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Considerações sobre a estrutura argumental dos

verbos1
Alessandro Boechat de Medeiros - UFRJ

1. Introdução

A descrição e compreensão da estrutura argumental de verbos e outras classes de


palavras é, atualmente, um dos temas mais importantes para a investigação linguística
dentro das abordagens formais. No quadro amplo da gramática gerativa, apresentam-se
pelo menos dois tipos de tratamento para a questão: (a) teorias nas quais o léxico
idiossincraticamente especifica para os itens o número e os tipos de papéis (temáticos
ou aspectuais) a serem atribuídos a seus argumentos (FILMORE, 1967; STOWELL,
1981; CHOMSKY, 1981; TENNY, 1992, entre outros); (b) teorias nas quais as seleções
de argumentos dos verbos podem ser explicadas por algum tipo de decomposição,
sintática ou semântica, em subpredicados que atribuem papéis (temáticos ou aspectuais)
aos seus argumentos (HALE; KEYSER, 2002; LEVIN; RAPPAPORT, 1995;
RAMCHAND, 2008; MARANTZ, 2006; BORER, 2005, entre outros).
No primeiro tipo de teoria, necessariamente os itens que compõem uma estrutura
sintática projetam essa estrutura sintática. Isso quer dizer que estruturas de constituintes
encabeçadas por, por exemplo, verbos cujas entradas lexicais especifiquem dois papéis,
temáticos ou aspectuais, ocorrerão necessariamente em estruturas sintagmáticas com
duas posições ocupadas por constituintes que receberão esses papéis – são por isso
chamadas de teorias projecionistas. Em geral, nessas abordagens, a relação mais ou
menos regular entre papéis e posições ou funções sintáticas (por exemplo, o fato de
agentes serem sempre sujeitos ou o fato de pacientes serem objetos quando o verbo é
transitivo direto) precisa ser explicada por princípios auxiliares que estabeleçam essa
relação, como é o caso da UTAH (acrônimo para hipótese da uniformidade de
atribuição de papel temático; BAKER, 1988), para citar o exemplo mais conhecido.
Contudo, há problemas importantes em teorias como essas. Em primeiro lugar,
elas não são explicativas; simplesmente listam propriedades idiossincráticas de itens –
como o fato de um verbo como chutar ter dois argumentos, um agente (sujeito) e um
paciente (objeto) – e frequentemente permitem a introdução de novos papéis no
inventário assumido de antemão sempre que surge um conflito entre os dados e alguma
previsão teórica (cf. ARAD, 1997; LIN, 2004). Ademais, os diferentes contextos
sintáticos em que os itens ocorrem só podem ser explicados por meio de um sistema que
multiplica o número de entradas lexicais no léxico, cada uma projetando uma estrutura
sintática diferente (BORER, 2005). Vejam-se os exemplos a seguir:

(1) a. Pedro correu na praia ontem (verbo inergativo, segundo alguns testes).
b. Pedro correu a maratona (verbo transitivo, licenciando voz passiva).
c. A porta correu até a parede (verbo inacusativo, segundo alguns testes).
d. Pedro correu a porta até a parede (versão causativa de (c)).

1
Gostaria de agradecer a Ana Clara Polakof, João Paulo Cyrino e aos membros do GELin pela leitura e
comentários de versões prévias deste trabalho. Os erros que permanecerem são de minha total
responsabilidade.

1
Em (1) temos quatro contextos sintáticos em que o verbo correr é licenciado.
Uma teoria projecionista vai ter que assumir que existem quatro entradas lexicais para o
verbo, cada uma com uma grade argumental distinta das outras, ainda que
provavelmente relacionadas por regras lexicais.
O segundo tipo de teoria postula uma relação mais regular entre estrutura e
significado: o conteúdo lexical, idiossincrático, de um item é somente parte do sentido
associado a ele nas propostas projecionistas; a outra parte, a parte estrutural do
significado, é fornecida por algum gabarito ou arranjo, que interage de modos regulares
com a parte idiossincrática.
A parte estrutural do significado pode ser representada como um gabarito
puramente semântico (um gabarito de estrutura de eventos), como é o caso da
abordagem lexicalista de Levin e Rappaport, em vários trabalhos (particularmente
LEVIN; RAPPAPORT, 1995), onde os gabaritos incluem espaços para a contribuição
lexical do item. Veja-se, por exemplo, a estrutura de eventos associada ao verbo run
(correr em inglês) encontrada em Levin (1999): o gabarito inclui um predicado, ACT,
para dizer que o verbo descreve uma atividade, modificado diretamente pela raiz do
verbo, a qual indica qual é o tipo de atividade de que se trata (a contribuição
estritamente lexical ao significado); o predicado ACT abre uma posição para um
argumento interpretado como agente da atividade e a raiz descreve um determinado
modo de agir desse agente. Em teorias como essa, os gabaritos fazem uma interface
entre o léxico e a sintaxe, definindo o número de argumentos e que interpretação os
verbos terão, além de um conjunto de propriedades acionais dos sintagmas verbais que
encabeçam.
Apesar de serem menos estipulativas do que abordagens projecionistas como as
brevemente apresentadas no segundo parágrafo acima, teorias como a de Levin e
Rappaport precisam de regras (conhecidas como regras de link) que estabeleçam a
correlação entre as posições que os argumentos devem ocupar no gabarito e as posições
em que devem ocorrer na estrutura sintática da frase. Por exemplo, no caso do verbo run
acima, o argumento do predicado ACT tem que ser colocado em alguma posição da
estrutura sintática, e é preciso que haja uma regra estabelecendo, pelo menos, que
argumentos do predicado ACT sejam sujeitos sentenciais.
Regras de link, contudo, podem ser eliminadas da teoria se os operadores que
compõem os gabaritos de estrutura de eventos (por exemplo, o predicado ACT) forem
veiculados ou por relações entre núcleos sintáticos ou pelos próprios núcleos sintáticos,
que podem predicar sobre argumentos e interagir com o conteúdo idiossincrático dos
itens de algum modo. Assim, temos um arranjo sintático-semântico que codifica o
significado estrutural de um sintagma verbal, por exemplo, definindo diretamente as
posições (iniciais) ocupadas pelos argumentos. Teorias como a exo-esquelética de Hagit
Borer (BORER, 2005; 2010) e algumas abordagens para a estrutura argumental dentro
do quadro da Morfologia Distribuída (por exemplo, PYKKÄNEN, 2002; MARANTZ,
2006, entre outros) possuem essa característica.
Este capítulo, adotando o arcabouço teórico da Morfologia Distribuída (HALLE;
MARANTZ, 1993; MARANTZ, 1997; 2001), apresentará uma proposta para a estrutura
argumental dos verbos em português baseando-se numa decomposição dessa estrutura
em estruturas de predicados que atribuem papéis aspectuais aos seus argumentos (ou
seja, uma estrutura de eventos como a que encontramos nas teorias de Ramchand e
Borer). Por se tratar de Morfologia Distribuída, a decomposição proposta é sintática –
ou seja, os subpredicados são morfemas (núcleos) que projetam posições sintáticas para
a inserção dos argumentos. As raízes interagem com as estruturas não como elementos
que introduzem posições argumentais, mas que acrescentam, através de uma forma de

2
modificação adverbial, conteúdo lexical a determinadas partes da estrutura de eventos
sintaticamente representada.
Proporei que estruturas monoeventivas e bieventivas subjazam aos sintagmas
verbais encabeçados por verbos aos quais tipicamente atribuímos significados
dinâmicos, não estativos (ou seja, estou excluindo desta análise verbos de estado como
amar, ter, conhecer, etc.). As estruturas monoeventivas serão tipicamente associadas
aos verbos que a literatura tradicional chama de inergativos (ver MARANTZ, 2006 para
a mesma ideia) e uma parte dos verbos exclusivamente transitivos; as estruturas
bieventivas (em que se codifica uma relação causal entre as duas eventualidades;
HALE; KEYSER, 1993; 2002; MARANTZ, 2006) estarão associadas aos chamados
verbos alternantes, inacusativos e a algumas classes de verbos exclusivamente
transitivos. Em alguns casos, a raiz atribuirá um conteúdo lexical ao evento causador;
em outros, ao evento ou estado causados (MARANTZ, 2006). Procurarei mostrar que
essa arrumação explica diversas propriedades de variados tipos de sintagmas verbais.
O texto tem a seguinte organização. Na seção 2 e suas subseções discuto
propriedades diversas de alguns tipos de sintagmas verbais do português brasileiro:
verbos de alternância causativa, verbos inergativos, verbos inacusativos e verbos
exclusivamente transitivos. Na seção 3 e suas subseções, proponho um conjunto mínimo
de estruturas sintagmáticas que explicam as propriedades apresentadas na seção
anterior. Adotando uma versão mais livre da operação de identificação de eventos
(KRATZER, 1996), a ideia de que as raízes em si não projetam estrutura, são somente
modificadoras adverbiais de morfemas abstratos, que de fato projetam estrutura
sintagmática (BORER, 2005; MARANTZ, 2012), e a ideia de que eventos dinâmicos
introduzidos por morfemas sejam durativos ou não durativos (culminações), darei conta
de alguns fatos que são jogados no limbo das idiossincrasias lexicais pela literatura de
orientação lexicalista. A seção 4 conclui o capítulo com a recapitulação de alguns
pontos.
Para terminar esta introdução, uma nota de esclarecimento sobre o termo verbo
usado ao longo deste capítulo. Expressões como verbos inergativos ou verbos
alternantes podem soar muito projecionistas para uma proposta que se nega a sê-lo.
Contudo, essas expressões só estão lá por razões de concisão, ou por inabilidade do
autor de encontrar uma expressão que seja ao mesmo tempo precisa e concisa. Esta nota
serve para esclarecer que se trato de verbos transitivos, não estou de fato tratando de
verbos, mas de estruturas sintagmáticas com sujeito e objeto, nas quais mais comumente
(mas não exclusiva ou obrigatoriamente) determinadas raízes ocorrem, por conta de
suas propriedades semânticas idiossincráticas.

2. Propriedades dos verbos da língua portuguesa

Nesta seção do capítulo, farei uma discussão ampla sobre as propriedades dos
tipos de verbos alvos de investigação deste estudo. Levarei em conta diversos de seus
aspectos (alguns já apontados na literatura – por exemplo, em CANÇADO; GODOY,
2012, AMARAL; CANÇADO, 2015, entre muitos outros autores), não só propriedades
sintático-semânticas, mas também propriedades morfológicas e morfossintáticas desses
verbos (e de formas morfologicamente relacionadas). A apresentação será organizada
em seções que indicam os tipos de estrutura sintática em que o verbo tipicamente ocorre
(alternância causativa, sintagmas verbais inergativos, sintagmas verbais inacusativos,
sintagmas verbais exclusivamente transitivos). Os levantamentos de propriedades
contidos na seção fornecerão subsídios para a elaboração das propostas da seção 3.

3
2.1 Alternância causativa

Verbos de alternância causativa são, pelo menos, de dois tipos básicos. (1)
Aqueles que denotam eventos que, quando culminam, acarretam um estado,
frequentemente reversível (estado-alvo; PARSONS, 1990), atingido pelo objeto
(superficial ou subjacente), como: abrir, fechar, deitar, levantar, quebrar, melhorar,
entortar, curvar, acordar, despedaçar etc. Aqui, a raiz contribui para a descrição do
estado atingido: posso usá-la, por exemplo, para a formação de particípios que denotam
estados-alvo (PARSONS, 1990; KRATZER, 1999) dos eventos aqui descritos (aberto,
acordado, levantado, etc.); ou a própria raiz é a de um adjetivo que denota um estado
que também é o alvo do evento descrito pelo verbo (entortar/torto, curvar/curvo,
melhorar/melhor, etc.). (2) Aqueles que, em sua versão intransitiva, denotam eventos
puramente dinâmicos especificados ou descritos pela raiz; são verbos desse tipo: rodar,
crescer, girar, rodopiar, rolar, balançar, explodir, entre outros.
Chamamos tais verbos de verbos de alternância porque ocorrem nos contextos
sintáticos abaixo. Note-se que o que é sujeito numa versão do verbo é objeto na outra:

(2) a. A porta abriu.


b. Pedro abriu a porta.
c. Os cabelos de Pedro balançavam.
d. O vento balançava os cabelos de Pedro.

Os prefixos re- e des- podem indicar como é a estrutura interna dos sintagmas
verbais encabeçados pelos verbos que os aceitam (MEDEIROS, 2016). Por isso, uma
breve discussão sobre esse ponto quando tratamos de estrutura argumental é
indispensável. Em Medeiros (2016) mostrei que verbos alternantes com estados
atingidos com frequência aceitam os prefixos re- e des-. Os verbos que não codificam
um estado-alvo costumam aceitar o prefixo re- quando forçamos uma interpretação de
estado resultante (na verdade, algo mais bem descrito como o “estado de uma tarefa ter-
se cumprido”) ou acrescentamos um estado atingido à estrutura, através de um sintagma
preposicional, por exemplo2. Note-se que se o evento não produz um estado como
resultado, o uso do prefixo é, na melhor das hipóteses, marginal:

(3) a. Pedro regirou o botão do ar-condicionado para a posição de ventilação.


b. ??Pedro regirou a manivela.

