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Literatura e Cultura

Brasileira

Autor
Frederico Barbosa

2008
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.

B238 Barbosa, Frederico. / Literatura e Cultura Brasileira. / Frede-


rico Barbosa. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008.
172 p.

ISBN: 978-85-7638-857-9

1. Literatura brasileira. 2. Cultura brasileira. 3. História – Brasil.


4. Romantismo – Brasil. I. Título.

CDD 869

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Sumário
O que é Brasil? Literatura informativa durante o século XVI | 7
Breve histórico | 7
Literatura jesuítica | 9
Brasileiros: de anjos a demônios | 11
Sobre a Literatura informativa | 15

O Barroco e a formação do continente | 19


Definição de Barroco | 19
O Barroco em Portugal e no Brasil | 21
O Barroco no Brasil | 22

Padre Antônio Vieira: a retórica entre dois mundos | 31


Vieira hoje | 31

Gregório de Matos e o nativismo crítico | 43


Gregório de Matos (1636-1696) | 43

Neoclassicismo e a consolidação de um sistema literário no Brasil | 55


O Arcadismo em Portugal e no Brasil | 55

Cláudio Manuel da Costa: o poeta das pedras | 67


Uma breve biografia | 67
Apresentação da obra | 67

Tomás Antônio Gonzaga: poesia e política | 81


Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) | 81

Romantismo e a formação da nacionalidade | 97


Por que o Romantismo foi tão importante no Brasil? | 97
Os folhetins | 99
O nascimento do romance brasileiro | 99
José de Alencar (1829-1877) | 100
Outros romancistas românticos | 102

