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ENQUALAB-2007 – Congresso da Qualidade em Metrologia

Rede Metrológica do Estado de São Paulo - REMESP


11 a 14 de junho de 2007, São Paulo, Brasil

CÁLCULO DE INCERTEZA DA MEDIÇÃO: ESTUDO COMPARATIVO


ENTRE OS MÉTODOS DO GUM, DE MONTE CARLO E DE INTEGRAÇÃO
NUMÉRICA

Daniel Homrich da Jornada 1, Felipe Homrich da Jornada 2


1
Certificar e PPGEP/UFRGS, Porto Alegre, Brasil, daniel@portalcertificar.com.br, (51) 3379-0480
2
IF/UFRGS, Porto Alegre, Brasil, fjornada@gmail.com, (51) 3308-6497

Resumo: a crescente exigência quanto a resultados em 2001 no Brasil, o tema começou a ser discutido com
confiáveis e a importância da incerteza na análise crítica e maior intensidade na área de ensaios.
interpretação de tais resultados tem feito com que métodos
Diversos fatores justificam a importância do cálculo da
alternativos ao GUM venham sendo discutidos para o
incerteza. Por exemplo, quando são realizados ensaios para
cálculo da incerteza de medição. É importante que este
estabelecer a conformidade de um produto frente a uma
cálculo de incerteza deva ser realizado de uma maneira
especificação ou legislação, é importante para as partes
matematicamente válida e de forma prática. Neste sentido, o
interessadas (comprador, fornecedor, organismo
presente artigo tem como objetivo apresentar um estudo
regulamentador, etc.) que a incerteza seja tomada em
comparativo entre métodos de cálculo da incerteza de
consideração. Fundamentalmente, a incerteza nesse caso
medição, suas diferenças, vantagens e desvantagens. O
pode auxiliar os clientes dos laboratórios em duas questões:
trabalho começa analisando criticamente o método GUM,
1) fornecer uma indicação quantitativa da confiabilidade do
suas suposições e restrições. Na seqüência, o artigo
resultado do ensaio declarado; 2) quantificar um intervalo
apresenta uma breve revisão sobre um método alternativo,
considerando uma probabilidade de abrangência para as
através de simulação de Monte Carlo. Logo após, um
declarações de conformidade do produto em questão sendo
método de cálculo da incerteza através da integração
avaliado frente a especificações [2].
numérica baseado em Transformadas de Fourier e Mellin é
apresentado e comparado com os anteriores. O estudo Na avaliação da conformidade, a incerteza já vem sendo
apresenta as vantagens e desvantagens de cada método utilizada para definição de regras de decisão para aceitação e
estudo, enfocando o caso deste último método. Através rejeição. Referências podem ser consultadas em [3].
deste trabalho, pôde-se constatar que a aplicação de métodos
Adicionalmente ao exposto, a incerteza em laboratórios de
de integração numérica via Transformadas de Fourier e
ensaios pode ser utilizada como uma ferramenta para
Mellin é uma forma possível e válida de cálculo da
auxiliar na identificação de potenciais fontes de redução de
incerteza. Trata-se de um método exato de cálculo da
incerteza e mostrou-se eficaz inclusive quando o GUM não custos com calibrações de instrumentos. Caso seja
atinge resultados satisfatórios. evidenciado que esses instrumentos pouco contribuem para
a incerteza total do ensaio, a calibração dos mesmos pode
Palavras chave: incerteza de medição, métodos de cálculo ser executada em intervalos maiores ou mesmo não ser mais
de incerteza, GUM, Monte Carlo, Integração Numérica. executada, dependendo do seu impacto [2].
Vale lembrar que a incerteza é composta de diversos
1. INTRODUÇÃO componentes, conforme sugere o GUM [1]. Por isso,
realizar uma avaliação completa e cautelosa é necessária.
A incerteza de medição consiste em um parâmetro,
associado ao resultado de uma medição, seja ela uma O Guia para Expressão da Incerteza de Medição da ISO,
calibração ou um ensaio, que caracteriza a dispersão dos conhecido como GUM, é um método oficial publicado pela
