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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3

2 HISTÓRIA PESSOAL DE WILHELM REICH .............................................. 4

3 O CORPO INTERPRETADO POR WILHELM REICH ................................ 8

3.1 O corpo como expressão ................................................................... 11

3.2 Reich: a base para uma terapia do corpo........................................... 19

3.3 A psicoterapia corporal Reichiana como prática potencialmente


emancipadora ........................................................................................................ 22

4 BIOENERGÉTICA E AS TRANSFORMAÇÕES TEÓRICO-


METODOLÓGICAS DAS VERTENTES REICHIANA E NEORREICHIANAS ........... 24

4.1 A análise bioenergética ...................................................................... 28

5 Caráter e couraça ..................................................................................... 38

5.1 Análise do caráter ............................................................................. 42

5.2 Técnica de análise de caráter .......................................................... 43

6 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 48

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

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2 HISTÓRIA PESSOAL DE WILHELM REICH

Fonte: bbc.com

Wilhelm Reich nasceu em 24 de março de 1897, em Dobrzynica, uma aldeia


da Galícia, na época ainda parte do império austro-húngaro. Pouco tempo depois sua
família mudou-se para Jujintz, província de Bukovina, parte germano-ucraniana da
Áustria, região onde seu pai, Leon Reich, adquiriu uma extensa propriedade rural
(Volpi, 2004 apud QUADROS E; 2017).
A família de Wilhelm Reich era de origem judaica, mas seu pai não instruiu seus
filhos na educação religiosa, não permitindo o uso de qualquer expressão judaica,
instruindo seus filhos no alemão, diferente das crianças camponesas ucranianas
daquele sítio, que falavam iídiche (Fadiman & Frager, 1986 apud QUADROS E; 2017).
Cecilie Reich, esposa de Leon, era tida como boa dona de casa, sempre admirada
por sua generosidade e beleza.
O casal teve três filhos: uma menina que faleceu após o nascimento, depois
Wilhelm, no qual era chamado de Willy, e por fim outro menino, Robert, três anos mais
novo que seu irmão (Volpi, 2004; apud QUADROS E; 2017).

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Wilhelm Reich recebeu aulas particulares em casa. Sua primeira instrutora não
tinha nenhuma escolaridade. Além dessa, houve mais três instrutores, que eram
estudantes de direito. Na época de seu primeiro instrutor Wilhelm roubou uma quantia
de tabaco de seu pai e deu-o para um carroceiro em troca de um suporte de madeira
para sua coleção de borboletas, conforme QUADROS E; (2017).
O pai, dando falta do tabaco, interrogou os filhos que negavam a autoria do
roubo, no mesmo instante que a mãe apareceu no quarto dos filhos, trazendo a
jaqueta de Wilhelm, onde no bolso havia a prova do crime: um aparato para enrolar
cigarros. Wilhelm levou uma surra de seu pai, pelo roubo e pela mentira, o que o fez
sentir-se traído pela mãe (Volpi, 2004; apud QUADROS E; 2017).
Seu pai, Leon, certa vez ficou muito desconfiado de que a esposa estivesse
tendo um relacionamento com seu terceiro instrutor. Cecilie negou, mas seu marido
ainda desconfiado foi aos filhos e ordenou-lhes que contassem o que sabiam. Wilhelm
respondeu que não sabia nada em relação aquele instrutor, mas que havia
testemunhado o relacionamento sexual de sua mãe com o instrutor anterior. No quarto
ao lado, Cecilie tentava desesperadamente suicídio, usando de uma dose de veneno
(Volpi, 2004; apud QUADROS E; 2017).
Todo o episódio acarretou diversas mudanças na família. Wilhelm deixou de ter
aulas particulares e foi estudar em Viena. Seu irmão continuou com os pais na
fazenda. Cecilie sofreu severamente nas mãos do marido e, depois de oito meses, em
consequência de uma terceira tentativa de suicídio, acabou por falecer. Wilhelm
estava com 14 anos nessa época (Fadiman & Frager, 1986; apud QUADROS E;
2017). Sobre o episódio, Reich escreveu anos mais tarde o seguinte:

A situação parece-me clara agora: o que fez minha mãe estava perfeitamente
correto. Minha traição, que lhe custou a vida, foi um ato de vingança: ela tinha
me traído com meu pai quando roubei fumo para o carroceiro, e por desforra,
eu a traí. Que tragédia. Oxalá minha mãe estivesse viva hoje para que eu
pudesse reparar o crime cometido então, 35 anos atrás. (…). Em vista da
brutalidade de meu pai, ela estava perfeitamente justificada no que fez.
(Reich, 1988 apud Volpi, 2004, p. 2-3; apud QUADROS E; 2017).

Pós isso seu pai contraiu pneumonia, evoluindo para uma tuberculose e entrou
em uma crise financeira, vindo a falecer três anos depois, quando tinha 16 anos.
Fazendo com que Riech tivesse que abandonar os estudos em Viena e assumir a
fazenda da família, como também cuidar do irmão que também morreu de tuberculose
aos 26 anos (Fadiman & Frager, 1986; apud QUADROS E; 2017).

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Após isso com o início da Primeira Guerra Reich se alista e manda seu irmão
para Viena, mesmo lugar que ele vai também, depois de passar pelo exército austríaco
(Volpi, 2004; apud QUADROS E; 2017).
Em Viena iniciou a faculdade de direito onde cursou apenas seis meses,
mudando para medicina em 1918. Para se manter financeiramente Reich dava aulas
particulares. Em 1919 Reich começou a participar de um seminário de sexologia, onde
teve os primeiros contatos com os escritos de Sigmund Freud, conforme QUADROS
E; (2017).
Em 20 de outubro de 1920 Reich passou a integrar a Sociedade Psicanalítica
de Viena, a partir de uma análise das determinações inconscientes do personagem
do drama Peer Gynt, de Henrik Ibsen. Quanto mais se aprofundava nos estudos
psicanalíticos, Reich se convencia da importância dos impulsos sexuais (Volpi, 2004;
apud QUADROS E; 2017).
Em 17 de março de 1922 Reich casou com a estudante de medicina Annie Pink,
separando-se em 1933 para viver com a bailarina Elza Lindeberg. No mesmo ano,
Reich formou-se em medicina e continuou estudando neuropsiquiatria e atendendo
seus pacientes na Clínica Psicanalítica (Volpi, 2004; apud QUADROS E; 2017). Após
Reich começar a se interessar por Marx e Engels, funda o movimento de higiene
mental na Áustria.
Todo o envolvimento fez Reich viajar para muitos lugares, participando de
conferências e abrindo novos centros de higiene. Seus esforços políticos
influenciaram sua teoria, sendo um dos muitos psicanalistas que tentaram conciliar
Freud e Marx (Fadiman & Frager, 1986; apud QUADROS E; 2017).
No ano de 1935 passou a usar em suas pesquisas um aparelho que media o
potencial elétrico da pele, seu objetivo era descobrir a natureza física da energia
“libido” que Freud havia inicialmente postulado. Em 1936, algumas pesquisas o
levaram a concluir a descoberta do que denominou de “bions”, unidades básicas de
energia vital. A partir do auxílio de um oscilógrafo, Reich consegue medir o potencial
elétrico corporal em reações de prazer e desprazer (Volpi, 2004; apud QUADROS E;
2017).
A Sociedade Psicanalítica de Viena, até sua dissolução pelos Nazistas em
1938, perturbava a relação de Freud e Reich. O próprio Freud confessa isso em uma
carta de 22 de novembro de 1928, conforme QUADROS E; (2017).

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Mesmo Freud admirando Reich a teoria do orgasmo e a técnica de análise do
caráter nunca foram citadas nas obras dele. As divergências entre Reich e a
psicanálise tendiam apenas a aumentar, foi quando em 1928 decide seguir com sua
própria teoria, chamada de Economia Sexual. Sua agenda em educação sexual
provocou sua expulsão do partido comunista e seus ideais marxistas sua expulsão da
Associação Internacional de Psicanálise (Fadiman & Frager, 1986; Volpi, 2004; apud
QUADROS E; 2017).
Pesquisas posteriores levaram Reich a crer que a vida como um todo, não
apenas a sexualidade, funciona de acordo com o padrão orgástico de tensão e
descarga, expansão e relaxamento. O que o levou a ampliar a sua técnica que
denominou Análise do Caráter, chegando à couraça muscular, e por fim aos
segmentos da couraça, conforme QUADROS E; (2017).
Criando assim uma nova forma de terapia, a Vegetoterapia Caracteroanalítica.
Além de tornar conteúdos inconscientes e conscientes, sendo o objetivo da terapia
psicanalítica, e o objetivo da Vegetoterapia consistia também em reestabelecer o
equilíbrio biofísico, libertando a potência orgástica, através do trabalho corporal de
desencouraçamento, ou seja, a perturbação voluntária nas atitudes vegetativas
involuntárias (Volpi, 2004 apud QUADROS E; 2017).

Com a ascensão de Hitler, Reich migra para a Dinamarca. A partir daí Reich
muda-se diversas vezes, na grande maioria por não ser aceito pela
comunidade acadêmica ou pelo partido que apoiou. Segundo Fadiman e
Frager (1986 apud QUADROS E; 2017), num período de seis meses, Reich
foi expulso dos movimentos que fazia parte e trabalhava e também de três
países.

Nessa época Reich afastava-se cada vez mais da psicologia e criava grandes
interesses na física, em como a energia vital atuava dentro e fora do indivíduo. Em
1939, emigrou para os Estados Unidos onde passou a trabalhar como professor ao
mesmo tempo que aprofundava suas pesquisas biofísicas (Volpe, 2004 apud
QUADROS E; 2017).
Analisando uma cultura de bions (vesícula de energia funcionante, visível
microscopicamente) descobre um tipo de energia diferente, a que chamou de energia
vital ou orgônio, configurando um novo campo de estudos: a orgonomia. Em 1940,
Reich descobriu que a energia orgone não estava presente apenas em organismos
vivos, mas também podia ser encontrada na atmosfera e, além disso, podia ser
acumulada, conforme QUADROS E; (2017).
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Construiu um aparelho composto de material orgânico e inorgânico que
chamou de acumulador de orgônio. Dessa forma Reich deu-se conta que seus
estudos e pesquisas sobre o orgônio se tratavam realmente da bioenergia, e a
liberação da energia dos organismos era o objetivo do trabalho terapêutico. Portanto,
chamou sua técnica de Orgonoterapia e o estudo dessa terapia de Orgonomia –
tornando dessa forma a manipulação da energia corporal a base da prática
terapêutica. (Fadiman & Frager, 1986; J. H. Volpi & S. M. Volpi, 2003; Volpi, 2004
apud QUADROS E; 2017).
Em 1948 fez em seu laboratório em Rangeley a primeira conferência sobre
orgonomia e o funcionamento do acumulador de orgônio. No ano seguinte um grupo
de médicos admiradores encomendaram um busto de Reich em sua homenagem e
criaram a Fundação Wilhelm Reich. Os experimentos e vendas do uso dos
acumuladores de orgone fez com que Reich enfrentasse o FDA e o governo
americano. Reich alegava ter que defender suas teses para cientistas e não juízes,
não indo aos julgamentos, sendo condenado por desacato a autoridade e sentenciado
a dois anos de prisão, conforme QUADROS E; (2017).
Na prisão Reich não deixou de escrever. Entrega seus escritos a Fundação e
pede que os mesmos sejam abertos somente 50 anos após sua morte, o que faz com
que o público tenha contato com eles somente em 2007. Em 3 de novembro de 1957
Reich aparece morto em sua sela, vítima de um ataque do coração. Seu corpo foi
enterrado na cidade de seu laboratório que já nessa época foi chamada de Orgonon
(Volpi, 2004; Fadiman & Frager, 1986 apud QUADROS E; 2017).