Gonçalves Dias: nacionalismo e indianismo | 107


Gonçalves Dias (1823-1864) | 107

Álvares de Azevedo: o escapismo ultra-romântico | 123


Infância | 123
Faculdade de Direito | 123
Morte | 124
Obra | 124

Castro Alves: o condoreirismo e a crítica social | 137


Castro Alves (1847-1871) – vida fugaz e intensa | 137

Sousândrade e a invenção na poesia | 149


Breve biografia | 149
Comentário biográfico | 149

Gabarito | 163

Referências | 169

Anotações | 171
Apresentação
Este livro apresenta os primórdios da literatura brasileira, desde a
primeira manifestação literária no Brasil, escrita em língua portuguesa,
a Carta do Descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, até a poesia inventiva
e ímpar de Sousândrade.
A escolha dos autores e textos estudados no livro obedeceu a qua-
tro critérios básicos: a sua importância do ponto de vista da evolução te-
mática e formal da literatura brasileira como reflexo das nossas mutações
culturais; o seu valor literário (poético) intrínseco; as possibilidades de re-
lacionar cada texto escolhido a outros do livro, apontando-se, assim, para
os diálogos que textos das mais variadas épocas estabelecem entre si e a
riqueza de recursos estilísticos e lingüísticos de cada texto.
A ênfase, portanto, recaiu sobre a produção mais criativa e original
dos autores elencados: aquela que os torna significativos não só como fru-
to de uma época ou estilo, mas principalmente como indivíduos singulares
e formadores, com suas obras, das épocas, dos estilos e da cultura do país.
Nem por isso foram esquecidas ou rechaçadas as obras mais conhecidas e
típicas, segundo a historiografia literária tradicional, de cada um dos auto-
res abordados, para que, do confronto entre os textos mais consagrados
(que nem sempre são os mais ousados) e aqueles mais inovadores dentro
da sua época (que nem sempre são de conhecimento geral), o leitor possa
formar uma imagem mais nítida, arejada e ampla de cada autor, tanto no
que apresenta de condizente com seu tempo quanto no que demonstra
de inovador até para o leitor contemporâneo.
Cada aula é composta de uma introdução, seja sobre o seu período
histórico/literário abordado, seja, nas aulas específicas sobre determinado
autor, de notas biobibliográficas sobre o escritor. Em seguida temos uma
proposta de análise literária, na qual se procura estabelecer uma ponte
entre a literatura do passado e a atualidade.
Assim, a Literatura informativa do século XVI é articulada ao Moder-
nismo de Mário e Oswald de Andrade, o Barroco é associado à teoria do
Neobarroco de Haroldo de Campos, Padre Antônio Vieira é colocado em
confronto com os pregadores atuais, é discutida a similaridade entre Gre-
gório de Matos e Caetano Veloso. Já o Arcadismo brasileiro é motivo para
que se discuta a formação da nossa literatura, sob as perspectivas dis-
cordantes de Antonio Candido e Haroldo de Campos, enquanto seu pri-
meiro representante, Cláudio Manuel da Costa, é relacionado a Augusto
de Campos, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade,
e Tomás Antônio Gonzaga é abordado pelo prisma da sua releitura por
Cecília Meireles.
Os romancistas românticos são associados à Antropofagia de
Oswald de Andrade e ao Tropicalismo de Caetano Veloso. Quanto a
Gonçalves Dias, observa-se o seu estudo da literatura do passado,
por meio da reutilização de passagens do cronista quinhentista Pero
de Magalhães Gândavo na composição de sua obra. Já Álvares de
Azevedo é associado ao movimento “dark” contemporâneo. Enquan­to
Castro Alves é relacionado à teoria de Roland Barthes e Sousândrade
à vanguarda contemporânea de Augusto de Campos.
Este livro pretende, assim, ajudar o estudante a ler o nosso passa-
do literário colocando-o em perspectiva atual, com atenção aos aspec-
tos socioculturais e também às sutilezas da criação e invenção literárias.
Ou seja, ver nossa literatura e nossa cultura com os olhos da inquietação
e da curiosidade.
Frederico Barbosa
Romantismo e a
formação da nacionalidade
Por que o Romantismo foi tão importante no
Brasil?
O marco inicial do Romantismo brasileiro é a publicação do livro de poe-
mas Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães, em 1836, apenas
14 anos após a Independência do Brasil, em 1822. Uma estética que valoriza o
nacionalismo e a liberdade haveria de se ajustar plenamente ao espírito de um
Domingos José Gonçalves país que acabara de se tornar uma nação, conquistando sua liberdade, ainda
de Magalhães. que ilusória, do domínio colonial.

Primórdios do Romantismo brasileiro


Entre 1833 e 1836, um grupo de jovens estudantes brasileiros residentes
em Paris, sob o comando de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-
1882) e Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879) – muito influenciados por
Almeida Garrett, que conheceram em Paris, e pela leitura dos românticos fran-
ceses – deflagram um processo de renovação das letras nacionais que resultou
na implantação do estilo romântico na literatura brasileira. Em 1836, fundam,
ainda em Paris, a Niterói, Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes, cujos dois
números traziam como epígrafe: “Tudo pelo Brasil e para o Brasil”. No mesmo
ano, Gonçalves de Magalhães, que haveria de se tornar o aglutinador das idéias
românticas no Brasil, porta-voz oficial do nacionalismo literário, fomentado pelo
Imperador Dom Pedro II, publica Suspiros Poéticos e Saudades, obra medíocre, Manuel de Araújo Porto
mas importante como marco inaugural do Romantismo no Brasil. Alegre.
98 | Literatura e Cultura Brasileira

Primeira geração do Romantismo no Brasil: indianismo


A primeira geração do Romantismo brasileiro notabilizou-se pela tentati-
va de adaptar, de maneira nacionalista, o medievalismo heróico do Romantismo
europeu à natureza exótica e exuberante do Brasil. A nação que surgia com a
independência buscava seus heróis formadores, os mitos que a distinguissem
das origens européias.
Utópicos, os primeiros românticos brasileiros buscam no nativismo da
literatura anterior à independência, no elogio da terra e do homem primitivo
brasileiro, os pilares sobre os quais se haveria de criar a identidade de uma nova
nação. Inspirados em Montaigne1 e Rousseau2, idealizavam os índios brasileiros
como bons selvagens, cujos valores heróicos tomam como paradigmas da for-
Antônio Gonçalves Dias.
mação do povo brasileiro.
Embora Gonçalves de Magalhães e Manuel de Araújo Porto Alegre tenham sido os introdutores
do Romantismo no Brasil, foi Antônio Gonçalves Dias o primeiro poeta de real valor a surgir na primeira
geração romântica da poesia brasileira.