valores que podem ser atribuídos ao mensurando [1]. A ISO, em conjunto com o BIPM e outras entidades
incerteza pode ser entendida como um grau de dúvida internacionais da área científica, que estabelece uma forma
inerente ao processo de medição, no qual já não é mais de cálculo de incerteza de forma que possa ser
possível a aplicação de correções para que a mesma seja universalmente aplicada.
eliminada por completo.
Devido a restrições inerentes ao método do GUM, outros
A incerteza na área de calibração é um já difundido e métodos também podem ser aplicados para a estimativa da
praticado pelos laboratórios em sua maioria. Entretanto, na incerteza de medição [1]. Neste sentido é importante que tais
área de ensaios, o cálculo de incerteza ainda não é uma métodos alternativos sejam matematicamente válidos e
prática totalmente adotada. De fato, somente a partir da práticos quanto a sua forma implementação nos laboratórios.
substituição do antigo ISO/IEC Guia 25 pela ISO/IEC
O objetivo deste trabalho consiste em apresentar estudo
17025, ocorrida no final de 1999 em nível internacional e
comparativo entre métodos de cálculo de incerteza,
enfatizando suas diferenças, vantagens e desvantagens.
Foram comparados os métodos do GUM, de Monte Carlo e a) definir o modelo matemático da medição: representar a
de Integração Numérica, este último raramente medição através de uma equação matemática, na qual f
implementado em laboratórios. é o mensurando em questão e Xi são as grandezas de
entrada, da qual dependem o mensurando;
Foi dado especial destaque ao método da integração
numérica, uma vez que este não é discutido com freqüência. b) identificar e aplicar eventuais correções significativas:
O referido método de integração numérica estudado neste corrigir os erros sistemáticos a fim de não incorporá-los
artigo está baseado na aplicação de Transformadas de na incerteza;
Fourier e Mellin. A partir dos resultados obtidos, pôde-se
c) relacionar todas as fontes de incerteza: verificar tudo o
constatar a possibilidade de realização do cálculo de
que pode ter influência no resultado do ensaio ou
incerteza por um método alternativo aos já conhecidos
calibração;
métodos do GUM e de Monte Carlo. Tal método numérico
mostrou-se válido e será exemplificado em duas aplicações. d) calcular os coeficientes de sensibilidade: calcular as
derivadas parciais de f em relação a cada Xi;
Não é objetivo deste trabalho esgotar a discussão, uma vez
que o tema, métodos de cálculo de incerteza, é um assunto e) calcular as incertezas do tipo A: fontes de incertezas
complexo e abrange todas as áreas de metrologia. obtidas através de meios estatísticos;
O artigo apresenta no seu item 2 uma breve revisão a f) calcular as incertezas do tipo B: fontes de incertezas
respeito do método do GUM e suas restrições. Logo após, o obtidas por outros meios que não estatísticos;
item 3 descreve uma breve revisão sobre o método de Monte
Carlo. Na seqüência, o item 4 deste trabalho apresenta um g) calcular as correlações entre as fontes de incerteza,
quando elas de fato existam e sejam significantes;
método de integração numérica via Transformadas de
Fourier e Mellin. Tal método é aplicado em duas situações h)calcular as contribuições de incerteza: estimar quanto
distintas, juntamente com os métodos do GUM e de Monte cada uma das fontes incerteza, do tipo A e do tipo B,
Carlo. Os resultados destas aplicações são discutidos no influenciam na incerteza global do ensaio ou calibração,
item 5. Por fim, o item 6 traz as conclusões finais deste por meio da aplicação dos coeficientes de sensibilidade.
trabalho.
i) obter a incerteza padrão combinada: é a incerteza do
ensaio ou calibração considerando todas as fontes de
incerteza, como um desvio padrão; é calculada de
2. MÉTODO DE CÁLCULO DO GUM
acordo com a equação 1 a seguir:
2.1. Breve descrição do método
 ∂y 
∑ u ( y) ∑  ∂x ⋅ u( xi ) 
2
O GUM foi elaborado no sentido de harmonizar as 2

