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Notas críticas sobre o conceito de corrupção

Um debate com juristas, sociólogos e economistas

Fernando de Barros Filgueiras

Sumário
1. Introdução. 2. A positivação das leis, o
Estado e a corrupção segundo o positivismo
jurídico. 3. Instituições, modernização e a cor-
rupção segundo o estrutural-funcionalismo. 4.
Racionalidade, instituições e a corrupção se-
gundo a public choice. 5. Considerações finais.

1. Introdução
A teoria social do século XX marca uma
virada importante para o racionalismo, a
partir da qual a dimensão normativa deixa
de ser considerada como objeto da ciência,
que agora se utiliza da empiria informada
ou por técnicas de pesquisa e pela história,
buscando entender a política como de fato
ela é. Nesse mesmo contexto, o período de
mudanças sociais, políticas e econômicas
geradas no início do século XX criou um
profundo sentimento de dúvida sobre como
ocorre a corrupção na política, dado o pro-
cesso de racionalização e burocratização da
ordem pública que lançam raízes desde o
período do Iluminismo1.
O propósito deste artigo é fazermos uma
exposição crítica das teorias vigentes sobre
a corrupção na política e averiguarmos os
motivos segundo os quais esse fenômeno é
entendido como um prejuízo ao bem comum
a favor das vantagens privadas. O argumen-
Fernando de Barros Filgueiras é Douto-
rando em Ciência Política pelo Instituto Uni- to fundamental a ser defendido neste artigo
versitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IU- é de que, para falarmos em corrupção na
PERJ) e Mestre em Ciência Política pela Uni- política, precisamos colocá-la em relação
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). com a capacidade dos indivíduos de uma
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dada comunidade política empreenderem ção dos interesses privados ao interesse
ação coletiva mediante laços comuns sedi- público. Esse é o ponto de partida de todas
mentados em uma ética, que modere os inte- as teorias sobre a corrupção e o núcleo lógi-
resses a partir da civitas. Por decorrência co que define o conceito. Portanto, na medi-
dessa argumentação, o aparato institucio- da em que envolve uma concepção de pú-
nal do Estado melhor funciona – no sentido blico, precisamos colocar o conceito de inte-
de maior transparência e eficácia – quando resse em relação à ética na política, para que
certos valores dos participantes da ordem possamos falar das duas dimensões dialé-
política se vinculam às leis positivas, legiti- ticas que definem o conceito: a dimensão do
mando essa ordem e assegurando a exis- público e a dimensão do privado.
tência de certos valores que definirão a vida E é essa concepção lógica do conceito de
do corpo político e não sua corrupção. Ao corrupção na política que resultará na críti-
passo dessa argumentação, afirmamos que ca às teorias vigentes sobre esse tema. A tese
as teorias sociais da corrupção, tratadas nes- é que essas teorias sobre a corrupção na
te breviário, prescindem desse recurso à ética política não a entendem a partir da capaci-
entendida enquanto valor, afirmando serem dade de vida comum entre os indivíduos,
as instituições políticas o fator de legitimida- apesar de partirem do mesmo pressuposto
de que define a corrupção ou não da ordem. teórico. Porém a entendem como uma não
Essa exposição crítica começará com te- efetivação das leis, como uma função da
oria do positivismo jurídico e mostraremos modernização, ou, finalmente, como um cres-
como, segundo os autores dessa tradição cimento excessivo da burocracia do Estado,
teórica, a corrupção é uma decorrência de respectivamente, prescindindo da ética
uma deslegitimação da ordem jurídica e da como o fator determinante da ordem políti-
ineficácia das leis. A corrupção, entretanto, ca. É a comunidade que expressa o valor da
não pode ser o produto de leis ineficazes, ética nos negócios públicos e o sentimento
mas de valores que os homens carregam de não-corrupção que perpassa um “bom”
consigo e compartilham num espaço públi- governo, atribuindo às suas instituições a
co. Após a apresentação da concepção de devida confiança necessária para a efetiva-
corrupção segundo o positivismo jurídico, ção da ordem jurídica e das políticas públi-
apresentaremos a concepção da teoria es- cas, tendo em vista não a racionalidade es-
trutural-funcionalista, com inspiração na treita, mas o sentimento de justiça, de igual-
obra de Parsons (1949), tendo como seu prin- dade, de liberdade, de tolerância e outros
cipal expoente a teoria de Samuel Hunting- sentimentos afins.
ton (1975), relacionando a modernização e
a corrupção e a maneira de acordo com a 2. A positivação das leis, o Estado
qual esse fenômeno ocorre nas ordens polí- e a corrupção segundo o
ticas contemporâneas. Finalmente, fechare-
positivismo jurídico
mos este breviário com a teoria da public
choice sobre a corrupção, que mostra como, O positivismo jurídico, ou teoria juspo-
quando existem indivíduos que monopoli- sitivista, ocupa uma posição de destaque,
zam a burocracia, há uma tendência deles a enquanto corpo filosófico de teoria do direi-
sobreporem seus interesses privados ao in- to, no contexto do Estado moderno. Na mo-
teresse público, na medida em que são ma- dernidade, é o positivismo jurídico a teoria
ximizadores de utilidade. responsável por racionalizar as questões
A constante lógica que perpassa as teo- que dizem respeito ao direito e à justiça,
rias sobre a corrupção, mesmo que elas este- além de estabelecer, no contexto das socie-
jam em dimensões epistemológicas diferen- dades complexas, formas de legitimidade
tes, é que ela é entendida como a sobreposi- política do Estado-Nação.