Como não envolvem estados reversíveis (estados-alvo), verbos como rodar,


girar, rodopiar, rolar, balançar, explodir, etc., ficam bastante degradados quando lhes
acrescentamos o prefixo des-. Já grande parte dos verbos alternantes com estados
atingidos aceita o prefixo3. Assim, a possibilidade de anexação desses prefixos,

2
Em Medeiros (2016) propus que os prefixos re- e des- se anexam a camadas distintas de um sintagma
verbal tripartido (VozP-vP-Raiz-P). Na proposta, o prefixo des- é um modificador adverbial da camada
mais interna (Raiz-P), que introduz um estado-alvo do evento e o complemento do verbo (o qual atinge
tal estado). Esse estado normalmente é o mesmo denotado pelo particípio do verbo. O prefixo re- é um
modificador adverbial que se anexa ao nível verbal (vP). Ambos estão abaixo do núcleo Voz, que
introduz argumento externo. Esse arranjo explica diversas propriedades dos prefixos, particularmente a
única ordem permitida entre eles dentro da estrutura verbal (redes-, mas não desre-).
3
Restrições ao uso do prefixo des- nesse grupo podem ser explicadas se assumimos que o prefixo, em vez
de simplesmente negar um estado (cf. MEDEIROS, 2016), faça uma inversão de escala nos verbos cujos
particípios derivados ou adjetivos de base introduzam certos tipos de escala. Isso explicaria porque
formas como desfechar, desabrir, desmelhorar, despiorar etc. são marginais ou soam como neologismos

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particularmente o prefixo des-, oferece uma boa maneira de avaliar se a estrutura
acional associada ao verbo inclui um estado reversível atingido, ou seja, oferece uma
boa maneira de incluir determinado verbo em um grupo ou outro dos alternantes.
Além do processo de prefixação discutido acima, uma outra maneira de
identificar mais de uma eventualidade no significado de um determinado sintagma
verbal é manipular os escopos de variados tipos de advérbios. Tendo isso em mente,
uma pergunta relevante para nossa pesquisa é: será que temos mais de uma
eventualidade (estado ou evento) nos sintagmas verbais encabeçados por verbos de
alternância? Em alguns casos, pelo menos, parece que sim. Veja-se que se digo que o
porteiro fechou o portão por alguns minutos, a locução adverbial por alguns minutos
trata da duração do estado fechado do portão, não do evento de fechá-lo: nosso
conhecimento de mundo nos diz que um portão não costuma demorar dez minutos
fechando e, portanto, o intervalo de tempo descrito pelo advérbio deve ser o do estado
que o portão atingiu. Isso quer dizer que há um estado disponível para modificação na
estrutura acional do sintagma verbal. Mas é claramente possível modificar o evento
causador desse estado com outra locução adverbial. Imagine-se o seguinte contexto. Um
laboratório de um complexo de pesquisa foi contaminado por um vírus que se transmite
pelo ar e é preciso fechar uma porta para evitar que a contaminação se alastre para
outras partes do complexo. A única pessoa capaz de fechar a porta nesse contexto é o
Pedro, que, ou pode fechar a porta diretamente, ficando ainda numa parte do complexo
em risco e sem saber se o local já está contaminado, ou chegar a uma central de controle
fora da região em risco, e fechar a porta a distância, através de um painel com botões.
Preocupado com a situação do Pedro, eu pergunto: o Pedro fechou a porta na central de
controle? Aqui, estou perguntando se o Pedro executou a tarefa (a atividade que causou
o fechamento da porta) na central, não se Pedro fechou uma porta que ficava nesse local
(ainda que essa seja uma possibilidade de interpretação da frase). Ou seja, posso
discriminar um subevento causador dentro do sintagma verbal usando uma locução
adverbial locativa. Outros verbos se comportam de modo semelhante. É possível
pensarmos que se Pedro melhorou a situação das crianças no orfanato por dois anos,
há duas leituras: uma em que ele tomou uma série de medidas no orfanato que foram
rápidas, talvez em um único dia, mas que deixaram as crianças melhores por dois anos,
e outra em que a ação dele, que tinha como consequência a melhoria da situação das
crianças, durou dois anos. Com “entortou” temos também como localizar dois eventos:
a sentença

(4) Usando seus poderes, Uri Geller entortou uma colher no fundo do teatro

é ambígua, podendo descrever uma situação em que Uri Geller está no fundo do teatro,
usando seus poderes para entortar a colher, mas a colher está entortando no palco, diante
da plateia.
(Raciocínio equivalente vale para verbos como girar, rodar, etc. A sentença
usando seus poderes, Uri Geller girou uma manivela no fundo do teatro tem também
interpretação ambígua, como a da última sentença do parágrafo anterior.)
Quando tratamos das versões intransitivas dos verbos, há diferenças
interessantes entre os verbos que acarretam estados e os verbos que só envolvem

engraçados: o uso do prefixo em, por exemplo, abrir, inverte a escala associada ao seu adjetivo
participial, e essa escala invertida é a escala do adjetivo participial fechado, derivado do verbo fechar. E
vice-versa. A prefixação, portanto, geraria uma forma com significado bastante próximo ao de um verbo
simples já existente na língua.

5
eventos dinâmicos no que diz respeito às possibilidades de modificação adverbial.
Vejam-se os exemplos a seguir:

(5) a. A manivela girou por dois minutos.


b. O grande portal abriu por dois minutos.

Em (5a), há somente um evento: aquele em que a manivela se mantém girando


por dois minutos. Em (5b), contudo, parece haver duas leituras: uma em que o portal
ficou aberto por dois minutos e outra em que o portal levou dois minutos abrindo,
podendo (ou não) ter atingido um grau de abertura completo. Veja-se que se faço outra
modificação adverbial, como na frase o grande portal abriu lentamente por dois
minutos, tenho uma leitura em que o evento de abrir durou dois minutos, não uma
leitura em que o estado aberto se manteve por dois minutos. Isso parece indicar que
temos duas eventualidades em (5b), uma estativa e uma dinâmica, mas somente um
evento em (5a).
Ainda sobre as propriedades dos eventos que os compõem, os verbos alternantes
que acarretam estados-alvo codificam muito frequentemente eventos causadores que são
tipicamente interpretados como instantâneos (achievements ou culminações;
VENDLER, 1967), a não ser quando derivados de alguns adjetivos, como melhor, pior,
curvo, torto, vazio, etc. Veja-se que os eventos envolvidos nos sintagmas verbais
encabeçados pelos verbos acordar ou abrir ou têm curtíssima duração temporal ou não
têm duração, e, a não ser em contextos bem específicos, expressões como por X tempo
em sentenças com esses verbos definem um intervalo de duração do estado em questão,
não do evento correspondente. Contudo, posso melhorar a situação de um orfanato
durante dois anos, ou entortar o aro da bicicleta por alguns minutos: em ambas as
situações, o evento pode acarretar mudanças sucessivas nos graus do estado denotado
pelo adjetivo da base, e, aparentemente por esse motivo, pode ter duração, sendo
modificável por expressões como por X tempo. Essas características têm muito
provavelmente relação com duas coisas: o tipo de escala que o adjetivo de base veicula
e o fato de o verbo ser derivado de um adjetivo (de grau) ou não. Parece-me razoável a
hipótese de que quando o estado-alvo é veiculado por um particípio, a culminação do
evento é a matéria mais relevante, e, portanto, nesses casos, o evento causador tenderia
a ser interpretado como instantâneo (reduzido a uma culminação); quando o verbo
alternante é derivado diretamente de adjetivos com determinados tipos de escala (ou
seja, quando o estado-alvo está presente o tempo todo, juntamente com o desenrolar da
ação, e não só quando o evento culmina e se encerra), a situação é outra. Não
desenvolverei, contudo, esta questão neste texto, que tem objetivos mais gerais.
Entretanto, mais adiante, adotarei a ideia de que os eventos veiculados pelos verbos
possam ser em parte descritos em termos dessas duas propriedades acionais:
duratividade sem ponto final, e culminação (não duratividade). Esses seriam os tipos
mais básicos de evento do ponto de vista de sua estrutura temporal.
Por fim, é digno de nota que alguns verbos tenham uma alternância
condicionada à presença de um clítico reflexivo – ainda que esse clítico não pareça ter a
função anafórica de pronomes reflexivos. São exemplos (se) machucar, (se) perder, (se)
cortar, (se) ferir, entre outros. Há, ainda, verbos em que a alternância pode ser marcada
ou não com o clítico (muito mais os do grupo (1), com estado causado, do que os do
grupo (2), que só envolvem eventos dinâmicos): (se) abrir, (se) fechar, (se) balançar4,

4
O clítico não precisa ser um reflexivo anafórico, indicando uma espécie de ação sobre si mesmo neste
dado. Veja-se que em situações como a descrita pela frase a árvore se balançou com as crianças subindo
nela, o clítico não está ali para indicar uma espécie de ação da árvore sobre si mesma.

6
(se) levantar, (se) deitar, etc. Interessantemente, alguns desses verbos parecem ser não
verbos verdadeiramente de alternância (como (se) machucar, (se) perder, (se) cortar,
(se) ferir, etc.), mas verbos que sofreram um processo de detransitivização via clítico
(Cf. CANÇADO; AMARAL, 2010; CYRINO, 2015).
É também importante mencionar o fato de que verbos como rodar, girar,
balançar, etc. – os alternantes que só envolvem eventos dinâmicos –, costumam aceitar
uma espécie de complemento cognato, como em o pião girou um giro rápido, ou em a
cadeira balançou um balanço suave. A existência de complementos cognatos costuma
ser um teste (ver próxima seção) considerado para se estabelecer que um verbo é
inergativo. Veremos mais adiante frases como Pedro tossiu e Pedro tossiu uma tosse
rouca. Note-se, entretanto, que, nos verbos que estamos considerando nesta seção, o
complemento cognato pode ser, marginalmente, um sujeito, mas nos verbos inergativos
isso não é possível. Assim, ??o giro do pião girou rapidamente; mas *a tosse rouca do
Pedro tossiu. Parece-me claro que, ademais do fato de os verbos inergativos não terem
uma versão causativa, esta propriedade dos verbos desta seção os diferencia dos verbos
de que tratarei a seguir.
O espaço e os objetivos mais básicos deste texto não me permitem tratar mais
detalhadamente das questões levantadas nos dois últimos parágrafos. Mas elas não são
de modo algum desprezíveis, e receberão atenção especial em estudos futuros.

2.2 Sintagmas verbais inergativos

Desde o trabalho de Perlmutter (1978) e, mais tarde, o trabalho de Burzio


(1986), dentro da teoria de Princípios e Parâmetros, reconhecem-se dois tipos de verbos
intransitivos: os inergativos e os inacusativos. A hipótese inacusativa (BURZIO, 1986)
defende que a diferença entre os dois tipos de intransitivos é sintática: verbos
inergativos têm um argumento externo e verbos inacusativos têm um argumento interno
(na estrutura profunda ou no início da derivação). Nos termos da teoria sintática
chomskyana recente (CHOMSKY, 1995; 2013), as estruturas dos sintagmas verbais
correspondentes seriam:

(6) a. Inergativos b. Inacusativos

vP VP
2 3
DP v’ V DP
2
v VP
4
V

Os verbos inergativos são, portanto, aqueles que não têm complementos (um
irmão para a raiz, como vemos em (7b)), ou, quando os têm, estes são cognatos (HALE;
KEYSER, 2002). Assim, verbos como caminhar (cem metros), dormir (um sono
profundo), dançar (uma valsa), gritar (seu grito de guerra), vomitar (as entranhas),
chorar (lágrimas de crocodilo), sorrir (um sorriso maroto), arrotar (um arroto azedo),
etc., seriam exemplos de verbos inergativos.
Tipicamente, os sintagmas verbais encabeçados por esses verbos têm
argumentos externos agentes (ainda que, para alguns, não se trate de um agente típico,
com controle pleno sobre a situação); além disso, os verbos não se prestam bem à

7
inversão de ordem com sujeito no português do Brasil: quando comparados com os
inacusativos (ver seção 2.2), a ordem VS é bem menos aceitável do que a ordem SV.

(7) a. Chegaram as cervejas! (verbo inacusativo)


b. ??Chorou o Pedro. (verbo inergativo)

As versões transitivas com complementos cognatos derivam somente particípios


com leitura de tarefa cumprida, nunca particípios com leitura de estado-alvo. O exemplo
abaixo, usando o teste com o advérbio ainda para identificar particípios de estado-alvo
(cf. KRATZER, 1999), o mostra:

(8) a. Pedro gritou seu famoso grito de guerra.


b. ??Seu famoso grito de guerra (já) está (devidamente) gritado.
c. *Seu famoso grito de guerra ainda está gritado.

Ao contrário dos inacusativos, os inergativos não derivam particípios que


expressem estados de seus sujeitos. Assim, mesmo quando o particípio indica uma
espécie de tarefa cumprida, a sentença (10b) é anômala.

(9) a. A aniversariante dançou com seu namorado


b. Pronto! ??Chegamos no final da festa e a aniversariante (já) está
(devidamente) dançada com o namorado5.

Também é importante observar que, ao contrário de outros verbos transitivos, os


verbos inergativos, quando transitivizados com seus cognatos, permitem o uso de
locuções adverbiais do tipo por X tempo mesmo quando o complemento é quantificado.
Ou seja, apesar de aceitarem complementos quantificados, não necessariamente os
eventos que os predicados descrevem atingem um telos. Tomem-se os exemplos a
seguir, em que os advérbios que testam a existência ou ausência de telos são aplicados.

(10) a. Pedro dançou a valsa por duas horas.


b. Pedro dançou a valsa em quinze minutos.
c. Pedro gritou seu grito de guerra por alguns minutos.
d. #Pedro gritou seu grito de guerra em alguns minutos.
e. ?Pedro comeu o bolo por alguns minutos.
f. Pedro comeu o bolo em alguns minutos.

Em (10), as sentenças (a) e (b) exprimem, respectivamente, um evento sem


ponto final (uma mera atividade) e um evento com ponto final (um processo
culminado). Já (c) expressa uma atividade e (d) não pode expressar outra coisa: o
sintagma preposicional em alguns minutos veicula, aqui, o tempo que Pedro levou para
iniciar a atividade de gritar seu grito de guerra, não para concluí-la. Note-se que seu
grito de guerra expressa um evento, não um curso temporal ou uma entidade sobre a
qual determinado evento se desenrola produzindo mudanças de estado. Já um sintagma
verbal de tema incremental, como vemos em (e)-(f), tem um telos claro, e em (e) o
sintagma preposicional adjunto força uma interpretação de evento não concluído.
Os verbos inergativos tampouco aceitam os prefixos re- e des-. Mesmo em sua
versão transitiva, seu uso é desviante (desdançar a valsa, redormir o sono de ontem,
5
A sentença melhora se o contexto indicar uma espécie de causação externa, em que alguém fez a
aniversariante dançar, ou a fez cumprir a tarefa de dançar com o namorado.