 i 
metodologias utilizadas pelos laboratórios de metrologia uc = i = Eq. 1
para a estimativa da incerteza nas medições, bem como
servir como um guia de fácil entendimento e implementação Onde:
nas diferentes áreas da metrologia. Seu princípio consiste
em demonstrar que a incerteza global do ensaio ou uc: é a incerteza padrão combinada, ou simplesmente
calibração incorpora diversas fontes de incerteza, que incerteza combinada;
surgem de efeitos sistemáticos e aleatórios, propiciando,
ui (y) são as contribuições de incerteza para o
assim, a comparabilidade dos resultados de medições
mensurando y;
executadas por laboratórios distintos [1].
u(xi ) são as incerteza padrão das grandezas Xi; e
A implementação do GUM parte da análise do modelo
matemático da medição (equação da medição propriamente ∂y
∂xi
dita) que inclui todas as contribuições relevantes para o são as derivadas parciais de y para o cálculo dos
ensaio ou calibração. A incerteza global é então estimada
pela lei da propagação da incerteza, seguindo a identificação coeficientes de sensibilidade.
e a quantificação da incerteza individual dos fatores de
j) obter a incerteza expandida: é a incerteza do ensaio ou
influência [4]. calibração considerando todas as fontes de incerteza,
O método do GUM está baseado na lei da propagação de com desvio padrão superior a um, para obter-se uma
incertezas. Tal lei afirma que a incerteza de cada fator de maior probabilidade de abrangência naquela estimativa
influência da medição é propagado para a incerteza final da é calculada a partir da equação 2.
medição através de uma expansão de primeira ordem da
série de Taylor. Assume-se, através da aplicabilidade do U = kuc ( y )
Eq. 2
Teorema do Limite Central, que distribuição de
probabilidade para o resultado da medição seguirá um Onde:
modelo de distribuição do tipo normal, ou tipo t-Student U é a incerteza expandida;
quando o grau de liberdade efetivo for baixo ( ν < 30 ) [1].
k é o fator de abrangência para incerteza;
O procedimento de estimativa de incerteza nas medições
consiste nos seguintes passos [1]:
2.2. Restrições do método GUM, ele consiste em um método dito exato para o cálculo
da incerteza [5].
O GUM estabelece que, para certas situações, as condições
requeridas pelo Teorema do Limite Central podem não ser O conceito de propagação de distribuições utilizado pela
completamente satisfeitas e o enfoque dado pelo método Simulação de Monte Carlo consiste primeiramente em
pode levar a um resultado de incerteza inadequado. Este é o assumir distribuições de probabilidade apropriadas (como
caso quando, por exemplo, uc(y) é dominada por um uniforme, normal, triangular, entre outras) para as fontes de
componente de incerteza avaliado por uma distribuição incerteza do ensaio ou calibração. Essas distribuições são,
retangular. De acordo com o GUM, tais casos devem ser então, propagadas através da equação da medição e os
tratados individualmente [1]. valores para a média e desvio padrão dos resultados são
estimados. A incerteza da medição será calculada de acordo
Para a aplicação do método proposto pelo ISO GUM, as
com um determinado nível da confiança desejado
seguintes premissas devem válidas: i) linearização suficiente
(normalmente 95,45%), após um grande número de
