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2º Encontro Nacional

da Sociedade Portuguesa de Metrologia


Lisboa, 17 de Novembro de 2006

VANTAGENS DA UTILIZAÇÃO DO MÉTODO DE MONTE CARLO


NA AVALIAÇÃO DAS INCERTEZAS DE MEDIÇÃO
João Alves e Sousa1 e Álvaro Silva Ribeiro2
1
Laboratório Regional de Engenharia Civil da Madeira, Funchal, Portugal
2
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa, Portugal

1. INTRODUÇÃO carácter numérico que esta técnica impõe,


particularmente a sua natureza computacional
A validação de implementações do GUM intensiva. É também necessária uma avaliação
constitui uma matéria que, na actualidade, é cuidadosa da qualidade dos geradores de
uma preocupação dos laboratórios de calibração números pseudo-aleatórios utilizados e das suas
e ensaio, visto a sua actividade requerer a qualidades de repetibilidade, reprodutibilidade e
utilização de modelos matemáticos cuja portabilidade, entre outras.
natureza os classifica no conjunto de problemas
Neste estudo vamos evidenciar a utilidade
onde a aplicação do GUM traduz uma
do MCM em aplicações relativamente simples,
aproximação.
mas suficientemente ilustrativas das
Das técnicas que se admite possuírem esta potencialidades do método como ferramenta de
capacidade, o método de Monte Carlo (MCM), validação do GUM. Estes exemplos servirão
em particular, tem sido usado com essa igualmente para ilustrar alguns dos problemas
finalidade em alguns Institutos Nacionais de que a utilização mecanística do GUM pode
Medição [2] e para o tipo de problemas que em acarretar. É de realçar, no entanto, a
que essas organizações estão envolvidas, importância passada e actual do GUM como um
notando-se que a sua aplicação noutros documento fundamental nesta área, que fornece
laboratórios tem sido limitada. Em particular, as uma análise detalhada da teoria subjacente ao
incertezas associadas com as medições nestes cálculo das incertezas de medição e que
laboratórios é de uma ordem de grandeza promove e possibilita, em muitos casos, uma
superior à dos Institutos Nacionais, um facto avaliação consistente e transferível das
que pode trazer problemas diferentes em termos incertezas de medição, o que é fundamental
de aplicação das ferramentas, especialmente para a rastreabilidade das medições. O
quando aplicadas a modelos não-lineares. problema, como se disse, reside na utilização
que é dada a este documento.
Uma vantagem importante do MCM é que
produz uma aproximação da função de
distribuição para a variável de saída 2. COMBINAÇÃO DE DISTRIBUIÇÕES
(mensuranda). Desta distribuição quaisquer RECTANGULARES
parâmetros estatísticos, incluindo o resultado da
medição, a incerteza de medição padrão O primeiro conjunto de exemplos, consiste
associada e o respectivo intervalo de confiança, na aplicação de um modelo aditivo contendo
podem ser obtidos. Outra vantagem a realçar duas (do tipo Y=X1+X2) ou três (do tipo
reside na sua aplicabilidade não depender da Y=X1+X2+X3) variáveis com amplitudes
natureza do modelo (e.g., pode ser fortemente diversas, possuindo cada uma delas uma
não-linear ou ter um número arbitrário de distribuição de probabilidade rectangular,
variáveis ou ambas), e na sua capacidade de efectuando-se uma comparação dos resultados
trabalhar com modelos de multi-estágio (e.g., obtidos utilizando o GUM e o MCM. Em todas
em calibração, quando envolve o uso de curvas as simulações MCM foram realizadas 500 000
de calibração determinadas em estágios simulações.
anteriores). As desvantagens residem no
1.1 Duas distribuições rectangulares iguais amplitudes distintas (X1 com um intervalo [0, 1]
No primeiro caso, considera-se que as duas e X2 com um intervalo [0; 2,5]). A convolução
distribuições rectangulares do modelo das duas distribuições recorrendo ao MCM
matemático relativas às variáveis X1 e X2 têm origina uma distribuição de probabilidade de
igual amplitude – intervalo [0; 1]. A saída trapezoidal com a configuração exposta
convolução das duas distribuições recorrendo na Figura seguinte.
ao MCM origina uma distribuição de 0.45
probabilidade de saída triangular com a 0 .4
configuração exposta na Figura 1.
0.35

1.4 0 .3

0.25
1.2

0 .2
1
0.15

0.8
0 .1

0.6 0.05

0
0.4 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3 .5

0.2 Figura 2: Soma de 2 distribuições rectangulares


com diferentes semi-amplitudes.
0
0 0.2 0 .4 0.6 0 .8 1 1.2 1 .4 1.6 1 .8 2

Figura 1: Soma de 2 distribuições rectangulares A aplicação da LPI a este modelo permite,


iguais de intervalo [0,1]. novamente, a comparação dos resultados
Este tipo de modelo admite, igualmente, a obtidos com aqueles que resultam da aplicação
aplicação da Lei de Propagação de Incertezas do MCM.
do GUM, permitindo a comparação dos
Tabela 2: Valores comparativos entre o GUM e o
resultados obtidos com aqueles que resultam da
MCM para a soma de 2 distribuições rectangulares
aplicação do MCM, tal como se ilustra na distintas
Tabela 1.
Método Média U95% U99%
Tabela 1: Valores comparativos entre o GUM e o GUM 1.7500 3.0470 4.0108
MCM para a soma de 2 distribuições rectangulares
de igual amplitude MCM 1.7507 2.7941 3.1858