8
desgritar o grito de guerra, etc.). Esta propriedade tem relação com a anterior, uma vez
que, por não haver ponto final necessário, mesmo nas versões transitivas com
complementos cognatos quantificados, não há estado (do complemento) para ser
modificado por esses prefixos (MEDEIROS, 2016). Mas observe-se que se em Pedro
dançou a valsa o complemento a valsa for interpretado não como uma atividade, mas
como uma espécie de percurso temporal para a atividade, a anexação do prefixo re- é
substancialmente mais aceitável (?Pedro redançou a valsa com a namorada em quinze
minutos).
Por fim, vale dizer que verbos inergativos são monoeventivos; ou seja, ao
contrário do que ocorre com os verbos de alternância (ver seção 2.1) ou com alguns
verbos transitivos, constituintes adverbiais não tomam diferentes eventos possivelmente
codificados nos sintagmas verbais encabeçados por verbos inergativos. Veja-se que se
digo que Pedro caminhou por duas horas, ou que Pedro caminhou um quilômetro no
calçadão, não há estado ou outro evento envolvido que possa ser modificado pelas
locuções adverbiais apresentadas acima: somente o evento de caminhar, cujo agente é
Pedro, é acessível para a modificação.

2.3 Verbos inacusativos

A literatura lista alguns testes para a identificação dos verbos inacusativos (ver
esquema (7b) acima) no português falado no Brasil:
Os verbos inacusativos tipicamente não aceitam complementos cognatos. Assim,
não encontramos coisas como nascer um parto/nascimento, cair uma queda/um tombo,
chegar uma chegada, etc6.
Formam particípios adjetivos que modificam os sujeitos dos verbos de base,
descrevendo um estado alcançado quando o evento descrito por esses verbos culmina.
Vejam-se os exemplos a seguir:

(11) a. Pedro caiu em cima das caixas./Pedro está caído em cima das caixas.
b. Pedro desmaiou sentado na cadeira./Pedro está desmaiado sentado na
cadeira.
c. Mariana dançou no final da festa./*Mariana estava dançada ao final da
festa.
d. Alberto tossiu muito durante a noite./*Alberto está tossido agora.

Os particípios gerados de muitos verbos inacusativos podem expressar estados-


alvo, que ocorrem sem problemas em estruturas de predicação. Vejam-se os exemplos a
seguir:

(12) a. Pedro ainda está caído perto da entrada de casa.


b. Mário ainda está desmaiado na cadeira.
c. Aquele zumbi ainda está morto, mas vai ressuscitar a qualquer
momento.
d. Pedro ainda está sumido/desaparecido.

6
Ainda que Cyrano de Bérgerac esteja morto depois de ter morrido uma morte poética. É importante
notar, também, que os exemplos envolvem possíveis objetos cognatos que são derivados
morfologicamente dos próprios verbos. No caso dos cognatos de que tratamos até o momento, contudo,
havia espaço para se pensar que o verbo fosse derivado do nome que é seu complemento (e não o
contrário).

9
Muitos particípios de verbos inacusativos que não denotam estados-alvo podem
ocorrer em construções de particípio absoluto, como em (13). Mais uma vez, é preciso
dizer, verbos inergativos não ocorrem nessas construções.

(13) a. Chegadas as cervejas, a festa começou.


b. Nascido o meu filho, saímos para comemorar no bar em frente à
maternidade.

Muitos verbos inacusativos são também suscetíveis à causativização (lexical), o


que às vezes faz com que seja difícil distinguir esses dos de alternância. Os exemplos a
seguir o mostram. Note-se que a versão transitiva do verbo envolve normalmente um
sintagma preposicional como complemento, ou um objeto direto e um sintagma
preposicional.

(14) a. Pedro chegou a cadeira para o canto.


b. Pedro escorregou os documentos por baixo da porta.
c. O fermento cresceu o bolo.

Há casos em que nem o particípio absoluto do verbo é licenciado, a não ser que
outro constituinte sentencial defina um ponto de chegada (ou de partida) para o sujeito
do verbo. Por exemplo, escorregar passa pelos testes de inacusatividade comentados
acima: não aceita complemento cognato, causativiza em contextos específicos, com a
exigência de um alvo ou ponto de partida locativo, e tem sujeito paciente, não agente. O
comportamento é semelhante ao dos verbos alternâncias que só apresentam
eventualidades dinâmicas.

(15) a. A moça escorregou no corredor.


b. Pedro escorregou a cobrança por baixo da porta do inquilino.
c. ??Pedro escorregou a cobrança.
d. ?Escorregada a cobrança, Pedro considerou sua obrigação concluída.
e. Escorregada a cobrança por baixo da porta, Pedro considerou sua
obrigação concluída.

Sintagmas verbais encabeçados por verbos inacusativos incluem mais de um


evento em sua interpretação? Em alguns casos, parece que há pelo menos um estado
separado do evento, como ocorria com as versões intransitivas do grupo (1) dos verbos
alternantes:

(16) a. Depois de encontrar um ET, Pedro desmaiou por dez minutos.


b. A chave da biblioteca sumiu/desapareceu por dois dias.
c. Pedro caiu estateladamente ao lado da porta do Museu.

O evento de perder os sentidos ou aquele em que alguma coisa deixa de estar


acessível são instantâneos. Assim, os modificadores adverbiais atuam sobre o estado
que resulta deste evento: desmaiado e sumido/desaparecido, estados-alvo. O advérbio
estateladamente atribui um modo ao estado caído de Pedro, não ao processo que
culminou neste estado. Ao contrário dos verbos mencionados no início deste parágrafo,
cair não inclui um subevento causador instantâneo, e a expressão por X tempo vai
preferencialmente tomar o evento, não o estado decorrente.

10
Para terminar, tratemos brevemente da relação entre a prefixação e os verbos
inacusativos. Apesar de alguns deles envolverem claramente um estado-alvo atingido,
que pode ser denotado pela forma participial do verbo, a anexação do prefixo des- é
vetada ou marginal nos casos em questão, ou é idiomática. A razão para isso talvez
esteja no fato de que, em muitos desses verbos, a inversão de estado (ou escala)
introduzido(s) pelo verbo prefixado está codificada numa contraparte lexical não
prefixada, como ocorre com, por exemplo, o par desmaiar e despertar. O assunto é
interessante, mas foge ao escopo do trabalho e às finalidades desta seção, e não será
abordado aqui.

2.4 Verbos transitivos

O conjunto dos verbos transitivos inclui não só verbos que denotam


eventualidades dinâmicas, mas também os que denotam estados, verbos de percepção
dos sentidos, verbos psicológicos, verbos com complementos frásicos, etc. Neste texto,
contudo, tratarei somente do primeiro grupo de verbos transitivos mencionado acima.
Seguindo a linha das seções anteriores, farei uma exposição de um conjunto de
propriedades relevantes para os nossos propósitos.
No que diz respeito aos derivados morfológicos desses verbos, em alguns casos
seus particípios denotam estados-alvo de seus complementos – e também estados
resultantes; em outros, denotam estados resultantes somente (ou simplesmente o estado
de determinada tarefa ter-se cumprido para o complemento). Tipicamente, um particípio
com morfossintaxe verbal pode denotar tanto estado-alvo quanto resultante, a depender,
ao que parece, da semântica da raiz ou radical e da própria estrutura morfossintática do
sintagma verbal em que o verbo é licenciado. Um ótimo teste para verificar se um
particípio denota um estado-alvo faz uso do advérbio ainda (KRATZER, 1999): se a
frase com o particípio aceita o advérbio, o estado denotado por ele é invertível – e,
portanto, um estado-alvo; caso contrário, o particípio não denota um estado-alvo.

(17) a. Pedro perdeu a chave.


b. A chave ainda está perdida.
c. Pedro demonstrou o teorema.
d. *O teorema ainda está demonstrado.

Verbos exclusivamente transitivos com tema incremental, com deslocamento


incremental no espaço ou com mudança de estado incremental não derivam,
tipicamente, particípios que denotam estados-alvo. Vejam-se os exemplos a seguir:

(18) a. Pedro atravessou a ponte (*a ponte ainda está atravessada).


b. Pedro varreu a sala (*a sala ainda está varrida).
c. Pedro cruzou a rua (*a rua ainda está cruzada).
d. Pedro comeu uma maçã (*a maçã ainda está comida).
e. Pedro limpou a mesa (*a mesa ainda está limpada).
f. Pedro leu o livro (*o livro ainda está lido).

Todos os verbos acima geram particípios com leitura de tarefa cumprida ou de


estado resultante do complemento. Mesmo no caso de limpar, em que temos um
adjetivo que denota um estado alvo (limpo) compartilhando sua raiz com o verbo, o
particípio passado do verbo, limpado, denota um estado resultante.

11
Mas não só os sintagmas verbais incrementais geram particípios com leitura
exclusiva de estado resultante (ou denotam um tipo de tarefa cumprida). Vejam-se os
exemplos a seguir:

(19) a. Pedro chutou a bola (*a bola ainda está chutada).


b. Pedro beijou a moça (*a moça ainda está beijada).
c. Pedro cortou o cano (*o cano ainda está cortado).
d. Pedro vendeu os pratos (*os pratos ainda estão vendidos).
e. Pedro mordeu a carne (*a carne ainda está mordida).
f. Pedro surrou o bandido (*o bandido ainda está surrado).
g. Pedro comprou o casaco (*o casaco ainda está comprado).
h. Pedro lambeu o sorvete (*o sorvete ainda está lambido).
i. Pedro interpretou o Rei Lear (*o Rei Lear ainda está interpretado).
j. Pedro agrediu o segurança (*o segurança ainda está agredido).
k. Pedro empurrou o carrinho (*o carrinho ainda está empurrado).

Não é à toa que nenhum desses exemplos aceita com naturalidade o prefixo des-,
uma vez que o prefixo ocorre em verbos cuja estrutura acional envolve estados
reversíveis (alvo) (MEDEIROS, 2016).
Muitos dos verbos mencionados acima denotam mais de uma eventualidade,
como vimos nos verbos de alternância. Vejam-se os seguintes casos de modificação
adverbial, em que ou a locução modifica um evento dinâmico (de deslocamento no
espaço) causado, ou um estado causado:

(20) a. Pedro chutou a bola até o gol.


b. Pedro chutou a bola muito rápido.
c. Pedro empurrou o carrinho muito rápido.
d. Pedro obstruiu a estrada por duas horas.
e. Pedro perdeu a chave por alguns dias.
f. Pedro pendurou o cartaz (no muro) por dois dias.

Os itens têm leituras ambíguas: nas duas primeiras sentenças, ou o evento de


chutar a bola é modificado pela expressão adverbial – com uma leitura iterativa, em
(21a), dos eventos de chutar a bola – ou um evento de deslocamento no espaço do
complemento do verbo (a bola) o é: Pedro deu um único chute, e a bola, assim, se
deslocou até o gol (ou se deslocou muito rapidamente). O mesmo vale para (c), se
imaginarmos que Pedro aplicou muita força num único empurrão, que fez com que o
carrinho se deslocasse muito rápido no espaço (já sem nenhum contato com Pedro). Em
(d), o estado obstruído se mantém por duas horas, mesmo que a ação de Pedro que
causou o estado tenha sido quase instantânea (como o fato de ter derrubado com um
trator uma árvore que levou duas horas para ser retirada do caminho). O mesmo
raciocínio vale para os exemplos em (e) e (f). Parece claro, portanto, que há
subeventualidades causadas aqui, que estão sendo modificadas por uma locução
adverbial de modo ou por um adjunto preposicionado marcando um ponto final para o
movimento ou indicando um intervalo de tempo.
Um grupo de verbos exclusivamente transitivos interessante para nossa
investigação é o dos verbos location-locatum. Os verbos location-locatum geram,
tipicamente, particípios com leitura de estado-alvo, ainda que em alguns casos o
julgamento possa não ser muito claro:

12
(23) a. Pedro engavetou o documento (?o documento ainda está engavetado).
b. Pedro engarrafou o gênio (o gênio ainda está engarrafado).
c. Pedro encaixotou os livros (os livros ainda estão encaixotados).
d. Pedro ensacou os presentes (os presentes ainda estão ensacados).
e. Pedro azulejou a cúpula (?a cúpula ainda está azulejada).
f. Pedro selou o cavalo (o cavalo ainda está selado).
g. Pedro acarpetou o piso (?o piso ainda está acarpetado).

E alguns desses verbos permitem modificação adverbial de seu estado alvo.


Note-se que em (24) a modificação adverbial certamente indica a duração dos estados
engavetado e engarrafado, não dos processos que os causaram.

(24) a. Pedro engavetou o documento por alguns dias.


b. Pedro engarrafou o gênio por dois mil anos.

Justamente a muitos desses verbos (location-locatum) podemos anexar o prefixo


des- sem dificuldades, enquanto os exemplos anteriores só permitiam afixação de re-.
Há, contudo, outros verbos exclusivamente transitivos que aceitam naturalmente o
prefixo des-. Os exemplos a seguir o ilustram:

(25) a. Pedro despenteou o cabelo.


b. ?*O cabelo (des)penteou
c. Pedro desobstruiu a estrada.
d. *A estrada (des)obstruiu.
e. Pedro desarrumou a casa.
f. ?*A casa (des)arrumou.
g. Pedro desfez as malas.
h. *As malas (des)fizeram.

Partindo das propriedades discutidas nesta seção, farei, na seção 3 a seguir e em


suas subseções, um conjunto de propostas que visam a explicá-las. Como se verá,
levarei em conta principalmente as possibilidades de modificação adverbial e a
interpretação dos particípios para chegar às estruturas verbais que subjazem às
arrumações sintagmáticas que vimos nas subseções acima. As propriedades de
prefixação, ainda que com limitações, também serão relevantes, e outras características
morfológicas e morfossemânticas servirão como elementos complementares à
demonstração da validade das propostas contidas neste trabalho.