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O intuito de recuperarmos as noções cen- cará a transposição da ordem jurídica sus-
trais do positivismo jurídico é deduzirmos tentada no direito natural para a ordem jurí-
o conceito de corrupção na política a partir dica sustentada no direito positivo, ou civil.
da ótica das autoridades responsáveis por De acordo com Hobbes, os homens se
aplicar o direito. Para tanto, seguiremos o organizavam em um estado de natureza no
mesmo itinerário, guardadas as devidas qual são todos iguais e todos têm o direito –
proporções, exposto por Bobbio (1995) em natural – de usar a força necessária para
seu O Positivismo Jurídico, no qual ele sinte- defender seus interesses. Nesse estado de
tiza muito bem um movimento de filosofia natureza, mediado pelo direito natural, não
do direito que tem raízes de longo alcance existe uma lei eficaz, porque, se cada um
histórico e que já atravessou dois séculos pode utilizar a força que for necessária para
como a teoria que assegura o ordenamento atingir seus interesses, não existirá jamais a
jurídico2. Esta exposição, vale ressaltar, não garantia de que a lei será respeitada por to-
tem o objetivo de apresentar novas hipóte- dos, constituindo, dessa forma, um estado
ses a respeito dessa filosofia do direito, nem de anarquia permanente. Para sair desse
criticar seus pressupostos teóricos centrais, estado de anarquia permanente, em que to-
mas apenas jogar luz sobre um tema ainda dos lutam contra todos, é necessário dele-
pouco estudado, que seria a corrupção na gar toda a força para uma só instituição, a
política, do ponto de vista dos responsáveis qual assegurará, legitimamente e de forma
por realizar o direito. Entretanto, ao deri- soberana, que todos obedeçam às leis, por-
varmos a concepção juspositivista da cor- que ela será a portadora de uma força irre-
rupção, não hesitaremos em tecer-lhe even- sistível e indiscutível. É o Estado, segundo
tuais críticas metodológicas e conceituais. Hobbes, que monopoliza o uso da força e
O exame do positivismo jurídico, de acor- constrange os homens a obedecer às leis por
do com Bobbio (1990), deve partir do seguin- meio da coerção.
te problema: o que é preferível, um governo Portanto, como assevera Bobbio (1995),
dos homens ou um governo das leis? A afir- essa monopolização do uso da força legíti-
mativa juspositivista de que é preferível o ma por parte do Estado, nos termos hobbe-
governo das leis ao governo dos homens é a sianos, cria o processo de subordinação do
tese central desse corpo de filosofia e, certa- direito natural ao direito positivo, formali-
mente, demanda a reconstrução do edifício zando, dessa forma, a relação entre os ho-
lógico-conceitual que perpassa a filosofia do mens por meio de instituições políticas res-
direito desde Aristóteles (1985). O ponto de ponsáveis por apaziguar a guerra de todos
partida é a definição de dois tipos de direi- contra todos e moderar as paixões transfor-
to: o natural, que cristaliza as concepções mando-as em interesses. De um lado, por-
morais dos homens racionalmente formu- que o Estado surge da finalidade de regula-
ladas mediante sua natureza; e o positivo mentar as relações sociais e pôr termo ao
como o direito da civitas, que organiza os conflito generalizado. E de outro lado, dada
conflitos particulares entre os homens. essa finalidade, passa a ter valor somente o
É com a dissolução da sociedade medie- direito positivo porque é aquele que se orga-
val e a emergência do Estado moderno que niza a partir do poder de coerção do Estado.
o direito positivo ganhará em preponderân- A definição do direito com base na mono-
cia com relação ao direito natural pelo pro- polização da função jurídica por parte do
cesso de monopolização da produção jurí- Estado, por conseguinte, denota dois carac-
dica por parte do Estado. O preceito lógico teres típicos que fundamentarão o positivis-
inerente a essa monopolização jurídica por mo jurídico enquanto corpo de filosofia do
parte do Estado é exposto na leitura do clás- direito: (1) de que o direito é definido com
sico Leviatã de Hobbes (1979), o qual justifi- base na autoridade que põe as normas, ou