Segunda geração do Romantismo no Brasil: ultra-romantismo


A segunda geração da poesia romântica brasileira é marcada pela falên­
cia dos ideais nacionalistas utópicos dos nossos primeiros românticos. Depres-
sivos e influenciados por Byron e Musset, os ultra-românticos são dominados
pelo “mal do século” ou spleen: o tédio e a melancolia dos que não vêem outra
solução para a “dor vivente” senão a morte ou o retorno à infância. O escape não
é mais para a terra utópica de Gonçalves Dias, onde o sabiá canta nas palmeiras,
e sim para a infantilidade dos “oito anos”3 de Casimiro de Abreu (1839-1860) ou
para a “amiga morte”4 de Junqueira Freire (1832-1855).
O representante máximo do ultra-romantismo na poesia brasileira foi Ál-
vares de Azevedo, considerado o Byron brasileiro, apresenta, além dos conheci-
dos poemas sentimentais, também uma poesia irônica e prosaica em que abor-
da com rara consciência crítica, principalmente se tratando de um poeta de tão Álvares de Azevedo.
pouca idade, o exagero de sentimentalismo de sua geração.

Terceira geração do Romantismo no Brasil: condoreirismo


Entre 1850 e 1870 predominou na poesia brasileira o estilo romântico que Capistrano de Abreu
(1853-1927) denominou de condoreiro. Influenciados pela poesia social de Victor Hugo, poetas como
Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) pratica-

1 Michel Eyquem de Montaigne, humanista e filósofo francês, viveu de 1533 a 1592.


2 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um filósofo suíço, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata. Uma das figuras
marcantes do Iluminismo francês, Rousseau foi também um precursor do Romantismo.
3 Referência ao poema “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu, que trata da nostalgia da infância.
4 Referência ao poema “Morte (Hora de delírio)” que demonstra o desejo pela morte do eu lírico criado por Junqueira Freire.
Romantismo e a formação da nacionalidade | 99

ram uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses em que se destacam


os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura
e a apologia da república. Um de seus símbolos mais freqüentes é a imagem do
condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América. Essa poesia de
teor declamativo e pendor social produziu um dos mais populares poetas brasi-
leiros, o baiano Castro Alves.
Neste período tivemos também a obra do maranhense Joaquim de Sousa
Andrade que foi esquecida durante décadas e resgatada no final da década de
1950 pelos poetas Augusto e Haroldo de Campos e pelo crítico Luiz Costa Lima,
revelando-se uma das mais originais e instigantes de todo o nosso Romantismo.
Capistrano de Abreu.

A prosa romântica no Brasil –


como o romance se transformou no gênero mais lido no Brasil?
Embora fizessem sucesso junto ao público, os primeiros romances brasileiros, publicados em fo-
lhetim, não deixavam de ser considerados, pelos literatos “sérios”, como “uma leitura agradável, diríamos
quase um alimento de fácil digestão, proporcionado a estômagos fracos.”5 O romance, esse gênero li-
terário novo e “fácil”, que foi introduzido na literatura brasileira por autores como Joaquim Manuel de
Macedo e Manuel Antônio de Almeida, ganharia status de literatura séria com a gigantesca obra de José
de Alencar.

Os folhetins
A publicação de romances em folhetins – os capítulos aparecendo a cada dia nos jornais – já era
comum no Brasil desde a década de 1830. A maior parte dos folhetins era composta por traduções de
romances de origem inglesa, como as histórias medievais de Walter Scott, ou francesa, como as aventu-
ras dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.
Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um Ivanhoé6 ou de um
D’Artagnan7, transportando-se, em espírito, para os campos da Inglaterra medieval ou para a Paris do
rei Luís.