3. A proposta

Seguindo uma linha de trabalhos em que os sintagmas verbais têm estrutura


sintática complexa, envolvendo subeventos denotados por subpartes dessa estrutura,
proporei três esqueletos sintáticos básicos para os sintagmas verbais (excluindo os
argumentos externos). São eles:

(26) a. vP b. vP c. v
3 3
v DP v XP
3
DP X

13
As estruturas (26) podem ser modificadas por raízes que ou se adjungem a v
(MARANTZ, 2006; 2012) ou se adjungem a X, criando as quatro possibilidades abaixo:

(27) a. vP b. vP
3 3
v DP v XP
2 3
v √ DP X
2
X √

c. vP d. vP
3 2
v XP v √
1 3
v √ DP X

O morfema X pode introduzir uma variável de estado ou de evento na estrutura


do sintagma verbal. A relação entre v e X pode ser de causação ou implicação7 (HALE;
KEYSER, 2002; MARANTZ, 2006) ou pode haver identificação de eventos
(KRATZER, 1996; PYLKKÄNEN, 2002) entre o evento introduzido por v e o evento
introduzido por X. Quando denotam eventos, X e v podem ser durativos ou culminações
(eventos não-durativos). A raiz, modificando um dos dois morfemas, introduz o
conteúdo lexical no esqueleto, ora atribuindo propriedades lexicais a um evento, ora a
um estado. Nos casos em que a raiz modifica X estativo, a estrutura encabeçada por X
introduzirá um estado-alvo (PARSONS, 1990; KRATZER, 1999) no sintagma verbal.
Com Marantz (2006), vou assumir que quando a raiz modifica v diretamente, a
projeção de um argumento externo é obrigatória, através de um núcleo Voz que introduz
novo evento, identificado com o evento introduzido por v (KRATZER, 1996). Isso não
quer dizer, entretanto, que somente as configurações (27a, c) acima projetem
obrigatoriamente um argumento externo: a maioria dos verbos do tipo location-locatum,
por exemplo, terá uma configuração do tipo (27b), mas com argumento externo
obrigatório (esse ponto problemático será discutido oportunamente).
As análises elaboradas nas subseções a seguir levam em conta as subseções da
seção 2 deste capítulo. Começaremos com a análise dos verbos alternantes seguindo a
seguinte sequência: verbos inergativos, verbos transitivos e verbos inacusativos.

3.1 Sobre verbos de alternância

A estrutura (27b) é a que encontramos em sintagmas verbais encabeçados por


verbos alternantes, tanto aqueles que implicam um estado, como os encabeçados pelos
verbos abrir e fechar, quanto aqueles que só envolvem eventos (dinâmicos), como os
encabeçados pelos verbos girar e balançar. No primeiro caso, X introduz um estado na
estrutura, e a raiz, que é adjungida a ele, define o conteúdo lexical do estado (ou, por
outros termos, especifica o estado, atribuindo-lhe propriedades que o diferenciem de

7
Uso as palavras “causação” e “implicação” para me referir a uma relação entre eventos em que um e
outro estão numa sucessão temporal e indissociável. Assim, incluem-se não só situações em que um
evento de fato causa outro como situações em que um evento simplesmente culmina no outro.

14
outros estados). No segundo caso, X introduz uma eventualidade dinâmica, e a raiz
adjungida introduz o conteúdo lexical correspondente. Os exemplos a seguir ilustram a
ideia:

(28) a. vP = o evento e causa o (culmina no) estado s


3
v XP = a porta no estado s aberto
e8 3
DP X = x no estado s aberto
5 2
a porta X √ABR-
s

b. vP = o pião é um undergoer do evento e de girar


3
v XP = o pião é um undergoer do evento e de girar
e 3
DP X = x é um undergoer do evento e de girar
5 2
o pião X √GIR-
e

Um elemento importante na análise que se delineia abaixo é a operação de


identificação de eventos, proposta em Kratzer (1996), e encontrada em diversos outros
trabalhos de vários autores. Kratzer propõe que um núcleo, separado do VP, o núcleo
Voz, projete uma posição para o argumento externo desse VP, e introduza uma variável
de evento e uma função temática neo-davidsoniana (PARSONS, 1990), a qual relaciona
o elemento que ocupará o especificador de Voz e o evento introduzido por Voz,
definindo o papel temático que o argumento externo do verbo terá no evento. No
entanto, como o VP tomado por Voz também disponibiliza uma variável de evento, e o
argumento externo do sintagma verbal tem necessariamente uma relação temática com o
evento introduzido pelo VP, Kratzer propõe que os eventos introduzidos por Voz e VP
sejam identificados pela operação abaixo (cf. KRATZER, 1996: 122). Assim, Kratzer
garante que a função temática acrescentada por Voz à estrutura indique qual é o papel
temático do argumento externo no evento definido pelo VP.

(29) f g → h
<e,<s,t>> <s,t> <e,<s,t>>

No presente trabalho, estenderei um tanto o alcance dessa operação,


acrescentando outras possibilidades de identificação de eventos, como o que vemos em
(30) abaixo. Como procurarei deixar claro a seguir, essa alternativa trará alguma luz aos
casos de verbos alternantes sem estado-alvo e verbos inergativos com complemento
cognato quantificado, mantendo a simetria do sistema apresentado acima.

8
Usarei as letras e e s nos esquemas para me referir a evento e estado respectivamente. Mas, adiante, ao
apresentar a formulação da regra de identificação de eventos (KRATZER, 1996), as letras e e s servirão
para indicar, respetivamente, os tipos semânticos entidade e eventualidade (ou situação). Apesar de ser
potencialmente confuso, essa é a maneira com que essas coisas são expressas dentro da literatura em
semântica formal, e preservarei essa notação aqui.

15
(30) f g → h
<s,t> <s,t> <s,t>

Proponho, ainda, que a operação de identificação de evento leve em


consideração três restrições (a primeira já está em Kratzer; as outras, não): (i) para
haver identificação, as duas eventualidades em questão devem ser de mesmo tipo
acional – ou seja, se uma delas for um estado e a outra for um evento, ou uma delas for
uma culminação e a outra um evento durativo, não haverá identificação; (ii) sempre
que a raiz modificar v, haverá identificação de eventos entre o evento introduzido por v
e o evento introduzido por Voz; (iii) somente quando a raiz modificar X, haverá
identificação entre o evento introduzido por X e o evento introduzido por v, desde que
não violada a restrição (i).
No exemplo (28a), portanto, a operação de identificação de eventos não se aplica
entre os nós X e v, uma vez que X introduz uma varável de estado, mas v introduz uma
variável de eventos – viola-se, portanto, a condição (i). Assim, a relação entre os dois
será a relação default de causação ou implicação (HALE; KEYSER, 2002; MARANTZ,
2006), em que o evento introduzido por v causa o estado introduzido por X. Duas
eventualidades estão, pois, disponíveis, e sentenças como (5b), repetida abaixo, e as
seguintes, mostram que as locuções adverbiais podem tomar ora uma eventualidade, ora
outra.

(31) a. O grande portal abriu lentamente (evento).


b. O grande portal abriu por dez minutos (estado).
c. Depois de meses em coma, Pedro despertou caindo da cama (evento).
d. Depois de meses em coma, Pedro despertou por algumas horas, mas
voltou ao estado vegetativo ao fim do dia (estado).
e. Pedro sentou na cadeira com cuidado (evento).
f. Pedro sentou na cadeira por duas horas, esperando chamarem sua senha
(estado).

Quando anexamos o núcleo opcional de Voz a essas estruturas, criamos a versão


causativa do verbo. Como o núcleo v não é modificado por uma raiz, temos a estrutura a
seguir, para o sintagma verbal da frase Pedro fechou a janela, em que o evento de
fechar a janela passa a ter um (evento) iniciador.

(32)VozP = Pedro é o iniciador do evento e’ que causa o evento e que culmina em s


3
Pedro Voz’ = x é o iniciador do evento e’ que causa o evento e que culmina em s
2
Voz vP = o evento e culmina no estado s
e’ 3
v XP = a janela no estado s fechado
e 3
DP X = x no estado s fechado
5 2
a janela X √FECH-
s

16
A estrutura (32) apresenta três eventualidades, com a causação, relação default
entre eventos, se aplicando duas vezes. Veremos mais adiante que advérbios podem
tomar três eventualidades nas versões transitivas dos sintagmas verbais encabeçados por
esses verbos, o que justifica a proposta.
Em alguns sintagmas verbais do tipo (27a) o morfema X é fonologicamente
realizado. Tomem-se, por exemplo, os verbos formados por derivação parassintética
com o prefixo es-: aqui, seguindo uma derivação semelhante à proposta por Hale e
Keyser (1993) para os verbos do tipo location-locatum, o morfema X será realizado
pelo prefixo, criando, junto com a raiz, uma predicação interna ao vP para o objeto. O
esquema abaixo o ilustra:

(33) a. O biscoito esfarelou.

b. vP = o evento e causa o estado s


3
v XP = o biscoito no estado s esfarelado
e 3
DP X = x no estado s esfarelado
5 2
o biscoito X √FAREL-
es-
s

Derivação semelhante vale para os casos em que temos um adjetivo na base e


um prefixo, como os verbos entortar, engrandecer, alargar, esvaziar, etc. Em todos
eles, é possível anexar um núcleo Voz introduzindo um argumento externo, iniciador do
evento causador, como vimos acima. Note-se que, com isso, damos conta de uma
observação encontrada na literatura: verbos prefixados (bimorfêmicos) incluem (quase)
sempre um argumento interno, seja ele um objeto direto superficial ou subjacente – pois
é justamente o morfema X, realizado pelo prefixo, que projeta uma posição para o
argumento interno do verbo, e o relaciona com o subevento introduzido por ele.
No segundo grupo de verbos alternantes, que só possuem eventualidades
dinâmicas, a operação de identificação de eventos se aplica entre os eventos
introduzidos por X e por v (ou seja, trata-se da identificação de eventos entre funções do
tipo <s,t>, conforme (30)). Assim, as versões incoativas dos verbos em questão não
disponibilizarão dois eventos para a modificação adverbial. Conforme vimos na
discussão relativa ao exemplo (5a), repetido abaixo, não há possibilidade de
modificação adverbial ambígua, em que dois eventos dinâmicos podem ser modificados
individualmente. A estrutura só terá dois eventos quando o núcleo Voz, que introduz o
argumento externo, entra na estrutura, transitivizando o verbo. Como v não é
diretamente modificado por uma raiz, o evento introduzido por Voz será interpretado
como um evento causador (HALE; KEYSER, 2002), e o seu argumento como um
indivíduo iniciador desse evento. O esquema a seguir, para a frase (34b), ilustra o ponto.

(34) a. A manivela girou por dois minutos.


b. Pedro girou a manivela.

c. VozP = Pedro é iniciador de e’, que causa o evento e


3
NP Voz’ = x é iniciador de e’, que causa o evento e

17
4 2
Pedro Voz vP = a manivela é um undergoer do evento e de girar
e’3
v XP = a manivela é um undergoer do evento e de girar
e 3
DP X = x é um undergoer do evento e de girar
5 2
a manivela X √GIR-
e

As estruturas acima dão conta das propriedades dos verbos alternantes


mencionadas na seção 2. As considerações a seguir confirmam essa afirmação com uma
análise mais detalhada de certos pontos mencionados naquela ocasião. Comecemos com
os particípios.
Uma consequência da proposta é que, tipicamente, os verbos cujas raízes
modificam o X que introduz uma variável de estado servirão para formação de
particípios interpretados como estados-alvo. Os outros tipos de verbo, em que o evento
introduzido por X e o evento introduzido por v são dinâmicos e se identificam, não
geram formas participais com interpretação de estado-alvo. Mas qual seria a estrutura
dos particípios desses verbos, para que tenhamos essa interpretação?
Vamos supor que, justamente por não haver identificação de eventos entre X e v,
os particípios gerados a partir de verbos para os quais X é estativo possam envolver
alossemas nulos dos morfemas verbalizadores (MARANTZ, 2012). Assim, não há
relação de causação ou implicação entre eventualidades, e o particípio herda
integralmente a leitura estativa da combinação do morfema X com a raiz do verbo. O
esquema abaixo ilustra a ideia. O morfema participial serve somente ao propósito de
converter a forma verbal em um adjetivo, e toma a camada vP, nunca a camada Voz-P
dos sintagmas verbais.

(35) Part-P9 = a porta no estado s aberto


3

9
No esquema, o DP é interno à estrutura do adjetivo. Em trabalhos como os de Levin e Rappaport (1988),
Embick (2004) e Marantz (2006), entre outros, o DP é externo ao adjetivo participial, e há argumentos
sólidos para que isso seja verdade. Como resolver o conflito? Note-se que, se v e Part são semanticamente
nulos, mas Part seleciona sintaticamente v, podemos entender que, nas formas participiais, nada impede
que a combinação entre X e a raiz seja tomada diretamente por v e depois por Part, projetando uma
posição de especificador em Part-P. O DP então combina-se a Part-P para satisfazer uma exigência
argumental de X. O esquema a seguir, para a porta (está) aberta, ilustra a ideia:

Part-P = a porta no estado s aberto


3
DP Part’ = x no estado s aberto
a porta 3
Part vP = x no estado s aberto
2
v XP = x no estado s aberto
2
X √ABR-

É claro que dizer que “nada impede” não é o mesmo que explicar por que ocorre. Mas isso fica para
pesquisa futura.

18
Part vP = a porta no estado s aberto
3
v XP = a porta no estado s aberto
 3
DP X
5 2
a porta X √ABR-
s

Note-se que sendo o verbalizador semanticamente nulo nos particípios acima,


explicamos por que a expressão abaixo é degradada: como o advérbio cuidadosamente
denota um modo de um evento (o evento causador), e como este evento está ausente na
estrutura dos adjetivos participiais de estado-alvo com verbos como abrir, não é
possível combinar ainda e cuidadosamente. Contudo, se combinamos já, que pode
indicar tarefa cumprida, com cuidadosamente, a sentença melhora substancialmente,
como os exemplos a seguir mostram. Em (36b), estamos diante não de um particípio
que denota um estado-alvo, mas de um particípio que denota um estado resultante, onde
o verbalizador é não-nulo semanticamente.