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seja, com base num elemento estritamente for- O caráter imperativo do direito, por ou-
mal; e (2) de que o direito é definido como um tro lado, diz respeito ao seu problema defi-
conjunto de normas através das quais o sobe- nicional em função do elemento de coação.
rano ordena ou proíbe certas ações por parte Justamente por monopolizar o uso da força
dos súditos, ou seja, o direito é imperativo. e ser produtor da lei, o Estado não deve pres-
O caráter da formalidade do direito, na cindir da coerção como o elemento de efeti-
perspectiva juspositivista, dado o primeiro vidade da norma jurídica, que deve ser in-
pressuposto decorrente da filosofia hobbe- terpretada pelos súditos como um coman-
siana, pode ser melhor expresso na herança do. Essa questão da norma como um coman-
deixada pela Escola Histórica do Direito. do pressupõe que o ato jurídico consista na
Seguindo o mesmo preceito da ineficácia da conformação exterior do sujeito à norma,
lei natural, Savigny (1949) aponta a varie- diferentemente da concepção naturalista,
dade do homem, imputando uma concep- fundada na moral, que necessita apenas da
ção segundo a qual o direito não é único, adesão à norma por respeito à própria nor-
mas varia no tempo e no espaço como todos ma, ou seja, numa adesão interna necessá-
os fenômenos sociais. A resultante dessa ria para a moralidade do ato.
concepção é a idéia de que o direito não é Esse elemento coativo do direito foi mo-
fruto da razão mas produto da história. Essa dernamente expresso por Kelsen (1992), se-
vertente da filosofia do direito representa gundo o qual é o elemento central de defini-
para o positivismo jurídico, dessa forma, a ção do direito positivo, que tem por objeto a
crítica mais radical ao direito natural, como regulamentação do uso da força em uma
o concebia o Iluminismo. Esse radicalismo dada sociedade. É dessa forma que o direi-
da Escola Histórica resultará em um dos to, segundo Kelsen (1999), é visto como um
pilares do positivismo a partir da defesa que procedimento que regula o papel do Estado
ela fazia da codificação, isto é, a substitui- dentro da sociedade e do qual são deriva-
ção de normas consuetudinárias por um dos o regime político, a forma de governo e o
direito constituído por um conjunto siste- conteúdo das instituições políticas4.
mático de normas jurídicas deduzidas racio- Retornando ao questionamento funda-
nalmente através da história, como preten- mental de Bobbio (1990), notamos então que
dia Thibaut (apud BOBBIO, 1995). O forma- é preferível, para os juspositivistas, o gover-
lismo positivista estaria alicerçado, portanto, no das leis ao governo dos homens, justa-
nas codificações, uma vez que estas represen- mente porque este significaria a anarquia
tariam a “positivação do direito natural”3. generalizada e a ausência de uma ordem
O formalismo juspositivista, decorrente legítima em função da existência de paixões
do movimento de codificações, leva a enca- incompatíveis, enquanto aquele, ao contrá-
rar o direito não como um valor, mas como rio, colocaria termo ao conflito generaliza-
um fato, prescindindo de conotações morais do e asseguraria padrões regulares de obe-
ou valorativas que seriam próprias do di- diência às regras do jogo.
reito natural. A idéia de formalismo conduz, O positivismo jurídico é a concepção de
portanto, ao preceito de que a validade da acordo com a qual é necessário um sobera-
norma se funda apenas em sua estrutura no que monopolize o uso da força – o Esta-
formal e não em seu conteúdo ético. Além do – para que os homens possam participar
disso, o ordenamento jurídico, do ponto de de forma privada da criação do interesse
vista formal, deve ser codificado de manei- público. O que deve ser destacado é que a
ra tal que assegure sua coerência interna e norma jurídica, de acordo com o positivis-
sua completitude. Isto é, o caráter formal do mo jurídico, materializa o interesse público,
direito não pode admitir normas antinômi- porque o mundo de paixões dá lugar a uma
cas e que contenham lacunas. ordem racional, já que em um estado de na-