do modelo matemático da medição; ii) aplicabilidade do
repetições executadas, e será expressa como um intervalo de
Teorema do Limite Central, implicando na representação da
confiança [5].
função densidade de probabilidade do mensurando através
de uma distribuição Normal (Gaussiana) ou tipo t-Student, Como vantagem do método, os procedimentos adotados pela
com média e desvio-padrão conhecidos; iii) adequação da Simulação de Monte Carlo dispensam os cálculos das
equação de Welch-Satterthwaite [5]. derivadas parciais, o que em muitos casos pode ser um fator
de complicada obtenção. Além disso, o método dispensa a
Em muitas situações, a dificuldade reside em saber quando a
atribuição de graus de liberdade para as fontes de incerteza e
premissa de linearização do modelo é valida para que o
requer a linearização do modelo matemático da medição [5].
método do GUM possa ser aplicado [5].
Outra importante utilidade do método de Monte Carlo
Em determinadas situações, quando a incerteza combinada é consiste na possibilidade de validação dos cálculos
dominada por uma fonte de incerteza com distribuição de executados pelo método do GUM, justamente porque a
probabilidade radicalmente diferente da distribuição normal, propagação de distribuições é uma generalização da lei de
a distribuição de saída pode não ser do tipo normal ou t- propagação de incertezas [7].
Student [5]. Diversos trabalhos já apontaram para tal fato.
Apesar do tema ainda estar em discussão no BIPM, diversos
Um exemplo pode ser visto em [6].
estudos e exemplos de aplicação do método de Monte Carlo
A equação de Welch-Satterthwaite para cálculo dos graus encontram-se na literatura. Dentre eles, pode-se citar [6; 10;
efetivos de liberdade é bastante adequada para situações na 11].
qual as variáveis são independentes. Entretanto, quando
Um cuidado que se deve ter em mente quando da aplicação
efeitos de correlação são levados em consideração essa
deste método é com relação à qualidade de geração dos
equação pode distorcer o valor dos graus efetivos de
números aleatórios e ao tamanho da semente aleatória. Tais
liberdade [7]. Um estudo de caso sobre o cálculo dos graus
fatores impactam diretamente na qualidade do resultado da
efetivos de liberdade com variáveis correlacionadas pode ser
simulação.
consultado em [8].
Quando as restrições acima apresentadas são impostas,
métodos de cálculo de incerteza alternativos ao GUM devem 4. MÉTODO DA INTEGRAÇÃO NUMÉRICA VIA
ser aplicados [1]. TRANSFORMADAS DE FOURIER E MELLIN
4.1. Apresentação do método
3. MÉTODO DE MONTE CARLO Apesar do antigo interesse na álgebra de variáveis aleatórias,
métodos numéricos estocásticos eram impraticáveis antes do
O método ou simulação de Monte Carlo está inserido no advento do computador. Desde o início do século, porém, já
ramo da estatística chamado de estatística bayesiana. A se trata a soma de duas distribuições analiticamente através
estatística bayesiana, ao contrário da estatística clássica ou da convolução [12]. Se denotarmos por x(·) a função
freqüentista, faz uso das informações e conhecimentos distribuição da variável aleatória X e por y(·) a da variável
prévios ao evento – conhecidos como a priori – para, a Y, a distribuição z(·) da soma Z = X+Y pode ser escrita
partir destas e de dados coletados, obter-se uma informação como:

