se se um espírito, há um espírito do se. Mas as classes sociais, ao meu
pratica hoje, com a dissolução de tempo, e esse espírito é da ordem entender, continuam.
barreiras, a liquefação do mundo. da flexibilidade, da liquefação. É
Daí aparecem metáforas que ge- ai que eu vejo a comunicação, eu Nesse mundo marcado pela fi-
ram livros como os de Bauman vejo a comunicação e a informa- nanceirização, como o senhor vê
sobre a modernidade liquida ou a ção como um biombo ideológico hoje o papel do pesquisador em
reatualização da frase de Marx lá da financeirização. comunicação na ciência brasi-
no Manifesto do Partido Comu- leira pensando no país como um
nista de que “Tudo que é sólido Nesse mundo em transformação todo, no valor social e político da
se desmancha no ar”. Esses des- ainda faz sentido pensar o tema ciência? Eu acho que não é ques-
manches das substâncias sólidas da classe social na comunicação? tão de constituir uma disciplina,
no ar, essa flexibilidade das pes- Totalmente. Eu acho que o tema nem uma ciência rígida, mas eu
soas, dos comportamentos, dos de classe, no meu entender, é mais acho que existe uma ciência da
comportamentos de gênero, por atual do que nunca. Só que as clas- comunicação e ela é pouco pen-
exemplo, vão dissolvendo suas ses são menos visíveis. E esse é um sada. O que acontece? Acontece
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barreiras rígidas. Todo esse mo- dos efeitos do turbo-capitalismo, com a comunicação uma coisa
vimento dos homossexuais, das é tornar menos visíveis essas dico- que aconteceu com a antropolo-
mulheres no mercado de trabalho tomias rígidas. Os pobres, vivem gia no inicio. A antropologia tem
é novo, inclusive no jornalismo, um sentimento de desclassifica- uma diversidade de temas que
da metade do século XX pra cá. ção. Desclassificação é o seguinte: você não sabe exatamente quem é
Não que a mulher não trabalhas- o sentimento de que não pertence o antropólogo. Ele não é só o cara
se antes, mas não tinha essa coi- à nenhuma classe social defini- que vai ouvir índio, é um método
sa massiva. Essa flexibilização de da, subalterna, porque por meio que não tem unidade. As pessoas
barreiras e das dicotomias rígidas, do consumo, da aquisição, dos fazem coisas muito diversas e, cla-
como masculino-feminino, capi- objetos, das roupas, ele transita ro, recorrem sempre a metodólo-
tal-trabalho, o que mais for, é ho- imaginariamente, para outra clas- gos ou a métodos como Turner e
mólogo e isomórfico à financeiri- se social. Então, as classes sociais a questão dos rituais. Ao Lévi-S-
zação. Portanto, eu penso nessas continuam. Mas as posições de trauss já não se recorre mais, que
transformações como resultados classe são mais móveis, transitam foi muito citado nos anos 1970 e
de uma homologia. Quero dizer, mais do que a própria situação de 1980. São antropologias portanto,
não é que o modo de produção classe. Então é preciso fazer uma no plural. Você poderia dizer que
econômico, o capitalismo, deter- diferença bem marxiana, entre si- são comunicações, mas aí o termo


mine mecanicamente as nossas tuação de classe e posição de clas- é confuso, pois o campo é enor-
condutas, a vida e a mídia. Nem se. Eu posso estar em uma situa- me. E essa dispersão, se é uma vir-
ção de classe social subalterna e tude do campo, é uma virtude que
me comportar como uma posição ameaça muito as ciências sociais,
de classe média alta. Isso ocorre a sociologia (a própria antropo-