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tureza é inconcebível haver ação coletiva a constituídas pelo poder soberano, a partir
partir do momento em que todos estão em da delegação do uso da força a uma autori-
guerra contra todos, perseguindo apenas dade responsável por garantir a paz. O pres-
seus interesses privados. Por redundância, suposto juspositivista de que o direito posi-
seria considerado um ato corrupto qualquer tivo se torna eficaz como instrumento da paz
ato que infringisse a lei positiva, na medida entre os homens no estado de natureza, a
em que é ela que materializa o interesse pú- partir do caráter formal e do conteúdo coer-
blico da civitas. citivo da norma, encobre a necessidade de
Essa concepção decorre da idéia de Kant que haja o consentimento dos homens em
(1980) de que é impossível definir o bem co- torno da constituição do poder soberano,
mum a partir de orientações deduzidas da como mostra Kelsen (1992) por meio de seu
natureza humana, mas que é possível ape- princípio da eficácia.
nas com o uso da razão prática fundamen- Podemos afirmar, portanto, que existe no
tada na concepção de liberdade. Portanto, bojo do positivismo jurídico uma lacuna
por se tratar de um empreendimento da ra- conceitual no que tange à questão do inte-
zão, a norma jurídica materializa racional- resse público. Se a norma materializa o inte-
mente o interesse público, uma vez que ter- resse público, os próprios juspositivistas,
mina com a perseguição violenta dos inte- desde Hobbes (1979), consideram que é ne-
resses privados movidos a paixões e asse- cessário um interesse comum, ou seja, um
gura o imperativo categórico de que “a má- interesse compartilhado por todos anterior-
xima da tua ação se devesse tornar, pela tua mente, que seja apenas no momento da for-
vontade, em lei universal da natureza” mação do pacto social, para que haja um
(KANT, 1980, p. 130). A norma jurídica, na poder soberano eficaz e, por redundância,
perspectiva kantiana, portanto, por meio do uma norma jurídica eficaz. O princípio da
uso da coerção5, garante esferas de liberda- eficácia da norma de Kelsen, portanto, con-
de individuais racionalmente perseguidas tradiz o princípio segundo o qual a norma
que fundamentam o único bem comum que reproduz o interesse público ou o bem co-
assegura benefícios públicos: a liberdade. mum, na medida em que, para que a eficá-
O caráter formal do direito desvincula, cia exista, é necessário um consentimento
então, a corrupção de qualquer ato moral anterior que transpõe o estado de natureza
ou ético, já que a norma está esvaziada de na acepção hobbesiana. A noção de acordo
concepções sobre o bem e sobre o mal, mas a com a qual a corrupção, portanto, é uma in-
vincula à existência da própria norma, tor- fração formal da lei esquece de que esta é
nando-a um ato de desvio ou infração6. A assentada sobre uma concepção moral em
corrupção, portanto, não significa, dada a torno do bem comum que a antecede e cria
formalidade do método juspositivista, uma sua eficácia. A corrupção, nesse sentido,
infração à ética ou ao interesse público deri- transcende os próprios limites da norma
vado da natureza humana, mas uma infra- jurídica, estando tributada à capacidade de
ção à lei emanada do Estado derivada for- uma dada comunidade empreender coleti-
malmente da capacidade institucional de vamente, por meio do consentimento, a efi-
empreender coerção junto aos homens. cácia da ordem política.
O fio condutor lógico da corrupção, que
podemos derivar desde Aristóteles (1985), 3. Instituições, modernização e a
faz-se presente no juspositivismo. Da mes- corrupção segundo o estrutural-
ma forma, a corrupção significa a subordi-
funcionalismo
nação do interesse público ao interesse pri-
vado. No entanto, o interesse público somen- A teoria estrutural-funcionalista parte do
te é possível mediante normas formalmente pressuposto geral de que sociedade pode ser

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entendida como um grande sistema consti- se apresentam à sua própria ação. Contu-
tuído por múltiplas partes, cada qual exer- do, o autor não limita sua análise somente
cendo um papel dentro do sistema geral e se no ponto de vista subjetivo do ator, ele ana-
relacionando a partir de determinado input lisa a ação pela dicotomia entre situação e
e output à semelhança de um grande com- ator. A inovação que Parsons introduz nas
putador que processa informações. No caso teorias da ação social é colocar o agente no
da sociedade, o sistema é o processo pelo qual contexto no qual está inserido. O meio no
estará assegurada a existência de uma or- qual está inserido impõe ao ator determina-
dem social que impute a paz junto aos das escolhas que serão fundamentais na
indivíduos. sua ação em si. O ator de Parsons é o ser
Apesar da grande influência do funcio- dentro de um ambiente no qual ele reage às
nalismo de Durkheim (1983), que concebia situações colocadas diante de si e para as
a sociedade de maneira organicista medi- quais emite uma resposta. Em outras pala-
ante o conceito de função, Parsons (1949) vras, é o ser dentro de uma estrutura social
avança no paradigma funcionalista, agre- que apresenta uma totalidade de unidades-
gando ao método de abordagem do corpo agentes responsáveis por lhe emitir códigos
social pelas conseqüências dos fatos soci- estruturantes que possibilitarão a interação
ais uma abordagem estrutural. De acordo dessas unidades.
com Parsons, mesmo que imaginemos a so- O sistema de ação, segundo o autor, exi-
ciedade como uma organização constituí- ge três condições por meio das quais é pos-
da de várias partes, em que cada uma exer- sível detectar as unidades do sistema. Pri-
ce um papel, o objeto da sociologia não é a meiramente, o sistema deve ter uma estrutu-
relação entre essas partes, mas o processo sis- ra, isto é, modalidades organizadas que
temático através do qual os indivíduos praticam constituam elementos estáveis e recorrentes
suas ações no cotidiano. É nesse sentido que o que sirvam de ponto de referência para o
autor irá conceber o sistema geral de ação ator executar sua ação no âmbito do siste-
como a grande síntese dos processos cotidi- ma em questão. Em segundo lugar, o siste-
anos de ação dos indivíduos, organizados ma deve implementar certas funções, medi-
em uma dimensão estrutural que se reitera ante as quais ele pode satisfazer suas ne-
ao longo do tempo. cessidades elementares. Finalmente, o sis-
O Sistema Geral de Ação de Talcott Par- tema deve ter um processo por meio do qual
sons (1949) é uma teoria que visa, de uma certas regras serão cumpridas pelos partíci-
forma ampla, a organizar e entender a ma- pes do sistema.
neira como os indivíduos estabelecem a ação São quatro as variáveis estruturais do
social no mundo, tendo em vista os aspec- sistema geral de ação de Parsons. Valores,
tos coletivos e individuais que perpassam normas, coletividade e papéis informam ao
as atitudes e os comportamentos do homem agente as regras do convívio social e os meca-
na sociedade. nismos pelos quais eles organizarão a distri-
A ação social é o ponto central da teoria buição de recursos e benefícios produzidos
sociológica parsoniana e projeta um qua- pela sociedade. São todas as formas recorren-
dro extremamente amplo e complexo por tes de interação que se institucionalizam em
meio do qual o autor delimita sua teoria nos formas organizadas de relacionamento.
contornos da noção de sistemas de ação. O Os requisitos funcionais do sistema de
interessante é notar que a ação social, para ação parsoniano também são quatro, a sa-
Parsons, adquire significação a partir da ber: adaptação, consecução dos objetivos,
subjetividade do ator, isto é, a partir da per- integração e latência. Por adaptação, Par-
cepção que este tem do contexto no qual está sons entende aquelas relações que conec-
inserido, de suas motivações e reações que tam o agente a seu meio exterior, sendo este