Método Média U95% U99%


GUM 1.0000 1.6004 2.1066 Neste segundo caso, o padrão detectado
MCM 0.9994 1.5543 1.8002 antes mantém-se mas as diferenças são mais
acentuadas, agora com diferenças de 8 % e de
É visível que o GUM sobrestima o 21 % entre o GUM e o MCM para níveis de
intervalo de confiança a ambos os níveis de confiança de 95 % e 99 %, respectivamente.
confiança mas particularmente nos 99 % de
confiança. Mais grave é o facto de este último 1.3 Três distribuições rectangulares com
intervalo conter valores negativos, o que é amplitudes diferentes
difícil de interpretar em termos físicos. As
diferenças percentuais entre os dois métodos No terceiro caso, consideram-se três
são de 3 % e de 15 % respectivamente. distribuições rectangulares relativas às variáveis
X1, X2 e X3 do modelo matemático, todas com
amplitudes distintas (X1 com um intervalo [0; 1],
1.2 Duas distribuições rectangulares com X2 com um intervalo [0: 2,5] e X3 com um
amplitudes diferentes intervalo [0; 1]). A convolução destas
No segundo caso, considera-se que as duas distribuições recorrendo ao MCM origina uma
distribuições rectangulares do modelo distribuição de probabilidade de saída que se
matemático relativas às variáveis X1 e X2 têm
aproxima da distribuição normal, com a MMD; e δ Vs à correcção da voltagem do
configuração exposta na Figura abaixo. calibrador.
0.45 Aplicando o método de Monte Carlo com
0 .4 500 000 simulações, o erro de indicação do
0.35
MMD resultou no valor de 0,100 V, com um
intervalo de confiança de 95% de [0,050;0,151].
0 .3
A forma da distribuição é essencialmente
0.25
trapezoidal, sendo a distribuição rectangular
0 .2
uma aproximação possível (tal como indicado
0.15 no guia EA 4/02), mas seria uma aproximação
0 .1 grosseira assumir uma distribuição gaussiana
0.05
(normal) para este tipo de problema.
0
0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 40

35
Figura 3: Soma de 3 distribuições rectangulares
com diferentes semi-amplitudes. 30

25

Nesta situação, em que já é visível uma


20
aproximação à forma gaussiana as diferenças
esbatem-se e o GUM deixa de calcular valores 15

negativos para o intervalo de confiança de 99 % 10

(factor k=2,58), o que indica que, em particular 5


para o caso de 95 %, a partir da soma de quatro
ou cinco distribuições rectangulares o método 0
0.09 5 0 .1 0.10 5 0 .1 1 0 .1 1 5 0.12 0.12 5 0 .13 0 .13 5 0 .1 4 0.1 45

convencional já poderá ser considerado, sendo


que a sua aplicação e o respectivo erro de Figura 4: Distribuição da variável de saída no caso
aproximação deverão ser validados com uma da calibração de um multímetro digital.
ferramenta como o GUM.
4. CONCLUSÕES
Tabela 3: Valores comparativos entre o GUM e o
MCM para a soma de 3 distribuições rectangulares A utilização do GUM requer uma análise
distintas das condições de cada problema e não deve ser
encarada como uma receita válida para todas as
Método Média U95% U99% situações. Haverá até, porventura, situações em
GUM 2.2500 3.2502 4.2784 que o GUM dará uma resposta adequada
mesmo não estando garantidas todas as
MCM 2.2496 3.0582 3.6551
condições para a sua aplicabilidade, porém só
com uma ferramenta de validação apropriada se
3. CALIBRAÇÃO DE UM pode concluir dessa adequabilidade.
MULTÍMETRO DIGITAL O método de Monte Carlo é uma das
ferramentas que pode ser utilizada com
O caso de estudo envolvendo a calibração vantagem nessas situações.
de um multímetro digital num patamar de
calibração de 100 V DC, tem como modelo
matemático [2]:
E X = ViX − Vs + δ ViX − δ Vs EX=Vi−S+δX

onde E X representa o erro de indicação e os


termos no segundo membro se referem: ViX , à
voltagem indicada pelo multímetro digital
(MMD); Vs , à voltagem gerada pelo calibrador;
δ ViX , à correcção da voltagem indicada pelo
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] BIPM, IEC, IFCC, ISO, IUPAC, IUPAP,
and OIML, Guide to the Expression of
Uncertainty in Measurement, 1995. ISBN
92-67-10188-9, Corrected and reprinted.
[2] Cox, M. G. and Harris, P. M. – SSfM Best
Practice Guide No. 6, Uncertainty
evaluation. Tech. Rep., National Physical
Laboratory, Teddington, UK, 2004.
[3] BIPM, IEC, IFCC, ILAC, ISO, IUPAC,
IUPAP, and OIML, Guide to the
Expression of Uncertainty in
Measurement, Supplement 1, Propagation
of distributions using a Monte Carlo
method, Final Draft, 2006.

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