3 O CORPO INTERPRETADO POR WILHELM REICH

Wilhelm Reich escreve em 1953: “O espírito e o corpo, funcionando em um


único e mesmo organismo, estão ainda dissociados no pensamento humano” (REICH,
1999, p. 03 apud SILVA P; 2013). Em suas proposições, o corpo se constitui como um
eixo em torno do qual o mundo é constantemente significado e ressignificado através
da pluralidade das experiências humanas cotidianas.

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O corpo é habitado por uma história particular registrada enquanto uma
memória corporal, da qual participam tanto as estruturas objetivas quanto as
estruturas subjetivas: trata-se da tessitura de formulações sobre a corporeidade que
o aproximam, por exemplo, da noção de habitus. O que em Reich encontra expressão
semelhante no conceito de caráter, uma estruturação da história de vida do sujeito
(com destaque para o período do nascimento até a primeira infância, que culmina na
situação edípica), uma somatória das experiências e simbolizações, e, também dos
arranjos que são feitos sobre elas, conforme SILVA P; (2013).

Fonte: psicoterapias.wordpress.com

O caráter é uma representação do “eu” e sua “existência”; agrega todo um


conjunto de valores, visões de mundo e posições perante o mundo que o indivíduo
sintetiza em sua trajetória. Os mesmos fenômenos que estruturam o caráter estão
também registrados no corpo: o registro afetivo (emoções e sentimentos), que
podemos chamar de experiência emocional, está gravado no nível denso de energia
que é o corpo (organismo), conforme SILVA P; (2013).

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A imagem de uma experiência fica registrada na mente, mas o simbólico tem
uma realidade física, corporal. Trata-se da unidade funcional entre soma e psique:
registros distintos de um mesmo fenômeno, que, no entanto, são funcionalmente
idênticos. O corpo é um dado, contígua e articuladamente, da natureza e da cultura.
Os aspectos gerais de sua obra conduzem a uma abordagem do homem total,
conforme SILVA P; (2013).
Para Reich, o corpo revela ainda a condição de que somos microcosmo do
macrocosmo, isto é, o corpo e seus movimentos guardam analogia com os
movimentos de contração e de expansão do cosmos (o que ele denomina pulsação),
com os quais estamos em constante interação, conforme SILVA P; (2013).
Ele propunha devolver o homem a si mesmo e ao todo em que está complicado,
religando-o a si, ao seu corpo, aos outros, ao ritmo orgânico da vida, ao universo
natural e simbólico. Em última instância, constrói uma concepção típico-ideal sobre o
homem, onde este aparece orientado não apenas pela racionalidade, mas também
pelas sensações, pelos sentimentos e pelos impulsos vitais profundos que perseguem
a entrega plena ao amor, ao prazer, ao trabalho, ao conhecimento e à vida, conforme
SILVA P; (2013).
O pensamento de Wilhelm Reich se mostra atual e profícuo quando nos
deparamos com a tarefa de “revisitar, sobretudo, alguns filósofos do corpo, do desejo
e do prazer, trilogia que anuncia um outro-epidérmico, um corpo para além da
consciência e do biopoder domadores de produções inconscientes de um saber sobre
o corpo que supera a tirania de uma estética do corpo contra o próprio corpo” (LINS,
2003, p. 11 apud SILVA P; 2013).
Lins se refere a revisitar Nietzsche (para quem o corpo surpreende acima de
tudo, mesmo se comparado ao espanto perante a consciência) e Espinosa (segundo
o qual a alma é a ideia do corpo, a presença de um remete à presença do outro, assim
como a ausência de um exerce simultaneidade quanto à ausência do outro). Reich
também figura entres os pensadores que se debruçaram sobre essa trilogia, conforme
SILVA P; (2013).

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De acordo com SILVA P; (2013), com sua busca incessante por restituir ao
homem um corpo pleno, território onde se entrecruzam e se constituem simultânea e
reciprocamente natureza e cultura, procurando, nesse sentido, devolver o homem a si
mesmo através de uma compreensão integradora diante da fragmentação da vida e
das experiências, Reich não somente conflui com certos pontos de visada
característicos das ciências sociais, como contribui para a reflexão sobre temas que
atravessam a contemporaneidade quanto ao domínio do corpo: o corpo transpassado
pelo biopoder; o corpo esvaziado ou separado do si mesmo, o corpo esquecido ou
subutilizado nas atividades da vida cotidiana o corpo deformado, maltratado e anulado
pelos ritmos e tipos de trabalho; o corpo cultuado, transformado, corrigido em nome
dos padrões estéticos e mesmo mercantilizado no interior de uma cultura de consumo.

3.1 O corpo como expressão

Existem várias formas de se perceber o corpo, dependendo do campo de


conhecimento que se busque estudar, bem como existe uma diversidade de conceitos
que variam pela sua linha teórica e metodológica, conforme LOCATELLI et al., (2017).

A palavra corpo deriva, conforme Levin (2003, p. 22 apud LOCATELLI et al.,


2017), [...] por um lado, do sânscrito garbhas, que significa ‘embrião’ e, por
outro, do grego karpós, que quer dizer ‘fruto’, ‘semente’, ‘envoltura’ e, por
último, do latim corpus, que significa ‘tecido de membros’, ‘envoltura da alma’,
‘embrião do espirito’.

A importância da comunicação não verbal foi percebida inicialmente por Freud,


em 1888, que explorou o potencial terapêutico da linguagem corporal. Em um de seus
comentários sobre o caso Dora, diz: “Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir
pode convencer-se de que nenhum mortal pode guardar um segredo. Se seus hábitos
permanecem silenciosos ele conversa com a ponta dos dedos; a revelação transpira
dele por todos os poros. ” (FREUD, 1973, p. 933-1002 apud LOCATELLI et al., 2017).
Segundo Boadella (1985 apud LOCATELLI et al., 2017), Reich introduziu a
ideia de que a expressão corporal de uma pessoa correspondia à sua atitude mental.
Por isso, inter-relacionar expressão corporal e atitude mental se torna importante na
comunicação humana. Quanto mais Reich avançava na análise das defesas do
caráter, mais descobria que toda a pessoa neurótica que tratava se achava perturbada
enquanto um organismo total.

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As observações clínicas revelavam que a inibição da agressão, da angústia,
do prazer, ou de qualquer outra emoção forte, estava regularmente associada a um
distúrbio da musculatura corporal, ou na direção do aumento dos tônus: espasmo; ou
na direção da redução dos tônus: flacidez, conforme LOCATELLI et al., (2017).
A importância da comunicação não verbal foi aprofundada por Reich (1995), de
modo que a linguagem corporal ganhou força e passou a se constituir em uma
importante contribuição para psicoterapia. Ele colocou como elemento central de sua
Análise do Caráter a observação dos aspectos não verbais, como o tom de voz, a
movimentação do paciente, as posturas adotadas por ele, a expressão do olhar e a
mímica corporal, conforme LOCATELLI et al., (2017).

Para Steinberg, (1988 apud LOCATELLI et al., 2017), as expressões do rosto,


as atitudes, os gestos e o movimento corporal podem atuar como ilustradores
e demonstradores de afeto ou como reguladores e adaptadores da interação.

Segundo Lowen (1977 apud LOCATELLI et al., 2017), o terapeuta


bioenergético analisa o problema psicológico do paciente, bem como a expressão
física do problema, à medida em que este é manifestado em sua estrutura corporal.
Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017), discípulo de Freud, traz uma detalhada
relação entre o comportamento, as características psíquicas e os padrões posturais
do indivíduo. Ele acredita que o organismo humano é perpassado por um tipo de
energia psicofísica, embora seu mestre defenda a existência dessa energia apenas
no nível psíquico.
Freud, em 1908, enfatiza a formação do caráter e sua relação com a pulsão e
com o corpo em determinada medida. Reich (1984 apud LOCATELLI et al., 2017),
amplia o conceito de caráter, relacionando-o a um congestionamento da energia
psicofísica que responde pela formação do caráter e, quando bem direcionada,
impediria a formação de sintomas neuróticos, evitando a formação da chamada
couraça muscular do caráter.
O caráter, em Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017), denota como a
pessoa se apresenta frente à vida através de uma estrutura física e comportamental,
recorrente e não percebida por ela mesma. O corpo segundo Volpi e Volpi (2003 apud
LOCATELLI et al., 2017) é uma unidade de energia que contem em si dois processos
paralelos: o psiquismo (mente) e o soma (corpo).

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Um dos precursores que mais estudou o corpo foi Wilhelm Reich, percebendo
o corpo como um grande campo de energia. Segundo Volpi (2000 apud LOCATELLI
et al., 2017), Reich entende o ser humano como uma das expressões da energia que
chamou de orgone, uma energia que preenche todo espaço cósmico e se expressa
em diferentes concentrações, movimento e forma. Assim como um lenhador pode ler
a história da vida de uma árvore através de um corte transversal no tronco, mostrando
os anéis de crescimento anual, Lowen (1977 apud LOCATELLI et al., 2017), afirma
que também é possível, para o terapeuta de bioenergética, ler a história da vida de
uma pessoa através de seu corpo.
Através do corpo fazemos contato com o mundo externo e incorporamos
elementos para nossa memória. Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017) sustenta
que o corpo contém a história do indivíduo e é através dele que a Vegetoterapia busca
resgatar as emoções mais profundas restabelecendo a mobilidade biopsíquica através
da anulação da rigidez (encouraçamento) do caráter e da musculatura, mediante
movimentos específicos (actings), seguidos sempre da análise dos conteúdos
verbalizados pelo paciente. Dessa forma, Reich (1984), entende o conceito de
couraça como produtora e mantenedora de neurose (caráter, em termos reichiano),
como a confrontação da atitude social negativa diante da vida e do sexo e a ânsia
individual do prazer. E a partir disso, desenvolveu a técnica da Vegetoterapia que
busca a flexibilização dessas couraças a fim de permitir o livre movimento da energia
pelo corpo e, por consequência, a diminuição da neurose, conforme LOCATELLI et
al., (2017).
Segundo Navarro (1997 apud LOCATELLI et al., 2017), a Vegetoterapia é uma
técnica que faz parte da escola reichiana chamada de Orgonomia. É, portanto, parte
do assunto tratado por Reich nos anos 30, quando identificou que o corpo também
deveria ser incluído no processo psicoterapêutico, não apenas de forma verbal, mas
trabalhando-se sobre ele, sobre suas tensões, ao que Reich (1995 apud LOCATELLI
et al., 2017) chamou de couraças. Couraças são também os registros emocionais e
sensações corporais que temos desde o início da gestação e ficam armazenados nas
células, nos tecidos, nos músculos e distribuídos pelo nosso corpo.