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entendido pelo autor como um outro ou vá- Parsons parte do sistema social para efe-
rios outros sistemas, que podem ser de ação tuar sua análise, tomando-o em interação
ou de não ação7. A adaptação é o meio pelo aos outros três subsistemas. O subsistema
qual o sistema buscará os recursos necessá- físico-biológico diz respeito a todos aqueles
rios para servir às suas necessidades bási- recursos mobilizados pela sociedade que
cas, isto é, o meio pelo qual ele garantirá a visam a garantir a vida dos indivíduos no
sobrevivência dos indivíduos participantes. que tange à sobrevivência, aos quais o sub-
Por consecução dos objetivos, o autor en- sistema social recorre. O subsistema cultu-
tende as ações que definem os fins do siste- ral fornece a legitimação para o subsistema
ma, que devem ser perseguidos metodica- social e o subsistema da personalidade for-
mente pelos atores. Como integração o au- nece as motivações individuais do sistema
tor entende a função estabilizadora do sis- geral de ação, que garantem o engajamento
tema, mediante a qual este manterá sua coe- dos indivíduos à ordem social. Parsons afir-
rência interna e a solidariedade de suas ma que o sistema social exerce a função in-
partes, possibilitando sua continuidade e tegradora do sistema geral de ação. Segun-
seu funcionamento. Por último, Parsons do Parsons (1969, p. 9):
entende por latência um conjunto de unida- “In the functional terms of our pa-
des-ato que asseguram as devidas motiva- radigm, the social system is the inte-
ções aos atores, isto é, que “canalizam” as grative subsystem of action in gene-
energias do sistema. ral. The other three subsystens of acti-
As dimensões funcionais do sistema de on constitute principal environments
ação estão relacionadas às variáveis estru- in relation to it.”
turais, que asseguram o cumprimento des- Nos deteremos, daqui em diante, somen-
sas funções e garantem sua continuidade. te no sistema social, seguindo a visão geral
Os valores atendem à função de latência do de Parsons, no qual está contida a noção de
sistema. As normas cumprem a função inte- política desse autor. O sistema social, para
gradora, ensejando coerção junto aos indi- Parsons, é composto por quatro outros sub-
víduos por meio de dadas situações presen- sistemas, a saber: a política, a economia, a
tes no cotidiano. A coletividade, de acordo comunidade societária e a socialização.
com Parsons, é a variável estrutural que A interdependência entre esses quatro
cumpre a função de consecução dos objeti- subsistemas é que forma, para o autor, o sis-
vos, os quais são consensos para se alcan- tema social. Aqui é um ponto em que a in-
çar os fins fundados nas sociedades moder- fluência de Weber (1999), para o qual a polí-
nas, por meio da comunidade. Finalmente, tica é tomada no mesmo patamar da econo-
os papéis cumprem a função de adaptação, mia e dos demais subsistemas, é forte em
em que os indivíduos interagem e criam as Parsons, que tenta dar conta desse comple-
situações do cotidiano. xo mosaico que é o sistema social, analisan-
O sistema de ação parsoniano compre- do suas partes e os mecanismos que as unem
ende elementos e fatores que perpassam a umas às outras8.
vida dos indivíduos e é assentado na inte- De acordo com Parsons (1969), o concei-
ração de quatro subsistemas, a saber: o sub- to chave para se explicar a política é o con-
sistema de cultura, o subsistema físico-biológi- ceito de institucionalização da ordem normati-
co, o subsistema da personalidade e o subsistema va. Segundo o autor, a institucionalização
societal ou social. Esses quatro subsistemas da ordem normativa é o elemento por meio
são definidos de acordo com as categorias do qual um sistema procedimental, que co-
que os diferenciam, compondo o que o au- difica o uso do poder, torna-se significan-
tor nomeou de paradigma de diferenciação do te para os membros de uma dada coletivi-
sistema de ação. dade. Mais especificamente, a instituciona-

