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A calibração versus a incerteza nas medições

Antes de iniciarmos, quero colocar que não me prenderei a termos e definições tampouco a demonstração de fórmulas
para cálculo de incertezas de medição e outros conceitos abordados contido nos manuais de referência de core tools do
setor automotivo. Para isso e maior aprofundamento no assunto, sugiro consultar os seguintes:
• Portal: http://www.portalaction.com.br/incerteza-de-medicao
• VIM: Vocabulário Internacional de Metrologia
• GUM: Guia para a Expressão de Incerteza de Medição
• Manual de Referência do AIAG Controle Estatístico do Processo CEP
• Manual de Referência do AIAG Análise do Sistema de Medição MSA
• Manual de Referência do AIAG Análise de Modos de Falha e seus Efeitos FMEA
• Manual de Referência do AIAG Planejamento Avançado da Qualidade do Produto APQP
• Manual de Referência do AIAG Processo de Aprovação de Peça de Produção PPAP
Isto posto, vamos lá. Em termos gerais, existem dois tipos de incerteza que ocorre nas medições a serem consideradas:
1. Incerteza da medição na calibração de um instrumento de medição;
2. Incerteza da medição no uso do instrumento de medição.
Ambas possuem as seguintes fontes:
1. Na calibração de instrumentos:
• Incerteza da calibração do padrão;
• Estabilidade com o tempo do padrão;
• Resolução do instrumento sendo calibrado;
• Avaliação da incerteza tipo A, muitas vezes denominada de repetitividade das medições;
• Efeito das grandezas como temperatura, umidade, entre outras, sobre os resultados das medições (deve-se no entanto
considerar se o instrumento tiver sido climatizado em condições controladas juntamente com o padrão, o que
teoricamente “eliminaria” o efeito da temperatura e umidade).
2. No uso de instrumentos:
• Incerteza herdada da calibração do instrumento sendo utilizado (esta é a incerteza determinada no processo de
calibração, considerando as fontes de incerteza citadas no lado esquerdo);
• Estabilidade do instrumento de medição com o tempo;
• Avaliação da incerteza tipo A, das medições (considerar potencial influência da geometria da peça e/ou variação peça
a peça);
• Efeito das grandezas como temperatura, umidade, entre outras, sobre os resultados das medições.
Para se calcular o segundo, torna-se necessária a quantificação dos componentes da incerteza do tipo B, que são aqueles
avaliados através de outros meios que não a análise estatística de uma série de observações, sendo alguns:
• Reprodutibilidade
• Paralaxe
• Habilidade do avaliador
• Procedimentos (método)
• Entendimento do avaliador
• Limitações
• Resolução
• Erro sistemático
• Exatidão (instrumento)
• Incerteza expandida (calibração do meio de medição)
• Planeza dos batentes
• Erro de paralelismo
• Exatidão (tendência)
• Repetibilidade
• Estabilidade
• Temperatura ambiente
• Iluminância
Nota: Os fatores acima se as medições forem realizadas em um laboratório acreditado (preferencialmente RBLE), estes
fatores têm indicados os seus resultados no certificado.
Lembrou alguma coisa? Compare agora com algumas das fontes de variação estabelecidas em um diagrama de Ishikawa
(causa e efeito) da Variabilidade do Sistema de Medição, contido no Manual de MSA do AIAG 4ª Edição:

Muito parecido com o a quantificação do componente da incerteza do tipo B no cálculo do uso do instrumento de medição
não? Agora observe no diagrama que a “calibração” é uma sub fonte de variação da sub fonte de variação “manutenção”
da fonte de variação “Instrumento (dispositivo de medição)”, bem como uma sub fonte de variação da sub fonte de
variação “estabilidade” da fonte de variação “Padrão”. Ou seja, no cômputo geral dentre todas as demais sub sub fontes,
sub fontes e fontes de variação, a calibração exerce uma variação muito, muito pequena na Variabilidade do Sistema de
Medição.
Nota: deixo claro que não há intenção em se minimizar a importância e relevância de uma calibração em um instrumento
de medição, apenas alertar para a efetiva agregação de valor desta atividade no contexto da medição.
Voltemos à incerteza do tipo B da medição no uso do instrumento de medição. Utilizando-se a fórmula para o cálculo da
incerteza expandida relativa (U) obtém-se como resultado o intervalo de confiança abaixo.