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A partir dessa descoberta, Reich mapeou o corpo em sete segmentos de
couraça, onde cada segmento tem um significado psicológico. Os segmentos,
apresentados com maior detalhe no quadro abaixo, são: ocular, oral, cervical, torácico,
diafragmático, abdominal e pélvico (REGO, 1999; ALMEIDA, 2004 apud CÂNDIDO et.
al., 2009). Estes levam o corpo a adotar novas posturas compensatórias, como: olhos
arregalados, tensão no maxilar, ombros caídos, desvios na coluna, rigidez ou flacidez
entre outros (ALMEIDA, 2004 apud CÂNDIDO et. al., 2009).

Fonte: efdeportes.com

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O bloqueio de energia ocorre desde muito cedo, durante os primeiros três
meses, quando o bebê aprende a defender-se principalmente com os olhos, para
evitar o contato ruim com o ambiente. O bloqueio, portanto, estabelece-se nos olhos.
Mais tarde, na época do desenvolvimento da sexualidade, a interrupção do fluxo de
energia ocorre na pelve (MONTEIRO, 2007 apud CÂNDIDO et. al., 2009).

Para analisar os bloqueios de cada um dos segmentos deve-se levar em


consideração se são hipoorgonóticos (pouca energia), hiperorgonóticos
(muita energia) e desorgonotico (uma boa quantidade e qualidade de energia,
porém, mal distribuída pelo corpo). Para Lowen (1982, p. 72 apud
LOCATELLI et al., 2017): A linguagem corporal possui duas partes: uma lida
com os sinais e expressões do corpo que transmitem informações sobre o
indivíduo e a segunda lida com as expressões verbais que, por seu
significado, se referem às funções corporais.

O primeiro segmento de couraça foi chamado por Reich (1995 apud


LOCATELLI et al., 2017) de anel ocular e compreende os olhos, os ouvidos, o nariz,
a pele e o sistema nervoso. É o segmento ligado à interpretação e o contato, ou seja,
a capacidade de se reconhecer e reconhecer o outro, o mundo e, assim, estabelecer
relação.
A pele, quando tensa, principalmente o couro cabeludo, pode sofrer situações
como alopecia, que é a queda de cabelo em uma determinada área, ou a calvície. O
bloqueio do nariz pode manifestar-se em rinite, epistaxe, desvio de septo, resfriado de
repetição, pólipos nasais, conforme apud LOCATELLI et al., (2017).
Para Navarro (1997 apud LOCATELLI et al., 2017), os olhos nos permitem ter
a visão do mundo, porém, cada um o interpreta à sua maneira. O mesmo acontece
com as orelhas e com o olfato, onde o que se ouve e cheira pode ser interpretado de
várias formas. Os olhos são a principal fonte de contato do bebê com o ambiente e,
segundo Reich, a primeira área a ser traumatizada pela visão de expressões frias,
coléricas ou assustadoras. A couraça dos olhos é transmitida pela imobilidade da testa
e por expressão “vazia” dos olhos, os quais olham para fora por trás de uma rígida
máscara.
É interessante observar que o bloqueio hipoorgonótico dos olhos se traduz pela
psicose. A Somatopsicodinâmica da psicose envolve a dissociação com a realidade e
representa uma defesa contra um ambiente hostil. Diferente do indivíduo que
apresenta um baixo nível de energia, o bloqueio hiperorgonótico se apresenta como
cefaleias, epilepsia e enxaqueca, porém a tensão nos músculos externos dos olhos

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gera os distúrbios clássicos da visão (miopia, hipermetropia, presbiopia e
astigmatismo), conforme LOCATELLI et al., (2017).
O segundo segmento, para Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017)
chamado de oral, diz respeito à boca e está ligado à comunicação. A comunicação
nasce durante o período neonatal, na relação entre a mãe e o filho. Quando essa
relação é ruim e inadequada, o recém-nascido fica deprimido. É por isso que tudo o
que é ligado ao segundo nível tem relação direta com a depressão. Porém, o excesso
de alimentação leva a indivíduos insatisfeitos. Essa fase inicial de amamentar envolve
a capacidade do bebê de se conectar com a mãe e criar vínculos.
De acordo com LOCATELLI et al., (2017), tanto a compulsão quanto a
dificuldade em se alimentar marcam dois opostos do distúrbio oral; o álcool e as
drogas entram como possibilidade de substituição da falta ou do excesso dessa
comunicação no período neonatal. O indivíduo pode expressar uma impressão de
austeridade, determinação, agressividade, depressividade, passividade. Pode surgir
também um sorriso congelado como em uma máscara. Os lábios podem ser
apertados. O rosto pode expressar diferentes emoções ao mesmo tempo.
Os maxilares podem estar muito apertados ou artificialmente soltos. As
expressões emocionais de chorar, morder de raiva, urrar, sugar e fazer caretas são
todas inibidas por tensão nesta área. A couraça pode ser afrouxada incentivando o
paciente a imitar um choro, fazer sons que mobilizem os lábios, morder e provocar
ânsia de vômito, assim como pelo trabalho direto sobre os músculos envolvidos,
conforme LOCATELLI et al., (2017).
O terceiro segmento é o do pescoço, considerado por Reich (1995 apud
LOCATELLI et al., 2017) a sede onde se instaura o narcisismo. O segmento cervical
tem como função emocional básica a entrega e o controle, a contenção da raiva e do
choro. As manifestações do encouraçamento geralmente são deglutição excessiva,
tosse, alterações no tom de voz, torcicolos, etc.
No anel cervical é trabalhado com o reflexo de vômito e sobre o
esternoclidomastoideo e músculos profundos do pescoço. Podendo trabalhar com
intervenções que provocam o medo de ser sufocado, sensação típica desse
segmento, colocando as mãos ao redor do pescoço do paciente. O quarto segmento
é o do tórax. Segundo Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017) é onde encontramos
a ambivalência. O ambivalente é uma pessoa que não sabe escolher

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No tórax está o coração, responsável pela vida, pois bombeia o sangue para o
restante do corpo, e está relacionado com os sentimentos. Dentre as suas possíveis
patologias, é possível citar com importância o infarto do miocárdio e as crises de
anginas, resultado, muitas vezes, de uma vida baseada em como a pessoa relaciona-
se no seu dia a dia. Outro órgão são os pulmões, que é responsável pela respiração,
junto com o diafragma. A respiração está relacionada com a capacidade de controlar
a ansiedade. Existem pessoas ansiosas que respiram de forma superficial, e algumas
vezes de maneira irregular. Em termos de doenças pulmonares vale citar as infecções,
as neoplasias, a tuberculose e as reações alérgicas, todas elas, fruto da ambivalência
presente no tórax, conforme LOCATELLI et al., (2017).
O quinto segmento é o do diafragma. Para Reich (1995 apud LOCATELLI et
al., 2017), é onde se localiza a ansiedade. A condição de ansiedade é ligada a uma
condição de inspiração crônica.

Segundo Lowen (1982, p.109 apud LOCATELLI et al., 2017): […] qualquer
obstrução do processo respiratório produzirá ansiedade. Para se exemplificar
uma situação de ansiedade relacionada à respiração, basta imaginar uma
pessoa que tem asma lutando para tomar ar. A respiração é praticamente tão
importante para o organismo quanto à circulação.

O diafragma é o principal músculo da respiração. Quem respira menos também


sente menos. Para diminuir nossas sensações, diminuímos nossa respiração.
Segundo Lowen e Lowen (1985 apud LOCATELLI et al., 2017) é através da
respiração, que conseguimos o oxigênio para manter aceso o fogo do nosso
metabolismo, e isto nos assegura a energia de que precisamos mais oxigênio cria um
fogo mais quente e produz mais energia.

Segundo Reich (1975, p. 262 apud LOCATELLI et al., 2017): quando se tem
uma respiração reduzida, absorve-se menos oxigênio; de fato, apenas o
suficiente para a preservação da vida. Com menos energia no organismo, as
excitações vegetativas são menos intensas e, pois, mais fáceis de controlar.

Dentre as formações caractereológicas, o masoquismo está bastante


relacionado ao bloqueio do diafragma. Os órgãos que tem sua psicopatologia
relacionada ao bloqueio do diafragma são estômago, pâncreas, vesícula biliar, fígado
e rins. O sexto segmento é o abdômen, e está relacionado, principalmente, ao ato de
dar e receber. Segundo Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017) é o nível ligado à
visceralidade e a tudo o que diz respeito à eliminação ou retenção das fezes. Isso faz

17
com que, do ponto de vista psicológico, o bloqueio do sexto nível forma uma pessoa
ou generosa demais, ou avarenta.
Esse bloqueio também está ligado à educação dos esfíncteres, a qual deveria
ocorrer apenas por imitação, como ocorre com os animais. O sétimo e último nível, a
pelve, segundo Reich (1995 apud LOCATELLI et al., 2017), é o lugar da sexualidade
genital. Sexualidade genital porque tudo o que dá prazer é sexual. O máximo do prazer
é a sexualidade genital. A sexualidade genital pode ser inadequada quando a pessoa
não superou ou superou mal o período edípico.
Para Navarro (1997 apud LOCATELLI et al., 2017), os segmentos de couraça
têm sempre uma estrutura horizontal e nunca vertical, com as exceções notáveis dos
braços e das pernas, cujas couraças funcionam em conjunto com os segmentos da
couraça do tronco adjacentes, isto é, os braços com o quarto segmento que
compreende os ombros, e as pernas com o segmento que compreende a pelve.
A partir da análise e das considerações de Reich (1995 apud LOCATELLI et
al., 2017), pode-se perceber o quanto é vasta a questão do uso da linguagem não
verbal e seus possíveis desdobramentos. Com a aprendizagem da leitura corporal é
possível ter uma ideia do mapa onde está descrito o modo como nos organizamos no
meio, nossas estruturas de defesa, como atuamos em diferentes contextos (nossa
família, nosso trabalho, nossas relações pessoais), ou seja, nossas atitudes de
caráter.
Para Lowen (2007 apud LOCATELLI et al., 2017) o verdadeiro lar de cada um
é o seu corpo. Não se ligar de maneira sensível ao próprio corpo significa viver como
um espírito desconectado, que flutua pela vida, sem qualquer sensação de pertencer
algo ou alguém. A importância do conhecimento da linguagem corporal proporcionará
para o analista mais um elemento, que contribuirá para sua análise do paciente,
alavancando assim informações presentes no corpo que, até então, não foram
observadas, por falta de interesse ou de conhecimento de recursos que o possibilite
uma visão detalhada do indivíduo com suas demandas.
A expressão corporal apresenta, em algumas situações, a agressividade e a
afetividade da personalidade do sujeito, muitas vezes através do movimento. A
expressão, a afetividade, a agressividade, a comunicação, a corporeidade e o limite
são conteúdos que permeiam a relação entre os corpos através dos desejos, das

18
frustrações e das ações. Os corpos são vistos em interação com o meio, com o
espaço, com os objetos e consigo mesmos, conforme LOCATELLI et al., (2017).
Dentro desse processo de interação consigo mesmo e com o mundo, através
das expressões corporais, faz-se necessário compreender como essa relação
funciona, e só através de uma análise corporal pode-se entender melhor essa
comunicação.
Segundo Lowen (1982 apud LOCATELLI et al., 2017) o seu corpo expressa
quem você é, ele também indica a intensidade de sua presença no mundo. Por isso a
importância de se obter conhecimento sobre o que o corpo fala, é necessário, pois
diferente de Freud (1996), em que a manifestação do inconsciente está nos atos
falhos, sonhos, etc., para Reich (1995), essas manifestações estão no próprio corpo.
Por isso, a Psicologia Corporal tem por objetivo reencontrar a capacidade do ser
humano de regular a sua própria energia e, por consequência, seus pensamentos e
emoções, oferecendo a ele a oportunidade de alcançar uma vida mais saudável.