Há um espírito do tempo,
e esse espírito é da ordem
da flexibilidade e da liquefação”
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logia não dá muita bola), a psico- é que o comum – e esse pra mim interna porque essa economia de
logia. A comunicação é invasiva, é objeto da comunicação – como informação é economia interna).
mas isso tem um problema por é que se constrói o comum, em E depois, o que eu chamo de me-
outro lado: a própria respeitabi- vários níveis. Eu ponho o vínculo tacrítica, uma crítica de natureza
lidade do campo. Nesses institu- e a vinculação em um nível origi- filosófica, de natureza reflexiva
tos de ciências sociais, você tem nário da comunicação. Trata-se filosófica da comunicação, pois,
um antropólogo, um psicólogo, do laço coesivo social, o vínculo pra mim, a comunicação sugere
um sociólogo. Mas não tem um, social que não passa necessaria- uma nova filosofia, uma nova ma-
eu não diria um comunicólogo, mente por mídia, embora a mídia neira de pensar o homem nesse
mas não tem alguém da área da possa estar presente na influên- novo tipo de sociedade arranjado
comunicação, pois o campo tam- cia desse vínculo. Então, como o pelo turbo-capitalismo. Um pou-
bém se fechou. Ele é extenso, mas vínculo passa pelo seu corpo, sua co como ocorreu na Grécia quan-
também se fechou. E ele examina família, as relações amorosas, as do surge a filosofia pra pensar o
exaustivamente tudo, não há nada relações comunitárias, as rela- novo homem grego: filosofia com
que você possa pensar que não ções também de culturas que não educação. Precisa educar o ho-
possa colocar sobre a égide da co- são hegemônicas e dominantes, mem grego para transformação
municação, pois a comunicação e que estão presentes no territó- da sociedade grega, passando pelo
é, no fundo, uma perspectiva. É rio e que eu chamo de cultura de período micênico, pela realeza e
uma “cor especial” que você põe arché. Um dos meus trabalhos é chegando à democracia. É nessa
em cima do objeto. Por exemplo, nesse sentido, de cultura negra. passagem que surge a filosofia.
você tem um livro de psicanálise. Então, primeiro a vinculação, eu Filosofia, portanto, é um instru-
A cor verde é Freud, a cor verme- acho essa dimensão muito im- mento de educação, de combate.
lha é Jung. Se eu jogo a cor ver- portante. Depois, é o nível da re- A filosofia hoje é acadêmica, é
melha sobre o livro, ele passa de lação social, que são as relações tudo menos combate. É especu-
freudiano para jungiano. A comu- secundárias, rearranjadas e fabri- lação, um jogo de xadrez. É boni-
nicação é uma perspectivação, é cadas por mídia, ai é o nível dos ta, necessária, mas é um jogo de
um “botar as coisas em perspecti- estudos de mídia, da economia xadrez. Às vezes, é um modo de
va”. Que perspectiva é essa? Como interna da comunicação (eu digo distinção de classe social. Fulano

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se diz filosófo, o que é um pouco tórrido, e ela foi apaixonada por pensava que devia transformar
ridículo dizer isso assim, como se ele pela vida toda. Mas ele não usa as relações de explorações, rela-
a carteira de trabalho, de profis- a palavra amor. Quem usa a pala- ções capitalistas. E antes de você
são, tivesse filosofia no rol de pro- vra amor é Scheler. Mas amor até conhecer mesmo Marx, é esse
