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Lori Lammert

P285 Fall Semester


December 12, 2000

A personificação e a metáfora política no poema “A bomba”


de Carlos Drummond de Andrade

O poema “A bomba” de Carlos Drummond de Andrade é um poema piada cheio

de ironia e sarcasmo que tem uma mensagem muito séria. Todas as estrofes

começam com “A bomba” e logo o que segue é adjetivo, substantivo, personificação ou

metáfora numa díade da vida e a morte, os dois sentimentos fundamentais segundo

Freud (Schüler 72). O poema personaliza a bomba nuclear e por causa da coisa

personificada chega a mostrar uma cosmovisão do mundo durante a guerra fria. As

personificações são bem engraçadas, cheias de neologismos, idéias absurdas, e

aparecimentos do inesperado (Pontes 6, Fishman 266). A bomba, coisa temível, se

converte num ser humano. Enquanto usou a personificação no poema “A bomba” para

fazer-nos sorrir e sentir mais cômodos, usou as metáforas para lembrar-nos do que era

a bomba em verdade, a coisa temível que efetou a vida da gente em todas as partes do

mundo. As metáforas descrevem o que era a bomba para a gente e a situação política

durante a corrida armamentista. Ao usar a estrutura das personificações engraçadas

com as metáforas sérias, podia transmitir sua mensagem anti-nuclear melhor. Neste

trabalho vou mostar como o uso desta técnica ajudou a transmitir a mensagem.

A anáfora “A bomba” que começa cada estrofe no poema é muito importante na

estrutura do poema porque é o começo e o fim. Cada estrofe começa com “A bomba”

e quando termina (sem pontuação) começa outra estrofe com “A bomba.” É como se o

leitor não pode evitar a bomba. Assim a gente sentia durante a guerra fria. “A bomba”

em verdade estava em todos lados, senão físicamente (porque a maioria das pessoas

não sabiam exatamente onde estava), pelo menos estava no medo que a gente tinha

da bomba. Esta repetição da palavra nos dá a idéia que não podemos evitar a bomba
e depois dum tempo nos faz sentir mais cômodos como se fosse uma coisa comum.

Carlos Drummond de Andrade usa as personificações e metáforas depois desta

anáfora para fazer-nos rir ou lembrar-nos do medo que já sentíamos.

O poema começa com a estrofe “A bomba é uma flor de pânico apavorando os

floricultores”. Uma flor abre e floresce. Também floresceu o pânico causado pela

bomba nuclear. Floresce também os efeitos da bomba depois dum ataque. A radiação

se distribui em todas partes causando uma doença apavorante. 1 É como se um

floricultor estivesse trabalhando no campo e encontrasse a flor mais venenosa e terrível

do mundo. Esta é a imagen que nos dá. A bomba apavora aos floricultores porque

apavora a tudo mundo. Nesta estrofe é muito obvio a díade da vida e a morte. A flor

simboliza a vida mas o pânico e pavor simbolizam a morte (Schüler 72).

Outras estrofes no poema falam deste medo que a gente tinha durante a guerra

fria. Duas estrofes no meio do poema “A bomba envenena as crianças antes que

comecem a nascer” e “continua a envenená-las no curso da vida” falam deste medo

que a gente sentia desde o começo da vida, o medo do ataque nuclear. Se as crianças

tivessem o medo antes de nascer era porque o medo passou duma geração a outra e o

medo envenenava as pessoas (em qualquer parte do mundo) no curso da vida durante

a guerra fria. Existia também este medo para as pessoas que guardava a bomba: “é

vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina.” As torrões mesmo que

fossem de aço convertiriam-se em cartolina por causa da força da bomba ou pelo

menos sentiriam como cartolina porque não podiam proteger as sentinelas.

Outras metáforas falam da bomba como se fosse só uma irritação, “é um cisco

no olho da vida, e não sai” e “A bomba é uma inflamação no ventre da Primavera”. O

que significa “inflamação no ventre da Primavera”? É dizer o mesmo que quando tem-

se a primavera, tempo de crescimento, vida e paz, também tem-se a moléstia da

bomba. Aqui tambem tem a díade de Freud porque a primavera significa a vida mas a
1
Vê Hiroshima and Nagasaki Exhibit: a Message of Peace e a parte sobre os efeitos da radiação.
inflamação no ventre simboliza a morte (Schüler 72). A bomba “não está no fundo do

cofre, está principalmente onde não está” porque infelizmente está em todas partes.

Não se pode escapá-la.