3.2 Reich: a base para uma terapia do corpo

De acordo com LEAL G; (2017), a Psicanálise tem como pilar a sexualidade


humana, levando em consideração seus impulsos e desejos, principalmente os
reprimidos, como propulsores das neuroses. Wilhelm Reich foi um seguidor de Freud,
porém na época os grandes impactos que a Europa sofria fez com que ele criasse
constantes distanciamentos com a psicanálise até seu completo afastamento. João
da Mata cita esses processos:

"A primeira destas fissuras ocorreu em relação à potência orgástica, depois


com a análise de resistências. Mais adianta, profere críticas ao complexo de
Édipo e por fim, rejeita a noção de pulsão de morte." Todos esses conceitos
em psicanalise passam a ficar em segundo plano para Reich, uma vez que
seu foco passa a ser os mecanismos de poder nas interações humanas. ”
(DA MATA,1997; apud LEAL G; 2017).

Reich entendia que a psicanálise se fixava apenas numa análise simbólica.


Para ele, era necessário pensar também em como o sujeito apresentava as
dificuldades e não somente os porquês. Reich (1998; apud LEAL G; 2017) apud Da
Mata (1997; apud LEAL G; 2017) "Si conceitos da psicologia tradicional e da psicologia
do inconsciente estão acorrentados a formações de palavras. A vida, contudo,
funciona para além de todas as ideias e conceitos verbais.
19
A linguagem verbal é uma forma biológica de expressão numa fase avançada
de desenvolvimento. Não é de forma nenhuma um atributo indispensável da vida,
porque a vida funciona antes de existir a linguagem verbal. A psicologia da
inconsciente consequência trabalha com uma função de origem recente. Muitos
animais exprimem-se por sons. Mas a vida funciona antes e para além de qualquer
formação de sons enquanto forma de expressão”, conforme LEAL G; (2017).
Ele se identificava e se questiona sobre as sociabilidades, diante disso começa
a explicar a neurose a partir da perspectiva de onde o indivíduo e a sociedade se
atingem mutualmente e por isso não é somente à mente que sofre consequências,
mas todo o corpo que passa por um desequilíbrio de sua energia vital. (Da Mata,1997;
apud LEAL G; 2017).
Dessa forma, Reich passa a organizar as teorias da couraça em sete
segmentos. O primeiro que corresponderia a parte do anel ocular relativo aos olhos,
ouvidos nariz, pele e sistema nervoso. Por exemplo, ao falar sobre os olhos com eles
é possível ver, porém cada pessoa enxerga o que acontece em sua volta de uma
forma, e isso ocorre com os ouvidos e o nariz. Esse segmento tem como reflexo um
comprometimento na parte emocional da boa compreensão dos fatos a sua volta, e
fisicamente poderá ter astigmatismo, alergias, rinites, distrofia muscular e etc.,
conforme LEAL G; (2017).
O segundo segmento ele chama de oral, ligado a boca, e relativo a
comunicação. O terceiro segmento ele relaciona ao pescoço que onde diz que é a
fonte instaladora do narcisismo. Observa-se em Navarro e Volpi (2003 apud LEAL G;
2017): “No pescoço está o self-control e para se ter uma saúde psicológica boa é
preciso saber lidar com o que eu chamo de 3 H: humildade, humanidade e humor. ” O
quarto segmento diz respeito sobre o tórax, relativo a ambivalência, isso implica nas
pessoas que não conseguem tomar decisões. O quinto está localizado no diafragma
que corresponde a ansiedade.

Navarro e Volpi (2003 apud LEAL G; 2017) descrevem, “Ola Raknes disse-
me certa vez, que quando Reich entrevistava seus pacientes, já na primeira
consulta pedia que, sem tomar o ar, expirasse até o fim. A maioria não era
capaz de expirar e isso mostrava o quanto de ar a pessoa colocava para
dentro do pulmão no dia a dia. Isso acontece muito com a pessoa que é
supersticiosa. Quando sai de casa e vê um gato preto passar em sua frente,
já fica preocupada com o que vai acontecer. Permanece, então, diariamente
numa condição de ansiedade e gradativamente vai bloqueando o diafragma”.

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O sexto segmento trata-se dos esfíncteres, do abdômen e da visceralidade
ligadas a eles. Pessoas com características de busca por limpeza ou o inverso total,
uma pessoa suja, é uma pessoa desse segmento. Ou é avarento ou generoso demais.
E o sétimo e último segmento é o da pelve, da sexualidade genital, associada a histeria
e a neurose quando há um bloqueio parcial desse segmento (NAVARRO, 2002 apud
LEAL G; 2017).
Reich acredita que toda neurose tem um núcleo neurótico atual que não é
absorvido psiquicamente e nem descarregado sexualmente, tornando-se o
responsável pelas manifestações de angústia. Para isso se dissolver, faz-se
necessário uma gratificação corpórea direta, para aliviar as tensões residuais em
zonas erógenas. Sendo assim, ele observou que pessoas em processo analítico, cuja
vida sexual começasse a se tornar ativa, apresentavam melhoras significativas e um
prognóstico duradouro ainda mais favorável (MENDES, 2010 apud LEAL G; 2017).
Podemos observar quando ele diz que “a dissolução de um espasmo muscular
não só libera a energia vegetativa, mas, além disso, e principalmente, reproduz a
lembrança da situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto. Pode-se
dizer que toda rigidez muscular contém a história e o significado de sua origem”.
(REICH, 1984 apud LEAL G; 2017).
Dessa forma, estabeleceu-se o conceito econômico para a etiologia das
neuroses, que leva em consideração o conceito reichiano de potência orgástica e a
incapacidade de resolver a tensão sexual de forma satisfatória de acordo com as
exigências da libido. Reich nomeou esta base orgânica como núcleo somático da
neurose, resultante da libido contida. Assim sendo, passa a existir a possibilidade de
trabalho psíquico através do corpo, liberando as tensões a partir de possíveis
exercícios corporais (MENDES, 2010; apud LEAL G; 2017).
O corpo assume papel importante no processo terapêutico quando é
compreendido como aquele que retém tensões crônicas e que podem ser trabalhadas
para favorecer o livre fluxo energético no organismo, permitindo uma flexibilidade que
coexistisse com a qualidade de vida. Ou seja, doenças psíquicas seriam então
associadas a fluxos de energia mal distribuídos no corpo, e unindo o trabalho psíquico
com o trabalho no corpo físico, os corpos passam a ser livres e flexíveis para se
adaptar, se colocar e se expressar de forma mais potente no mundo (MENDES, 2010;
apud LEAL G; 2017).

21
As terapias corporais têm como ideal três oposições básicas que se recobrem
e se interpenetram: a primeira sendo entre indivíduo e sociedade, pois a sociedade
impede o desenvolvimento natural do indivíduo tornando-o doente, trazendo em si a
segunda oposição, entre o natural e o social, que reduplica e recobre a primeira, pois
o que a sociedade reprime no indivíduo é o seu “cerne biológico”, no qual se localiza
seu desenvolvimento natural, conforme LEAL G; (2017).
E a dualidade entre corpo e mente, em que não necessariamente se opõe,
pois, a fala, por exemplo, que seria considerado algo inerente a mente é englobada
pelo natural/biológico, assim como o corpo, que tem sede de processos naturais como
o apetite sexual, também é aquele que abrange a sede de afeto, de paixões, que
acaba se correlacionando ao natural/biológico e também mental (RUSSO, 1994; apud
LEAL G; 2017).

3.3 A psicoterapia corporal Reichiana como prática potencialmente


emancipadora

De acordo com SILVA P; (2013), existe um vínculo de profunda intimidade entre


corpo e emancipação. Não é possível discutir o tema e a problemática da
emancipação humana partindo apenas das referências à racionalidade, ao
pensamento crítico-reflexivo e à consciência – corpo e consciência são indissociáveis.
Os homens entendidos em sua integralidade se constituem como seres históricos e
biopsicossociais, e investigar ou interpretar o corpo é uma tarefa altamente complexa
e interdisciplinar.
As possibilidades mais auspiciosas para uma vida e uma sociedade
emancipadas repousam na própria corporeidade dos indivíduos e nas vias de
transformação dos mesmos em sujeitos históricos. Trabalhar o vínculo entre corpo e
emancipação a partir da clínica reichiana é apenas uma forma, entre tantas possíveis,
de abordá-lo, conforme SILVA P; (2013).
Dizer que esta prática clínica tem um potencial de transformação capaz de
engendrar formas de vida mais emancipadas, não significa dizer, de modo algum, que
é imprescindível a toda e qualquer produção emancipatória, e sim, que possui uma
qualidade singular a ser investigada, qual seja, a realização de um trabalho que atua
conjuntamente nos processos de mobilização, manejo e vivência corporal e na
simbolização das experiências, voltando-se à percepção, consciência e construção de
22
si. Este par (vivência corporal e simbolização) pode ser entendido como um par
funcional, porque articula duas realidades funcionalmente idênticas em que se
processam os diferentes fenômenos, e destaca-se como um registro cognitivo
importante para a compreensão dos processos envolvidos na questão da
emancipação humana, conforme SILVA P; (2013).
A terapia reichiana e neorreichiana é uma prática corporal (psicorporal), que se
diferencia e se coloca na contramão de práticas de produção e gestão técnica de si,
de disciplinarização e docilização, como aquelas tomadas como objeto das reflexões
de David Le Breton (2003 apud SILVA P; 2013) e Michel Foucault (1979, 1999 apud
SILVA P; 2013) apontadas anteriormente.
Os conjuntos de técnicas corporais das abordagens reichianas convergem para
a aquisição de novos hábitos (MERLEAU-PONTY, 1999 apud SILVA P; 2013) ou
novos padrões de se relacionar e estar no mundo, levando a um rearranjo do esquema
corporal e da corporalidade. A experiência corporal desencadeia elaborações e
simbolizações ao nível do imaginário, e, conjuntamente, novas assimilações ao nível
do corpo.