fissões. Filosofia é o que você faz pode ser, mas no sentido amplo, sentimento que lhe leva a querer
quando pensa, e claro, você pode pois a palavra amor já está muito entender isso. Quem morre real-
dar uma dominância a isso, ser comprometida com a questão da mente por ideias? Ninguém mor-
professor de filosofia. Mas a filo- relação amorosa, com o cristia- re por ideias. O sujeito morre por
sofia como essa distinção de espí- nismo. E não é amor nesse senti- afeto, você briga por afeto. É isso
rito eu não acredito não. Todos os do, é o envolvimento da presença que te faz ir na direção da morte,
grandes filósofos pensaram, em- do homem por relações de proxi- da guerra. Hoje ninguém mais faz
bora de modo inatual, não colada midade onde entra o psiquismo, a isso, pois ninguém mais é bobo
à história em movimento, pensa- avaliação estética do mundo, este- de morrer por pátria, mas estão se
ram a sua sociedade, o seu tempo. sia como proximidade. Isso é ori- matando aí, todas essas religiões
ginário, na verdade, isso preexiste fundamentalistas que surgem. É
No livro As Estratégias Sensíveis, a dominância dos signos e da lin- afeto. Tem uma razão aquilo, tem
o senhor fala da importância de guagem. Nós nos juntamos so- um retrocesso do ponto de vista.
estudar o afeto na comunicação, cialmente primeiro por relações Lógico, é uma barbárie, é um re-
como podemos compreendê-lo de coexistência, de proximidade. trocesso, mas as pessoas catalisam
sem ser reapropriado de uma Isso aí é afeto. Estar simplesmen- as massas com isso.
maneira simplista, como muitas te junto ainda que se odeie. Estar
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vezes a gente acaba vendo. Como junto e brigar com quem não quer Com o que? Não é nem com Deus
o senhor vê a complexidade do estar junto e fazer guerra. Essa mais, é com o afeto magnético
afeto na comunicação? Eu penso relação, mesmo de força, ainda pelo pastor. Então, eu acho que a
o afeto como a condição originá- é afeto. Isso significa que afeto é mídia eletrônica é isso. Portanto,
ria do vínculo. Esse afeto não é tudo o que escapa à racionalida- por a exemplo, é um erro avaliar
o amor. O amor pode estar con- de instrumentalizada pelo signo, televisão pelos conteúdos e ver
tido nisso. Esse afeto são as rela- pela palavra. Ora, isso aí é origi- somente como rebaixamento.
ções intersubjetivas, as relações nário. É o afeto que nos dá a pré- Existe o rebaixamento como re-
sociais, são as relações humanas -compreensão do mundo. Nós só gra, mas o rebaixamento retórico:
presididas por aquilo que Hei- compreendemos depois de uma o bathos, que é a figura de rebai-
ddeger chama de Befindlichkeit, pré-compreensão, ou seja, aqui- xar um conteúdo complexo para
onde estão as Stimmung, que são lo que avaliamos institivamente, poder pegar um público mais am-
as tonalidades afetivas. Heidegger aquilo estabelecemos o vínculo e, plo, eu acho que é a jogada da te-
não usa em nenhum dos seus tex- se você prestar bem atenção, isso levisão, por exemplo. Mas eu não
tos a palavra amor. Isso é curioso, é originário, mas também é se- posso julgar essa captação de gen-
embora estivesse num momen- cundário no sentido de que todas te, essa fascinação, simplesmente
to em que esteve apaixonado ou as relações humanas essenciais por um rebaixamento de conteú-


