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JOSÉ LUÍS FIORI — Por enquanto, a crise que estamos vivendo tem duas
grandes causas ou dimensões fundamentais. Uma é biológica ou
epidemiológica, que é a pandemia do novo coranavírus, que já atingiu mais
de 190 países e mais um milhão de pessoas ao redor do mundo. A outra é
econômica ou energética, associada à guerra de preços e à queda do preço
do barril petróleo, que caiu de US$ 70 para US$ 23 o barril em apenas uma
semana, provocando um terremoto financeiro em todo mundo. É a maior
crise da indústria do petróleo dos últimos cem anos, mas ela acabou se
confundindo com a pandemia, que se transformou no fator determinante da
queda da produção e da demanda do óleo em todo o mundo, mas
particularmente na China, nos EUA e na Europa. Por isso, pode-se dizer que
a dimensão determinante da crise mundial, neste momento, é a sua
dimensão epidemiológica.
Acho que essa tese, aliás, faz todo sentido e ajuda a entender reação
“egoísta” dos Estados nacionais, através dos tempos, toda vez que tiveram
que enfrentar epidemias contagiosas, que se expandem por cima de suas
fronteiras territoriais. Mesmo assim, todas as demais epidemias ou pestes
que mencionamos podem ter provocado grandes avanços médicos ou
sanitários, mas não produziram nenhuma grande ruptura histórica nem
alteraram a rota expansiva do sistema mundial. Ou seja, a crise atual não é
da mesma natureza que as crise de 1929 e de 2008, e não envolverá
necessariamente nenhuma grande ruptura histórica.
Ou seja, as guerras são muito mais destrutivas, mas as saídas das pandemias
são muito menos solidárias.
Hoje, muitos falam de um mundo novo, que poderia nascer desta
experiência traumática, e até apostam em mudanças humanitárias do
capitalismo. Mas não vejo a menor possibilidade de que isso aconteça. O
próprio avanço da epidemia já está provocando uma guerra sem quartel
entre as nações pelos equipamentos médicos. Essa guerra dever seguir e
até aumentar depois da epidemia, junto com os ressentimentos que ficarão
desta megaexperiência de egoísmo coletivo explicito.
JOSÉ LUÍS FIORI — Essa pandemia não produzirá nenhuma grande inflexão
geopolítica dentro do sistema mundial. O que ela fará é acelerar a
velocidade das transformações que já estavam em curso e que seguirão se
aprofundando. Alguém já disse que é na hora das grandes pestes que a
gente conhece a verdadeira natureza de uma sociedade. Pois também acho
que essa nova peste está apenas desvelando o que já existia, mas que ainda
estava encoberto pelo que talvez se pudesse chamar de último véu de
hipocrisia do que muitos analistas chamam de “ordem liberal”, ou de
“hegemonia americana” do século 20.
Na União Europeia, por sua vez, a pandemia deve apenas acelerar e, quem
sabe, concluir o processo de implosão ou desintegração do seu projeto
unitário, que já vinha se decompondo desde a crise de 2008 e que entrou
alta rotação depois do Brexit.
Por isso, é muito provável que se siga uma nova crise da dívida soberana
dos países dependentes da exportação do petróleo, como no caso quase
imediato do Equador e do México, mas também do Iraque e da Nigéria,
entre outros. Nesse momento, tudo leva a crer que as negociações, que
foram retomadas, acabem levando a um acordo. Mas não é provável que os
novos preços sejam superiores aos US$ 35 o barril. Mesmo esse preço seria
insuficiente para alterar a situação do petróleo americano e, muito mais,
dos países que dependem inteiramente da sua exportação de óleo.
Seja como for, as perspectivas pela frente são muito ruins para a indústria
do petróleo como um todo e, como efeito derivado, para todo o mercado
financeiro mundial e norte-americano em particular, envolvido até o
pescoço com as cadeias de investimento e pagamento da indústria do óleo e
com a própria valorização do petróleo como ativo financeiro.
Creio que a invasão militar direta ainda é improvável –e, se ocorrer, será
através de bombardeios navais. Antes disto, entretanto, os EUA apertarão o
cerco cada vez mais para provocar pânico e aumentar o estresse psicológico
do governo e da população venezuelana, inclusive com o boicote à
capacidade médica venezuelana de combate na epidemia do coronavírus.