O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos
necessários à conservação da vida e, correlativamente, põe em torno de nós
um mundo biológico; ora, brincando com seus primeiros gestos e passando
de seu sentido próprio a um sentido figurado, ele manifesta através deles um
novo núcleo de significação: é o caso dos hábitos motores como a dança. Ora
enfim a significação visada não pode ser alcançada pelos meios naturais do
corpo; é preciso então que ele se construa um instrumento, e ele projeta em
torno de si um mundo cultural. (...) diz-se que o corpo compreendeu e o hábito
está adquirido quando ele se deixou penetrar por uma significação nova,
quando assimilou a si um novo núcleo significativo (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 203-204; apud SILVA P; 2013).

A força motriz desta transformação pode estar articulada à produção de formas


mais emancipadas de viver, traduzidas em práticas e processos de subjetivação
emancipadores. Na medida em que através da prática clínica psicorporal o terapeuta
efetua intervenções na corporalidade dos pacientes seja no sentido de descrever ou
apontar determinadas formas posturais ou expressões corporais (tonalidade e altura
da voz, os modos de olhar, respirar, andar, sentar, posicionar-se, produzir-se), ou no
sentido de manipular o corpo do paciente pela aplicação de determinadas técnicas
terapêuticas ou mesmo sugerindo ao paciente que as execute ele (o terapeuta)
interpela o sujeito (o paciente) a perceber e tomar consciência do seu próprio corpo e

23
sua forma expressiva de estar na vida, a qual é materializada na dimensão corporal
do habitus, conforme SILVA P; (2013).
A percepção de si e o autoconhecimento (que não possuem apenas um alcance
na esfera individual, mas se constituem na abrangência da relação entre indivíduo e
sociedade) começam a alavancar processos de construção e produção de si fundados
nas novas experiências vividas na relação e no espaço terapêuticos. A clínica
psicorporal é um espaço de vivência e produção de novos arranjos corporais
contemplados pelo trabalho de atribuição de sentido, significação e simbolização das
experiências situadas tanto no conteúdo do material analítico quanto no processo
terapêutico dos pacientes. E esse processo tem o potencial de engendrar formas de
viver, ser, agir, sentir e estar no mundo mais emancipadas. E, além disso, impulsionar
a construção de si enquanto sujeito, conforme SILVA P; (2013).

4 BIOENERGÉTICA E AS TRANSFORMAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS


DAS VERTENTES REICHIANA E NEORREICHIANAS

Fonte: vanessaganzerli.com.br

A psicanálise reivindica para si o universo do inconsciente e seu acesso através


da análise do discurso apresentado pelo paciente/cliente. Entretanto, ainda na década
de 1930, Wilhelm Reich, quem fora discípulo de Freud nos anos anteriores e
percebendo que o corpo poderia ser tratado nele mesmo, publica sua primeira obra
24
na área de Teoria da Personalidade, intitulada A Análise do Caráter (apud SANTOS
G; 2018) e denomina sua teoria de economia sexual e a sua metodologia de
vegetoterapia caracteroanalítica. Vale ressaltar que o prefixo "vegeto" se refere ao
antigo nome para o sistema nervoso autônomo, o sistema nervoso vegetativo, mas
que se mantém os preceitos teóricos e metodológicos da psicanálise (FONSECA,
2011; apud SANTOS G; 2018).
Trata-se de uma continuidade pautada em um retorno à biologia, sendo o nome
da terapia sua primeira grande enunciação sobre certa importância do processo
somático no estudo da dita psique humana, conforme SANTOS G; (2018).

[...] é preciso que fique bem claro aqui que a economia sexual nunca se
afastou do conteúdo central das conquistas científicas de Freud. [...] a
economia sexual representa a continuação da psicanálise freudiana e dá-lhe
uma base científica natural na esfera da biofísica e da sexologia social
(REICH, 1998 apud FONSECA, 2011: 63 apud SANTOS G; 2018).

A teoria criada por Reich se desenvolveu fundamentada em preceitos básicos


da psicanálise:
1) A teoria dos mecanismos inconscientes;
2) A abordagem histórica;
3) A compreensão da dinâmica e economia dos processos psíquicos",
conforme SANTOS G; 2018
Para ele, o conceito de libido freudiano se refere à energia vital, além de que a
repressão seria um "processo necessário de desenvolvimento do ser humano" e a
sexualidade está presente em todos os sujeitos desde o nascimento (WAGNER, 1996:
93-94 apud FONSECA, 2011: 63-64 apud SANTOS G; 2018).
Aqui chegamos no que é cerne do conceito de bioenergética. Em uma tentativa
de colocar o corpo e seus processos fisiológicos como personagens da construção
psíquica do sujeito, Reich sistematiza sua disciplina. Como parte da economia sexual,
Reich tenta compreender "o fluxo de energia 'bio-psíquica', em função do mecanismo
biológico de carga e descarga, em interação com o contexto sociocultural" (FREITAS,
2005: 34 apud FONSECA, 2011: 64 apud SANTOS G; 2018).
A partir disso, Reich postula que a rigidez muscular seria a representação do
processo egóico de repressão para adaptação ao contexto sociocultural que o sujeito
estaria inserido no começo de sua vida: a priori, a família, mas poderia ser a escola,
ou a igreja, ou a comunidade. Tratar-se dos resultados da experiência primária do

25
sujeito em sociedade a constituição do seu caráter, e o tensionamento resultante da
castração de suas pulsões corresponderia à sua couraça muscular que pode variar
de acordo com o tipo de caráter, que varia o padrão de tensões musculares crônicas
no corpo. (FONSECA, 2011; apud SANTOS G; 2018)

A rigidez muscular, onde quer que apareça, não é um "resultado", uma


"expressão" ou um "acompanhante" do mecanismo de repressão. Na análise
final, eu não podia livrar-me da impressão de que a rigidez somática
representa a parte mais essencial do processo de repressão (REICH, 2004:
254 apud FONSECA, 2011: 66; apud SANTOS G; 2018).

Dessa forma, entende-se que a energia sexual pode ser contida por tensões
musculares que refletem sentimentos de raiva ou angústia, por exemplo. A
combinação dessas tensões constituiria o que é chamado de expressão corporal,
como sintetiza Alexander Lowen, fundador da Análise Bioenergética: "a expressão
corporal é a perspectiva somática da expressão emocional típica, que é vista, ao nível
psíquico, como 'caráter'" (LOWEN, 1977: 30; apud SANTOS G; 2018).

A partir da obra de Wilhelm Reich, surgiu uma série de novas escolas,


chamadas de pós e neorreichianas. As que se denominam pós-reichianas
são aquelas que seguem à risca seus preceitos, agindo de forma a servir
como uma continuação de seu pensamento autêntico. Já as neorreichianas
englobam as abordagens corporais que, partindo dos conceitos de Reich, os
ampliam ou modificam trazendo um novo direcionamento aos seus
fundamentos teóricos e práticos. E uma das primeiras abordagens do
movimento neorreichiano foi a Bioenergética. (FONSECA, 2011: 69; apud
SANTOS G; 2018).

Alexander Lowen (1910-2008; apud SANTOS G; 2018) foi um terapeuta


neorreichiano nascido em Nova Iorque, nos Estados Unidos, originário de uma família
judia russa. Doutor em direito, foi também um instrutor de esportes com a formação
focada em calistenia, yoga e ginástica rítmica. Aos poucos, seu interesse na interação
entre ginástica e psique foi sendo desenvolvido e ele encontrou na formação com
Reich iniciada na década de 1940 um ponto de síntese entre os dois âmbitos. Por
exigência de seu orientador, foi à Universidade de Medicina de Genova para obter
uma graduação em Medicina, já no final desta mesma década.
Ao retornar para os estudos com Reich, Lowen permanece por alguns anos,
mas rompe com ele em 1952, com a mudança de Reich para Maine. Ainda em Nova
Iorque, Lowen se associa a John Pierrakos e William B. Walling, também médicos e
reichianos, e juntos tentam elaborar um método que dê conta de associar organismo,

26
energia e psiquê. Então, em 1956 é inaugurado o Instituto de Análise Bioenergética,
conforme, conforme SANTOS G; 2018
À vegetoterapia caracteroanalítica de Reich são incorporados exercícios mais
complexos elaborados pelo instrutor de esportes e há uma nova reaproximação e
revalorização com e da psicanálise, pois para estes três terapeutas a divisão entre a
vegetoterapia e sua vertente de origem seria improdutiva e se fazia necessário
encontrar um ponto de equilíbrio entre os ambas. Por conta deste fator que a terapia
tem o nome constituído a partir destes dois referenciais. (HELLER, 2012 apud
SANTOS G; 2018).
Aos poucos, Lowen foi se distanciando do conceito de orgônio reichiano,
referente à energia vital e conceituando a bioenergia "no meio do caminho entre
orgônio e a energia produzida pela atividade metabólica" (idem, 2012: 556 apud
SANTOS G; 2018). Em notas de campo, anotei a síntese de uma conversa do grupo
da formação em que um dos sujeitos sintetiza a bioenergia como "a identidade
funcional entre mente e corpo".
A partir deste preceito teórico, Lowen escreveu diversas obras narrando sobre
seus casos clínicos e pautando seu conhecimento a partir da sua experiência de
consultório. Em seus livros, ele sistematiza padrões por ele encontrados e divide as
estruturas com descrições complexas de casos clínicos em: esquizoide,
esquizofrênico, oral, masoquista, histérico, fálico-narcisista e passivo-feminino
(LOWEN, 1958 apud SANTOS G; 2018).

Os analistas estão cientes da identidade entre muitos dos procedimentos


somáticos e os fenômenos psíquicos. O campo da medicina psicossomática
está repleto de referências do gênero. O conceito de que o organismo vivo se
expressa mais claramente no movimento do que através das palavras, está
implícito nessa identidade. Mas não só através dos movimentos! Através dos
maneirismos, postura, atitude e cada gesto, o organismo está falando uma
língua que antecede e transcende sua expressão verbal. Além disso, existe
uma boa quantidade de estudos específicos que correlacionam a estrutura
corporal e o físico com atitudes emocionais. Estas podem se tornar objeto de
estudo da técnica analítica tanto quanto os sonhos, "lapsus linguae" e os
resultados da associação livre. (LOWEN, 1958: 15 apud SANTOS G; 2018).

