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UMA REVISÃO SOBRE ABORDAGENS E MÉTODOS DE CÁLCULO DE INCERTEZA

Daniel Homrich da Jornada 1, Carla ten Caten2

1
Certificar e PPGEP/UFRGS, Porto Alegre, Brasil, daniel@portalcertificar.com.br
2
PPGEP/UFRGS, Porto Alegre, Brasil, tencaten@producao.ufrgs.br

Resumo: o cálculo da incerteza de medição vem ganhando a) estimar a margem de dúvida em torno do resultado
maior destaque no ramo da metrologia, principalmente declarado pelo laboratório e conseqüentemente prover
considerando a publicação de documentos orientativos e confiança nesse resultado;
suplementares ao GUM. É importante que os laboratórios b) representar um fator de vantagem competitiva:
apliquem um método de cálculo que seja matematicamente laboratórios com menores incertezas têm melhores
válido e que esse processo seja implantado com uma capacidades de medição;
abordagem (ou estratégia) que seja tecnicamente e c) propiciar fontes de melhoria aos laboratórios dos seus
economicamente viável. Existem diversos métodos para métodos de ensaio, na medida em que identifica e quantifica
cálculo da incerteza de medição e esses muitas vezes todas as componentes de incerteza;
apresentam um grau de dificuldade que pode requer, por d) possibilitar ao cliente uma avaliação adequada do
parte do laboratório, pessoal com sólidos conhecimentos em resultado frente a limites de conformidade;
estatística. Uma questão importante e que não vem sendo e) possibilitar ao laboratório eventual redução de custos
discutida com especial atenção é com relação a qual com calibração de determinados instrumentos, caso seja
abordagem adotar para estimar as fontes de incerteza. Nesse demonstrado que os mesmos pouco influenciem na
sentido, o presente artigo preocupa-se em traçar um incerteza.
panorama geral sobre métodos e abordagens para o cálculo Quando for estimada a incerteza de medição, todos os
da incerteza de medição. Os métodos e abordagens componentes de incerteza que sejam importantes para uma
indicados serão discutidos em termos de suas vantagens e determinada situação devem ser considerados usando-se
desvantagens e aplicações. Será apresentada uma relação métodos de análise apropriados [3]. Uma diversidade de
cruzada em termos dos métodos e abordagens mais métodos está estabelecida. Dentre eles, o mais difundido e
apropriados a cada situação, visando assim, facilitar a universalmente reconhecido é estabelecido pelo Guia Para a
estratégia dos laboratórios para implementar tais cálculos Expressão da Incerteza de Medição, conhecido como GUM
em seus ensaios e calibrações. [1]. É importante, salientar, neste sentido, que o laboratório
adote um método matematicamente válido, adequado as
Palavras chave: incerteza de medição, métodos de cálculo, suas necessidades e que seja técnica e economicamente
abordagens de cálculo de incerteza. viável.
Outra questão que deve ser tratada com especial atenção
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS é com relação a qual abordagem (ou estratégia) adotar para
quantificar as fontes de incerteza. As abordagens podem
Como o resultado de uma medição é meramente uma
variar de acordo com a natureza da medição e com as
estimativa do valor do mensurando, ao relatá-lo, torna-se informações disponíveis ao laboratório. Deve ser aplicada
necessária a indicação quantitativa da qualidade dessa uma abordagem que seja prática e resulte em valores de
estimativa, de tal forma que os usuários desse resultado
incerteza válidos.
possam avaliar a adequação frente as suas necessidades. A
Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo
incerteza de uma medição reflete a falta de conhecimento
apresentar um panorama sobre métodos e abordagens para o
exato do valor do mensurando. Ela compreende, em geral,
cálculo de incerteza, enfocando as vantagens, desvantagens
muitos componentes. Alguns desses componentes podem ser e as possibilidades de aplicações em cada caso.
estimados com base na distribuição estatística dos resultados Na primeira parte, o artigo traz um resumo sobre os
das séries de medições e podem ser caracterizados por
principais métodos de cálculo de incerteza. Na segunda, são
desvios padrão experimentais. Outros componentes, que
apresentadas abordagens para quantificação de fontes de
também podem ser caracterizados por desvios padrão, são
incerteza. Após, os métodos e abordagens são comparados
avaliados por meio de distribuições de probabilidade
em termos de suas vantagens, desvantagens e aplicações.
assumidas, baseadas na experiência ou em outras
informações [1].