Algumas metáforas descrevem a bomba como é, um “produto quintessente de

um laboratorio falido” que “tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia”. Aqui

quer dizer que a bomba é algo inútil, fria e desgraçada. Outra estrofe diz que a bomba

“multiplica-se em acções ao portador e em portadores sem acção” . Esta frase é

invertida porque representa as ações da bomba que “multiplica-se em acções ao

portador” (ou transportador) porém mais tarde aos portadores (os seres humanos)

estão sem ação porque estão mortos. Também os portadores sem ação podiam ser os

políticos que naquele tempo não fizeram nada para cessar a corrida armamentista e

tudo para aumentá-la.2

Muitas das metáforas no poema representam a situação política durante a

guerra fria. As estrofes que dizem que a bomba “dobra todas as línguas á sua turva

síntaxe”, “arrota impostura e prosopopéia política”, e ”oferece na bandeja de urânio

puro, a título de bonificação, átomos de paz” descrevem exatamente como eram os

acordos e tratados anti-nucleares durante a guerra fria. Os políticos fizeram um jogo

duplo de palavras, dizendo uma coisa (que não construiriam mais bombas) mas

fazendo o oposto. Tudo era impostura, dizendo que queriam a paz mas por que não

tinham confiança nas promessas do inimigo, construiam mais bombas. A propaganda

nos Estados Unidos e fora do país era a mesma; era preciso construir mais bombas ou

ter a mesma quantidade que o inimigo para manter a paz (tão absurdo, mas era a

lógica naquele tempo). Esta atitude se chama nuclearismo que se define como uma

dependencia psicológica, política e militar nas armas nucleares para a segurança (Gery

2). A estrofe que diz “mata só de pensarem que vem aí para matar” descreve a

situação de paranóia muito bem. A idéia era estar preparada para qualquer coisa
2
Se vê nos arquivos (Archive) e no linha do tempo (Timeline) no Nuclear Files.
(Gery 6). Mesmo se não havia ações, era uma guerra de verdade. Carlos Drummond

de Andrade podia usar a personifição da bomba “arrota impostura e prosopopéia

política” porque a bomba chegou a ser a política mundial naquele tempo (Gery 4).

Todo mundo falou da bomba dum jeito ou outro porque tudo mundo tinha medo da

bomba.

Outra metáfora descreve uma outra realidade política. Diz que “A bomba é

miséria confederando milhões de misérias” porque a bomba em verdade só podia

causar miséria. Politicamente entre os Estados Unidos e a União Sovietica os outros

países só podiam tomar um lado ou outro. A União Sovietica invadiu a

Tchecoslováquia, Hungria e Afeganistão e os Estados Unidos conduziu operações

clandestinas em todas as partes da América Latina, tentando controlar a política

nestes países especialmente depois que Fidel Castro tomou o poder em Cuba. 3

Enquanto usou as metáforas sérias para lembrar-nos do medo que sentíamos

da bomba e a situação política, Carlos Drummond de Andrade decidiu personificar a

bomba dum jeito muito engraçado e de muitas maneiras. Nestas personificações usou

neologismos e expressões universais em inglês. A bomba faz papel de criança,

pessoa comum, beata religiosa, e tem muitas nacionalidades e profissões. A

personificação mais comum é duma bomba burguêsa. Por que tem tantos papéis a

bomba e o que significam?

Nas estrofes em que a bomba é personificada como criança, faz coisas de

criança como “Chora nas noites de chuva” (como criança durante tempestade) e “coça

a pernas” (como criança embaixo da mesa durante o almoço). A mais engraçada é

quando diz que “pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba.” como meninos

brincando de superhomem. Pode-se vê-los correndo pela casa. A mais clara

personificação de criança é a estrofe que diz que “amanhã promete ser melhorzinha

mas esquece.” Dá para ver em todos estes exemplos que a bomba é uma criança
33
Toda esta informação está no sítio “SPECIAL: Cold War” arquivos “Episode-by-Episode” 14, 18 e 20.
malcriada! Boa coisa que o poeta não vive agora porque veria como “Sou bomba!” é

usada na gíria norteamericana. Não é usada como coisa má, senão para dizer “Sou

superlegal!” A personificação da bomba prometendo “ser melhorzinha amanhã mas

esquece” é tambem uma metáfora da corrida armamentista. Havia muitos acordos

para limitar a quantidade das bombas nucleares durante a guerra fria mas como já dito,

nenhum lado fez o que prometeu.