(36) a. *A porta ainda está cuidadosamente aberta10.


b. ?A porta já está cuidadosamente aberta.

Como se viu da discussão conduzida nos parágrafos anteriores, ao contrário de


muitos trabalhos em que se assume que certos particípios que denotam estados-alvo são
o resultado da combinação direta de um núcleo aspectual com uma raiz (cf. KRATZER,
1999; EMBICK, 2004; MEDEIROS, 2008, entre outros), defendo aqui que os
particípios em português necessariamente envolvem uma camada verbal, mesmo que ela
seja semanticamente nula. Como evidência, menciono o fato de peças de vocabulário
realizadoras de morfemas verbalizadores estarem presentes nesses particípios. Por
exemplo, a peça de vocabulário –ec-, que ocorre com muita frequência na derivação de
verbos denominais ou deadjetivais, está presente nas sentenças a seguir. Note-se que o
advérbio cuidadosamente é licenciado na sentença com a versão transitiva do verbo,
mas não na sentença contendo o particípio e o advérbio ainda.

(37) a. As grades ainda estão (*cuidadosamente) embranquecidas.


b. João embranqueceu cuidadosamente as grades com a tinta.

O advérbio ainda indica, segundo Kratzer (1999), que a forma participial denota
um estado-alvo, mas a presença do morfema verbalizador –ec- indica que o núcleo v
está presente na derivação (porque adoto aqui a Morfologia Distribuída, uma teoria
realizacional). Como o advérbio cuidadosamente não é licenciado nos exemplos, v deve
ser semanticamente nulo (MARANTZ, 2012); assim, o particípio descreverá um estado
que é o típico alvo de determinado evento, mas que não decorre necessariamente dele.
Por fim, vale ainda dizer que o prefixo des- é licenciado em grande parte dos
verbos alternantes com X estativo: descolar, desentortar, descurvar, etc. E isso pode ser
10
Talvez a sentença não seja agramatical num contexto bem específico. Mas isso não chega a ser um
problema para a proposta: basta assumirmos que v não é semanticamente nulo neste caso e o particípio
denota um estado resultante, mas com um subevento no vP disponibilizado pelo XP, que fornece um
estado-alvo para ser tomado pelo advérbio ainda. A seção 3.3 tratará desse tipo de particípio em verbos
transitivos.

19
facilmente explicado se assumirmos que o prefixo em questão é adverbial e toma a
camada XP, que introduz um estado-alvo (invertível). Remeto o leitor interessado a
Medeiros (2016) para um tratamento dos prefixos recursivos des- e re- em verbos e uma
justificativa para essa posição11.
Já nos verbos em que X introduz um evento, o fato de v ser semanticamente nulo
ou não é irrelevante, pois, como X não introduz um estado-alvo, a forma participial
necessariamente levará em conta um evento e terá um sentido forçado de tarefa
cumprida, como ocorre com atividades em geral (KRATZER, 1999). O morfema
participial, aqui, será responsável por criar o sentido de evento ou atividade concluídos,
e dar destaque ao estado correspondente, como ilustrado no esquema a seguir. No
exemplo, assumirei que a estrutura abaixo apresenta um alossema não-nulo de v.

(38) Part-P = o estado s de a manivela ter girado


3
Part vP = a manivela é um undergoer do evento e de girar
3
v XP = a manivela é um undergoer do evento e de girar
e 3
DP X = x é um undergoer do evento e de girar
5 2
a manivela X √GIR-
e

O comportamento dos verbos alternantes em relação à prefixação também pode


ser explicado usando a estrutura (27b). Como proposto em Medeiros (2016), os prefixos
re- e des- são adverbiais, adjungindo-se a partes distintas do sintagma verbal. O prefixo
des- será licenciado sempre que alguma parte da estrutura do vP disponibilizar um
estado alvo – ou seja, ocorrerá, nos verbos alternantes, quando o morfema X introduzir
uma variável de estado, e será um adjunto a XP. Já o prefixo re- será licenciado quando
um estado, resultante ou alvo, estiver disponível: ou seja, poderá ocorrer, segundo
Medeiros (2016), também nos alternantes com X estativo, mas anexado à camada vP.
Normalmente, como os alternantes com X eventivo (rolar, girar, rodar, balançar,
pendular, etc.) somente descrevem modos de deslocamento no espaço ou de mudança
de estado de seus argumentos internos, o evento descrito pelo sintagma verbal não
disponibiliza um estado resultante que decorra dele, e, assim, não licencia, a não ser em
contextos bem marcados, indicando algum tipo de tarefa cumprida, o prefixo re-.
As ambiguidades envolvendo locuções adverbiais também podem ser facilmente
explicadas levando-se em conta as propostas desenvolvidas anteriormente: como os
sintagmas verbais são combinações de constituintes sintáticos que definem seu
significado estrutural, os advérbios podem modificar diferentes partes de seu esqueleto,
tomando ora a eventualidade causada, ora a eventualidade causadora. Por exemplo,
quando digo o porteiro abriu o portão rápido ou o portão abriu rápido, o advérbio está
modificando o evento causador do estado atingido pelo portão – e, portanto, está
tomando o evento disponibilizado na camada vP nos esquemas acima; mas, quando digo
o porteiro abriu o portão escancaradamente ou o portão abriu escancaradamente,
estou dizendo que o portão ficou escancaradamente aberto como consequência de sua

11
Em Medeiros (2016) propus que des- modificasse um Raiz-P com semântica estativa. Aqui,
obviamente, ele modificará o XP com semântica estativa.

20
abertura, e isso significa que, na abordagem proposta neste capítulo, o advérbio está
modificando o estado disponibilizado na camada XP.
Se os advérbios podem tomar qualquer uma das eventualidades disponíveis,
parece razoável supor que duas posições estruturais possam ser alvos para adjunções, e
que os sintagmas verbais possam ser modificados simultaneamente por dois advérbios
com escopos distintos. Isso quer dizer que a frase a seguir é verdadeira numa situação
em que o evento em que o portão se abre ocorreu rapidamente, e o estado atingido está
numa espécie de grau máximo, definido pelo advérbio. O esquema que vem na
sequência mostra os locais da estrutura sintagmática em que as expressões adverbiais se
penduram para compor o sentido pretendido.

(39) O portão abriu rápido escancaradamente12.

(40) vP
3
rápido vP
3
v XP
3
escancaradamente XP
3
o portão X
3
X √ABR-

Agora tomemos a versão transitiva do verbo. Segundo a proposta, há três


eventualidades disponíveis na estrutura do sintagma verbal: duas dinâmicas e uma
estativa. Seguindo o raciocínio acima, há três pontos de anexação de advérbios, e,
portanto, três modificações possíveis. E isso é verdadeiro. Suponha que Pedro esteja
numa central de controles abrindo remotamente portas de um complexo de pesquisa.
Pedro aperta botões, que podem abrir lenta ou rapidamente as portas. Assim, o exemplo
abaixo descreve uma situação em que a ação de Pedro ocorreu num lugar definido pela
locução adverbial locativa, mas a abertura da porta ocorreu em outro local; e mais: o
advérbio de modo modifica somente a abertura da porta, não a ação de Pedro (um
apertar de botões), que é quase instantânea:

(41) Pedro abriu a porta lentamente na central de controle.

Assumindo o mesmo contexto, somente acrescentando ao cenário o fato de


Pedro ter feito a porta ficar escancaradamente aberta, também é possível modificar a
atividade de Pedro com uma expressão adverbial locativa e o estado atingido pela porta
com um advérbio. Veja-se a sentença a seguir:

(42) Pedro abriu a porta escancaradamente na central de controle.

As sentenças acima nos mostram que é possível distinguir os três eventos


envolvidos mostrando que eles podem ser modificados separadamente por expressões
adverbiais diferentes. Não é muito claro, contudo, que seja possível haver três

12
Agradeço a Ana Paula Quadros Gomes por esse exemplo.

21
modificações simultâneas para o sintagma verbal. A sentença abaixo, por exemplo, é
degradada se usada para descrever uma situação em que a porta abriu rapidamente,
ficou escancarada como resultado e foi aberta por Pedro a partir da central de controle.
Não tenho como fornecer uma explicação para isso, mas o problema me parece não
relacionado à estrutura que estamos assumindo para as versões transitivas dos verbos
alternantes.

(43) ??Pedro abriu a porta rápido escancaradamente na central de controle.

Como reforço à ideia de que existem três eventos envolvidos, note-se que, como
é o caso da ação realizada por Pedro para abrir a porta, o evento que redunda no estado
“aberto” da porta não é especificado no contexto acima. A porta, por exemplo, pode ter
girado lentamente em torno de gonzos para abrir, pode ter corrido lateralmente, pode ter
corrido verticalmente, pode até mesmo ter se tornado lentamente diáfana até
desaparecer por completo. As frases acima são compatíveis com qualquer um desses
cenários13. Ou seja, em todos os casos, podemos dizer que a porta (lentamente) se abriu,
independentemente do tipo de evento envolvido que conduziu ao estado atingido pela
por ela.
Agora tratemos dos verbos alternantes com o X introduzindo um evento, não um
estado.
Uma coisa importante que os esqueletos propostos acima estabelecem,
combinados com as restrições sobre a aplicação da regra de identificação de eventos, é
que não haverá mais do que duas eventualidades disponíveis para a modificação
adverbial nos sintagmas verbais onde X denota um evento: ou seja, mesmo na estrutura
sintagmática verbal que inclui Voz, nunca os três núcleos que introduzem eventos estão
disponíveis para a modificação adverbial. Em (44a) abaixo, por exemplo, não há a
ambiguidade que há em (44b): em (44a) há somente um evento (em que um pião gira),
localizado em um único lugar no espaço (atrás do muro); em (44b), por outro lado,
temos ambiguidade locativa – por exemplo, suponha que Pedro é um paranormal que
consegue, escondido atrás de um muro, fazer um pião girar num palco diante de uma
plateia atônita. A frase será verdadeira nessa situação. E só existem duas leituras
possíveis para a frase: uma em que Pedro atrás do muro fez o pião girar em outro lugar e
outra em que o pião girou atrás do muro, estando Pedro também atrás do muro ou não.
O cenário em (44c) é incompatível com o significado de (44b).

(44) a. O pião girou atrás do muro.


b. Pedro girou o pião atrás do muro.
c. #Pedro realizou uma atividade atrás do muro que causou um evento em
outro lugar que causou o giro do pião.

Resumindo esta subseção: o que caracteriza os verbos alternantes, segundo a


proposta desenvolvida neste capítulo, é o fato de a raiz ser modificadora da
subeventualidade mais encaixada, encabeçada pelo morfema X, seja este portador de
uma variável de evento ou de uma variável de estado.
Para fechar esta parte do texto, proponho, ainda, que os eventos veiculados ou
por v ou por X possam ser interpretados de dois modos quanto a sua natureza temporal:
os durativos, sem ponto final (como “atividades” que não necessariamente tenham
agentes), e as culminações, sem duração. Em muitos verbos de alternância, como foi
13
Note-se, ainda, que justamente por não haver uma raiz modificando diretamente o núcleo v, não há
especificação do tipo de evento causador da abertura da porta.

22
discutido na seção 2.1 acima, os eventos são pontuais, como é o caso de despertar; em
outros, os eventos são durativos, como em melhorar ou entortar. Se a breve discussão
no final da seção 2.1 estiver no caminho certo, os verbalizadores deverão ser
interpretados como durativos nas estruturas em que há um adjetivo sendo tomado
diretamente por X (como em esvaziar ou curvar); já nos casos em que o estado atingido
pelo argumento interno do verbo, superficial ou subjacente, só pode ser expresso por um
particípio, fica licenciada a interpretação de culminação para os verbalizador. De fato, a
depender da raiz, essa interpretação será obrigatória.

3.2 Sobre os verbos inergativos

Os verbos inergativos terão a estrutura em (27d) acima. Uma vez que a raiz
modifica diretamente o núcleo verbalizador, o núcleo Voz, introdutor de argumento
externo, será obrigatoriamente anexado ao esqueleto, para a integração de um
argumento ao sintagma verbal (cf. MARANTZ, 2006). O sintagma vP inclui uma raiz e
introduz uma variável de evento; o núcleo Voz introduz uma variável de evento e uma
variável do tipo entidade – ou seja, introduz um iniciador ou agente para um evento (cf.
KRATZER, 1996). Segundo as restrições estabelecidas acima, haverá identificação de
eventos entre os núcleos Voz e v. Isso quer dizer que só há um evento disponibilizado
pela estrutura dos verbos inergativos – o contrário do que vimos nos verbos alternantes
que analisamos acima.

(45) VozP = Pedro é iniciador do evento e


3
NP Voz’ = x é iniciador do evento e
4 2
Pedro Voz vP = o evento e de dormir
e 3
v √DORM-
e

Como vimos na seção 2.2, os verbos inergativos frequentemente aceitam um


complemento cognato, que não costuma estabelecer uma medida temporal para o
evento. Assim, as frases abaixo não descrevem eventos que não atingiram seu ponto
final natural, como seria o caso de Pedro leu o livro por duas horas – que sugere que a
leitura não varreu o livro inteiro –, pois esses pontos finais naturais ou intrínsecos
simplesmente não existem para os sintagmas verbais de que estamos tratando. As
sentenças descrevem atividades simples, onde o complemento no máximo atribui
características específicas à atividade realizada.

(46) a. Pedro gritou seu grito de guerra por toda a madrugada.


b. Pedro tossiu uma tosse encatarrada por horas.
c. Pedro dormiu o sono dos justos por duas horas.
d. Pedro chorou um choro sofrido por dois dias.

Entretanto, há casos como o do verbo dançar, inergativos em alguns contextos


(por exemplo, em Pedro dançou na festa de formatura da irmã), que ocorrem em
sentenças que descrevem eventos com ponto final quando seu complemento cognato
está presente. As leituras télica e a atélica, entretanto, são possíveis. Repito abaixo
exemplos (9a, b) apresentados na seção 2.2:

23
(47) a. Pedro dançou a valsa por duas horas.
b. Pedro dançou a valsa em quinze minutos.