Prob (Xbar – U  Y  Xbar + U) = 95,45%, onde Xbar é a média de uma população representativa do que um processo de
produção gera em relação a uma determinada característica.
Em suma podemos afirmar que em toda medição realizada seja em um laboratório de metrologia, seja em uma área
especifica no processo de produção, sempre haverá uma incerteza da medição e o resultado nunca será acurado, preciso
e livre de tendência.
Consegue imaginar ter-se que calcular a incerteza acima para cada medição que se fizer? O certo seria isso, mas
completamente inviável e com muito baixo valor agregado, a não ser que o nível de acuracidade e precisão sejam
essenciais na tomada de decisão sobre se aprova ou reprova um mensurando.
Como alternativa aos estudos estatísticos acima, o Manual do AIAG de Análise do Sistema de Medição traz métodos para
se avaliar tais incertezas da medição no uso de um sistema de medição que inclui determinados instrumentos, como,
Estabilidade, Tendência, Linearidade, Reprodutibilidade e Repetitividade para características do tipo variável. O Manual
calcula a tendência em cada estudo e estabelece um intervalo de confiança para determinar estatisticamente a
aceitação/rejeição de determinado sistema de medição. Para características do tipo atributo são outros métodos de muita
pouca serventia prática eu concluí com base na minha experiência, no entanto ressalva pode ser feita se tal inspeção
avaliar itens definidos em legislação como sendo de segurança, como a visual realizada em pneus por exemplo.
Mas afinal de contas onde usar tudo isso? Alguns questionamentos são importantes de serem compreendidos para que
consigamos chegar a algumas conclusões. Gostaria de deixar claro que pretendo usar conceitos obtidos de modo prático,
no entanto para quem se interessar em se aprofundar busque os conceitos teóricos no Guia para a Incerteza da Medição
(GUM).
1. Para o que é que serve a calibração de instrumentos de medição?
Com o uso, instrumentos de medição se desgastam ou tem sua capacidade de medir diminuída em relação a oferecer
valores encontrados (VE) que se aproximam de determinados valores convencionados como sendo os verdadeiros (VVC),
ocasionando “erros” (E) também denominados “tendência”. De fato, mesmo quando novo e por menores que sejam,
todos os instrumentos de medição possuem “erros” ou “tendência”, sendo que para aceitação, critérios são estabelecidos
por normas técnicas de construção dos mesmos. O erro explicado de modo prático é a diferença entre o valor verdadeiro
convencional e o valor encontrado: E = VVC - VE. Para eliminar ou minimizar tais erros, são realizadas “manutenções”
periódicas nos instrumentos (ajuste não é o termo correto segundo o Vocabulário Internacional de Metrologia - VIM), que
requer muitas vezes a desmontagem, substituição de componentes, reapertos etc. A frequência destas calibrações é
muito relativa e dependerá de fatores como intensidade no uso, danos por quedas seja na sua integridade física ou
funcional, ou seja, não há um padrão, sendo que algumas leis as estabelecem como é o caso de balanças que são usadas
para fins comerciais, diretivas de agências governamentais, bem como por alguns clientes; não tenho dados em relação a
estas frequências. Um bom balizador para o estabelecimento destas frequências é comparar a variação dos erros entre
calibrações, no entanto é importante destacar que este erro é no momento que o instrumento é recebido pelo laboratório
obtido em uma verificação inicial. Razão esta que é de suma importância e até mesmo requisito de normas da qualidade
como a IATF 16949 (cláusula 7.1.5.2.1 Registros de calibração/verificação alínea “b”), que se registre o valor do erro
quando um instrumento é recebido para calibração, a fim de se rastrear potenciais produtos suspeitos de terem sido
liberados não conforme aos requisitos com tal instrumento. Para maior ajuda na determinação da frequência, pode-se
utilizar também o Método Schumacher bem como o Vocabulário Internacional de Metrologia – VIM.
