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Viviane Ramalho
RESUMO
Apresentação
E
ste artigo reúne resultados de uma pesquisa de doutorado sobre o
discurso da publicidade de medicamentos brasileira (RAMALHO,
2008)1. Nessa pesquisa, investigamos sentidos ideológicos em textos
publicitários com o objetivo de problematizar o papel do discurso na susten-
tação de um grave problema social, amplamente discutido na atualidade, que
pressupõe relações assimétricas de poder, sobretudo entre “leigos” e “peritos”.
Os principais pressupostos teórico-metodológicos utilizados na pesquisa
e abordados aqui provêm da Análise de Discurso Crítica (ADC) de vertente
1
RAMALHO, Viviane. Discurso e ideologia na propaganda de medicamentos: um estudo crí-
tico sobre mudanças sociais e discursivas. Tese de doutorado. Universidade de Brasília. Pro-
grama de Pós-Graduação em Linguística, 2008.
Ramalho, Viviane.
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2
CHOULIARAKI, Lilie & FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in late modernity: rethinking
Critical Discourse Analysis. Edinbourg: Edinbourg University, 1999. FAIRCLOUGH, Nor-
man. Discurso e mudança social. Trad./Org. Izabel Magalhães. Brasília: Universidade de Brasí-
lia, 2001. FAIRCLOUGH, Norman. Analysing discourse: textual analysis for social research.
London; New York: Routledge. 2003.
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3
WODAK, Ruth. “Do que trata a ACD – um resumo de sua história, conceitos importantes
e seus desenvolvimentos”. Linguagem em (Dis)curso. CALDAS-COULTHARD, C. R. &
Figueiredo, D. de C. (Orgs.) Análise Crítica do Discurso, 4: esp., 2004, p. 223-243.
4
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Trad. (coord.) Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002.
5
BHASKAR, Roy. The possibility of Naturalism: a philosophical critique of the contemporary
Human Sciences. Hemel Hempstead: Harvester Wheatsheaf, 1989.
6
RAMALHO, Viviane. Análise de Discurso e Realismo Crítico: princípios para uma abor-
dagem crítica explanatória do discurso. In: Anais da XII Conferência Anual da IACR - Inter-
national Association for Critical Realism. Realismo e emancipação humana. Um outro mundo
é possível? Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ. CD ROM v. XII (s.p.).
Disponível em: http://www.uff.br/iacr/. Acesso em 30 set. 2009.
Ramalho, Viviane.
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LEFÈVRE, Fernando. O medicamento como mercadoria simbólica. São Paulo: Cor-
tez, 1991.
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14
RAMALHO, Viviane. ‘Magra sem pesar no bolso’: discurso e ideologia na pro-
paganda de medicamentos. In: Silva, Denize Elena Garcia da; Leal, M. C. D.;
Pacheco, M. C. N. (Org.) Discurso em questão: representação, gênero, identidade,
discriminação. Goiânia: Cânone, 2009b, p. 189-200.
Ramalho, Viviane.
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SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
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Vários estudos sociais têm apontado uma mudança das práticas de con-
sumo utilitaristas, próprias da sociedade industrial, para novas práticas funda-
das num consumismo hedonista, voltado menos para suprir necessidades do
que para satisfazer desejos, relacionados a prazer, bem-estar, felicidade, reali-
zação pessoal. É nessa perspectiva que, para Bauman (2001), o indivíduo não
mais “nasce em” sua identidade. Precisa escolhê-la, o que muitas vezes equivale
a ir às compras, sobretudo de viagens, vinhos, obras de arte, espetáculos. Essa
descrição aproxima-se do posicionamento atribuído ao/à consumidor/a do
medicamento anunciado no texto, que “deveria” buscar a expansão do poten-
cial do corpo, como forma de autorrealização.
Outrora, como verificamos em Ramalho (2008), os/as consumidores/
as potenciais de medicamento, representados em anúncios, eram chefes de
família e donas de casa, mães, esposas, “nascidos/as nestas” identidades. Hoje,
por outro lado, os consumidores “hedonistas” do séc. XXI, representados no
Ramalho, Viviane.
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texto em análise, por exemplo, são a mulher madura e solteira, que não tem
filhos, que está em busca de relacionamentos amorosos, que expressa desejos;
e o homem (cujo expoente seria o gatão de meia-idade, de Miguel Paiva), se-
parado, que tem filhos mas não é chefe de família, que também está em busca
de prazer, e assim por diante.
Essa representação também está associada a uma imagem ‘elitista’ de pes-
soas com poder aquisitivo, haja vista elementos como “bar da moda”, “cur-
riculum”, e comportamentos como “falar baixo”, “malhar, fazer check-up”, e
outros. As propagandas atuais posicionam o/a consumidor/a de medicamen-
tos como aquele/a que possui poder aquisitivo para alcançar mais prazer e
felicidade com a expansão do potencial corporal, possibilitada pelo consumo
de drogas.
Como, conforme Castells (2001)16 e Fairclough (2003), a identidade
é construída, também, com base em sentidos que circulam em nosso meio
sociocultural, a disseminação de discursos sobre um ideal de saúde suposta-
mente alcançável pelo consumo de medicamentos pode contribuir para (auto)
identificações projetadas nesse ideal. Na definição de Silva (2000: 14)17, para
processos de identificação projetados em “superatletas. Supermodelos. Clones.
Seres ‘artificiais’ que superam, localizada e parcialmente (por enquanto), as
limitadas qualidades e as evidentes fragilidades dos humanos”.
Assim, como vimos, nos anúncios em geral, uma história é “contada
para vender”; aqui, peculiarmente, além daquele fim, a história é contada
para simular uma campanha de utilidade pública com vista a promover, de
modo velado, um medicamento de venda sob prescrição. Para fugir a proi-
bições legais que pesam sobre esse tipo de propaganda, no texto articulam-se
convenções discursivas da HQ de condicionamento de atitudes, caracterís-
tica de campanhas de utilidade pública, segundo Eisner (1989)18. Isto é, as
tipificações da HQ (personagens, imagens, balões de fala) são articuladas
no texto para dissimular propósitos promocionais e estratégicos, fazendo-se
16
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Trad. Klauss B. Gerhardt. São Paulo:
Paz e Terra, 2001.
17
SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org./Trad.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do
pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
18
EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
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Considerações finais
ABSTRACT
Recebido: 08/04/2010
Aprovado: 09/06/2010