A avaliação da incerteza é de extrema importância,
destacando-se por [2]:
2. MÉTODOS DE CÁLCULO DE INCERTEZA etapa serve para verificar quanto cada fonte contribui para a
incerteza global do ensaio ou calibração, convertendo cada
Existem vários métodos para cálculo da incerteza de
uma em uma mesma unidade de medida desejada;
medição e esses muitas vezes apresentam um grau de
• calcular as incertezas do tipo A: fontes de incertezas
dificuldade que pode requer, por parte do laboratório,
obtidas através de meios estatísticos, por uma série de
pessoal com sólidos conhecimentos em estatística.
observações de repetidas de uma mesma medição;
Os métodos descritos a seguir são os principais aplicados
• calcular as incertezas do tipo B: fontes de incertezas
por laboratórios de calibração e ensaio.
obtidas por outros meios que não estatísticos;
2.1. Método do GUM • calcular as contribuições de incerteza: estimar quanto
cada uma das fontes de incerteza, do tipo A e do tipo B,
O GUM foi elaborado no sentido de harmonizar as
influenciam na incerteza global do ensaio ou calibração, por
metodologias utilizadas pelos laboratórios de metrologia
meio da aplicação dos coeficientes de sensibilidade;
para a estimativa da incerteza nas medições, bem como
• avaliar correlações: analisar a eventual existência de
servir como um guia de fácil entendimento e implantação
correlação entre as fontes de incerteza e avaliá-las;
nas diferentes áreas da metrologia. Seu princípio consiste • obter a incerteza padrão combinada: é a incerteza do
em demonstrar que a incerteza global do ensaio ou ensaio ou calibração considerando todas as fontes de
calibração incorpora diversas fontes de incerteza, que
incerteza relevantes, expressa como um desvio padrão,
surgem de efeitos sistemáticos e aleatórios, propiciando,
calculado de acordo com a equação (1) a seguir:
assim, a comparabilidade dos resultados de medições
executadas por laboratórios distintos [1].
2
A implantação do GUM parte da análise do modelo  ∂y 
matemático da medição (equação da medição propriamente uc = ∑ u ( y)
i
2
= ∑  ∂x ⋅ u ( xi )  (1)
dita) que deve incluir todas as contribuições relevantes para  i 
o ensaio ou calibração. A incerteza global é então estimada
pela lei da propagação da incerteza, seguindo a identificação Onde:
e a quantificação da incerteza individual dos fatores de uc: é a incerteza padrão combinada, ou simplesmente
influência [4]. incerteza combinada;
O procedimento geral para aplicação do GUM consiste
em representar as grandezas de entrada (variáveis ui(y) são as contribuições de incerteza para o
independentes) do modelo matemático da medição em mensurando y;
termos de suas médias e desvios padrão [5]. u(xi) são as incerteza padrão das grandezas Xi; e
O método do GUM está fundamentado na lei da
propagação de incertezas, a qual provém da lei de ∂y
propagação de erros, desenvolvida inicialmente por Gauss são os coeficientes de sensibilidade.
no final do século XIX. A lei de propagação de incertezas
∂xi
afirma que a incerteza de cada fator de influência (fonte de • obter a incerteza expandida: consiste em obter um
incerteza) do ensaio ou calibração é propagada para a valor de incerteza que possua uma maior probabilidade de
obtenção da incerteza final da medição através de uma abrangência na estimativa; é calculada através do produto da
expansão de série de Taylor, truncada geralmente em incerteza combinada por um fator de abrangência, segundo
primeira ordem. Assume-se a priori, através da equação (2):
aplicabilidade do Teorema do Limite Central, que a medição
e a sua respectiva incerteza possuirá uma função densidade
de probabilidade (FDP) normal, ou t-Student para pequenas U = kuc ( y )
amostras [1]. (2)
O procedimento de estimativa de incerteza nas medições Onde:
segundo o método proposto pelo GUM consiste em [6]:
• definir o modelo matemático da medição: é a U é a incerteza expandida;
definição analítica daquele processo de medição, na qual f é k é o fator de abrangência para incerteza;
o mensurando em questão e Xi são as grandezas de entrada,
da qual dependem o mensurando; Maiores detalhes sobre o passo-a-passo para o cálculo da
• identificar e aplicar eventuais correções incerteza podem ser consultados em [1; 2; 5-7].