∫ x(ξ − t )y(t )
posterior – conhecido como a posteriori [9].
z (ξ ) = dt = x(·) ∗ y(·)

A Simulação de Monte Carlo utiliza informações a priori Eq. 3


das grandezas de entrada que afetam a incerteza, através das −∞
suas distribuições de probabilidade, gera n números Uma expressão semelhante para o produto de variáveis
aleatórios e então obtém uma probabilidade a posteriori [7]. aleatórias só foi desenvolvida na primeira metade do século
Neste sentido, o método de Monte Carlo, diferentemente do passado [13]. Se as distribuições x(·) e y(·) forem positivas,
método do GUM, utiliza o conceito de propagação das a distribuição Z = XY é dada por:

∫ t x(ξ / t )y(t )
distribuições de probabilidade das grandezas de entrada, ao
z (ξ ) =

invés de somente a propagar as incertezas das grandezas de 1
entrada, como preconiza o outro método. Ao contrário do dt Eq. 4
0
 [ [
Mξ Mt x (t )] [ ] [ ] M [y (− t )]],
Mt y + (t ) + Mt x − (− t )
z (ξ ) =  −1
Pela complexidade analítica, apenas o produto de −1 + −
z>0 Eq. 8
[ [ ] M [ y (− t )]+ M [x (− t )] M [y (t )]],
t

distribuições simples é estudado. Por outro lado, uma 


Mξ Mt x (t )
+ − − +
t t t z<0
integração numérica direta também não é trivial de ser
implementada, pela acentuada não-linearidade do fator 1/t.
Neste trabalho, testamos um algoritmo que trata Uma relação semelhante existe para a razão de duas
eficientemente da soma e do produto de variáveis aleatórias, variáveis aleatórias, mas será omitida. A forma acima,
tomando o cuidado para que seja numericamente estável e porém, ainda não é eficiente computacionalmente, já que
para que exija um número mínimo de cálculos. não existe nenhum algoritmo para o cálculo direto e rápido
da Transformada de Mellin. Porém, esta transformada está
Um grande problema numérico encontrado nas expressões relacionada com a Transformada de Fourier por [19]:
(3) e (4) é o da complexidade computacional. Qualquer uma

[ ( )]
das expressões necessita, para um determinado ponto da

Mt [ f ( x )] = F−it f e − x
distribuição z(·), o cálculo de uma integração em todo
espaço das distribuições x(·) e y(·). Para que essa operação Eq. 9
seja realizada numericamente, o espaço do sistema deve ser
discretizado em um número N de pontos, de forma que o
tempo necessário pelas distribuições de z(·) vão crescer com Desta forma, é possível utilizar novamente o algoritmo da
o quadrado de N, ou seja O(N²). FFT. A complexidade total para a multiplicação e para a
Para a soma, esse problema pode ser simplificado com o divisão de distribuições será também, portanto, O(N
auxílio da Transformada de Fourier [14]: log(N)).
Para completar o algoritmo, implementamos a distribuição

z (ξ ) = Fξ−1 [ F [x (·)] F [ y (·)] ]


resultante da aplicação de uma função sobre uma variável
Eq. 5 aleatória. Sendo agora Z=f(X), sendo Z e X variáveis
aleatórias e f uma função, a distribuição resultante z(·) é
dada por [20] :

onde F [f] é a Transformada de Fourier da função f(·), e F -1


x(si )
z (ξ ) = ∑ f ( si ) = ξ
[f], a sua inversa. Se calcularmos a Transformada de Fourier

| f' (si )|
e sua inversa pelo algoritmo da Fast Fourier Transform , Eq. 10
(FFT) [15], a complexidade total torna-se O(N log(N)) [16], i
um progresso significativo frente ao algoritmo original.
O problema do produto de variáveis aleatórias pode ser
tratado com o mesmo raciocínio. Nesse caso, é a Felizmente, na maioria dos casos práticos, a função f possui
Transformada de Mellin que separa a integral da expressão inversa, de forma que existirá apenas um si para cada valor
(4) em um produto de transformadas [17]: de ξ.
A soma e do produto de distribuições simples calculadas

z (ξ ) = Mξ−1 [M[x(·)] M[ y (·)]]