2. Qual é o impacto da calibração em uma medição?
De fato, o impacto tem mais a ver com o erro do instrumento e caso o mesmo apresente um erro acima de critérios
estabelecidos, por exemplo, usando uma fórmula comumente aceita onde o Erro Máximo Permissível  |Erro maior
encontrado na faixa de utilização| + |Incerteza da medição na calibração|, sendo que o Erro Máximo Permissível (EMP)
de acordo com requisitos do processo (Variação) ou produto (Tolerância), pode ser definido utilizando a relação de 1/3,
embora também se utilize relações de 1/4, 1/5, 1/10 ou maiores dependendo da criticidade da característica a ser medida.
Tenho frequentemente questionado os inspetores ou metrologistas sobre se eles encontrarem em uma medição um valor
que coincida com as especificações da característica do produto ou processo, ele aprovaria ou reprovaria tal produto ou
processo e a resposta em 99% das vezes foi que “aprovaria”, sendo que a resposta adequada deveria ser “depende”. Mas
depende do quê? Do erro do instrumento. Peguemos esse excerto do capítulo I Seção B do Manual do MSA para termos
uma noção exata de quando se deve considerar os erros na tomada de decisão sobre se aprova ou não um instrumento.

Onde:
LIE: Limite Inferior Especificado
LSE: Limite Superior Especificado
Região I: peças ruins serão sempre consideradas ruins
Região II: potencial decisão errada pode ser tomada
Região III: peças boas serão sempre chamadas de boas
Temos então que se o resultado da leitura coincide ou se aproxima dos limites de especificação, temos duas possibilidades
caso não consideremos o erro do instrumento:
1. Aprovamos um produto reprovado com prejuízo para o cliente e organização decorrente das consequências, ou
2. Reprovamos um produto aprovado com prejuízo para a organização.
Vamos pensar por outro lado que é o de se medir uma característica que apresenta um processo estável e com índices de
capabilidade Cpk  2,33 (6 sigma considerando deslocamentos) onde podemos estatisticamente inferir que 2 peças em 1
bilhão produzidas podem conter uma NC naquela característica. Acredita que haverá qualquer possibilidade de um
instrumento que esteja com um erro acima do EMP interferir no resultado? Lembro que está contemplado neste índice
de capabilidade todas as fontes de variação em um processo (6Ms), sendo que um deles é a medição.
Aproveitando, você sabe o que em termos práticos representam aqueles critérios de aceitação de um R&R em um estudo
de MSA, quais sejam abaixo de 10% aceitável, entre 10% e 30% sob condição e acima de 30% inaceitável? Significa que o
M de medição somente pode interferir significativamente na variação de um processo em no máximo 10%. Então
imaginemos o mesmo processo estável e capaz acima. Acredita que mesmo que o sistema de medição esteja interferindo
mais do que 30% no resultado do estudo isso é significativo? E se a calibração é uma sub sub fonte de variação no sistema
de medição, estaria ela interferindo significativamente no resultado? Então vai uma dica preciosa: antes de conduzir um
estudo de MSA conduza um estudo de Cpk. Em se obtendo índices de Cpk  2,00 não é obrigatório conduzir estudos de
MSA. Ah, mas a característica está no Plano de Controle e a IATF requer que se faça MSA. Ôpa! A IATF requer que se
conduzam “estudos estatísticos”, ela não fala em R&R tampouco nos demais estudos contidos no Manual do AIAG. Ah,
mas o cliente quer que a empresa faça MSA. Mostre para ele estas constatações e o quanto de recursos estariam sendo
literalmente sendo lançados na lata do lixo. Observe que tudo o que mencionei em nada diverge do que consta nos
manuais de referência. Caso ele insista, escalone e entregue o caso para níveis superiores, porque a discussão já
extrapolou os campos técnico, da razoabilidade e do bom senso.
3. Qual é a diferença entre instrumentos de medição de “construção rígida” e os que possuem mecanismos?
Por último e penso ser aqui que se encontra o “pulo do gato” e é onde eu mais tenho enfrentado resistências, tem a ver
com a constituição construtiva de um instrumento de medição. Em minha especialização em confiabilidade metrológica
no MBA em Engenharia da Qualidade do PECE-USP, muito debatemos este assunto e nunca me esquecerei das colocações
de meu mestre, engenheiro naval: nunca se deve calibrar periodicamente um instrumento de construção rígida. Ora,
simples. São instrumentos cujas escalas de leitura não sofrem variações devido a uso, dilatações, acidentes etc., por
exemplo, escalas (metálicas ou plástico), vidrarias de laboratório, trenas, termômetros clínicos, calibradores p/np, dentre
outros. Sofrem sim desgastes, como no caso de uma trena, pode ocorrer com o uso perda de legibilidade da fita graduada,
afrouxamento do encosto de referência, avarias no mecanismo de recolhimento, quebra do estojo etc. Mas a capacidade
de medir da fita graduada em se mantendo sua legibilidade nunca irá sofrer variação pois sua “construção é rígida”.