significativas: corrigir os erros sistemáticos a fim de não Para a aplicação do método do GUM, as seguintes
incorporá-los na incerteza (o que aumentaria a incerteza e premissas devem ser atendidas [5]: a) suficiente linearidade
poderia até mesmo gerar um valor incoerente); do modelo matemático da medição; b) aplicabilidade do
• relacionar todas as fontes de incerteza: verificar os Teorema do Limite Central, implicando na representação da
fatores que podem ter influência sobre o resultado do ensaio FDP do mensurando através de uma distribuição Normal ou
ou calibração. Para a apresentação de tais fontes de tipo t-Student, com média e desvio padrão conhecidos; c)
incerteza, pode-se utilizar, por exemplo, o diagrama de adequação da equação de Welch-Satterthwaite.
causa e efeito; Quando as premissas apresentadas anteriormente não são
• calcular os coeficientes de sensibilidade: consiste em atendidas, métodos de cálculo de incerteza alternativos ao
calcular as derivadas parciais de f em relação a cada Xi;; essa GUM devem ser aplicados [1].
2.2. Método de Monte Carlo Uma importante utilidade do método de Monte Carlo
consiste na possibilidade avaliar a validade dos cálculos
A Simulação de Monte Carlo é um método probabilístico
executados pelo método do GUM. A lei da propagação da
baseado na aleatoriedade, que, através de tentativas
incerteza, proposta pelo GUM, pode funcionar plenamente,
experimentais, torna-se possível resolver difíceis problemas
na maioria dos casos. Contudo, é complexo quantificar os
determinísticos (não probabilísticos) [11].
efeitos das aproximações envolvidas, tais como não-
A Simulação de Monte Carlo está inserida no ramo da
linearidade do modelo matemático, inaplicabilidade da
estatística chamado de bayesiana. A estatística bayesiana, ao
fórmula de Welch-Satterthwaite e a distribuição não normal
contrário da estatística clássica ou freqüentista, faz uso das
da grandeza de saída. Neste sentido, sempre que houver
informações e conhecimentos prévios ao evento –
dúvidas com relação à adequação do método do GUM, os
conhecidos como informações a priori – para, a partir destas
cálculos devem ser validados de alguma forma. A
e de dados observados, obter-se uma informação posterior –
Simulação de Monte Carlo, associada à utilização de
chamada de a posteriori [12; 13].
softwares computacionais, pode ser uma alternativa para
As informações a priori utilizadas no Método de Monte
validar tais cálculos, já que a propagação de distribuições é
Carlo são aquelas referentes FDPs das fontes de incerteza. A
uma generalização da lei de propagação de incertezas [9].
partir da geração de n números aleatórios, as distribuições a
Diversos artigos encontram-se publicados sobre a
priori são propagadas pelo modelo matemático da medição,
aplicação do método de Monte Carlo para cálculo da
para então obter uma FDP a posteriori [8].
incerteza de medição. As referências [9-10; 14-16]
Levando em consideração os aspectos de confiabilidade
apresentam aplicações práticas do método.
na metodologia de cálculo da incerteza nas medições e,
utilizando uma abordagem que seja tecnicamente válida e 2.3. Métodos Alternativos
economicamente aplicável, o método de Monte Carlo está
A soma de duas FDPs pode ser resolvida através da
sendo discutido entre a comunidade metrológica
convolução das mesmas [17]. Uma expressão semelhante
internacional como um método alternativo eficaz para os
para o produto de variáveis aleatórias também existe [13].
casos onde a aplicação do método do GUM é inadequada ou
Um método de integração numérica direta pode ser
muito complexa.
aplicado para resolver tais casos, porém não são de trivial
O método de Monte Carlo, diferentemente do método do
implantação, sobretudo pela complexidade computacional.