Outros exemplos da personificação mostram a bomba como pessoa comum e

glutinosa “é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles” ou feia e desonesta “mente e

sorri sem dente.” Também a bomba é uma pessoa sem identidade: “não tem preço

não tem lunar não tem domicílio” ou lasciva “tem horas que sente falta de outra para

cruzar.” É como uma vampira preguiçosa e chata “não é séria , é conspicuamente

tediosa” que “dorme no domingo até que os morcegos esvoacem.” Usa aqui a imagem

dos morcegos porque dão medo e normalmente a gente pensa neles como monstros.

Neste jeito a bomba é monstruo. É doentia “sofre de hérnia estranguladora de amnésia,

de mononucleose, de verborréia.” Escolheu bem esas doenças para descrever a

bomba. A hérnia de amnésia é para dizer que é cheia de amnésia (esquecimento).

Por causa do nuclearismo a gente se esqueceu do que era a bomba em verdade, algo

que podia destruir o mundo. Escolheu mononucleose como brincadeira das palavras

para dizer que a bomba só tem um núcleo. Logo escolheu a“verborréia” porque a

palavra parece como doença e os políticos falaram demais durante a corrida

armamentista. Era como uma diarréia verbal.

A bomba tem muitas profissões. Trabalha como engenheira que quer ajudar a

humanidade “desenha sinais de trânsito ultrelectrônicos para proteger velhos e

criancinhas” ou como científica “industrializou as térmites convertendo-as em balísticos

interplanetários.” Esta mostra o poder radiográfico da bomba que pode converter

térmites em balísticos. Pode ser professora ou médica “vai a todas as conferências e

sente-se de todos os lados.” Em verdade naquele tempo a bomba estava por todos os
lados porque todo mundo tinha medo dum ataque nuclear. Outra profissão que a

bomba tem é astronauta “Vai a lua, assovia e volta.” Esta é uma crítica de como a

corrida armamentista tinha a ver com a exploração espacial. Os dois países que

participavam na corrida de armas nucleares também eram os países que fizeram mais

explorações espaciais.

A bomba é religiosa porque “respeita os poderes espirituais, os temporais e os

tais” mas também é hipocrata “pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe

validasse o baptismo” e não sabe como escolher entre o bom ou mal. Neste sentido

tem que lembrar que é bomba e não é pessoa porque “gostaria de ter remorso para

justificar-se, mas isso lhe é vedado.” A bomba não pode ter remorso como uma

pessoa porque quando lançada acaba tudo. Faz metáfora aqui da posibilidade duma

guerra nuclear. Ter remorso depois sera impossível porque não existiria nada depois

para ter remorso (nem para os seres humanos). A bomba também “declara-se balança

de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade.” Esta personificação também simboliza

a propaganda durante a guerra fria. Parte do nuclearismo era a idéia que a bomba era

necessária para manter a paz e venderam a bomba e a idéia ao povo como coisa boa.

O uso mais comum da prosopopéia é personificar a bomba como pessoa

burguêsa: “Faz week-end na Semana Santa”, e rica “tem a seu serviço música

estereofônica e mil valetes de ouro...”, “tem um clube fechadíssimo” ou da classe média

“tem supermercado circo biblioteca...” ou bem presumida “Não admite que ninguém a

acorde sem motivo grave” e excêntrica ”cria leopardos no quintal, eventualmente no

living.” Por que o poeta decidiu escrever sobre a bomba burguêsa? A bomba é uma

idéia burguesa! Os burgueses e conservativos gostaram da bomba, a maioria das

pessoas contra a bomba eram liberais ou boêmios (hippies). A idéia da bomba era

ganhar a guerra e defender a sua (a propriedade), não existe idéia no mundo mais

burguêsa! Estos exemplos têm as expressões universais em inglês (week-end e

living). Aqui está fazendo troça do imperialismo cultural americano.


A bomba tem uma mistura de nacionalidades “é russamericanenglish mas

agradam-lhe eflúvios de Paris.” Aqui usa o neologismo para identificar a bomba com a

nacionalidade da União Sovietica, os Estados Unidos, ou a Inglaterra. Como boa

burguêsa agrada-lhe os eflúvios de Paris. O poeta não esquece de seu país, a bomba

“brinca bem brincado o carnaval” como um bom brasileiro. Identifica a bomba com o

Brasil deste jeito para dizer que a bomba está em todas partes e tem uma influência na

vida cotidiana em todas as partes do mundo.