O nascimento do romance brasileiro


Na década de 1840 começam a aparecer alguns folhetins de autores nacionais, ambientados no
Brasil. Teixeira e Sousa (1812-1861), considerado por muitos o nosso primeiro romancista, estréia em
1843 com O Filho do Marinheiro.
5 Disponível em: <www.portaldovestibular.com.br/Vestibular/Resumos-de-livros/A-Escrava-Isaura-Bernardo-Guimaraes.html/Page-2.html>.
Acesso em: 6 jan. 2008.
6 Heróico cavaleiro medieval, Ivanhoé é o personagem que dá nome ao romance de cavalaria, publicado em 1819, do autor romântico Walter Scott.
7 Personagem heróico do escritor francês Alexandre Dumas, D’Artagnan conseguiu se tornar um mosqueteiro na obra Os Três Mosqueteiros,
publicada em 1844 em forma de folhetim.
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No ano seguinte, o jovem estudante de medicina, Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), surge
com A Moreninha, o primeiro romance nacional “apreciável pela coerência e pela execução”8.
Em meio à corrente açucarada dos nossos primeiros folhetinistas surge, já entre 1852-53, a obra
excêntrica de um jornalista carioca de 21 anos chamado Manuel Antônio de Almeida (1831-1861). As
suas Memórias de um Sargento de Milícias retratam de forma irônica a vida do Rio de Janeiro no tempo
do rei Dom João VI e apresentam um contraponto cômico à seriedade por vezes excessiva e à inverossi-
milhança dos romances do Dr. Macedinho.

José de Alencar (1829-1877)


Deve-se, sobretudo, a José de Alencar a afirmação do romance como gênero nobre na litera-
tura brasileira.
José de Alencar nasceu em Mecejana, no Ceará. Filho de um ex-padre, que se tornou presiden-
te da Província do Ceará e senador do Império, o jovem Alencar se transfere, aos nove anos, para a
cidade do Rio de Janeiro. Aos 15 anos matricula-se nos cursos preparatórios à
Faculdade de Direito de São Paulo. Lê, então, o recém-publicado romance A
Moreninha, cujo sucesso em muito há de influenciá-lo na decisão posterior de
se tornar romancista.
Em São Paulo, Alencar cursa os primeiros anos da Faculdade de Direi-
to e começa a publicar seus primeiros textos em algumas revistas estudantis.
Transfere-se em 1848 para a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.
Em Olinda, na velha biblioteca do Mosteiro de São Bento, encontra a literatura
dos antigos cronistas coloniais, como Gabriel Soares de Sousa e Pero Magalhães
Gândavo, que depois vai utilizar na elaboração dos seus romances históricos e
José de Alencar.
indianistas. Voltando a São Paulo, após contrair tuberculose, forma-se em Direito
no final de 1850.

O folhetinista
Em 1851, retorna à capital do país e lá começa a advogar. Não se esquece, porém, da literatura.
Em 1854 começa a escrever uma seção diária no Correio Mercantil intitulada Ao Correr da Pena, em que
comenta os mais variados assuntos da vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves de temática
cotidiana podem ser considerados os precursores da crônica moderna. Em 1855, Alencar é um dos fun-
dadores do jornal O Diário do Rio de Janeiro, do qual é editor-chefe. No final de 1856, Alencar inicia sua
carreira de romancista ao publicar, no jornal, o curto romance Cinco Minutos, que é recebido por seus
leitores com grande simpatia.
Estimulado pelo sucesso do primeiro, logo começa a publicar um segundo romance, A Viuvinha,
cuja publicação interrompe quando, por engano, um companheiro seu publica o final da história na

8 Disponível em: <http://br.geocities.com/felipemourac/oguarani.htm>. Acesso em: 6 jan. 08.


Romantismo e a formação da nacionalidade | 101

Revista de Domingo. Inicia, então, a publicação de O Guarani, que logo se transforma em um dos maiores
sucessos de público de toda a história da literatura brasileira.