Uma das interpretações de (47b) é aquela em que Pedro concluiu a valsa (isto é,
dançou-a do início ao fim) em quinze minutos. Como explicamos que em casos como o
de (47) acima o mesmo complemento quantificado possa introduzir um telos em (47b),
mas não o faça em (47a)?
A resposta para essa pergunta será dada na seção a seguir, que trata dos verbos
transitivos. Como se verá, os verbos inergativos, quando apresentam complementos
cognatos nos vPs encabeçados por eles, terão a estrutura dos verbos transitivos sem
subevento causado – a estrutura (27a) acima.

3.3 Sobre os verbos transitivos

Para dar conta das propriedades dos verbos exclusivamente transitivos,


excluindo os do tipo location-locatum, utilizaremos as estruturas (27a, c) acima. Nelas,
o elemento modificado pela raiz é o morfema verbalizador, que introduz eventualidades
dinâmicas.
Grande parte dos sintagmas verbais com tema incremental terá como esqueleto o
esquema (27a), repetido abaixo e acrescido do núcleo Voz. Note-se que não há
subevento envolvido. O sintagma determinante complemento do verbo, quando
quantificado, estabelece uma medida para o evento introduzido por seu irmão na
estrutura arbórea. De modo semelhante à abordagem de Ramchand (2008), o
complemento estabelece uma espécie de “caminho” ou percurso espaço-temporal sobre
o qual o evento ou atividade descritos pela combinação do verbalizador com a raiz se
desenvolve.

(48) a. Pedro comeu a maçã

b. VozP = Pedro é iniciador de e


3
NP Voz’ = x é iniciador de e
4 2
Pedro Voz vP = evento e de comer a maçã
e 3
v DP
1 5
v √COM- a maçã
e

Além dos típicos verbos de tema incremental, como comer, há aqueles em que o
evento se dá incrementalmente em um espaço definido pelo complemento, como os
exemplos de (49) a seguir (cf. RAMCHAND, 1997). Mais uma vez, a estrutura (27a) é a
proposta para dar conta dessa subclasse de verbos:

(49) a. Pedro desceu/subiu a escada.


b. Pedro escalou a montanha.
c. Pedro cruzou a rua.
d. Pedro atravessou a ponte.

24
Como já mencionado, quando o núcleo verbalizador é modificado diretamente
pela raiz, o núcleo Voz é obrigatório na estrutura. Uma vez que tais estruturas não
envolvem um estado-alvo especificado pela raiz do verbo, não será possível a anexação
do prefixo des- a esses verbos, a não ser nos casos em que há reinterpretação da raiz, o
que pode significar um outro esqueleto definindo contexto para seu significado especial.
Por exemplo, se o complemento do verbo cruzar forem alguns tipos de sintagmas
determinantes, como os braços ou as pernas, o significado da raiz é outro, e o verbo se
torna alternante14: o particípio passado do verbo denota um estado alvo (os braços ainda
estão cruzados) e o verbo aceita modificação pelo prefixo des- (os trabalhadores
descruzaram os braços). O mesmo vale para o verbo prender, com determinados tipos
de complementos (não animados) e um sintagma preposicional locativo, como em a
chave prendeu na fechadura ou João prendeu a chave na fechadura. Isso quer dizer
que, nesses casos, as raízes também são licenciadas como modificadoras do X estativo
em (27b). Nos termos da Morfologia Distribuída, podemos pensar que existe uma
entrada especial listada na Enciclopédia para as raízes desses verbos no contexto de X
estativo.
Mas não somente os sintagmas verbais “incrementais” têm a estrutura (27a)
acima. Proponho que a maioria dos exemplos em (20), repetidos a seguir, compartilhe a
mesma estrutura. Não há qualquer indicação, sintática, morfológica ou semântica,
dentre as que discutimos neste capítulo, para distinguir os incrementais dos exemplos
(b), (d), (e), (f), (g), (i) e (j) abaixo por estruturas sintáticas distintas.

(50) a. Pedro chutou a bola.


b. Pedro beijou a moça.
c. Pedro cortou o cano.
d. Pedro vendeu os pratos.
e. Pedro mordeu a carne.
f. Pedro surrou o bandido.
g. Pedro comprou o casaco.
h. Pedro lambeu o sorvete.
i. Pedro interpretou o Rei Lear.
j. Pedro agrediu o segurança.
k. Pedro empurrou o carrinho.

Da lista apresentada em (50), contudo, pelo menos os itens (a) e (k) teriam
estruturas como a apresentada em (27c), onde X denota um evento dinâmico, durativo,
com interpretação default de deslocamento no espaço15. Vimos na seção 2.4 que o
evento de deslocamento no espaço pode ser modificado por locuções adverbiais, o que
indica, seguindo a lógica que vimos adotando até o momento, haver estrutura sintática
correspondente para anexação da locução. A sentença abaixo, seguida da estrutura de
seu sintagma verbal, ilustra a ideia:

(51) a. Pedro empurrou o carrinho muito rápido.

b. VozP = Pedro é iniciador de e’, que causa o evento e

14
A comparação que tenho em mente é com frases como Pedro cruzou a rua, em que a alternância é
bloqueada (*a rua cruzou).
15
A sentença em (50c) também envolve um sintagma verbal com a estrutura (27c), onde X é estativo.
Abaixo desenvolvo a ideia de um X estativo que não é modificado por uma raiz.

25
3
NP Voz’ = x é iniciador de e’, que causa o evento e
4 2
Pedro Voz vP = o evento e’ de empurrar causa o evento e cujo undergoer é
e’ rp o carrinho e e é muito rápido.
v XP = o carrinho é um undergoer do evento e de
1 3deslocamento no espaço e e é muito rápido.
v √EMPURR XP muito rápido
e’ 3
DP X
5 e
o carrinho

A leitura que o esquema (51b) propicia é compatível com um cenário em que


Pedro empurrou o carrinho com bastante força, mas não o acompanhou, deixando-o
correr sozinho. O carrinho, assim, vai “muito rápido”, sem que o evento de empurrar
tenha sido, por uma razão qualquer, necessariamente muito rápido. Note-se que a
interpretação de frases como Pedro empurrou o carrinho até a parede, num cenário
como o descrito logo acima, estabelece um ponto final para o deslocamento do carrinho
sem estabelecer um ponto final para a atividade realizada pelo sujeito da sentença, que
terminou bem antes. Como no esquema (51b), o sintagma preposicional até a parede
modifica o XP, não o vP.
A outra interpretação para Pedro empurrou o carrinho muito rápido decorre de
uma anexação da locução adverbial acima do sintagma vP ou Voz-P, modificando a
atividade executada por Pedro, atividade causadora. Pela própria natureza da atividade,
a ação de empurrar pode causar continuamente o deslocamento de seu complemento16,
situação em que o sujeito agente se desloca juntamente com o objeto do verbo. Assim, a
frase Pedro empurrou o carrinho muito rápido, com anexação da locução adverbial ao
vP ou ao Voz-P, também seria verdadeira num cenário em que Pedro corre empurrando
um carrinho.
Importante consequência dessa proposta é o fato de que, já que o evento causado
tem a propriedade de, como as atividades, não ter um ponto final intrínseco (pois é um
deslocamento no espaço sem um alvo definido), e a atividade especificada pela raiz
poder causar continuamente o subevento de deslocamento, a existência de um
complemento quantificado não introduz um telos, pois o evento causador não é
necessariamente interrompido no momento em que começa o subevento causado17 – e o
subevento causado não tem ponto final intrínseco.
Se nos verbos alternantes X pode ser tanto eventivo como estativo, a pergunta
natural que se coloca é: o sistema também não permitirá que X seja estativo nas
situações em que o verbalizador modifica diretamente a raiz? Assim, teríamos uma
situação em que um estado é causado pela atividade executada pelo iniciador/agente,

16
A possibilidade de causação contínua parece ser típica das estruturas em que os dois subeventos são
dinâmicos. Por exemplo, em Pedro girou a manivela, a atividade realizada por Pedro pode causar
continuamente o giro da manivela ou não. O mesmo não acontece quando o estado é a culminação do
evento: nesse caso, a atividade se encerra no momento em que o objeto atinge o estado causado.
17
Ainda que isso possa ocorrer, como no primeiro cenário descrito, onde Pedro empurra o carrinho, mas
não se desloca com ele. Note-se que nesse cenário é possível dizer que Pedro empurrou o carrinho em
menos de dois minutos para indicar que ele levou menos de dois minutos para iniciar e concluir a tarefa,
mesmo que o deslocamento do carrinho se mantenha por muito mais tempo.

26
um estado-alvo codificado na estrutura do verbo, e o sistema teria uma simetria
interessante e desejável. Abstratamente, a estrutura do sintagma verbal seria a seguinte:

(52) VozP = Pedro é iniciador de e’, que causa o estado s


3
NP Voz’ = x é iniciador de e’, que causa o estado s
4 2
Pedro Voz vP = ‘o evento e’ de R causa o (ou culmina no) estado s
e’ rp
v XP = o DP no estado s
1 3
v √R DP X
e s

Nesse esquema, o estado X seria um estado compatível com o conteúdo


semântico introduzido pela raiz no sintagma vP. Existiriam sintagmas verbais com essas
características? Sim! Por exemplo, o sintagma verbal encabeçado pelo verbo pintar na
sentença abaixo, em que o sintagma preposicional parece especificar o estado atingido
pelo muro após a pintura (o estado de ter determinada cor, por exemplo).

(53) Pedro pintou o muro de azul.

O sintagma preposicional de azul se adjungiria ao XP, como no esquema abaixo,


especificando qual foi o estado atingido pelo muro após a pintura. Note-se que se trata
de um estado-alvo (“azul”), que pode ser invertido ou cancelado, e passa no teste com o
advérbio ainda de Kratzer (1999): o muro ainda está/é azul.

(54) VozP = Pedro é iniciador de e, que causa o estado s


3
NP Voz’ = x é iniciador de e, que causa o estado s
4 2
Pedro Voz vP = o evento e de pintar causa o estado s
e rp
v XP = o DP no estado s azul
1 3
v √PINT- X de azul
e 3
o muro X
s

Ademais, a estrutura acima sugere que, sendo o v não-nulo do ponto de vista


semântico (pois é modificado pela raiz), particípios, que são gerados acima do vP,
devem ter interpretação de estado resultante, segundo o que vimos defendendo até o
momento. Entretanto, o particípio do verbo pintar aceita marginalmente o advérbio
ainda (55a); e, quando anexamos o sintagma preposicional de azul, a sentença (55b)
torna-se plenamente aceitável:

27
(55) a. ?O muro ainda está pintado18.
b. O muro ainda está pintado de azul.

Dentro da proposta desenvolvida aqui, a explicação para isso é a seguinte: como


existe um X estativo, que introduz um estado-alvo na estrutura, disponível para a
modificação adverbial, tanto ainda quanto de azul poderiam tomar este constituinte, ou
pelo menos a variável disponibilizada por ele. Ou seja, teríamos um particípio
bieventivo, com um evento culminado causando o estado alvo correspondente, tal qual
o esquema abaixo:

(56) Part-P = o estado de o evento e que causa s ter culminado.


2
Part vP = o evento e de pintar causa o estado s
rp
v XP = o DP no estado s azul
1 3
v √PINT- XP de azul
e 3
o muro X
s

Estando diante de um particípio bieventivo, esperamos que a modificação


adverbial do vP seja uma opção, não só a do XP. E isso é possível com certos advérbios.
Veja-se o exemplo abaixo, em que o advérbio indica o modo com que o muro foi
pintado. Temos dois modificadores na frase, um advérbio que atribui uma propriedade à
atividade executada, e um sintagma preposicional adverbial que especifica o tipo de
estado atingido pelo objeto do verbo.

(57) O muro está cuidadosamente pintado de azul.

Verbos como pentear e organizar ocorreriam em estruturas semelhantes. As


sentenças abaixo mostram a combinação de ainda, que, como já dissemos, é um
advérbio que serve para testar se um particípio tem interpretação de estado-alvo, com
cuidadosamente, que exprime um modo da ação de pentear, organizar ou pendurar.
Uma vez que o particípio desses verbos permite as duas modificações simultaneamente,
parece claro que temos duas eventualidades disponíveis, com um núcleo, X,
introduzindo uma variável de estado que será tomada por ainda, e um núcleo, v,
introduzindo uma variável de evento, tomada por cuidadosamente.

(58) a. Gabriel ainda está cuidadosamente penteado.


b. A pasta ainda está cuidadosamente organizada.
c. O quadro ainda está cuidadosamente pendurado.
d. Maria ainda está cuidadosamente vestida.
e. Partes da Av. Rio Branco ainda estão cuidadosamente revestidas de
paralelepípedos.

18
A sentença (55a) se torna indiscutivelmente aceitável no seguinte contexto: o muro da minha casa foi
inteiramente pichado e eu contratei um pintor para eliminar as pichações enquanto faço uma viagem de
trabalho de dois dias. Na volta, percebo que o trabalho mal começou e comento, decepcionado: Puxa, o
muro ainda está (todo) pintado!