Entretanto, a distinção entre as disciplinas se realiza em teor metodológico ou,


mais precisamente, técnico, sendo o mecanismo de intervenção da Análise
Bioenergética os exercícios corporais, Jane Russo (1993: 104 apud SANTOS G;
2018) situa da seguinte forma: "Se o lacanismo se caracteriza por sua ênfase no texto,
na palavra, os alternativos vão buscar no corpo seu ponto de inflexão". Os alternativos,
27
portanto, encontraram o saber psicanalítico com a difusão da cultura psicanalítica nos
centros urbanos e elaboraram um pilar epistêmico da continuidade entre o que seria
o corpo e o que é tomado como mente.
Na AB, o corpo é o lugar de atuação do terapeuta que, apesar de ouvir a
narrativa verbal do paciente e utilizar conceitos psicanalíticos em seu trabalho, realiza
suas intervenções através da observação, manipulação e proposição de exercícios
corporais. Estes exercícios são a chave para a flexibilização da couraça do paciente,
ou seja, de sua estrutura musculoesquelética e são o que tornam a terapia "mais
eficaz" aos olhos de seus adeptos. O que dá significado à AB é justamente a
centralidade do corpo para a intervenção terapêutica, conforme SANTOS G; 2018
O termo coloquial utilizado para se referir à AB era sempre o de "bioenergética",
e à psicanálise, "análise". Dessa forma, por mais que a psicanálise encontre o corpo
em sua essência e tenha a ideia de um "corpo primeiro" e a teoria da representação
se aproprie dele como linguagem e símbolo, a diferença entre as abordagens está no
lugar e na forma pela qual é dada a intervenção terapêutica e no tipo de sujeito
elaborado por tal prática, conforme SANTOS G; 2018
Heiner Steckel, aluno de Lowen e um dos difusores da AB no Brasil, afirma
que se deve "olhar para o corpo mais do que para a história" do sujeito que se encontra
perante o terapeuta, pois uma vez que se trabalha no corpo, "você pode trabalhar com
trauma sem saber o conteúdo do trauma. Basta olhar para os mecanismos [estrutura]
do paciente", conforme SANTOS G; 2018.

4.1 A análise bioenergética

A análise bioenergética foi criada a partir dos trabalhos de Reich pelo norte-
americano Alexander Lowen e o grego John Pierrakos (que depois direcionou seus
trabalhos para outras abordagens do corpo e do psiquismo). Ela foi amplamente
desenvolvida por Lowen numa extensa produção bibliográfica e na prática clínica que
durou toda a sua vida. Está embasada no estudo e no trabalho psicoterapêutico
corporal das emoções primárias e dos processos energéticos, conforme SILVA P;
(2013).

28
Lowen (1977, 1982, 1985, 1997; apud SILVA P; 2013) propõe um modelo de
saúde centrado no autoconhecimento enquanto uma capacidade de responder
adequadamente a uma situação. O autoconhecimento seria uma espécie de “senso
do self” fundado na autopercepção (qualidade de estar em contato e consciente do
que acontece dentro e fora de si), no autodomínio (consiste no sentido do eu presente
na autonomia e na capacidade de afirmação de si mesmo, muitas vezes por meio de
oposição, ou seja, do saber dizer “não”) e na auto-expressão (manifestação da
existência individual).
A análise bioenergética foca o movimento, a respiração, os bloqueios
musculares e emocionais, o equilíbrio energético do organismo, a capacidade de fazer
contato com os outros e com o mundo externo e a expressão da subjetividade. Entre
os objetivos do trabalho corporal desta abordagem estão: levar o paciente ao contato
com a emoção para além dos mecanismos de defesa do ego, dar vazão à emoção
bloqueada, fortalecimento do ego através da construção da autoestima e da
autoconfiança, conforme SILVA P; (2013).
Seguem abaixo algumas técnicas terapêuticas corporais (exercícios) da análise
bioenergética, que não raramente são acompanhados de vocalizações sonoras ou
verbalizações de frases que expressam conflito ou sofrimento elaborado. Estes
exercícios costumam ativar e irromper emoções, sentimentos e imagens profundas
das experiências de vida dos sujeitos, as quais são literalmente incorporadas,
registradas na memória corporal, conforme SILVA P; (2013).
Grounding:
 É um exercício de enraizamento por meio do contato dos pés com o chão
realizado para estabelecer conexão com a realidade, com o corpo e com
a sexualidade. Visa acessar as realidades básicas da existência através
do corpo, seus movimentos e sensações. Visa acessar as realidades
básicas da existência através do corpo, seus movimentos e sensações.
O grouding consiste em ficar na posição vertical com o quadril encaixado
confortavelmente, a planta dos pés bem apoiada no chão, pés paralelos
com as pontas voltadas ligeiramente para dentro e os joelhos levemente
flexionados. Uma variação deste exercício, chamada grounding
invertido, consiste em inclinar o tronco para frente e tocar o chão com as
pontas dos dedos das duas mãos, sem tensionar a coluna,

29
principalmente a região cervical, deixando cabeça e pescoço
“pendurados, ” conforme SILVA P; (2013).
O objetivo da Análise Bioenergética é reequilibrar o paciente, desbloquear a
circulação, em geral carregada de repressões, de tal forma que ao longo da
terapêutica ocorre auto percepção a pessoa se dá conta de sua história, seus traumas
e dificuldades e, desta forma, retorno da fluidez natural do organismo (MONTEIRO,
2007 apud CÂNDIDO et. al., 2009). Fazem parte da análise Bioenergética três
aspectos fundamentais: história de vida da pessoa, postura corporal e o padrão de
comportamento.
A história de vida diz respeito à forma como a criança estruturou suas defesas,
na sua relação com os pais bem como forma de adaptar-se às condições familiares.
O padrão corporal, somado aos papéis desempenhados, que se repetem ao longo da
vida, são sintetizados pelo comportamento da pessoa no mundo, conforme CÂNDIDO
et. al., (2009)
Sinais presentes, por exemplo: nos olhos, posição da cabeça, ombros, braços,
diafragma, pelve, pernas e pés, além de outros como o nível de energia, volume e
nuances de voz do paciente dão informações fundamentais para que o terapeuta
possa direcionar o tratamento. É fundamental, portanto, para o psicanalista
bioenergético, além do domínio da teoria da personalidade, que o possibilita enfrentar
problemas como a resistência e transferência, uma sensibilidade para o nível corporal
de modo a ler sua linguagem com precisão (MONTEIRO, 2007 apud CÂNDIDO et. al.,
2009).
Cada um dos caracteres (defesas), de acordo com Lowen, fixa-se em algum
dos anéis, de acordo com a fase do desenvolvimento em que o trauma ocorre e da
formação deste (MONTEIRO, 2007 apud CÂNDIDO et. al., 2009), e podem ser
dissolvidas por meio de massagens, exercícios e respiração. Para que a terapia
alcance os resultados esperados, o paciente deve reorganizar os seus pensamentos
a fim de entrar em contato com seus sentimentos e emoções ou queixas relacionadas
à infância, bem como reconhecer e expressar qualquer outro sinal que vier à tona,
para que o movimento se torne mais consciente e espontâneo. (EITLER, 2007 apud
CÂNDIDO et. al., 2009).

30
Quando a energia vital flui livremente, o campo energético do corpo torna-se
bastante forte. Expressões dessa energia fluindo denominam-se emoções e
acontecimentos energéticos no corpo, sentimentos. O campo energético pode
alongar-se ou contrair-se de acordo com estímulos externos. Durante sensações de
prazer e satisfação, este campo e o organismo, de modo geral, alongam-
se/expandem-se, em consequência da atuação do sistema nervoso parassimpático,
ao contrário, em sensações potencialmente lesivas (medo, tensão ou dor) o campo
energético e o organismo contraem-se, devido à atuação do sistema nervoso
simpático. Portanto, é fundamental manter um equilíbrio e flexibilidade na energia vital.
(REICH, 1998; ALMEIDA, 2004 apud CÂNDIDO et. al., 2009).
A liberação da energia reprimida consegue-se a partir de posturas especiais,
exercícios de uma espécie de massagem (toques) em determinadas partes do corpo
(pontos-chave) e da verbalização. Estes pontos são semelhantes a terminais
energéticos, locais onde esta energia reprimida fica “represada”. A dissolução desses
anéis, dessas blindagens pode levar o indivíduo a sentir dores, muitas vezes
insuportáveis. Com o decorrer do processo, as mesmas posturas, exercícios e toques,
ao invés de dor, passam a causar prazer (SANTOS, 2004 apud CÂNDIDO et. al.,
2009).
Segue abaixo as técnicas corporais:
Segue abaixo a demonstração da técnica grouding - vibrando enclinado para frente:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

31
Respiração:
Para a análise bioenergética a base corporal da liberdade está numa
respiração livre e profunda. Os exercícios de respiração têm como objetivo básico
restaurar o padrão de respiração natural, estabelecer o contato com o próprio corpo e
o relaxamento, aliviando tensões, conforme SILVA P; (2013).
Segue abaixo a demonstração da técnica de respiração básica:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Stool (banco):
 Os exercícios no stool propiciam o alongamento e o relaxamento de
determinados conjuntos musculares torácicos.
Segue abaixo a demonstração da técnica do banco bioenergético:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

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Segue abaixo a demonstração da técnica da região lombar das costas no
banco:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Segue abaixo a demonstração da técnica, peito sobre o banco:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Kickins:
 (Bater pernas), acesso de birra, bater com os punhos, torcer a toalha,
bater com a raquete – são exercícios expressivos cuja finalidade é dar

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vazão a sentimentos de medo, raiva, tristeza ou alegria, conforme SILVA
P; (2013).
Segue abaixo a demonstração da técnica, espernear:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Segue abaixo a demonstração da técnica de acesso de birra:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

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Segue abaixo a demonstração da técnica bater com os punhos:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Segue abaixo a demonstração da técnica torcendo a toalha:

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)


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Segue abaixo a demonstração da técnica de bater com a raquete de tênis

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)

Balanço dos quadris: este exercício visa ativar a capacidade para sentir e
expressar a própria sexualidade de maneira plena, e de experienciar o prazer desta
expressão, rompendo bloqueios, controles e repressões sobre o corpo, conforme
SILVA P; (2013).

Fonte: repositorio.unesp.br (LOWEN, 1985, p. 125 apud SILVA P; 2013)


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Vegetoterapia
A couraça não é apenas muscular, pode ser encontrada nos tecidos (tissular),
envolvendo-se na dinâmica intersticial e nas vísceras (visceral) como resultado de
alterações crônicas no sistema nervoso autônomo, causando assim, disfunções nas
secreções e na musculatura lisa dos órgãos (VOLPI e PAULA, 2004 apud CÂNDIDO
et. al., 2009). Portanto, atuar sobre a couraça significa mobilizar todo o sistema
neurogetativo. Daí o nome vegetoterapia caracteroanalítica, que inclui em um trabalho
o aspecto físico e psíquico. Esta técnica foi sistematizada por Frederico Navarro
(VOLPI e PAULA, 2004 apud CÂNDIDO et. al., 2009).
A vegetoterapia, conforme Almeida (2004 apud CÂNDIDO et. al., 2009), tem a
finalidade de reencontrar a capacidade de pulsação do organismo e demonstra-se
uma técnica terapêutica eficiente na flexibilização da couraça, de modo que libera e
devolve ao organismo sua capacidade de autorregularão. É uma técnica de liberação
física e emocional. Seu princípio básico é o "restabelecimento da mobilidade
biopsíquica por meio da anulação da rigidez (encouraçamento) do caráter e da
musculatura".
Por meio das emoções, a vegetoterapia reativa a história do sujeito desde a
vida intra-uterina, já que a estruturação caracterial inicia-se com a vida e a primeira
relação dominante ocorre no útero materno (VOLPI e PAULA, 2004 apud CÂNDIDO
et. al., 2009).
O processo terapêutico busca, inicialmente, uma respiração plena e profunda
de modo que o paciente se entregue totalmente aos movimentos espontâneos e
involuntários do corpo no processo respiratório. Esta respiração produz expressões
emocionais mais evidentes na face ou no comportamento e um movimento de
ondulação no corpo, que é o reflexo do orgasmo, conforme CÂNDIDO et. al., (2009).
Para Reich, a saúde emocional estaria intimamente ligada à potência orgástica,
ou seja, "a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de
energia biológica: a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual
reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo" (EITLER,
20072004 apud CÂNDIDO et. al., 2009).