O polemista
Do início de junho ao final de outubro de 1856, um pouco antes de escrever O Guarani, Alencar
participou, sempre através das páginas do Diário do Rio de Janeiro, de uma polêmica acalorada sobre o
papel do índio na literatura brasileira.
Em uma série de cartas assinadas com o pseudônimo de Ig., Alencar critica o artificialismo do
tratamento do índio dado por Gonçalves de Magalhães no poema “A Confederação dos Tamoios”, que,
segundo ele, “não está à altura do assunto”. Saem em defesa do poeta vários amigos seus, entre eles o
próprio Imperador Dom Pedro II, que, posteriormente, seria criticado por Alencar nas Cartas de Erasmo
(1865).
Foi por meio de um gênero que engatinhava no Brasil, o romance, que Alencar encontrou o me-
lhor veículo para cantar o índio e as belezas da sua terra. Mesclando, em O Guarani, e depois em Iracema,
o tratamento poético do índio com o exotismo da Idade Média idealizada por Walter Scott e as aven-
turas dos heróis de Alexandre Dumas, atingiu um público muito mais amplo do que os poetas que o
precederam na apresentação da figura do índio como símbolo da pureza nacional.

O político e o dramaturgo
Entre 1857 e 1870, além de publicar diversos romances, entre eles Lucíola (1862) e Iracema (1865),
Alencar foi eleito várias vezes deputado, Ministro da Justiça entre 1868 e 1870, e dedicou-se também
ao teatro, escrevendo O Demônio Familiar (1857), As Asas de um Anjo (1858) e A Mãe (1860), entre outras
peças. Em 1870 abandona a política após ser preterido para a vaga de senador.

O ermitão
Após retirar-se, ressentido, da política, Alencar inicia uma fase de recolhimento: poucos amigos
e nenhum sorriso. Sua produção novelística é intensificada, agora norteada pelo projeto de descrição
do Brasil, anunciado no prefácio do livro Sonhos d’Ouro (1872). Em 1875, publica Senhora, um de seus
romances mais complexos.
Ao morrer, em 1877, Alencar era considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Prin-
cipalmente por Machado de Assis, seu amigo e mais fiel admirador, e que logo o destronaria.

O projeto
O próprio Alencar aponta que seus romances se encaixam em um projeto de descrição global do
Brasil. Divide-os em quatro tipos:
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::: Romance urbano, como Lucíola e Senhora.


::: Romance regionalista, como O Gaúcho e O Sertanejo.
::: Romance indianista, como Iracema e Ubirajara.
::: Romance histórico, como O Guarani e As Minas de Prata.
A crítica posterior haveria de relativizar essa classificação. Tanto Iracema quanto O Guarani são
considerados ao mesmo tempo históricos e indianistas.

Outros romancistas românticos


Destacaram-se também os romancistas Bernardo Guimarães (1825-1884), autor de A Escrava
I­saura (1875), Franklin Távora (1842-1888), autor de O Cabeleira (1876) e o Visconde de Taunay (1843-
1899), autor de Inocência (1872).