28
Vale dizer que nesses particípios o alossema nulo de v não é licenciado como
ocorria nos particípios de verbos alternantes: aqui, a raiz modifica diretamente esse
morfema, e se v fosse semanticamente nulo, não haveria elemento do significado
estrutural para receber o conteúdo lexical idiossincrático da raiz no arranjo postulado.
Aproveitando um esquema proposto por Marantz (2006), que é perfeitamente
compatível com a análise desenvolvida neste capítulo, podemos pensar que os
sintagmas verbais encabeçados por alguns verbos bimorfêmicos exclusivamente
transitivos como destruir, obstruir, entre outros, envolvem também um X estativo,
realizado pelo prefixo, num esquema semelhante a (54) acima. Assim, o esquema da
frase Pedro obstruiu a estrada por algumas horas seria:

(59) VozP = Pedro é iniciador de e, que causa o estado s


3
NP Voz’ = x é iniciador de e, que causa o estado s
4 2
Pedro Voz vP = o evento e causa o estado s
e rp
v XP = a estrada no estado s por algumas
1 3 horas
v √STRU- X por algumas horas
e 3
a estrada X
ob-
s

Nos verbos bimorfêmicos de que estamos tratando, o significado da camada vP


não é composicional, e, de fato, não é possível dizer exatamente que contribuições as
partes fornecem para o significado final do verbo. Note-se que o significado da raiz em
(59), que é compartilhada com construir, destruir e, talvez, instruir, não pode ser
isolado de sua composição com o prefixo correspondente. Entretanto, com exceção de
instruir, os particípios desses verbos aceitam o advérbio ainda em vários contextos,
como os exemplos abaixo o mostram, todos em uso em sítios na internet. Isso fornece
evidência, considerando a proposta desenvolvida neste capítulo, de que existe uma
camada introduzindo um estado-alvo na estrutura do sintagma verbal que deriva o
particípio. O morfema X, que encabeça essa camada, é realizado pelo prefixo, como no
exemplo acima. A ideia então é que o prefixo realiza o morfema que introduz o estado
alvo na estrutura, e, portanto, é possível recuperar a contribuição estrutural do prefixo
ao significado do sintagma verbal de que ele faz parte.

(60) a. Mas na matéria de futebol e time de coração, o caminho ainda está


obstruído19.
b. A casa ainda está construída, mas nem precisa tirar a madeira porque
não tem onde colocar”, lamenta, mostrando porta-retratos com fotos dos20 ...
c. Oito meses após os protestos, a estátua ainda está destruída.21

19
Encontrado em: simsaogoncalo.com.br/sao-goncalo/futebol-para-sapucai-tigre-unidos-porto-da-pedra/
20
Encontrado em: http://www.sul21.com.br/jornal/justica-da-prazo-de-um-dia-para-prefeitura-marcar-
reuniao-com-ocupantes-do-demhab/
21
Encontrado em: www.ijsn.es.gov.br/bibliotecaonline/Record/318187

29
Os verbos bimorfêmicos listados acima têm uma característica importante: eles
são exclusivamente transitivos. Não possuem versão incoativa (*a casa construiu) nem
versão inergativa (*o Pedro construiu). Isso pode ser explicado pela estrutura em (59):
uma vez que há uma raiz modificando v, o núcleo Voz introduzindo um argumento
externo é obrigatório, e já que há um prefixo, supostamente realizando o morfema X, o
complemento do verbo é obrigatório. Note-se que verbos cujo complemento, segundo a
proposta, se junta diretamente ao vP, como supostamente ocorre com uma parte dos
exemplos em (50) acima, têm versões inergativas, como podemos ver nos exemplos a
seguir.

(61) a. Paulo Autran interpretou com alma e técnica na noite passada.


b. Pedro lê em voz alta melhor do que eu.
c. Mário já comeu hoje.
d. Maria beija muito bem.
e. ??Pedro constrói muito bem/muito rápido.
f. ??Pedro destrói muito rápido/completamente/às três da tarde.

O fato de os verbos bimorfêmicos não terem versões inergativas não quer dizer
que as raízes que ocorrem em estruturas contendo um X não podem ocorrer em
estruturas sem o morfema X22. Por exemplo, a raiz do verbo pintar, que, como defendo
aqui, ocorre modificando o v em (54), ocorre em frases como (62a) abaixo, que
apresenta uma versão inergativa do verbo, e em (62b), em que o complemento não
atinge um estado alvo como decorrência da atividade de pintar, mas é criado por (e
estabelece um ponto final para) essa atividade.

(62) a. Pedro pinta muito rápido, mas com muito capricho.


b. Pedro pintou uma bela natureza morta.

Importante ainda ressaltar que os verbos com X estativo, com exceções que
precisam de explicação, podem receber o prefixo des- (cf. MEDEIROS, 2016). A ideia
é que o prefixo des- seja um adjunto ao constituinte XP, e movimentos sucessivos de
núcleo (MEDEIROS, 2012) o coloquem como afixo de uma palavra morfológica
(EMBICK, 2010) de categoria verbal. Os exemplos abaixo o mostram:

(63) a. Pedro despenteou o cabelo do irmão.


b. Pedro desobstruiu o cano lá de casa.
c. Pedro despendurou o quadro.
d. Pedro desorganizou o armário.
e. Pedro desvestiu a toga.
f. Pedro desconstruiu meus argumentos.

Em alguns casos, quando o complemento não necessariamente serve de medida


para a atividade (o que corresponderia à estrutura (27a)), mas a atividade lhe atribui um
estado que pode ser invertido (o que corresponderia à estrutura (27c)), o prefixo,
marginal no verbo, é aceito, como no exemplo a seguir, encontrado na internet:

22
Ainda que algumas dessas raízes só sejam licenciadas em estruturas com o morfema X, como se fossem
verbos bimorfêmicos cujo prefixo é um zero fonológico.

30
(64) ... para que os dias não fossem tão sem movimento despintou a cara e
decidiu descer do palco, se misturar aos comuns, catalisar seu semblante23...

Para concluir a discussão sobre os verbos transitivos, é preciso dizer que alguns
predicados veiculam eventos pontuais e são exclusivamente transitivos. Por exemplo,
verbos como vencer ou perder denotam culminações, com ou sem subevento estativo
associado. A proposta aqui desenvolvida, pressupondo a possibilidade de interpretação
não durativa para os verbalizadores, pode, talvez, lançar alguma luz sobre esses casos –
neles, os verbalizadores veiculam culminações modificadas diretamente por raízes, que
lhes atribuem conteúdos lexicais específicos. Com a possibilidade de v e X denotarem
pelo menos esses dois tipos acionais básicos de eventos (culminações e “atividades” ou
eventos durativos), o sistema ganha grande poder descritivo sem perder a elegância e a
simplicidade que também são buscadas neste trabalho. A questão com que é preciso
lidar em casos como o de vencer, entre outros, que tomam complementos interpretados
como eventos, é entender a relação entre a culminação denotada pelo verbo e as
propriedades aspectuais do evento denotado pelo complemento, que são diferentes. Por
exemplo, em Pedro venceu a corrida, o verbo denota uma culminação, mas o
complemento denota um processo culminado. O sistema apresentado até aqui precisa
ser expandido para lidar com casos como esses. A primeira questão que deve ser
colocada é que, por conta das diferenças aspectuais, não é possível haver identificação
de eventos entre o evento introduzido pelo verbo e o introduzido pelo complemento –
possibilidade de que falarei logo a seguir para os verbos inergativos com complementos
cognatos. O segundo ponto é que os efeitos do verbo incidem justamente sobre a
culminação do evento denotado pelo complemento, o que significa que somente eventos
culminados podem ocorrer como complemento. Esses fatos apontam alguns caminhos,
mas, por conta dos objetivos mais modestos deste trabalho, não desenvolverei um
tratamento detalhado para essa classe verbos.
Agora tratemos dos verbos inergativos com complementos cognatos.
Um dos aspectos mencionados anteriormente é o fato de que seus
complementos, mesmo quantificados, não contribuem para a criação de um evento
télico. Outra coisa importante é que muito frequentemente esses complementos
cognatos são nomes que denotam atividades, como em dormir um sono profundo,
dançar uma dança eslava, chorar um choro doído, tossir uma tosse rouca, etc. Parece
claro que, nos predicados listados acima, apesar de verbo e complemento expressarem
eventos, não temos eventos distintos, mas o mesmo evento referido por duas entidades
sintáticas separadas. Uma maneira de lidar com isso é supor que a operação de
identificação de eventos se aplique opcionalmente entre o verbalizador modificado pela
raiz e o complemento, que não denota uma entidade, mas um evento (uma atividade).
Assim, já que os verbalizadores modificados por raízes exigem um núcleo Voz e há
identificação de eventos entre o evento introduzido pelo verbalizador e o evento
introduzido pelo núcleo Voz, o qual não tem ponto final intrínseco necessário, teremos
somente um evento, atélico, com um iniciador/agente no especificador de Voz-P.
Na estrutura sintática, teríamos a seguinte situação:

(65) a. Pedro dançou a valsa.

b. VozP = Pedro é iniciador de e


3

23
minzyzerafin.blogspot.com

31
NP Voz’ = x é iniciador de e
4 2
Pedro Voz vP = evento e de dançar a valsa
e rp
v DP
1 5
v √DANÇ- a valsa
e e

Com relação à operação de identificação de eventos, o quadro se complica um


pouco, e podemos ter talvez casos em que o complemento definido entrega não uma
variável, mas um evento já quantificado (mas não necessariamente limitado no tempo),
e a identificação acontece entre a variável introduzida pelo verbo e este, conforme a
descrição a seguir:

(66) f g → h
<s,t> <s> <s,t>

A presença ou ausência de um telos nas sentenças de (67), repetidas abaixo,


pode ser explicada por uma diferença de interpretação no complemento: ou ele é lido
como um percurso temporal fechado sobre o qual se desenrola o evento (a duração da
valsa em questão), estabelecendo, portanto, um ponto final para ele, ou ele é
interpretado como um evento (uma vez que o próprio complemento tem como núcleo
um nome que pode denotar um evento), que será identificado com o evento introduzido
pelo verbalizador – e temos uma atividade, sem um telos.

(67) a. Pedro dançou a valsa por duas horas (complemento é um evento).


b. Pedro dançou a valsa em quinze minutos (complemento é um
“caminho”).

3.3.1 Algumas considerações sobre os verbos location-locatum e outros verbos


parassintéticos

Até aqui, não tratei das situações em que a raiz dos verbos está, segundo a teoria
aqui proposta, anexada diretamente ao núcleo X estativo, mas os verbos são
exclusivamente transitivos, não admitindo versão intransitiva incoativa. É o caso de
muitos verbos derivados pelo que a gramática tradicional chama de parassíntese,
incluindo-se aqui os verbos do tipo location-locatum. O sistema proposto neste capítulo
sugere que nas situações em que o X é modificado por uma raiz o verbo deva ser
alternante; mas esse não parece ser o caso sempre, e isso requer uma explicação. Nos
parágrafos a seguir apresentarei algumas possibilidades de tratamento que introduzem
muitos custos e, portanto, serão descartadas. A solução para a questão que se coloca
neste ponto exige mais investigação, que será conduzida em pesquisas futuras.
A primeira solução para este problema seria simplesmente considerar que nesse
grupo de verbos o elemento verbalizador seja o núcleo Voz, diretamente anexado ao
constituinte XP, como no esquema a seguir. Como Voz introduz um evento e X
introduz um estado, não temos identificação de eventos, mas a relação default de
causação. E como não há um v intermediando a relação entre Voz e XP, não existe
versão incoativa do verbo. A proposta também captaria uma intuição de Hale e Keyser
(1993), quando discutiram esta mesma propriedade nos verbos location-locatum: o

32
elemento verbal da estrutura desses verbos é, de algum modo, voltado para o agente,
não para o paciente.

(68) a. Pedro engarrafou o leite.

b. VozP = Pedro é o iniciador do evento e que causa o estado s


3
NP Voz’ = x é o iniciador do evento e que causa o estado s
4 2
Pedro Voz XP = o leite no estado s engarrafado
e 3
DP X = x no estado s engarrafado
5 2
o leite X √GARRAF-
en-
s

Para que essa proposta seja razoável, no entanto, é preciso explicar os seguintes
pontos: (1) Por que a anexação de v é bloqueada sobre o XP nos verbos discutidos nesta
subseção? Ou, por outros termos, o que há de especial no XP desses verbos que faz com
que eles sejam licenciados somente por um núcleo Voz, não por um núcleo v? (2) Como
explicar que nominalizações e particípios desses verbos não exijam a presença do
argumento externo do verbo de base?
Com relação a (2), note-se que, segundo a proposta, o único elemento
verbalizador é o núcleo Voz, que projeta uma posição para o argumento externo.
Contudo, nominalizações como as a seguir não têm um argumento externo (visível),
mas devem incluir um morfema verbalizador, pois, além das vogais temáticas verbais
esperadas em todos os itens, temos as peças verbalizadoras -e- e -ec- nos itens (f) e (g) e
o alomorfe verbal da raiz em (e):

(69) a. O engavetamento dos documentos durou horas.


b. O engarrafamento dos vinhos foi bastante rápido.
c. A selagem dos cavalos foi bastante rápida.
d. O encaixotamento dos livros nos causou alergias.
e. O salgamento das águas daquele lago foi uma surpresa.
f. O esfaqueamento da vítima indefesa produziu revolta na comunidade.
g. O esclarecimento dos pontos críticos deixou a plateia tranquila.

Do mesmo modo, ou mais radicalmente até, os adjetivos participais derivados


desses verbos apesentam morfologia verbal, mas não aceitam interpretação agentiva,
como mostram os exemplos abaixo:

(70) a. Os documentos (já) estão engavetados (*pelo funcionário).


b. Os vinhos (já) estão engarrafados (*pelo fabricante).
c. Os cavalos (já) estão selados (*pelo cavalariço).
d. As águas daquele lago (já) estão salgadas (*pelo mar).
e. Os pontos críticos (já) estão esclarecidos (?pelo palestrante).

Ou seja, é muito difícil sustentar que não exista uma camada verbal
independente do morfema introdutor do argumento externo, uma vez que há evidência

33
morfológica dela sem a obrigatoriedade de um agente em formas derivadas como as
apresentadas em (69) e (70).
Essas considerações anulam a validade da proposta em (68). A questão (1),
portanto, não mais se coloca – e, de fato, não há resposta que não seja estipulativa para
essa questão.
Ademais, é possível criar contextos em que, por exemplo, o sujeito da sentença
realiza uma atividade em um local (como apertar um botão num laboratório), atividade
que causa diretamente o processo a que está sujeito o complemento (como o salgamento
de um tanque de água doce), mas o processo em si ocorre em outro (o lugar onde está o
tanque, distante da tal sala de controles), permitindo, assim, localizar eventos dinâmicos
diferentes em lugares distintos, mas expressos no mesmo sintagma verbal. Se não
houvesse uma camada verbal para permitir a ambiguidade locativa do exemplo abaixo,
teríamos que complicar os mecanismos de modificação adverbial que vimos usando até
aqui, o que não é desejável.