pelo algoritmo desenvolvido foi comparado, com sucesso,
Eq. 6 com suas expressões analíticas. Adicionalmente, como será
mostrado, comparamos este método com o do GUM e com o
de Monte Carlo.
onde M [f] é a Transformada de Mellin da função f(·), e M
-1
[f], a Transformada inversa. Essa fórmula, porém, só é 4.2. Aplicação do método
válida para X e Y positivas. Uma solução para contornar
este problema é separar cada uma das funções z(·), x(·) e y(·) O referido método foi aplicado em duas situações fictícias e,
em uma função definida apenas para argumento positivo, e logo após, seus resultados foram comparados. As situações
outra somente para argumento negativo [18] . Para x(·), por são apresentadas a seguir.
exemplo, tem-se que: Caso 1:
Considere um determinado objeto cuja emissividade em
x (t < 0) = 0, x (t > 0 ) = x (t )
+ + função da temperatura não é exatamente conhecida. Deseja-

x − (t > 0) = 0, x − (t < 0 ) = x (t )
Eq. 7 se saber a temperatura efetiva do objeto dentro de um forno
medindo sua radiação emitida. Da Lei de Stefan-Boltzmann,
sabe-se que um corpo negro emite uma quantidade S de
radiação proporcional à quarta potência da temperatura.
Agora, se o objeto em questão não for um corpo negro, a
A mesma construção é feita para z(·) e y(·). Assim, pode-se
quantidade de radiação será proporcional também com
obter uma expressão para o produto de duas variáveis X e Y relação a sua emissividade, que é um número adimensional
de qualquer sinal [18]:
e menor do que um.
No exemplo proposto, podemos relacionar a temperatura (T)
do objeto, em unidades arbitrárias, com sua emissividade
(e), e com a sua radiacão total medida (S), também em A figura 1 apresenta a distribuição gerada através do
unidades arbitrárias, da seguinte forma: algoritmo de integração numérica por Transformadas de
Fourier e Mellin. Ressalta-se que a curva calculada é
extremamente suave (é formada por 65 536 pontos), mas
que não foi empregado nenhum tipo algoritmo a posteriori
S
T=4 Eq. 11 para tal. Um gráfico de qualidade semelhante demoraria um
e tempo muito maior para ser produzido através do método de
Monte Carlo.