GUM, utiliza o conceito de propagação de toda a
Para que essa operação seja realizada via integração
distribuição de probabilidade das grandezas de entrada, ao
numérica direta, o espaço do sistema deve ser discretizado
invés de somente propagar seus segundos momentos. Tal
em um número N de pontos, de forma que o tempo
fator torna a aplicação do método de Monte Carlo mais
necessário irá crescer com o quadrado de N.
ampla.
O método pode ser computacionalmente aprimorado
Devido à importância do tema, um documento
através da aplicação de Transformadas de Fourier e de
suplementar ao GUM, a respeito da utilização da Simulação
Mellin. Um trabalho aplicado sobre tais transformadas
de Monte Carlo para o cálculo da incerteza de medição, vem
encontra-se disponível em [9].
sendo desenvolvido, ainda em forma de minuta, por um
Métodos numéricos podem cobrir teoricamente qualquer
comitê ligado ao BIPM chamado de Joint Committee for
expressão analítica, por isso são de ampla aplicação.
Guides in Metrology (JCGM) [8].
Ressalta-se, contudo, que tais métodos numéricos requerem
O conceito de propagação de distribuições utilizado pela
conhecimentos sólidos e mais avançados de matemática. O
Simulação de Monte Carlo consiste primeiramente em
esforço para implementá-los muitas vezes não se justifica.
assumir FDPs apropriadas para cada fonte de incerteza do
Além dos métodos discutidos anteriormente, pode-se
ensaio ou calibração, como por exemplo, uniforme, normal,
citar outra categoria, os chamados métodos analíticos. Esses
triangular, entre outras. Essas distribuições são, então,
métodos se baseiam em resolver analiticamente integração e,
propagadas n vezes através da equação da medição e os
desta forma, obter uma FDP a posteriori exata [5; 8].
valores para a média e desvio padrão dos resultados são
Os métodos analíticos têm a vantagem de serem exatos,
estimados. A incerteza do ensaio ou da calibração será
porém, devido à extrema complexidade, tornam-se
calculada de acordo com uma determinada probabilidade de
geralmente inviáveis na prática, sendo restrita a aplicação.
abrangência desejada (normalmente 95,45%), após um
Por essa razão, não serão alvos de estudo detalhado no
grande número de repetições executadas [5].
presente trabalho.
Os valores correspondes à cada fonte de incerteza são
obtidos através de gerações de números aleatórios que
observam a FDP das grandezas de entrada. Cada número 3. ABORDANGES PARA CÁLCULO DE INCERTEZA
aleatório gerado é combinado no modelo matemático da A abordagem para o cálculo de incerteza não se refere ao
medição e um resultado é, então, obtido para a grandeza de método de cálculo em si, mas sim, à estratégia utilizada para
saída. Este passo é repetido n vezes, de forma independente, quantificar as fontes de incerteza relevantes para o ensaio ou
a fim de avaliar a FDP resultante do mensurando [8]. calibração.
Desta forma, os procedimentos adotados pela Simulação O uso incorreto de uma abordagem pode levar com que o
de Monte Carlo dispensam os cálculos das derivadas laboratório subestime ou superestime sua incerteza. Uma
parciais, o que em muitos casos pode ser um fator de das razões para o atual cenário confuso é que a terminologia
complicada obtenção [5]. utilizada para descrever as abordagens ainda não está
padronizada em nível internacional [21]. Outro fator
relevante é que os diversos guias disponíveis para o cálculo calibração. Por essa abordagem, não há necessidade de
da incerteza, sobretudo na área de ensaios [1-2; 6-8; 20], quantificar cada componente de incerteza individualmente,
possuem estruturação distinta, ainda que o método de podendo as mesmas ser avaliadas de forma combinada, seja
cálculo sugerido pelos mesmos geralmente esteja baseado através de um estudo experimental ou de ensaios de
no GUM. proficiência [19].