37
5 CARÁTER E COURAÇA

Fonte: revistafluxo.wordpress.com

A noção de caráter é central na obra de Wilhelm Reich, pois ela está presente
nas três técnicas terapêuticas desenvolvidas por ele: análise do caráter, vegetoterapia
caracteroanalítica e orgonoterapia. Além disso, esse conceito abarca as dimensões
educacional e clínica já que ambas contribuem para a formação e transformação do
caráter. Como o caráter traz em si a marca de sua época, tal conceito articula ainda
as perspectivas psicológicas às sociopolíticas. (SILVA e ALBERTINI, 2005 apud
CASTRO G; 2016).
Em 1922, Reich menciona pela primeira vez o conceito de caráter em sua obra
Dois tipos narcisistas (REICH, 1922/1975 apud SILVA e ALBERTINI, 20052005 apud
CASTRO G; 2016), relacionando-o à neurose de caráter, cujos sintomas são difusos
e misturados ao modo de ser do paciente. É ainda nesse trabalho que Reich cita
também pela primeira vez o termo couraça referindo-se às defesas (couraças)
narcísicas levantadas pelos pacientes contra o processo analítico e o analista. Na
época, Reich pertencia ao movimento psicanalista e sofreu forte influência das ideias
de Sigmund Freud. (SILVA e ALBERTINI, 2005; apud CASTRO G; 2016).

38
Para Freud, o caráter refere-se a um conjunto de traços ou características
psicológicas individuais, considerados a partir de uma perspectiva moral e
convencional. No decorrer do tratamento analítico, Freud deduz que o caráter
é fonte de resistência. (SILVA e ALBERTINI, 2005 apud CASTRO G; 2016).

No livro O Caráter Impulsivo: um Estudo Psicanalítico da Patologia do Ego


(REICH, 1925/1975 apud SILVA e ALBERTINI, 2005; apud CASTRO G; 2016), Reich
sugere que, na análise do caráter, se privilegie a análise das ações e dos
comportamentos ao invés da análise dirigida às lembranças do paciente. Além disso,
propõe uma equivalência entre caráter e a personalidade inteira, devido à dimensão
globalizante do primeiro.
No referido texto, Reich apresenta a noção de caráter como sendo: “[...] a
atitude psíquica particular para com o mundo externo típica de um dado indivíduo”.
(REICH, 2009, p. 11; apud CASTRO G; 2016). Já, no livro A Análise do Caráter,
publicado em 1933, o conceito de caráter passa a ser definido como “[...] o modo de
existir específico de uma pessoa [...]”. (REICH, 1995, p. 56; apud CASTRO G; 2016).
Através da observação de inúmeros casos clínicos, Reich conclui que a
resistência que o paciente possui contra a descoberta do inconsciente manifesta-se
pelo seu modo de falar, andar, gesticular; enfim, sua maneira de agir no mundo, sua
forma de comportar-se, conforme CASTRO G; 2016
E o modo de ação e reação a fatos e pessoas, típicos e automáticos do
indivíduo nada mais é que o seu caráter, que se origina do conflito entre as
pulsões/necessidades internas e as proibições e frustrações impostas pelo mundo
externo. (REICH, 1995; apud CASTRO G; 2016). Assim como o caráter funciona como
resistência no tratamento analítico, na vida cotidiana, ele tem a mesma função: a de
defesa do aparelho psíquico.
O caráter consiste numa mudança crônica do ego que se poderia descrever
como um enrijecimento. Esse enrijecimento é a base real para que o modo de reação
característico se torne crônico; sua finalidade é proteger o ego dos perigos internos e
externos. Como uma formação protetora que se tornou crônica, merece a designação
de “encouraçamento”, pois constitui claramente uma restrição à mobilidade psíquica
da personalidade como um todo. (REICH, 1995, p. 151; apud CASTRO G; 2016).

Portanto, a “[...] couraça de caráter é a expressão concreta da defesa


narcísica cronicamente implantada na estrutura psíquica”. (REICH, 1995, p.
59; apud CASTRO G; 2016).

39
Gradativamente, Reich vai buscando as relações entre caráter e corpo.
Partindo da descrição inicial da couraça como armadura psíquica, em “[...] 1934 e
1935, passa a localizá-la anatomicamente, no caso, na alteração de tônus da
musculatura [...]”. (ALMEIDA, 2012, p. 159; apud CASTRO G; 2016).
Em 1934, Reich apresentou a conferência Contato psíquico e corrente
vegetativa no XIII Congresso Psicanalítico Internacional, na qual “[...] falou pela
primeira vez da couraça muscular que correspondia à blindagem do caráter”.
(BOADELLLA, 1985, p. 113-114; apud CASTRO G; 2016). Nesse trabalho, lança a
ideia da correspondência entre a expressão corporal e a atitude mental do indivíduo.
Aplicando a técnica da análise do caráter, Reich observa que a dissolução da
couraça caracterial é acompanhada de reações no sistema nervoso vegetativo. Deduz
também que a eficácia do tratamento é maior quando a análise das atitudes de caráter
é acompanhada da análise das atitudes musculares correspondentes. (REICH, 1977;
apud CASTRO G; 2016).
Denomina couraça muscular às tensões musculares crônicas advindas de
situações de estresse intenso e prolongado às quais o indivíduo foi submetido ao
longo de seu desenvolvimento psicossexual: “[...] toda rigidez muscular contém a
história e o significado da sua origem”. (REICH, 1977, p. 255 apud CASTRO G; 2016).
Tais ”[...] tensões corporais podem ser vistas como uma série de constrições, cuja
função é limitar o movimento, a respiração e a emoção”. (BOADELLA, 1985, p. 114
apud CASTRO G; 2016).
Segundo Reich (1977 apud CASTRO G; 2016), a couraça muscular é a
contraparte somática do processo de repressão psíquica. Constitui a “[...] expressão
corpórea das emoções e das ideias, bem como a ancoragem somática das neuroses”.
(RAKNES, 1988, p. 21 apud CASTRO G; 2016). A couraça de caráter e a couraça
muscular são funcionalmente idênticas, segundo Reich (1977; 1995 apud CASTRO
G; 2016). Ambas têm a função de evitar o desprazer, “[...] servem como defesas,
protegendo o indivíduo de experiências emocionais ameaçadoras e dolorosas”.
(VOLPI, 2000, p. 44 apud CASTRO G; 2016).
No processo de desfazer a couraça muscular, Reich observa que os bloqueios
musculares são independentes dos processos anatômicos e descobre que “[...] a
couraça muscular está disposta em segmentos”. (REICH, 1995, p. 341 apud CASTRO
G; 2016). Sete são o número de tais anéis ou níveis de couraça no corpo humano:

40
ocular, oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico. Além disso, a soma
das experiências passadas do sujeito que constitui seu caráter acumula-se e deposita-
se em camadas estratificadas da couraça, como as camadas geológicas formando
uma história solidificada. (REICH apud DADOUN, 1991, p. 133 apud CASTRO G;
2016).
Dadoun (1991 apud CASTRO G; 2016) sugere que se mantenha a
ambivalência implícita no conceito de couraça para não se cair no equívoco de formar-
se uma visão unilateral da mesma. Em sua função vital de defesa, a couraça pode
manifestar-se de duas formas: adaptativa, sadia, que se expressa através de relações
positivas e dinâmicas com o meio; ou biopática, caracterizada por relações distorcidas
com o meio e por um encolhimento vital. Complementa declarando que o próprio Reich
tinha a tendência a enfatizar o aspecto defensivo da couraça, que se posiciona contra
o mundo externo e contra os impulsos internos. Mas por encontrar-se contra dois
sistemas antagônicos, a couraça.

[...] não está somente contra, mas também entre, quer dizer que ela chega
necessariamente a assumir uma função de ordenação, de organização e de
controle das relações que ligam os dois sistemas em questão. (DADOUN,
1991, p. 133 apud CASTRO G; 2016).

Dadoun (1991 apud CASTRO G; 2016) sumariza os três principais tipos de


couraça pontuados por Reich: a do caráter genital, do caráter neurótico e do caráter
pestilento. O caráter genital é o protótipo de saúde estabelecido por Reich (1995 apud
CASTRO G; 2016). Caracteriza-se por apresentar um pensamento objetivo e racional.
É feliz sexualmente e sente prazer com a felicidade sexual alheia. Ama seu trabalho
e luta pela melhora da qualidade de vida própria e dos outros. (REICH, 1995 apud
CASTRO G; 2016).
A couraça do caráter genital é superficial, móvel e regulada pelo amor,
servindo somente para evitar o desprazer e a angústia, de uma forma adaptativa bem-
sucedida. (DADOUN, 1991 apud CASTRO G; 2016).
Já no caráter neurótico, o que sobressai é o imobilismo assim como a
resignação, a impotência orgástica e o medo à vida. No trabalho, a sensação é de
insatisfação e a produção é baixa. Exemplos de caráter neurótico descritos por Reich
(1995 apud CASTRO G; 2016) são: compulsivo, masoquista e fálico-narcisista. A
couraça do caráter neurótico é rígida, mecânica e regulada pela angústia. (DADOUN,
1991 apud CASTRO G; 2016).
41
Algumas características do caráter pestilento são: misticismo destrutivo,
explosões violentas de sadismo, irracionalismo, sexualidade pornográfica, moralismo
sádico, autoritarismo, ódio ao trabalho, dissimulação, intolerância e preconceito. A
peste emocional foi designada por Reich (1995 apud CASTRO G; 2016) como uma
biopatia crônica do organismo e manifesta-se principalmente na vida social, tendo um
efeito destrutivo.
A couraça do caráter pestilento é biopática, regula-se pelo ódio e caracteriza-
se por transformar a libido sexual e a angústia em raiva destruidora. (DADOUN, 1991
apud CASTRO G; 2016).
Passados mais de 80 anos das formulações reichianas sobre a peste
emocional, Ferri e Cimini (2011 apud CASTRO G; 2016) propõem uma releitura e
atualização do conceito através do que eles chamam de “mutação adaptativa da
síndrome”.
Na época de Reich, a estrutura de caráter média era neurótica. Contudo, hoje
em dia “[...] o distúrbio borderline é o verdadeiro emblema da nossa época, é o
resultado mais sintomático da peste [...]”. (FERRI e CIMINI, 2011, p. 217-218 apud
CASTRO G; 2016).
No decurso desses anos, houve uma liquefação da couraça até mesmo como
tônus certo, a “[...] queda da estrutura principalmente nos seus quarto (tórax) e terceiro
(pescoço) níveis, (a) dissolução da paternidade com o colapso do casal de genitores
[...]”. (FERRI e CIMINI, 2011, p. 220 apud CASTRO G; 2016).