Normalmente, o valor da emissividade possui uma elevada


incerteza. Este problema é um exemplo interessante para a
aplicação do algoritmo desenvolvido, já que a equação
possui uma não-linearidade acentuada. Consideramos,
então, que a variável aleatória S assume uma distribuição
normal de média unitária e de desvio padrão 0,01. Já à
emissividade atribui-se uma distribuição normal de média
0,6 e de desvio padrão 0,2. Calculamos a incerteza total da
temperatura T por três métodos: pelo GUM, por Monte
Carlo, e por integração numérica via Transformadas de
Fourier e Mellin.
Pelo método da propagação de incerteza do GUM, o
intervalo de confiança foi calculado como sendo o dobro da
incerteza expandida U. Foram executadas três simulações
Monte Carlo, as quais foram implementadas em uma Fig. 1. Distribuição de probabilidade resultante do Caso 1 pelo
planilha eletrônica do Microsoft Excel®, utilizando 10 000 método da Integração
iterações. Os valores apresentados (incluindo o tempo)
referem-se à média das simulações. Os resultados, contendo
o intervalo de confiança de 95,45% calculado por cada Percebe-se claramente pela figura 1 que a não linearidade do
método, a média das distribuições, e os limites dos modelo é acentuada, acarretando que a distribuição de saída
intervalos apresentam-se na tabela 1: seja notadamente diferente da distribuição normal.
Caso 2:
Tabela 1. Comparativo das Incertezas – Caso 1 Considere um caso teórico mais simples: a soma de três
variáveis aleatórias A, B e C. Atribuímos a A e a B
GUM Monte Integração via distribuições normais de média 1 e de desvio padrão 0,01, e
Carlo Transformadas a C, uma distribuição retangular de média 1 e de desvio
de Fourier e padrão 0,1. Através do método do GUM, a incerteza
Mellin
expandida calculada é de 0,12, e o intervalo de confiança,
0,24 (de 2,88 até 3,12). Utilizando o algoritmo
intervalo de 0,38 0,50 0,52
confiança desenvolvido, calculou-se também a soma das variáveis. A
distribuição resultante possui intervalo de confiança de 0,20
limite inferior 0,95 1,00 0,98 (de 2,90 até 3,10).
Neste exemplo, comprova-se que o método do GUM
média 1,14 1,16 1,19 efetivamente superestimou a incerteza por um fator de
aproximadamente 20%. Esse erro se deve à forte
limite superior 1,33 1,50 1,49
contribuição da variável aleatória C, de distribuição
Tempo - 11,3s 0,4s
retangular, para a incerteza combinada. Tal erro pode não
ser tolerável em determinadas aplicações.
Em situações em que incerteza combinada é dominada por
É interessante notar que o intervalo de confiança calculado uma fonte de incerteza de distribuição retangular, o método
pelo método de Monte Carlo e pela Integração foram do GUM subestimará a incerteza expandida (para um nível
consideravelmente maiores do que o calculado pelo GUM de confiança superior a 91%) [1]. Mais uma vez, o
(31,6 % e 36,8% maiores, respectivamente). Este é um algoritmo apresentado mostrou-se útil como uma maneira
exemplo claro, portanto, em que a não linearidade é alternativa para calcular a incerteza quando o método do
acentuada para justificar a utilização de métodos alternativos GUM não fornece resultados adequados.
ao do GUM para o cálculo da incerteza. Também A figura 2 apresenta a distribuição calculada pelo método da
ressaltamos que, mesmo utilizando apenas distribuições integração numérica por Transformadas de Fourier e Mellin.
normais, a incerteza calculada pelo GUM foi subestimada. As mesmas observações quanto à qualidade do gráfico se
Por fim, este exemplo mostrou-se interessante para validar aplicam neste caso.
novo algoritmo apresentado nesse trabalho.
implementado do que o Monte Carlo e, obviamente, do que
o GUM. Necessita de conhecimentos avançados de
matemática e utilização de softwares para que se tenha uma
implementação efetiva do algoritmo.
Acreditamos, por fim, que o método apresentado pode ser
útil para a validação de simulações de Monte Carlo, já que
este último é o único método numérico exato utilizado, na
prática, para o cálculo da incerteza pelos laboratórios. O
algoritmo apresentado baseado na integração numérica por
Transformadas de Fourier e Mellin pode encontrar um nicho
ainda mais útil: o do cálculo da incerteza no limite físico.
Nesse caso, é interessante que se tenha a distribuição de
probabilidade com a maior resolução possível, condição
Fig. 2. Distribuição de probabilidade resultante do Caso 2 pelo facilmente alcançada pelo algoritmo.
método da Integração
Por fim, vale lembrar que o método do GUM segue sendo
uma forma adequada de cálculo da incerteza para a maioria
dos casos práticos. Em diversas situações testadas
Pela análise do gráfico da figura 2, gerado pelo método da adicionalmente pelos autores, com base em dados reais de
integração, é possível constatar que a distribuição de laboratórios, o método do GUM obteve resultados de
probabilidade resultante não segue o modelo normal. Tal incertezas compatíveis com aquelas calculadas através dos
fato se deve à predominância de uma fonte de incerteza de métodos exatos de Monte Carlo e de Integração via
distribuição de probabilidade retangular. A distribuição de Transformadas de Fourier e Mellin.
saída, neste caso, se assemelha a uma trapezoidal.