pelo menos objeto da paixão de envolve essa pré-compreensão, do, pois aí eu estou dando a deter-
Hannah Arendt, que foi um caso envolve isso que estou chamando minação na alta cultura, no livro.
de tonalidades afetivas. Eu estudei É preciso ver a lógica do afeto, e
Marx, e estudo, porque sonhava, o porquê do êxito da televisão até

Quem morre realmente por ideias?


Ninguém morre por ideias.
O sujeito morre por afeto. É isso que faz ir
na direção da morte, da guerra”
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hoje e agora das redes sociais, que verdade! Elas eram sempre mais sima, demanda uma outra lógica.
no fundo é uma ampliação ex- livres do que as burguesinhas. É É isso que eu chamo de lógica do
pressiva da televisão.. O que está preciso repensar essas relações e sensível, do estímulo, das relações
presente em tudo isso? A conexão ver as coisas essenciais que mo- de tonalidade que entram no jogo.
afetiva. A conexão da televisão, vimentam e que a rede amplia,
e agora, a conexão das redes. As mas não extermina o real históri- No livro Reinventando a Educa-
pessoas não dizem coisas real- co nem as pulsões no corpo, que ção o senhor critica esse mode-
mente importantes nessas redes são viciantes, pois todo êxtase é lo de educação neoliberal e pro-
sociais, é o falatório heideggeria- viciante. Por isso, digo que toda a põe uma educação a partir dos
no, é a fofoca. A conexão é forte. comunicação eletrônica, a inter- vínculos e das relações. A partir
As pessoas ficam viciadas. Qual net, é, ela própria, epistemóloga, disso como podemos enxergar
o motivo das pessoas estarem há pois nós estamos em uma fase de as diretrizes curriculares nacio-
dois milhões de anos transando diálogo com as máquinas e esse nais do curso de jornalismo e a
e fazendo filho? É pelo êxtase da diálogo não é alienante, é uma formação do jornalista? Eu acho
conexão. Não tem outra explica- outra forma. A máquina hoje é uma imensa besteira. É uma ten-
ção! Conectar-se é ótimo e em sujeito social também, desde o tativa de salvar o morto, de salvar
vários níveis. Quando você entra sinal de trânsito à televisão, ao o moribundo. Jornalismo como
na rede, é o êxtase da conexão, é a computador. Nós entramos num está, pra mim é moribundo, está
rede extática. Há uma hipótese de diálogo real com as máquinas, morrendo, mas os velhos jorna-
alienação, mas nós vivemos a alie- com esse negócio de se fotografar listas e os que se formaram antes,
nação em vários outros planos, e o tempo inteiro, mandar mensa- tentam salvar isso pela qualidade.
nós também coexistimos com ela. gens. Eu detesto o telefone, mas Tem alguns “tarados”, não vou dar
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A verdade é que sabemos pouco você me viu consultar várias ve- nomes, mas tem gente “tarada”
ainda da rede como mídia nova, zes aqui para ver se tem mensa- que já não pratica, já não faz mais
pois só fomos saber alguma coisa gem da minha mulher, pois, se eu jornalismo, mas vive naquilo, na
da televisão 40 anos depois. Um não respondo, ela acha estranho. ilusão, de que aquilo é um resgate
médium desse leva muito tempo Então, eu fico sempre vendo e da História.
pra você entender, compreender... tentando responder. Você entra,
E nós estamos começando a en- queira ou não. Eu detesto, eu não Como em Meia noite em Paris de
tender a rede e há erros enormes. gosto de telefone, mas eu estou Woody Allen? Exatamente! De re-
com o celular aqui. Não adian- pente, está em outro tempo, con-
Como assim? Tem gente, como ta você não ter televisão, alguém versando com o Hemingway. Ele
Castells, que pensa que as pessoas dizer que não tem televisão em já morreu, mas está conversando
vão à rua apenas porque a mídia sua casa, mas a televisão o tem. com o Hemingway. Isso existe,
chamou. Não, as pessoas podem Quanto menos você tem, mais a e tem pessoas do meu tempo de
falar porque as redes sociais cha- televisão tem, porque em algu- redação, que dão aula, e que são
maram, mas quando ele vai para mas relações sociais se fala disso assim. Só que esse jornalismo, do
a rua manifestar, teme outra coi- até de fora dela. A mesma coisa “one man show” não existe mais.
sa aí, um outro tipo de afeto, for- acontece com esses dispositivos. Mas não acabou o jornalismo,
te. Ele pode não saber o motivo, Então, queira ou não, nós estamos acabou esse tipo de jornalismo.
como as manifestações de 2013 habitando hoje um outro espaço, Ele se elitizou. Vão sobrar alguns
no Brasil. Vários alunos meus não um outro solo social que é feito de jornais aí, o New York Times, Wa-
sabiam realmente quais eram os bytes, de impulsos, de sinais e não shington Post, mas mesmo assim
motivos de estarem ali, mas aqui- podemos mais pensar nisso com são comprados por conglomera-
lo ali era gozoso. Estar na rua, na os mesmos instrumentos com dos, de finanças. Mudou. E mu-
companhia das meninas, todos que pensávamos a comunicação dou a relação de propriedade de
juntos. Isso é forte. Qual o mo- nos anos 1970 e 1980 ou com que um jornal. E é importante real-
tivo que as pessoas, no interior, pensamos o livro. Eu acho que mente, formar pessoas que veem
às vezes entravam em células do são coisas diferentes e essas coi- e entendam o jornalismo como
Partido Comunista? Para fazer re- sas não matam as anteriores, mas a historiografia do cotidiano,
volução? Ora, isso é secundário. coexistem. O livro é uma coisa, a que deem uma dimensão que se
As companheiras estavam ali. É televisão é outra e a rede é outrís- aproxime, às vezes, do discurso

