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A sexualidade na psicanálise é compreendida como articulador do corpo (superfície

material) e do psíquico, sendo a adolescência como momento onde as feridas estão abertas
e expostas. A constituição da sexualidade madura é travada por um longo percurso. O
“término” do complexo de Édipo na infância é seguido do período de latência, fase de
aceitação do interdito do incesto e do reconhecimento infantil de sua ainda imaturidade
sexual. Na latência, então, a criança sublima seu investimento sexual do desejo incestuoso
para o saber, caracterizando um adiamento necessário da prática sexual adulta.

A adolescência é o momento de retorno de uma questão que foi previamente adiada, que
não foi solucionada e que aguarda por um destino. A questão Edipiana então retorna com
uma força ainda maior diante da efervescência da sexualidade genital, fazendo com seja
necessário que o objeto de desejo interditado seja abandonado para que seja possível
eleger novos objetos de investimento. O retorno da problemática Edipiana se conforma de
uma maneira extremamente delicada. Além de o objeto abandonado ser o objeto que dará
origem a todos os outros que se constituirão como objetos de desejo do adolescente e do
futuro adulto (no sentido em que esses novos objetos de desejo se configuram como
derivados desse objeto abandonado), esse primeiro objeto (figuras parentais) inventou o
sujeito adolescente por meio do investimento de seu próprio narcisismo como criadores de
“sua majestade, o Bebê” (FREUD, 1914), o que constitui a garantia de um afeto
incondicional das figuras parentais, afinal, os laços de filiação não são passíveis de
rompimento e dissolução simbólica. Está em jogo não apenas a separação do filho em
relação aos pais por meio do abandono desse objeto, mas toda a relação da tríade familiar.

Sendo assim, é possível ter ideia da dificuldade apresentada pela tarefa de abandonar esse
objeto já que seja qual for o substituto possível para o novo investimento do desejo, ele
nunca poderá dar a garantia e segurança de afeto incondicional presente nesse primeiro
objeto de laço irrompível. Esse trabalho psíquico extremamente complexo e ardiloso traz
consigo suas marcas, caracterizando por muitas vezes as oscilações de humor e a
ambivalência dos adolescentes em relação as suas figuras parentais, sendo de certa
maneira necessário inclusive manchar e rebaixar a representação dos objetos edipianos
afim de desvincular a posição de idealização que estes ocupavam na infância do
adolescente para que seja possível buscar novos objetos fora do âmbito familiar.

Simultâneo a todas essas tarefas, surge a questão da perda do corpo infantil e sua
transformação em um corpo crescido, aumentado, que está amadurecendo. Vale ressaltar
que ter um corpo grande (“de adulto”) foi um forte desejo na infância do adolescente por
representar a onipotência das figuras parentais, e ao passo que esse desejo vem a se
realizar, com ele também aparece a questão de um corpo que está envelhecendo, e que
portanto, é mortal. Vem à tona como defesa o dispositivo da onipotência narcísica
(representada pela os desafios e os riscos que o adolescente confronta, como se fosse
imortal) como uma defesa radical a essa mortalidade do corpo, desafiando a castração
como se este efetivamente fosse imortal.

O narcisismo vem na direção de eliminar as diferenças, em uma tentativa de defesa do


adolescente contra a falta e desamparo que emergem diante de tantas questões com que
tem de lidar, e principalmente para que por meio desse recurso pode ser possível aceitar a
castração. O adolescente precisa então poder escoar sua onipotência, assim como os
sentimentos de desamparo, tristeza e a solidão. Se agarra aos espaços em que pode se
sentir poderoso e imortal, comumente ocupando posições em torcidas organizadas, lutas
estudantis e outros. Além disso, a configuração da sociedade pós-moderna faz ao
adolescente a imposição de uma nova maneira de constituição subjetiva, baseada em um
ideal de Eu e consequentemente em frustração diante de uma falha a um objetivo não
passível de ser alcançado.

O avesso dessa onipotência, porém, caracteriza a melancolia, e segundo PINHEIRO


(2001), “o mundo contemporâneo parece muito mais propício às subjetividades
melancólicas que as histéricas”. Em um processo regular de identificações não
melancólicas, fenômeno muito comum a adolescência, a identificação é feita por traços,
sendo uma escolha do sujeito o traço que tomará do modelo, fazendo do seu Eu um
conjunto de traços diversos. No caso da melancolia, não é um traço o escolhido para
agregar ao Eu, e sim o conjunto inteiro de traços de um ídolo, tornando o Eu uma mera
cópia do objeto de desejo. Como consequência, emergem a solidão e a depressão, a qual a
sociedade pós moderna e sua imensa indústria farmacológica se apressam em atender,
oferecendo outro objeto (na forma de anti depressivos) para preencher o vazio existencial
do adolescente melancólico. Sendo assim, ressalta-se o quanto essa configuração de
sociedade de consumo deixa pouco espaço para a emergência e ancoragem das fantasias
adolescentes, assim como para a construção de ideais menos opressores.

PINHEIRO, T. Narcisismo, sexualidade e morte. In: Cardoso, M. R. (Org.). Adolescência:


reflexões psicanalíticas. Rio de Janeiro: NAU Editora/ Faperj, 2001.

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