5.1 Análise do caráter

De acordo com Volpi e Volpi (2003 apud FREITAS L; 2011), enquanto


pertencente à classe psicanalista, Reich encontrou algumas falhas terapêuticas, e
com isso buscou um melhor esclarecimento através de outras técnicas que não as
que vinham utilizando, e que lhe despertava indagações.
Segundo Reich (1989 apud FREITAS L; 2011), se todos os pacientes
aderissem às regras essenciais, não haveria razão para se escrever um livro sobre
análise do caráter. Mas, apenas alguns pacientes são capazes de análise desde o
princípio; a maioria deles adere às regras básicas, só depois de as resistências terem
sido dissolvidas com êxito.

42
O caráter, como estrutura defensiva e articulada do ego, assume papel
destacado na concepção reichiana. Contudo, o estudo das resistências
caracterológicas, a ser abordado clinicamente a partir de uma técnica específica, é
chamado análise do caráter. Propõe-se uma intervenção direta sobre o corpo a partir
da concepção de que o conflito entre pulsão e defesa é algo que ocorre não apenas
no âmbito psíquico, havendo um componente somático a ser considerado (REGO,
2003 apud FREITAS L; 2011).

5.2 Técnica de análise de caráter

Na técnica de análise de caráter, referenciando Reich (1989, p. 17 apud


FREITAS L; 2011), o analista depara diariamente com problemas para cuja solução,
nem o conhecimento teórico ou a experiência prática isolada são adequados. Pode-
se dizer que todas as questões de técnica se encaixam em torno de uma essencial:
se é como uma técnica claramente definida de tratamento analítico pode ser deduzida
da teoria psicanalítica de doenças psíquicas. É a questão das possibilidades e dos
limites da aplicação da teoria à prática, conforme SILVA P; (2013).
Entretanto, pelo fato de o exercício analítico não prover a teoria de processos
psíquicos até que tarefas práticas tenham sido estabelecidas, temos, para proceder
corretamente, de procurar os caminhos que, partindo da prática puramente empírica,
passam pela teoria e terminam numa prática teoricamente fundamentada (REICH,
1989 apud FREITAS L; 2011).
Deste modo, “no tratamento analítico, é preciso renunciar ao ordenamento
habitual de pensamentos do indivíduo cotidianamente requerido e permitir que o fluxo
de ideias se manifeste livremente, sem seleção crítica”. Assim, a chamada “regra
básica da psicanálise, que requer a eliminação do censor e a entrada em cena da livre
associação, é o processo mais rigoroso e indispensável da técnica analítica” (REICH,
1989, p. 18 apud FREITAS L; 2011).
Portanto, sabe-se que o analista tem que quebrar as resistências e administrar
as transferências, mas a maneira e a ocasião em que isto deve ocorrer, o
discernimento que sua abordagem deve ter na execução dessa tarefa em vários casos
e situações sofrem variações dependendo da técnica utilizada (REICH, 1989 apud
FREITAS L; 2011).

43
A forma que esta tarefa é executada constitui peças fundamentais para o
desenvolvimento do processo terapêutico, o que Reich chamou de técnica da análise
do caráter. São pontos norteadores que auxiliam o terapeuta nesta tarefa. Ainda sobre
a técnica de análise de caráter, embora Reich (1989, p. 51 apud FREITAS L; 2011)
trabalhasse com o ponto de vista econômico, justifica que o método terapêutico tem
estreita dependência dos seguintes conceitos básicos:
O ponto de vista topográfico determina o princípio de técnica no sentido de que
o inconsciente tem de ser tornado consciente; o ponto de vista dinâmico estabelece
que esse tornar consciente o inconsciente não deve ser realizado diretamente, mas
mediante a análise de resistência; o ponto de vista econômico e o conhecimento da
estrutura impõem que, na análise de resistência, cada caso individual acarreta um
plano definido que deve ser deduzido do caso em si, conforme SILVA P; (2013).
Reich não acreditava na transferência positiva que se apresentava no início do
tratamento. Queria saber por que o paciente resistia, contra o quê, e de que forma
resistia. Para responder a esta pergunta, buscou trabalhar sobre uma transferência
positiva mais sólida. Desta forma saiu de trás do divã para se sentar de frente com o
paciente, para poder olhá-lo e ser olhado (VOLPI, 2003; apud FREITAS L; 2011).
Com isso, Reich encontrou, além das resistências já conhecidas pela
Psicanálise, as resistências latentes, que se mostravam por meio de gestos, posturas,
tom de voz, etc., e passou a atacá-las diretamente, indicando ao paciente contra o
que ele estava resistindo e de que forma resistia. Dissolvidas as resistências, o
material doloroso tornava-se claro, relacionado a conflitos essenciais da pessoa, que
por sua vez, eram à base de toda a neurose, conforme SILVA P; (2013).
Seguindo desta forma, Reich (1982 apud FREITAS L; 2011), alcançava uma
real transformação nas atitudes, no funcionamento do indivíduo. Em outras palavras,
chegava a uma modificação na estrutura de caráter.
Só a partir desse trabalho, como citava Reich, era possível chegar a uma
genuína transferência positiva. Acreditava-o que a transferência positiva não
acontecia verdadeiramente no início da terapia, mas o que surgia a princípio era uma
“pseudo- transferência positiva”, tratando-se, na realidade, uma resistência encoberta,
que evitava a emergência de material doloroso, conforme SILVA P; (2013).

44
Com as modificações na estrutura de caráter e com a verdadeira transferência
positiva, percebeu que não só os sintomas eram neuróticos, mas que o caráter em si
era neurótico e que para a solução da neurose de caráter, era necessário que se
regulasse a energia orgânica. Para se regular esta energia era necessário o
rompimento da estase libidinal, conforme SILVA P; (2013).
Estase, um dos muitos termos da linguagem reichiana, significa a ancoragem
somática da neurose. Assim, a neurose estática é a perturbação física provocada pela
libido insatisfeita, em função de uma inibição psíquica. A estase intensifica a inibição
e reativa ideias infantis (desejos incestuosos e angústias sexuais). Realmente, Reich
acreditava na afirmação de Freud de que a sexualidade era o ponto central das
neuroses, tanto que afirmava que o cerne somático da neurose era a energia sexual
reprimida, conforme SILVA P; (2013).
Postulou que adequando a energia orgânica, a partir do rompimento da estase
libidinal, alcançava-se a potência orgástica, sinônimo de capacidade de gratificação,
através de descarga do excesso de energia no corpo, diferente de potência eretiva no
homem ou de uma mínima resposta de prazer na mulher, conforme SILVA P; (2013).

A potência orgástica, no senso comum era, para o homem, a capacidade de


realizar o ato sexual, com ênfase à quantidade; para a mulher, a capacidade
de alcançar o orgasmo clitoriano. Em termos reichianos, a potência orgástica
é a capacidade de se abandonar, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de
energia biológica. É a capacidade de descarregar completamente a excitação
sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo
(VOLPI, 2003, p. 56 apud FREITAS L; 2011).

Com relação a Volpi (2003 apud FREITAS L; 2011), quando alcançada à


verdadeira potência orgástica, é presumível manter um nível energético saudável.
Quando há canal de saída para a tensão sexual, a neurose, percebida como excesso
reprimido de energia, não se sustenta. Inversamente, a impotência orgástica é o
bloqueio da energia biológica, que provoca ações irracionais e neurose. A fonte de
energia da neurose é precisamente a diferença entre o acúmulo e a descarga de
energia sexual.
De tal modo, tornou-se indispensável distinguir vida sexual satisfatória de vida
sexual insatisfatória. Esta foi uma expedição solitária de Reich (1982 apud FREITAS
L; 2011), dado que para a Psicanálise, e mais ainda, para os psicanalistas, a análise
do comportamento sexual dos pacientes era absolutamente tolhida.

45
A abrangência da potência orgástica, observado por Reich em seus pacientes,
levava a mudanças definitivas na pessoa, tal como suas atitudes em relação à
sociedade e a si mesmas: alguns costumes sociais tornavam-se incompreensíveis,
face à possibilidade de autorregulação, seu corpo tornava-se relaxado e expressivo,
mais vivo e menos rígido; a pessoa tornava-se capaz de se dar livremente e de reagir
espontaneamente, conforme SILVA P; (2013).
Com isso, foi constatado que a libido era mais do que um conceito psíquico,
era uma energia, presente no corpo. Fazendo uso de um aparelho chamado
galvanômetro, Reich realizou pesquisas estudando e medindo as reações
epidérmicas durante o ato sexual. Com isso concluiu que o prazer se associava a uma
corrente elétrica na superfície da pele (VOLPI, 2003 apud FREITAS L; 2011).
Era a evidência concreta de uma energia concreta: a libido. Desvendou que a
vivência do prazer durante o ato sexual esvaziava o conteúdo neurótico. A pessoa
livrava- se de ideias perturbadoras e complexos. Considerando o conceito de potência
orgástica, na prática confirmou o conceito de couraça, como produtora e mantenedora
da neurose (caráter, em termos reichianos). Reich conceitua a couraça como a
confrontação da atitude social negativa diante da vida e do sexo e a ânsia individual
por prazer, e que esta deriva da sociedade patriarcal, e contraria a natureza interior
(VOLPI, 2003 apud FREITAS L; 2011).
Reich recorreu ao corpo para encontrar resposta de o que de fato determinava
e sustentava uma couraça. Esse questionamento, particularmente ao Sistema
Nervoso Autônomo (SNA), à antítese simpático-parassimpático. Aproximadamente
tudo o que diz respeito ao simpático é sinônimo de contração, de ansiedade. Da
mesma forma, ao que diz respeito ao parassimpático como sinônimo de expansão, de
prazer. Nesse ponto, Reich deteve-se em duas das funções básicas do organismo: a
sexualidade e a angústia, conforme SILVA P; (2013).
Seguindo seu estudo, Reich descobriu que a couraça do caráter possuía um
equivalente somático, o qual denominou de couraça muscular. Assim, tinha a
possibilidade de mudar o caráter do indivíduo, mediante a flexibilização de sua
couraça muscular, foi neste ponto que concentrou suas pesquisas no corpo, na
energia sexual, no orgasmo, conforme SILVA P; (2013).

Descobriu os bíons, vesículas energéticas formadas pela decomposição


da matéria e à sua frente descortinou-se uma série de novidades que o
levaram à ampliação de sua técnica da Vegetoterapia para a chamada
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Orgonoterapia, consolidando, assim uma nova ciência, a Orgonomia
(VOLPI, 2003, p. 58 apud FREITAS L; 2011).

Neste sentido, a análise do caráter seria uma técnica em busca de um ideal de


correção terapêutica, no entanto é necessário lembrar que nada que se cronifique
numa forma única pode suportar o movimento da vida, nem mesmo uma técnica
perfeita, conforme SILVA P; (2013).

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6 BIBLIOGRAFIA

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Reichiana para indivíduos em processo de envelhecimento. Psicomotricialves, [S.
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