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lização é a construção de códigos simbóli- cia disso, a ação dos participantes do siste-
cos, legitimados socialmente, por meio dos ma social.
quais o poder fará a mediação na organiza- O intercâmbio entre a economia, que ex-
ção social mediante canais que assegurem pressa a função adaptativa do sistema
à autoridade sua eficácia na implementa- social, e a política forma o que o autor deno-
ção de metas coletivas. mina sistema de mobilização de recursos.
É importante destacar que o poder, para Por meio desse sistema é que ocorrerá o con-
Parsons (1969), é um dos elementos respon- trole da produtividade, mediada pelo po-
sáveis pela interação dos atores no sistema der e pelo dinheiro. A economia informa à
social, adquirindo um caráter simbólico, política os recursos à disposição da socie-
assim como o dinheiro para a economia. O dade (input) e esta decide, por meio da polí-
poder faz a mediação nas interações entre tica, sobre a alocação dos recursos (output),
indivíduos ou grupos no que tange à forma- em princípio, escassos.
ção e tomada de decisão relativa aos objeti- O intercâmbio entre a política e a comu-
vos fundados pela comunidade societal. nidade societária é que assegura, para Par-
Contudo, o poder em Parsons está atrelado sons, a eficácia do sistema. A comunidade
a uma interação instrumental entre os ato- societária exerce a função integrativa do sis-
res, sobretudo para integrar os demais sub- tema social por um conjunto de normas e
sistemas do sistema social em torno de uma leis que tornam possível o controle social. É
ordem. Isto é, os agentes sociais buscam nesse ponto que Parsons desenvolve um de
adequar meios para a busca de um fim raci- seus conceitos centrais para explicar a polí-
onalmente formulado9. O poder, portanto, tica: o conceito de influência. A influência,
segundo a teoria parsoniana, é o modo pelo segundo o autor, é a contrapartida do poder
qual os atores expressam seus interesses ao constituído da autoridade central, imple-
sistema, na tentativa de persuadir os demais mentada pela comunidade societária, visan-
envolvidos acerca da alocação dos recursos do a eficácia das decisões tomadas no siste-
da sociedade10. De acordo com o autor: ma político. A comunidade societária, por
“Power is here conceived as a cir- meio de suas instituições e associações, exer-
culating medium, analogus to money, ce pressão junto ao sistema político, tentan-
within what is called the political sys- do influir nas decisões deste, apresentando
tem, but notably over its boundaries requerimentos, demandas e interesses. A
into all three of the other neighboring influência, de acordo com o autor, ocorre por
functional subsystems of a society (as meio de atos comunicacionais, que se utili-
I conceive them): the economic, inte- zam da persuasão como instrumento de
grative, and pattern-maintenance sys- convencimento dos participantes do siste-
tems” (PARSONS, 1969, p. 360). ma. Os indivíduos, ou grupos, no contexto
Como pode ser percebido, Parsons en- da política, advogam intencionalmente seus
tende a política dentro do contexto maior interesses, tentando convencer os demais
das sociedades modernas. Conforme o au- atores acerca das questões colocadas na
tor, a política não é uma esfera que funciona política11.
por si só; está relacionada com as outras A conexão entre a comunidade societá-
dimensões do sistema social e dentro do sis- ria e a política se faz por meio da influência.
tema geral de ação, mediante o qual o ho- Nesse sentido, cabe destacar que o conceito
mem age e intervém no mundo. Logo, é o de influência parsoniano significa o input
intercâmbio entre as dimensões do sistema do intercâmbio entre o sistema político e a
social, entendido a partir de seu processo, e comunidade societária, ou seja, a participa-
não da racionalidade inerente à ação ape- ção dos indivíduos na formação das metas
nas, que explica a política e, por decorrên- coletivas do sistema social. A influência, de