Sob o ponto de vista prático, uma abordagem adequada é Por essa abordagem, é possível identificar
aquela que possibilita ao laboratório o cálculo da incerteza separadamente as componentes aleatórias e as sistemáticas
sem grandes esforços adicionais de obtenção das fontes [22]. para a incerteza de medição, subdividindo-as nas etapas do
Isso inclui a utilização de dados de validação de métodos e processo de medição, tais como etapa de amostragem,
garantia da qualidade e uso de informações de ensaios de analítica, etc. [19].
proficiência que o laboratório tenha participado. Informações externas ao laboratório (em nível
As abordagens apresentadas a seguir estão subdividas de supralaboratorial) tais como resultados de comparações
acordo com o nível das informações utilizadas para interlaboratoriais, podem ser utilizadas, desde que com
quantificar as fontes de incerteza. cuidado, para que o laboratório possa calcular a incerteza de
seus métodos. Tais informações incluem medidas de
3.1. Abordagem bottom-up
exatidão e precisão do método em avaliação. Neste caso, a
A abordagem bottom-up, também conhecida na literatura abordagem top-down requer, naturalmente, que o laboratório
como abordagem de modelagem, teórica, preditiva ou participe regularmente de programas de comparações
tradicional [19], é aquela clássica proposta no método do interlaboratoriais e obtenha desempenhos satisfatórios em
GUM, na qual cada fonte de incerteza é quantificada tais programas [7;18].
individualmente e seus efeitos são então combinados, A informação interlaboratorial é extremamente útil para
geralmente através da aplicação do método do GUM, com estimar a incerteza da medição, visto que reflete a variação
uma expansão da série de Taylor, normalmente de primeira de fatores do método de medição, alguns dos quais
ordem [7; 18]. É freqüentemente utilizada na área de dificilmente estudados em um ambiente intralaboratorial.
calibração. Contudo, a informação interlaboratorial é muitas vezes cara
Neste caso, a informação flui de um nível caracterizado de ser obtida e, certas vezes, não está disponível ou não
por dados específicos sobre cada etapa analítica ou fator que inclui informação sobre todas as etapas que afetam a
contribui para a incerteza da medição, até um nível qualidade da medição [21].
caracterizado pela combinação da informação do nível A abordagem em nível supralaboratorial é bastante direta
anterior, produzindo a incerteza combinada da medição [21]. e simples, porém possui duas grandes desvantagens. A
Ou seja, ela vai do início até o fim da medição, passando primeira consiste em que o laboratório, ao estimar a
etapa por etapa, daí a razão por sua designação como incerteza do método, estará incluindo na sua própria
abordagem bottom-up (do inglês, de baixo para cima). incerteza, efeitos de variabilidade devido aos demais
Na área de ensaios, muitas vezes pode ser de difícil laboratórios que também participaram dos mesmos
implantação uma vez que as medições envolvem geralmente programas interlaboratoriais. Em algumas aplicações, essa
uma grande quantidade de fatores de influência e quantificá- forma de aplicar a abordagem top-down pode gerar valores
lo individualmente pode ser técnica ou economicamente de incerteza elevados e que não satisfaçam às necessidades
inviável. Tal abordagem requer um conhecimento detalhado do laboratório e de seus clientes.
da equação da medição, de forma que todos os fatores de Outra questão que também pode ser um empecilho para
influência estejam explícitos no modelo matemático e a aplicação dessa abordagem consiste no fato de que o
possam, assim, ser aplicados os métodos de cálculos de laboratório deve participar regularmente de atividades de
incerteza apropriados. comparações interlaboratoriais, o que nem sempre é
possível, pois muitos programas são pontuais, sem terem
3.2. Abordagem experimental: top-down uma periodicidade definida. Uma estimativa de incerteza
3.2.1 Considerações Gerais baseada no resultado de uma participação em um ensaio de
proficiência pontual é desaconselhada por não haver
Com relação às abordagens experimentais para o cálculo garantia de que o desempenho obtido pelo laboratório seja
de incerteza, não há uma uniformidade de classificação e de fato representativo de sua rotina [20].