(71) a. Pedro salgou o tanque no laboratório.


b. Interpretações possíveis: ou Pedro estava no laboratório e realizou uma
atividade (como apertar um botão) que causou o salgamento da água do tanque, o qual
pode perfeitamente ter acontecido fora do laboratório, ou o salgamento do tanque
aconteceu no laboratório, ainda que a atividade causadora (Pedro apertar um botão)
não tenha necessariamente ocorrido lá.

Outra possibilidade de explicar a transitividade exclusiva dos verbos


investigados nesta seção é supor que tenham a estrutura dos verbos bimorfêmicos que
analisamos na subseção anterior. A estrutura proposta para verbos como destruir aposta
na ideia de que a raiz é um modificador adverbial do verbalizador – ou seja, introduz
um modo de agir, e, obrigatoriamente, um núcleo Voz deve ser anexado ao vP.
Contudo, pelo menos as raízes dos verbos location-locatum denotam coisas, não modos.
Ainda que algumas raízes que expressam objetos, como as de verbos derivados de
nomes de ferramentas (por exemplo, martelar, pentear ou parafusar), possam modificar
diretamente o verbalizador e introduzir um modo característico de agir, que,
intuitivamente, é definido pela própria ferramenta nomeada pela raiz, as raízes dos
verbos location-locatum não servem ao mesmo propósito: neles, a raiz ou denota uma
entidade que passa a ser parte ou posse do referente do objeto direto do verbo ou denota
um local, um continente para a entidade expressa pelo objeto direto do verbo. Parece
claro que o prefixo, quando ocorre, estabelece uma relação entre o complemento do
verbo e a sua raiz. Assim, a estrutura (27d) não pode veicular o significado estrutural
desses verbos.
É interessante notar, entretanto, que verbos parassintéticos com raízes de
adjetivos se sujeitam muito mais frequentemente à alternância causativo-incoativa do
que os parassintéticos com raízes encontradas em nomes, particularmente os locativos.
Parece que a natureza predicacional dos adjetivos, ao contrário da natureza argumental
dos nomes, tem alguma relação com o fato de os verbos derivados de raízes de adjetivos
poderem predicar sobre os complementos de suas versões transitivas. Pode-se
conjecturar, assim, que, enquanto os vPs derivados de adjetivos (mas não somente)
poderiam predicar sobre algo, os vPs derivados de nomes, mesmo que dentro de uma
estrutura locativa, não são capazes de fazê-lo, a não ser por meio de um morfema
participial ou através do núcleo Voz (para o argumento externo).
Há alguns contra-exemplos para as premissas da argumentação (esfarelar, por
exemplo, é um verbo alternante, mas a raiz é a mesma que encontramos no nome farelo,

34
não num adjetivo, e fertilizar é um verbo transitivo, sem versão incoativa, que é
derivado de um adjetivo, fértil24); contudo, parece-me uma linha de investigação
razoável, que pode ser aprofundada em outras pesquisas.
Outra possibilidade é propor que o verbalizador que toma a estrutura estativa do
verbo, encabeçada pelo prefixo, seja “intrinsecamente modificado”. Chamo de
“intrinsecamente modificado” a situação em que o verbinho tem uma espécie de
“sabor”, como se existisse uma raiz nula modificando diretamente o v, definindo um
significado mais específico do que simplesmente evento para o morfema verbal, e, ao
mesmo tempo, criando a necessidade da anexação do núcleo Voz introduzindo o
argumento externo. Note-se que pelo menos os verbos location-locatum podem ser
razoavelmente parafraseados com o verbo pôr, como em: João engavetou os
documentos ≈ João pôs os documentos em uma (ou mais) gaveta(s); João selou o
cavalo ≈ João pôs uma sela no cavalo. A ideia seria, portanto, investigar a possibilidade
de haver verbalizadores com sabores como pôr (ou talvez fazer), que exigiriam a
anexação de núcleo Voz na estrutura do sintagma verbal. Essa proposta também capta a
intuição de Hale e Keyser (1993) de que haveria, nos verbos location-locatum, um
elemento verbal voltado para o agente.
Evidentemente, a “modificação intrínseca” deve ser mais bem desenvolvida.
Que mecanismo faz com que o verbalizador ganhe o significado em questão, com as
consequências sintáticas (obrigatoriedade do núcleo Voz) esperadas de uma
modificação direta do morfema por uma raiz, no contexto de um XP com semântica
locativa? Esta seção só discute possibilidades; ainda não tenho respostas.

3.4 Sobre os verbos inacusativos

A teoria proposta aqui sugere a presença de um núcleo X na estrutura do


sintagma verbal encabeçado pelo que é tradicionalmente chamado de verbo inacusativo.
E mais – nesse cenário, é obrigatório que a raiz seja modificadora de X, não de v. A
razão é óbvia: se a raiz modificasse v, a anexação de um núcleo Voz seria obrigatória, e
então teríamos uma estrutura transitiva ou inergativa.
Assim, levando em consideração as propostas encontradas na literatura, em que
o sujeito das sentenças com verbos inacusativos é transformacionalmente gerado, via
movimento de uma posição subjacente de objeto do verbo, e o que vimos
desenvolvendo até aqui, a estrutura que subjaz aos verbos inacusativos seria (27b),
repetida abaixo com a raiz do verbo desmaiar:

(72) vP
3
v XP
3
DP X
3

24
Os verbos formados a partir de adjetivos e nomes com o sufixo –iz- são majoritariamente transitivos. A
exigência de um argumento externo pode indicar que o sufixo seja, de fato, uma raiz que modifica o v,
criando a necessidade de anexação de um núcleo Voz e do argumento externo. Assim, teríamos uma
estrutura com v e X (estativo) e duas raízes: uma modificando X e outra modificando v. Há, na literatura,
propostas que assumem que (pelo menos alguns) afixos derivacionais são raízes (CREEMERS et alii,
2016; De BELDER, 2011). A hipótese me parece promissora, e merece investigação aprofundada que
foge ao escopo deste trabalho. Ver a ideia de “modificação intrínseca” de que trato de maneira ainda
incipiente no parágrafo a seguir.

35
X √DESMAI-

No final da seção 3.1 sugeri que verbalizadores pudessem veicular culminações,


a depender de alguns fatores, como a raiz anexada ou o tipo de X abaixo de v. O
esquema (72) apresenta um caso em que v é interpretado como uma culminação, com X
denotando um estado-alvo. Há, contudo, casos em que não há estado-alvo, mas pelo
menos o evento denotado por X não é durativo. Vemos isso em verbos como nascer,
chegar e sucumbir, por exemplo. A solução que proponho aqui é que nesses verbos X
veicule uma culminação, e, por conta de diferenças acionais entre v e X (duratividade
versus pontualidade), não haja identificação de eventos entre eles. Assim, nascer terá a
mesma estrutura em (72), mas com um X não-estativo – e pontual. E, assim, podemos
ter duração no estágio pré-culminação do evento (um estágio em que o evento referido
pela raiz de fato ainda não se deu), como em Pedro está nascendo e Pedro está
chegando.
O fato de os verbos inacusativos terem a estrutura em (72), que apresenta o
mesmo desenho do sintagma verbal da versão intransitiva de verbos alternantes, faz
com que alguns desses verbos sujeitem-se mais facilmente à transitivização em certos
contextos. Como vimos em (14), no contexto de sintagmas preposicionais indicando
ponto de partida ou de chegada, a transitivização é possível para verbos inacusativos
que denotam algum tipo de deslocamento no espaço, como chegar, escorrer, deslizar,
etc.
Os motivos para que somente com essas locuções adverbiais locativas (e me
parece claro que são advérbios, conforme sugerem testes básicos de constituência) seja
possível a transitivização do verbo – ou, na verdade, a conversão do verbo inacusativo
em alternante – são ainda difíceis de capturar, mas parece-me um ganho para uma
possível explicação desse fenômeno o fato de a estrutura em que ocorrem tais verbos ser
a mesma que encontramos em verbos alternantes – ou, minimamente, ser uma estrutura
contendo um elemento X25.
A estrutura acima também pode ser defendida com base em outra evidência de
alternância: é comum que o julgamento para a forma transitiva de alguns verbos
inacusativos seja facilitado em duas situações: (a) se o elemento sujeito da frase é algo
não animado, mas iniciador ou diretamente envolvido num evento causador; (b) se o
elemento sujeito da frase é um iniciador ou agente, mas se especificam elementos
causadores usados pelo agente. Os exemplos a seguir o mostram:

(73) a. O fogo alto transbordou o leite na leiteira.


b. ??Pedro transbordou o leite na leiteira.
c. ?Pedro transbordou o leite na leitura com o fogo alto
d. ?O gás que escapou da válvula desmaiou todo mundo que estava na sala.
e. ?Os soldados desmaiaram os manifestantes usando gás.
f. ??Os soldados desmaiaram os manifestantes.

25
A mesma alternância envolvendo elemento locativo ocorre em verbos tipicamente transitivos, como
prender, com complemento inanimado. Os exemplos (a) e (b) a seguir o mostram. Seguindo a teoria que
venho desenvolvendo, como a raiz desse verbo é licenciada em particípios de estado-alvo e há um
elemento estativo recuperável na estrutura verbal (a polícia prendeu o facínora por meses), o sintagma
verbal que licencia essa raiz envolve um X estativo.

a. Pedro prendeu a chave na fechadura.


b. A chave prendeu na fechadura.

36
A última questão que gostaria de discutir sobre (72) é a seguinte: por que muitos
desses verbos não aceitam qualquer tipo de alternância?
A resposta que posso oferecer a essa questão apela ao conteúdo lexical de certas
raízes: raízes de verbos como nascer são conceitualmente associadas a processos pelos
quais passam indivíduos, processos que excluem eventos causadores e agentes, e não
são, portanto, licenciadas em estruturas como (72) acima acrescidas de um núcleo Voz,
por uma simples questão de incompatibilidade semântica entre o conteúdo lexical
dessas raízes (bastante específico) e o significado estrutural de um sintagma verbal de
tal tipo. Isso explicaria também o fato de esses mesmos conceitos, veiculados em outras
línguas por outras palavras, tampouco ocorrerem em contextos sintáticos de alternância.

4. Conclusões

Neste capítulo apresentei um conjunto de propostas para descrever e explicar o


que a literatura tradicionalmente chama de estrutura argumental dos verbos. Restringi-
me aos verbos dinâmicos (não-estativos), e também excluí os verbos psicológicos,
verbos com complementos indiretos, os verbos bintransitivos e verbos com
complementos frasais, que serão abordados em trabalhos que ainda estão em
andamento.
Parti da ideia de que as quatro estruturas apresentadas em (27), derivadas de
(26), dariam conta de quatro tipos de estruturas sintagmáticas verbais básicas: estruturas
de alternância causativo-incoativa, inergativos, transitivos e inacusativos. Além das
estruturas propostas, utilizei-me de uma versão expandida da operação de identificação
de eventos, que passou a não restringir-se ao contexto em que há presença do núcleo
Voz (KRATZER, 1996), e apresentei a ideia de que os dois núcleos que veiculam
eventualidades na estrutura do sintagma verbal, X e v, podem não só denotar eventos ou
estados, mas também dois tipos de eventos: as “atividades” (na verdade eventos
durativos sem ponto final) e as culminações (eventos sem duração que denotam
transições).
Com esses elementos demos conta da distribuição dos verbos em diversas
estruturas sintáticas, da interpretação dos particípios relacionados, da opcionalidade de
complementos de alguns verbos, do licenciamento de determinados tipos de prefixos e
das interpretações diversas que os advérbios propiciam às estruturas que hospedam
esses verbos.
Além do que consta no parágrafo acima, vale mencionar mais um aspecto
interessante da proposta em relação às interpretações e ordenações de prefixos. Veja-se
que assumimos páginas acima que X é um nó que pode ser realizado por prefixos na
língua. Em Medeiros (2016), mostrei que o prefixo re- pode tomar o prefixo des-, mas
não o contrário (redesmilitarizar vs. *desremilitarizar). Note-se, contudo, que, quando
um dos prefixos é idiomático, essa ordem rígida não mais precisa ser respeitada. Por
exemplo, em (74) a seguir:

(74) Pedro desrealçou alguns aspectos irrelevantes de obra.

A explicação para isso é a seguinte: em casos como o de realçar, em que o


prefixo re- é idiomático (não designa repetição), ele não mais é um modificador
adverbial do vP (cf. MEDEIROS, 2016); é, outrossim, reanalisado como um realizador
de X numa estrutura do tipo (27c), com X estativo. Como XP estativo pode ser
modificado por des-, temos a ordem esperada. O esquema abaixo deixa mais clara a
ideia contida neste parágrafo:

37
(75) VozP
3
NP Voz’
4 2
Pedro Voz vP
e’ rp
v XP
1 3
v √alç- des- XP
e 3
DP X
re-

Por fim, um aspecto relevante da proposta, que talvez não tenha ficado tão
explícito quanto deveria, é o fato de que, muito ao contrário das posições projecionistas,
em que as raízes projetam a estrutura sintática necessária para a inserção dos
argumentos que elas selecionam, a teoria desenvolvida neste capítulo aposta na ideia de
que as raízes são licenciadas em determinadas estruturas sintagmáticas que veiculam
certos tipos de significado estrutural. O licenciamento está condicionado ao possível
casamento entre os sentidos listados para tais raízes na Enciclopédia e o significado
estrutural veiculado pelas estruturas sintagmáticas que as hospedarão – e isso é
normalmente uma questão de grau. Adotando os pressupostos da Morfologia
Distribuída, as raízes aqui são desprovidas de qualquer propriedade sintática, incluindo-
se a propriedade de introduzir elementos como argumentos na estrutura sintática. Dando
um sentido mais radical a essa ideia, elas sequer são licenciadas em contextos em que
não haja um elemento funcional diretamente soldado a elas, como X ou v, que são
introdutores de eventualidades.

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