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acordo com Parsons, garante a efetividade modelo parsoniano ser coerente, lógico e
das decisões políticas, além de tornar a li- consistente internamente, a tentativa desse
derança política responsável diante da coi- autor de elaborá-lo com grau elevado de ge-
sa pública. A conexão entre política e comu- neralidade fez com que este perdesse a sua
nidade societal garante a eficácia das deci- capacidade de explicação. Além disso, Par-
sões, uma vez que a segunda passa a dar, sons (1949) encerrou todo o seu modelo ge-
de acordo com o autor, o devido suporte a ral de ação dentro de quatro funções bási-
estas, configurando o sistema de suporte cas que o estruturam, não dando abertura
político. Parsons chama a atenção para o para processos de mudança social.
fato de que o grau de influência da comuni- No que tange ao fenômeno da corrup-
dade societária sobre a política é diretamente ção, por sua vez, a teoria estrutural-funcio-
proporcional ao grau de organização da- nalista tem uma visão muito peculiar desse
quela – que se dá por meio da presença de tema. Tem na figura de Samuel Huntington
uma vida associativa ampla que resolve os (1975) o principal teórico que estudou a cor-
problemas da ação coletiva. A influência rupção como um fenômeno inerente às or-
demanda, então, da estrutura normativa e dens políticas. O autor coloca o tema da cor-
procedimental do sistema social a liberda- rupção funcional e estruturalmente ligado
de de associação e de voto, que amplia as ao fenômeno da modernização, conceben-
formas de solidariedade entre os indivídu- do-o como “uma medida da ausência de
os, que se expressa por meio da confiança institucionalização política suficiente”
interpessoal e da confiança que estes têm (HUNTINGTON, 1975, p. 72). A preocupa-
nas instituições do sistema. ção central dessa abordagem é: como as soci-
Finalmente, a relação entre a política e a edades modernas conseguem construir uma or-
socialização forma o sistema de legitimação, dem política estável, dado o processo de moder-
que envolve o universo dos valores e moti- nização política, econômica e social, mediante o
vações dos agentes sociais. Esse sistema uti- qual são alterados os valores sociais básicos da
liza os compromissos formados entre a po- sociedade, gerando incertezas e uma não aceita-
lítica e a socialização. Do lado do input do ção das normas tidas como tradicionais. Além
sistema, a política oferece a responsabilida- disso, a modernização, segundo esse autor,
de de funcionamento, enquanto os valores contribui para a ascensão de novos grupos
fornecem a legitimação da autoridade. Do sociais à cena política e para a expansão da
lado do output, o poder público oferece a res- autoridade governamental e a multiplica-
ponsabilidade moral quanto aos interesses ção de atividades sujeitas ao controle do
coletivos, enquanto a socialização sinaliza governo.
os elementos legais sobre os quais se apóia Portanto, a teoria estrutural-funcionalis-
a autoridade dos políticos. ta quando trata do fenômeno da corrupção,
O mérito do modelo parsoniano certa- parte do pressuposto de que as sociedades
mente é descobrir os elementos que ligam a se modernizam e que o resultado dessa mo-
política aos demais componentes da estru- dernização depende de fatores estruturais e
tura social e o modo como é interdependen- funcionais decorrentes da mudança, os
te dos demais. Entretanto, o modelo parso- quais informam o patamar que determina-
niano é empregado somente em sociedades da sociedade ocupa no desenvolvimento,
modernas que passaram por formas de de- sendo que a corrupção varia conforme essa
senvolvimento que levam aos quatro sub- posição. Por outras palavras, o que a teoria
sistemas do sistema social. Ou seja, a tenta- estrutural-funcionalista afirma sobre a cor-
tiva de síntese que o autor empregou para rupção é que ela é um problema funcional e
analisar as sociedades encobre possíveis estrutural de uma dada sociedade, tendo em
patologias do próprio sistema. Apesar de o vista o estágio de desenvolvimento desta 12.