Texto complementar
O prisioneiro
(ALENCAR, 1999, p. 328-334)
Os Aimorés, depois de ligarem os punhos do prisioneiro, o conduziram a alguma distância à
sombra de uma árvore, e aí o prenderam com uma corda de algodão matizada de várias cores a que
os Guaranis chamavam muçurana.
[...]
Peri, sentado sobre a raiz da árvore e apoiado contra o tronco, não percebia o que se passava
em torno dele; tinha os olhos fitos na esplanada da casa que se elevava a alguma distância. [...]
Enquanto Peri, preocupado por essas idéias, enlevava‑se ainda uma vez em contemplar mes-
mo de longe a figura de Cecília, a índia de pé, defronte dele, olhava‑o com um sentimento de prazer
misturado de surpresa e curiosidade.
Comparava suas formas esbeltas e delicadas com o corpo selvagem de seus companheiros; a
expressão inteligente de sua fisionomia com o aspecto embrutecido dos Aimorés; para ela, Peri era
um homem superior e excitava‑lhe profunda admiração. [...]
[...]
O índio voltou o rosto com desdém; recusava as flores como tinha recusado os frutos; repelia a
embriaguez do prazer como havia repelido a embriaguez do vinho.
Romantismo e a formação da nacionalidade | 103

A menina enlaçou‑o com os braços, murmurando palavras entrecortadas de uma língua desco-
nhecida, da língua dos Aimorés, que Peri não entendia; era talvez uma súplica, ou um consolo com
que procurava mitigar a dor do vencido. [...]
O índio fechou os olhos e pensou em sua senhora. Elevando‑se até Cecília, seu pensamento
desprendia‑se do invólucro terrestre e adejava numa atmosfera pura e isenta da fascinação dos
sentidos que escraviza o homem.
Contudo Peri sentia o hálito ardente da menina que lhe requeimava as faces: entreabriu os
olhos, e viu‑a na mesma posição, esperando uma carícia, um afago daquele a quem a sua tribo man-
dara que amasse, e a quem ela já amava espontaneamente.
Na vida selvagem, tão próxima da natureza, onde a conveniência e os costumes não reprimem
os movimentos do coração, o sentimento é uma flor que nasce como a flor do campo, e cresce em
algumas horas com uma gota de orvalho e um raio de sol.
Nos tempos de civilização, ao contrário, o sentimento torna‑se planta exótica; que só vinga e
floresce nas estufas, isto é, nos corações onde o sangue é vigoroso, e o fogo da paixão ardente e
intenso.
Vendo Peri no meio do combate, só contra toda a sua tribo, a índia o admirara: contemplan-
do‑o depois quando prisioneiro, o achara mais belo do que todos os guerreiros.
Seu pai a destinara para esposa do inimigo que ia ser sacrificado; e portanto ela que começara
por admirá‑lo, acabava por desejá‑lo, por amá‑lo, algumas horas apenas depois que o tinha visto.
Mas Peri, frio e indiferente, não se comovia, nem aceitava essa afeição passageira e efêmera
que tinha começado com o dia e devia acabar com ele; sua idéia fixa, a lembrança de seus amigos,
o protegia contra a tentação.
[...]

Leia, abaixo, fragmentos do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade:

Manifesto antropófago
(Fragmentos)
Tupi or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o
que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as re-
voltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração
dos direitos do homem.
104 | Literatura e Cultura Brasileira

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer
na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fin-
gindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de
D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema – o patriarca João
Ramalho fundador de São Paulo.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem comple-
xos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade
Em Piratininga
Ano 374 da Deglutição do bispo Sardinha.
(Revista de Antropofagia, ano I, n. I, maio de 1928.)

Estudos literários
1. Leia os textos a seguir e responda às questões que os seguem.

Um índio
Caetano Veloso
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Romantismo e a formação da nacionalidade | 105

Virá
Impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi
Tranqüilo e infálivel como Bruce Lee
Virá que eu vi
O axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá

a) Nessa canção, Caetano Veloso apresenta uma interessante concepção da questão racial.
Aponte-a.
106 | Literatura e Cultura Brasileira

2. A que escritores românticos brasileiros, e suas respectivas obras, Caetano Veloso se refere nessa
canção? Se for preciso, pesquise a obra dos principais escritores românticos.

3. A partir de sua leitura dos textos complementares, o fragmento de O Guarani, de José de Alencar,
assim como fragmentos do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade, discorra sobre como
Oswald se posiciona em relação ao Guarani e, portanto, como o Modernismo se relaciona com o
Romantismo.

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