Analogamente demais instrumentos com escalas graduadas. E o que dizer de um dispositivo do tipo p/np como os anéis
para medição de roscas, diâmetros, lacunas (gap) erroneamente a meu ver chamados de “calibradores” (calibram o quê),
no que eles variam com o uso? Se desgastam? Ok, mas isso é no longo prazo e muito fácil de se observar. Para todos estes
a dica é: primeiro conheçam o erro e este sim pode vir em um certificado emitido pelo fabricante ou no caso de trenas,
vidrarias, tais erros são estabelecidos em normas de fabricação. Conhecido tal erro, ele nunca irá variar, exceto se com o
uso no longo prazo houver desgaste que justificaria uma avaliação como no caso de Calibradores tipo P/NP. Portanto,
façam com uma frequência estabelecida uma manutenção, que consiste simplesmente numa averiguação da condição
física e funcional do instrumento. Pare de jogar dinheiro na lata do lixo enviando tais tipos de instrumentos para
calibração.
Bom! Com relação a diferença entre os acima mencionados e o “não rígidos”, é que estes possuem mecanismos que com
o uso perdem sua capacidade de medir com a devida acuracidade em função do erro que tende a aumentar. Ainda assim,
deve-se com bastante parcimônia, estabelecer frequências em função de vários fatores como intensidade de uso, tipo de
construção (analógico, digital etc.), não há uma regra única.
A norma ISO 9001 estabelece que o, quando se requer obter resultados válidos, o instrumento seja calibrado ou verificado
a intervalos pré-estabelecidos.
Ora, com base em tudo o que foi colocado, fica muito, muito menos custoso estabelecer rotinas de “verificação” para
confirmar se os erros vêm se mantendo ou não, e aí sim uma vez que o erro encontrado deixe de atender aos critérios de
aceitação, enviar o instrumento para calibração, a fim de, sendo possível, eliminar ou minimizar tal erro. A verificação é
uma rotina de medição simples realizada sobre padrões como blocos e anéis padrão ou até mesmo utilizando
equipamentos mais precisos como uma tridimensional, utilizando informações documentadas controladas do sistema de
gestão como instruções de trabalho básicas e registros dos erros encontrados; imperativo que seja conduzido por
profissionais experientes em metrologia, mas não requer maiores cálculos de incerteza, tampouco ser realizado em
laboratórios acreditados e sim os internos normais de uma empresa.
Outro balizador extremamente importante é o nível de precisão e acurácia requerido pela característica que está sendo
mensurada. Uma balança analítica de resolução 0,0001 g, pesando pigmentos de uma receita para confecção de grânulos
poliméricos ou tintas, requer muito menos precisão e acurácia do que a mesma balança medindo componentes de uma
receita para confecção de um remédio. É o tal do risco, tão bem abordado nas FMEAs que determinarão os instrumentos
a serem utilizados nas mais diversas medições das características seja um produto ou processo contemplados nos Planos
de Controle e é justamente para isso que servem tais planos, ou seja, planejar como serão controladas as características
especiais de produto e de processo.
Isto posto, acredito que podemos resumir na minha opinião que:
1. Não se calibra equipamentos de medição e ensaio de construção rígida, deve-se conhecer seus erros permissíveis por
normas de construção, periodicamente fazer manutenções de avaliação de seu estado em relação a integridade física e
funcional e em se constatando sua inoperabilidade, troca-se;
2. Para os equipamentos de medição e ensaio que não são de construção rígida, pode-se estabelecer sistemáticas de
verificação para se confirmar a manutenção do erro e uma vez constatado o não atendimento dos critérios de aceitação
do erro, enviar para calibração.
Concluindo, um gerenciamento eficaz e eficiente dos equipamentos de inspeção medição e ensaios, pode proporcionar
significativa redução dos custos da qualidade associados com avaliações.

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