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“ É preciso repensar essas relações e ver as coi-


sas essenciais que movimentam e que a rede amplia,
mas não extermina o real histórico nem as pulsões
no corpo, que são viciantes. Todo êxtase é viciante”
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das ciências sociais, como, por tem toda essa conversa de resgate tanto, de tonalidade afetiva para
exemplo, o Le Monde Diploma- quando está fora do jornal. Den- essas mudanças que ocorrem, en-
tique, que é um desses modelos. tro é ainda pior, porque se torna quanto que os mais velhos, que se
Esse jornalismo é importante, é um yes man, reacionário porque consideram às vezes muito aber-
um modelo. Mas ele não precisa, sabe fazer aquela pequena coisa, tos, ou muito de esquerda, porque
na verdade, de nenhuma ciência e odeia o discurso reflexivo. Vem simplesmente estão agarrados ao
para isso. Não existe um requisi- com aquela história de que “quem Marx que eles não entenderam,
to da ciência do jornalismo para faz não fala” ou “quem fala não ou no melhor dos casos, que o
que se faça. Existe formação. E faz”, que é mentira. Porque falar é entenderam mal. Então, eu acho
essa formação, eu acho que, pode fazer alguma coisa com palavras. que é uma mentira que eles não
sim, ser feita fora da escola de co- Isso é a comunicação que nos diz, saem formados para redação. Em
municação. Um geógrafo pode que ensina, que toda fala, todo três meses, esses sujeitos se adap-
ser jornalista. Só que os cursos de discurso é um fazer. A fala, o sig- tam e já são melhores do que os
comunicação têm uma especifi- no é um instrumento. Então, eu mais velhos. Os mais velhos sen-
cidade de estudo desse novo tipo acho que essa coisa estreita da for- tem isso e se defendem. Eu vejo
de relação social que emergiu, e mação jornalística voltada apenas isso, eu fui de redação. E tenta pe-
uma das práticas possíveis disso para a empresa jornalística resulta gar no pé porque o sujeito escre-
é o jornalismo. Então, para mim, em indivíduos reacionários. Você veu as vezes “distorção” com um
o jornalismo é uma prática logo- vê, hoje, no Brasil, que têm uns “esse”, uma besteira dessas. “Olha
técnica dentro do vasto campo da três ou quatro jornalistas que des- aí! Olha aí! Como as escolas ‘pe-
comunicação. É uma prática logo- toam, e aí sempre são de esquerda. garam’ esse garoto? Não sabe es-
técnica como é a publicidade, as Eu cito o Élio Gaspari, que foi um crever!”. Mentira, é erro que qual-
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relações públicas, as assessorias. grande jornalista. O Dines não quer pessoa pode cometer ali.
Só que o empuxo ideológico do está mais dentro de jornal. Esse Esse é o ambiente de redação. O
jornalismo, que vê o 2o Artigo eu cito até com um pudor porque jornalismo, tal como ele é pratica-
da Declaração dos Direitos do Ho- é meu amigo, mas é um cara que do hoje, é antitético à educação. O
mem e do Cidadão, que é defender fundou o Observatório da Impren- jornalista não gosta do educador.
a expressão pública, continua va- sa, se preocupa com essa reflexão No ambiente da redação, ele não
lendo porque continuam matan- da imprensa. De um modo geral. gosta. Fala do educador porque
do jornalistas no mundo inteiro. não pode deixar de falar, mas na
É é uma profissão de risco quan- E o resto? São empregados com- prática não gosta. São duas inter-
do o sujeito denuncia a coisa, isso petentes, tem competência técni- pelações ideológicas, que concor-
deu o prestígio ao jornalismo, que ca, mas empregados de dono de rem: a informação versus a educa-
é denunciar e expor os segredos jornal, de televisão, e reacionários, ção. A informação não é a mesma
de Estado, os segredos do poder. porque precisam manter o em- coisa que a educação. Então, são
prego. Os salários são altos para duas interpelações ideológicas
Isso continua para o jornalis- chefias. Eu conheço vários. Al- diferentes. Então, na prática, dá
ta? Isso não morreu. O jornalista guns deles foram meus alunos, se uma espécie de raiva, “Profes-
continua sendo importante nisso. tornaram reacionários, votam no sor, o que esse cara está falando?
Portanto, esse mediador, se chame Aécio, entendeu? [risos]. Então, o O senhor poderia falar mais cla-
jornalista ou dê o nome que qui- que eu queria dizer do jornalismo ro?” E, às vezes, a obscuridade é
ser, com um olhar crítico para o é isso. Eu acho estreito, mas con- aquele retardamento de que você
poder, continua. Mas isso não faz cordo que é necessário, digamos, precisou parar para pensar um
dessa atividade uma epistème, é formar gente de qualidade. Mas pouco, né? Às vezes, é exatamente
uma prática. É uma prática difícil, eu me dou conta que, depois de no obscuro, de uma fala que te faz
porque os proprietários de jornais muitos anos dando aula de comu- parar para pensar: “O quê que é
são empresas privadas. E cada vez nicação, os jovens que saem das isso aqui? Eu tenho que refletir!”.
mais estão passando de famílias, escolas são muito melhores do Essa transparência absoluta do
um capitalismo patrimonialista, que os velhos jornalistas. discurso jornalístico é a transpa-
para as altas finanças, estão com- rência, às vezes, dos abismos ge-
prando jornais. O jornalista se Por que? Leem mais livros, têm lados, transparentes: você mergu-
tornou um empregado disso. Ele um outro tipo de abertura, por- lha e não volta. |P|

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LIVROS

A ciência do comum- notas para o método comunicacional


Vozes, 2014.
Muniz Sodré subscreve o pensamento de que velocidade não é hoje
mero fenômeno físico, mas uma transformadora relação entre os fenô-
menos, que tem na aceleração o valor maior do socius contemporâneo.
Em seu centro, posiciona-se a comunicação instantânea, simultânea
e global que refaz virtualmente a geografia do planeta, deslocando os
sujeitos e os objetos de seus lugares tradicionais, desestabilizando as
interações humanas e demandando formas novas de inteligibilidade.

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Antropológica do Espelho.Uma A narração do fato: notas para O Monopólio da Fala. Função e


Teoria da Comunicação Linear uma teoria do acontecimento. Linguagem da Televisão no Brasil.
e em Rede. Petrópolis, RJ:Vozes, Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, 287p. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, 155p.
2002, 270p.

O império do grotesco. Reinventando a Cultura. Reinventando a Educação .Di-


SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. A Comunicação e Seus Produtos. versidade, Descolonização e Redes.
Rio de Janeiro: MAUD, 2002, Petrópolis, RJ: Vozes, 2001 p.180. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. 2a
155p. edição. 280p.

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