terminologia na comunidade metrológica. Neste trabalho, Em um ambiente intralaboratorial, a abordagem top-
optou-se por considerar todas as abordagens experimentais down faz uso de dados internos de validação e confirmação
dentro da categoria “top-down” pelo fato de ser a de métodos (como estudos internos de precisão, exatidão e
classificação mais comumente utilizada na literatura, ainda análise de variância) e de garantia da qualidade (como dados
que não de forma única. de cartas de controle e verificações periódicas de
desempenho do método). Essas informações geralmente já
3.2.2 Abordagem top-down estão disponíveis no laboratório e pouco esforço adicional é
A abordagem top-down, também conhecida como requerido para quantificar fontes de incerteza relevantes
supralaboratorial [21], empírica, experimental ou nessa situação. A abordagem utilizando informações em um
retrospectiva [19], utiliza um determinado nível de nível intralaboratorial é particularmente interessante quando
informações que corresponde a todo o processo de medição os métodos de medição envolvem etapas complexas (que é o
para resultar em uma incerteza global do ensaio ou
caso em muitos ensaios) ou quando não estão disponíveis implantada. Referências podem ser consultadas na literatura
dados interlaboratoriais. [7; 18-21].
Normalmente, o desempenho do método varia de dia
para dia devido a fatores como variabilidade entre técnicos 4. COMPARATIVO ENTRE MÉTODOS E
laboratoristas, equipamentos, condições ambientais e à ABORDAGENS
variação de outros fatores experimentais não controlados. A
Os quadros 1, 2 resumem um comparativo de vantagens
informação intralaboratorial usada para estimar a incerteza
e desvantagens discutidas anteriormente referentes a cada
inclui resultados recolhidos num âmbito mais amplo e, por
isso, geralmente representa melhor a incerteza global método e a cada abordagem utilizada para o cálculo da
envolvida no método de medição do laboratório [21]. incerteza de medição. O quadro 3 apresenta um comparativo
cruzado entre métodos e abordagens evidenciando as
Há diversas formas de obter as informações referentes às
compatibilidades e aplicações entre os mesmos.
fontes de incerteza para que a abordagem bottom-up seja

MÉTODO VANTAGENS DESVANTAGENS


Método do GUM Cálculos geralmente simples; não necessita emprego de As premissas para sua aplicação precisam ser
softwares específicos. Não requer conhecimentos avançados atendidas. Derivadas podem ser difíceis.
em matemática. Aproximações do método podem introduzir erros
não conhecidos na incerteza calculada.
Método de Dispensa o cálculo de derivadas parciais. Não requer a Qualidade do resultado depende da qualidade do
Monte Carlo linearidade do modelo. Não requer a aplicabilidade do algoritmo pseudo-aleatório e do número de
Teorema do Limite Central. Pode servir para validar o GUM. gerações. Requer emprego de software.
Métodos Não dependem de geradores de números pseudo-aleatórios. Requerem conhecimentos mais aprofundados de
Alternativos Podem ser estendidos para teoricamente qualquer expressão matemática e o emprego de softwares
analítica. Podem servir para validar o GUM. Boa aplicação específicos. Métodos analíticos têm aplicação
quando do cálculo da incerteza no limite físico. Nesse caso, é restrita pelo seu grau de dificuldade.
importante que se tenha a FDP resultante com a melhor
resolução possível, condição facilmente alcançada.
Quadro 1. Vantagens e desvantagens entre métodos de cálculo de incerteza

ABORDAGEM VANTAGENS DESVANTAGENS


Bottom-up Explicita todas as fontes de incerteza consideradas no cálculo, Requer o conhecimento aprofundado do
em consonância como o modelo matemático de medição. mensurando, definido detalhadamente em um
Quando informações prévias estão disponíveis e o modelo modelo matemático de medição. Em situações de
matemático é simples, a abordagem apresenta o melhor custo- medições complexas pode ser impraticável ou até
benefício. Ideal para calibrações e ensaios simples. fornecer um valor subestimado de incerteza.
Top-down Inclui todas as fontes de incerteza sem que o laboratório tenha Não identifica as componentes de incerteza de
que identificá-las individualmente. Geralmente apresenta forma individual. Não é baseada em um modelo
baixo custo de implantação, pois os dados referentes às fontes matemático apurado, por isso, o valor resultante
de incerteza normalmente já estão disponíveis, havendo várias de incerteza é apenas aproximado. Eventuais
possibilidades para que essas sejam quantificadas. Ideal para valores extremos obtidos em experimentos para
situações envolvendo ensaios com etapas complexas e quando quantificar as fontes de incerteza podem
não há conhecimento detalhado do modelo matemático. inadequadamente superestimar a incerteza final.