Nesse momento, o Brasil não tem capacidade militar nem financeira para
enfrentar a Venezuela. Mas com certeza lhe será destinado um papel que o
comprometa nessa ação, como fechar a fronteira sul da Venezuela, ou
controlar e intervir na Bolívia e no Equador, que completam o quadro
geopolítico junto com o Peru, da Amazônia Sul-Americana _e onde é muito
provável que ocorram novas revoltas populares, na sequência da epidemia.
A disputa dos EUA com a China e a Rússia já colocou a luta pelo controle da
Amazônia Sul-Americana dentro do mapa geopolítico e econômico da
competição entre as grandes potências econômicas e militares do sistema
mundial. Esse parece ser um processo irreversível.
Mas, nesse caso, não fica claro para que serviriam essas armas. Seria
ridículo imaginar que elas fossem suficientes para defender o país do
ataque das grandes potências militares do sistema mundial. E, nesse caso,
elas só seriam “úteis” contra os vizinhos mais fracos da América Latina, o
que seria uma tragédia para as futuras gerações brasileiras. Além disso,
seria importante que esses militares que não têm a representação da
sociedade brasileira para tomar uma decisão dessa gravidade lembrassem,
por um minuto que fosse, que o Iraque também foi armado pelos EUA para
lutar contra o Irã, e depois foi inteiramente destroçado pelos próprios EUA.
Alguns especialistas falam em seis a sete meses, outros em dois a três anos,
mas seu impacto econômico foi quase instantâneo, atingindo a oferta e a
demanda, com uma queda da produção e aumento vertiginoso do
desemprego em quase todos os países do mundo, seguindo-se da quebra
das grandes cadeias globais de produção e de pagamento ao redor do
mundo, com efeito imediato sobre os circuitos financeiros de todo o
mundo. Hoje, as perspectivas futuras já são muito ruins, mas elas podem
piorar ainda mais, dependendo da duração da epidemia e da paralisia
econômica dos EUA. E dependendo da profundidade de seu impacto sobre a
economia europeia. E, sobretudo, sobre o sistema monetário europeu, que
está ameaçado de naufragar junto com a própria União Europeia.
Para os EUA em particular, estão prevendo uma queda do PIB neste ano que
deverá ser o dobro da que ocorreu naquela grande crise. E a própria China
está revendo para baixo suas previsões iniciais para sua economia, que já
eram muito ruins para eles e para todo mundo.
Ele é uma espécie de boneco mecânico que foi programado para fazer
sempre a mesma coisa, como se fosse um boneco que só sabe cuspir e que
reage frente a tudo sempre da mesma maneira, cuspindo em qualquer
circunstância. Isso já estava claro desde o início, mas ficou muito mais
visível no momento em que em que ele foi obrigado a enfrentar uma
situação que não estava prevista no seu programa e começou então a dizer
bobagens e fazer agressões a esmo. Só que, nesse caso, ameaçando a vida
dos próprios brasileiros.
Frente a uma pandemia mundial, ele já não tem como jogar bananas, dizer
palavrões, agredir quem quer que seja. Sua única habilidade de paranoico
agressivo ficou inteiramente fora de foco. Assim mesmo, o mais provável é
que esse senhor siga sentado na cadeira presidencial por inteira falta de
alternativa de seus principais sustentadores: os financistas de plantão e os
generais aposentados que o cercam.
Por isso, esse senhor deverá seguir onde está e fazendo as suas asnices
diárias que nos envergonham como brasileiros. E o país deverá seguir
desgovernado a despeito da junta militar que cuida do capitão, mas não tem
comando direto sobre a hierarquia das Forças Armadas. Hoje existem
poucos economistas que queiram substituir o pequeno ministro de uma
ideia só, porque o desastre econômico já vai muito avançado para que
alguém queira pagar a conta e ficar com o abacaxi na mão. E, portanto, o
nosso prognóstico político e econômico para o Brasil é muito ruim, e a
situação deverá ficar ainda pior quando começarem a surgir os primeiros
focos de rebeldia social inorgânica, movidos pela fome e pela miséria, que
crescerão de forma geométrica no ano de 2020.
JOSÉ LUÍS FIORI — Força política é uma coisa que se conquista no dia a dia,
com a capacidade de saber o que dizer e saber o que fazer frente aos
grandes desafios e oportunidades que se abrem na hora das grandes crises.
Ninguém é forte de antemão. Na hora das grandes catástrofes muitas
fronteiras se desfazem. Como dizia o poeta Antônio Machado, em plena
Guerra Civil Espanhola: nessas horas, “o caminho se faz ao caminhar”.
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