6. CONCLUSÕES
5. DISCUSSÕES
Este trabalho comparou três métodos possíveis para o
No caso 2, a incerteza obtida pelo método do GUM foi cálculo da incerteza, quais sejam: o do GUM, o de Monte
superestimada. Nesta situação, o erro foi de Carlo e um algoritmo numérico exato, baseado na integração
aproximadamente 20%, o que já poderia ser considerado numérica via Transformadas de Fourier e Mellin.
como inaceitável. Contudo, para a maioria das situações,
uma superestimação da incerteza, desde que não muito O enfoque principal foi dado no método da integração
elevada, não representa um problema sério. numérica, por ser um método que praticamente não é
discutido ou implementado em laboratórios.
No caso 1, a incerteza obtida pelo método do GUM foi
incompatível com aquelas calculadas pelos métodos exatos. Tal método numérico mostrou-se eficaz, produzindo
O GUM subestimou a incerteza expandida devido ao fato de resultados compatíveis aos do método de Monte Carlo,
que suas premissas de aplicação não foram atendidas no porém requerendo um tempo de processamento muito
caso. Tal fato ressalta a importância de se observar as menor.
restrições do GUM quando da sua aplicação. Neste caso, é
Métodos de cálculo de incerteza exatos podem ser aplicados
necessário empregar algum método alternativo para o
para validar o método do GUM. Neste sentido, o método da
cálculo da incerteza. Os métodos de cálculo de incerteza de
integração surge como possibilidade de aplicação, sobretudo
Monte Carlo e de Integração Numérica via Transformadas
quando as premissas para aplicação do GUM não são
de Fourier e Mellin se mostraram eficazes neste sentido,
satisfeitas.
sendo o da integração implementado de forma muito mais
rápida do que o de Monte Carlo.
REFERÊNCIAS
Também salientamos a utilidade do novo algoritmo
apresentado: trata-se de um método exato para o cálculo da
incerteza, que não depende de números aleatórios, pode ser [1] ABNT/INMETRO. Guia para a Expressão da Incerteza de
estendido para cobrir virtualmente qualquer expressão Medição. Terceira edição brasileira em língua portuguesa.
analítica, e é extremamente rápido. É, também, muito mais Rio de Janeiro: ABNT, INMETRO, 2003. 120 p.
fácil de ser utilizado do que a integração analítica, e, para a
maioria dos casos, estes dois métodos acabam por apresentar [2] EUROPEAN CO-OPERATION FOR ACREDITATION
(EA). EA-4/16 - EA guidelines on the expression of
resultados muito semelhantes.
uncertainty in quantitative testing. Rev. 00, 2003. Disponível
Conforme mostramos, também é uma implementação mais em: www.european-accreditation.org
otimizada do que a convolução direta – a qual pode ser [3] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR
empregada apenas na soma, e possui complexidade STANDARDIZATION (ISO). Geometrical Product
computacional de O(N2), contra O(N logN) do referido Specification (GPS) – Inspection by measurement of
algoritmo utilizado. Na maioria dos casos, o erro numérico workpieces and measuring equipment; Part 1: Decision
(causado pela discretização do espaço e pela precisão rules for proving conformance or nonconformance with
numérica do computador) é desprezível. Apesar dessas specifications, ISO 14253 – 1. Geneva 1998.
vantagens, o método da integração é mais complexo de ser
[4] ELLISON, Stephen L. R. and BARWICK, Vicki J. Using [11] COUTO, Paulo R. G., DAMASCENO, Jailton C.; BORGES,
validations data for ISO measurement uncertainty Renata M. H. Uncertainty estimation of mechanical assays
estimation: Part 1 – Principles of an approach using cause by ISO GUM 95 and Monte Carlo Simulation – Case study:
and effect analysis. The Analyst, vol 123, p. 1387-1392, tensile strength, torque and brinell Hardness measurements.
jun/1998. IMEKO WORLD CONGRESS, 2006.
[5] COX, M. G. e HARRIS, P. M. GUM Supplements. CIE [12] Wintner, A. American Journal of Mathematics, 56 (1934)
Expert Symposium on Uncertainty Evaluation, Method for pp. 8-16.
analysis of uncertainties in optical radiation measurement,
Vienna, Austria, 2001. [13] Huntington, E. V. Annals of Mathematical Statistics, 10
(1939) pp. 260-378
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