Quadro 2. Vantagens e desvantagens entre abordagens para quantificação das fontes de incerteza

MÉTODO DE ABORDAGEM DE QUANTIFICAÇÃO DAS FONTES DE INCERTEZA


CÁLCULO Bottom-up Top-down
Compatibilidade Aplicação Compatibilidade Aplicação
Método do GUM Compatível: é a situação ideal Muito utilizado na área Compatível: quando há Muito utilizado
proposta pelo GUM de avaliação de calibração, ainda que grande complexidade nas em ensaios,
individual das fontes de incerteza possa ser aplicado em etapas do método ou quando sobretudo
em um modelo matemático, para a ensaios mais simples. não há um conhecimento naqueles com
posterior combinação dessas. detalhado no modelo etapas mais
matemático da medição. complexas.
Método de Compatível: usados genericamente Ensaios e calibrações Incompatível: os cálculos Não aplicável.
Monte Carlo em qualquer tipo de medição na com modelo matemático necessários e o emprego de
qual sejam conhecidos o modelo definido. Ideal quando as softwares não justificariam a
matemático e as FDPs das fontes premissas do GUM não utilização de Monte Carlo
de incerteza. são atendidas. nesta situação.
Métodos Compatível: usados genericamente Por sua complexidade, Incompatível: os cálculos Não aplicável.
Alternativos em qualquer tipo de medição na são pouco usados na. necessários e o emprego de
qual sejam conhecidos o modelo Porém, podem ser softwares não justificariam a
matemático e parâmetros aplicados a qualquer tipo utilização de métodos
específicos relacionados às fontes de medição, sem as numéricos e analíticos nesta
de incerteza. restrições do GUM. situação.
Quadro 3. Comparativo cruzado entre métodos e abordagens de cálculo de incerteza
5. CONCLUSÕES
O presente artigo abordou uma revisão e um [10] JORNADA, Daniel; PIZZOLATTO, Morgana. Uso de
comparativo entre os principais métodos e abordagens para planilhas eletrônicas para implementação do método de
o cálculo da incerteza de medição. Os métodos apresentados Monte Carlo para estimativa da incerteza de medição.
foram os do GUM, de Monte Carlo e, de maneira sucinta, ENQUALAB-2005 - Encontro para a Qualidade de
métodos alternativos. As abordagens para quantificação das Laboratórios. 2005, São Paulo.
fontes de incerteza estudadas foram bottom-up e top-down. [11] BENNET, Debora. Aleatoriedade. São Paulo, 2000.
Vale ressaltar o fato de que ainda não há uma plena
padronização em nível internacional quanto à terminologia [12] AGOSTINI, Giulio D. Probability and Measurement
Uncertainty in Physics - a Bayesian Primer. Universita “La
de classificação das abordagens.
Sapienza” and INFN, Roma, Italy. 1995. Disponível em:
O comparativo cruzado dos métodos e abordagens <http://zow00.desy.de:8000/zeus papers/ZEUS
(conforme quadro 3) possibilitou evidenciar as PAPERS/DES95-242.ps> Acessado em 20/10/2006.
compatibilidades e aplicações entre os mesmos.
O trabalho também apresentou as vantagens e [13] AL-HUJAJ; H.L. HARNEY. Objective Bayesian statistics.
MPI für Kernphysik, Postfach. Heidelberg, Germany, 2006
desvantagens dos métodos e abordagens (conforme quadros
1 e 2), de forma que cada laboratório possa, assim, decidir [14] BAZILIO, Fabio. S.; DAMASCENO, Jailton C.; ÁVILA,
qual estratégia adotar com relação ao processo de cálculo de Akie K.; COUTO, Paulo Roberto Guimarães; BORGES,
incerteza de suas medições, levando em consideração suas Renata M. Horta. Evaluation of measurement uncertainty in
necessidades específicas. analytical inorganic assays: a study of case. IMEKO
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ENQUALAB-2007 - Encontro para a Qualidade de
Laboratórios. 2007, São Paulo.

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