Carlos Drummond de Andrade decidiu escrever sobre a bomba e personificá-la

deste jeito sátirico e cômico para identificar-nos com a bomba. Pôs a bomba ao nível

da gente e em todas as partes (fazendo o que a gente faz) porque não queria que as

pessoas tivessem tanto medo da bomba (mesmo que sabendo que este medo era

normal). Personificou a bomba como criança porque todos os adultos já foram crianças

e não tinham medo de crianças. Logo lhe deu nacionalidades, profissões, emoções, e

características para fazer-nos sorrir duma coisa temível e tirar-nos o medo. Além de

usar as personificações para fazer a gente rir usou as personificações para dizer que

nenhuma pessoa tem culpa da bomba. Como diz Schüler “o executor da bomba não é

um sujeito individual, é um sujeito coletivo....coincide sempre com a espécie” (74).

Uma razão para converter a bomba num quase ser humano é para mostrar que a gente

tem medo da bomba como se fosse um ser humano malvado. Também usou todas

estes tipos de pessoas com religiões, profissões, classes sociais, nacionalidades, e

diferentes idades e aparências, para chamar a atenção das pessoas que em verdade

tem estes atributos. Faz isto para que a gente participe mais na leitura do poema.

Uma pessoa pode identificar-se mais ainda com a bomba e logo quer saber que mais

faria a bomba no poema e fica lendo até o final.

O mundo era um lugar muito confuso naquele tempo mas em verdade sempre é

um lugar bem confuso. A guerra fria acabou porque o comunismo na União Soviética

fracassou. Alguns países que faziam parte da União Soviética separaram-se e são
independentes. Já não existe a União Soviética mas ainda existe a bomba nuclear. Até

está nas mãos de países com menos recursos, como a India e o Paquistão. Algumas

pessoas tem a audácia de dizer que é pior ter estas armas nas mãos dos países

subdesenvolvidos porque eles não sabem tanto sobre a tecnologia e podem fazer um

grave erro ao lançar a bomba (como se lançar a bomba mesmo não fosse grave erro). 4

Talvez podemos descansar porque acabou a guerra entre os super-poderes, mas

podemos estar tranqüilos se ainda existe a bomba em qualquer parte do mundo?

Depois de brincar com as palavras lembrando-nos do medo que sentíamos da

bomba com as metáforas e personificar a bomba (num jeito muito engraçado) Carlos

Drummond de Andrade nos lembra ao final que o homem em verdade é quem tem

poder, porque quem criou a bomba? O ser humano criou a bomba. Ele termina o

poema com a esperança que os tontos políticos e as pessoas ao favor do nuclearismo

raciocinem. “A bomba com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se

salve.” Isto é para dizer que a bomba em verdade não tem poder. “A bomba não

destruirá a vida” porque temos tempo ainda. E logo diz “O homem (tenho esperança)

liquidará a bomba.” Eis a esperança para a humanidade.

Bibliografia

Drummond de Andrade, Carlos. 60 anos de poesia. comp. Arnalda Saraiva. Lisboa: O

Jornal, 1985.

Fishman, Sara. “O humor na poesia através de carlos Drummond de Andrade.”

Studies in Hispanic History and Literature (1974): 258-267.


4
Toda esta infomação está no “The Nuclear Files”
Gery, John. Nuclear Annihilation and Contemporary American Poetry: Ways of

Nothingness. Gainesville: University Press of Florida, 1996.

Hiroshima and Nagasaki Exhibit: A Message of Peace. 2000. The Nuclear Age Peace

Foundation. 1 Dec. 2000 <www.wagingpeace.org/exhibit/slides/htm>

The Nuclear Files. 1994-2000. The Nuclear Age Peace Foundation. 1 Dec.

2000 <http://nuclearfiles.org/>

Pontes, Hugo and Márcio Almeida. “Carlos Drummond de Andrade: a dialética do

homem no poema Bomba.” Minas Gerais, Suplemento Literario 20 Aug.

1988: 6-7.

Schüler, Donaldo. A dramaticidade na poesia de Drummond. Porto Alegre:

Universidade Federeal do Rio Grande do Sul, 1979.

“SPECIAL: Cold War.” CNN Interactive. Sept. 1998. Cable News Network. 8 Dec. 2000

<http://www.cnn.com/ SPECIALS/ cold.war/>

Sublette, Carey. Nuclear Weapons Frequently Asked Questions. 20 Feb. 1999. 1 Dec.

2000 <http://www.fas.org/nuke/hew/Nwfaq/Nfaq7.html>

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