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 133


De acordo com Samuel Huntington, a O segundo critério de institucionaliza-
“corrupção é o comportamento de autori- ção política parte da verificação da comple-
dades públicas que se desviam das normas xidade ou da simplicidade das organizações
aceitas a fim de servir a interesses particu- em relação à mudança. A complexidade é a
lares” (HUNTINGTON, 1975, p. 72), sendo, multiplicação de subunidades organizaci-
como afirmamos acima, mais comum em onais destinadas a resolver os problemas
algumas sociedades do que em outras e, da sociedade que aumentam na proporção
como mostra o autor, mais comum em algu- da modernização. Sistemas políticos com-
mas etapas da evolução de uma sociedade plexos garantem maior lealdade dos mem-
do que em outras. A definição desse autor bros e maior capacidade de resposta às pres-
parte do problema da institucionalização sões sociais e políticas. Em campo diame-
política, que significa uma aceitação co- tralmente oposto, sistemas políticos simples,
mum entre os atores políticos das normas dependentes de poucos indivíduos, são os
do sistema, assegurando estabilidade e menos estáveis e que mais facilmente su-
previsibilidade das ações tomadas a par- cumbem às pressões da sociedade, na me-
tir do sistema. A partir dos pressupostos dida em que não as conseguem responder
gerais do estrutural-funcionalismo, pode- satisfatoriamente.
mos verificar que o autor parte de ambas O terceiro critério de institucionalização
as dimensões teóricas da concepção so- adotado por Huntington é o par dicotômico
bre a sociedade: a estrutural, em que o autor autonomia e subordinação. A autonomia é a
põe a corrupção como uma função da institu- capacidade com que as organizações do sis-
cionalização, e a funcional, que, como vere- tema político são independentes de certos
mos adiante, informará a peculiaridade dessa grupos sociais. Por outras palavras, a auto-
teoria sobre o tratamento do fenômeno da nomia das instituições políticas ocorre
corrupção. quando elas não são instrumentos do inte-
Os critérios adotados por Huntington resse de grupos sociais específicos – como
para verificar o grau de institucionalização família, classe ou clã – mas possuem seu
são quatro pares dicotômicos de análise a próprio interesse e valor, por princípio uni-
partir dos quais é possível abordar as insti- versais13. A ausência de autonomia – subor-
tuições políticas como padrões de compor- dinação – implica corrupção na medida em
tamentos previsíveis dos atores, legítimos e que as instituições estão atreladas aos inte-
recorrentes. resses de grupos específicos da sociedade,
O primeiro critério de institucionaliza- que se insulam no aparelho estatal predan-
ção política parte da verificação da adapta- do a coisa pública a favor de seus exclusi-
bilidade ou da rigidez das instituições em vos interesses.
relação à mudança. Como afirma o autor, é Finalmente, o quarto par dicotômico de
uma característica organizacional adquiri- análise da institucionalização é a coesão ou
da, por meio da qual as instituições ganham desunião das organizações da política. Quan-
flexibilidade frente à modernização. A adap- to mais coesos são os membros de uma dada
tabilidade das instituições à mudança, se- organização, segundo Huntington, mais ins-
gundo o autor, assegura certos padrões de titucionalizada ela é. A coesão assegura dis-
recorrência das normas do sistema, ao pas- ciplina burocrática e maior capacidade de
so que a rigidez torna inaceitável certos coordenação política entre as unidades do
comportamentos que são aceitáveis na sistema, resultando num padrão de eficiên-
modernidade. Dessa forma, o critério de cia e articulação do interesse público.
adaptabilidade é um padrão de recorrên- Dados os quatro critérios de institucio-
cia das normas, objetivando a institucio- nalização política, segundo Huntington, a
nalização. corrupção se torna mais evidente quando

134 Revista de Informação Legislativa


não há institucionalização política satisfa- acompanhada de baixa institucionalização
tória que dê conta de tornar as normas do política, que cria, incentivos para que certos
sistema aceitas pelos diferentes grupos pre- grupos sociais se utilizem da coisa pública
sentes na arena política. A modernização, para auferir benefícios privados. O autor
acompanhada de baixa institucionalização, aborda ainda três tipos de relação que res-
de acordo com esse autor, cria um hiato polí- saltam a corrupção no setor público.
tico mediante o qual a corrupção política Primeiramente, a modernização altera
ocorre. Quando as organizações do sistema os valores da sociedade, que, se não tem ins-
são rígidas, simples, subordinadas e apre- titucionalização política da ordem, resulta
sentam desunião entre seus membros, a pro- em incertezas e instabilidade, emergindo a
babilidade de que a corrupção se torne recor- decadência institucional e a corrupção ge-
rente e um padrão de articulação de interes- neralizada, na medida em que as normas
ses é enorme. Esse autor observa a corrupção do sistema não têm valor em si.
como fruto da modernização, ou seja, como “O comportamento que era aceito
fenômeno decorrente das mudanças sociais e legítimo pelas normas tradicionais,
e políticas, que tem seu grau proporcional- torna-se inaceitável e corrupto quan-
mente determinado pela institucionalização. do visto de um ângulo moderno.
Quando as organizações do sistema po- Numa sociedade em modernização, a
lítico não são adaptáveis às mudanças, as corrupção é, em parte, portanto, não
normas deixam de ser legítimas, criando um tanto o resultado do desvio do com-
descompasso entre a ação dos grupos soci- portamento das normas aceitas quan-
ais e as instituições, tornando muitas vezes do do desvio das normas dos padrões
alguns comportamentos aceitos como mo- estabelecidos de comportamento. [...]
dernos, corruptos de um ponto de vista tra- O conflito entre as normas modernas
dicional. De outro lado, quando a moderni- e as tradicionais dá margem a que os
zação ocorre em sociedades cujas institui- indivíduos ajam de forma não justifi-
ções não são complexas, a oportunidade cada por nenhuma delas” (HUN-
para que a corrupção ocorra é muito grande TINGTON, 1975, p. 73).
na medida em que o poder é dependente de Em segundo lugar, a modernização con-
poucas pessoas. Quando a modernização tribui para a ascensão de novos grupos so-
ocorre em sociedades cujas instituições po- ciais à arena política, estabelecendo um
líticas estão subordinadas a grupos sociais ambiente propício a comportamentos cor-
específicos, o produto da mudança fica con- ruptos por meio da criação de novas formas
centrado nas mãos desses grupos, a partir de riqueza e de poder. Em arranjos institu-
do momento em que eles se utilizam dessas cionais pouco adaptáveis e subordinados,
instituições para corromper o sistema e arti- esses novos atores tendem a ser corruptos
cular seus interesses, ou seja, capturam a pela estrita ausência de instituições políti-
burocracia do Estado para perseguir seus cas eficazes para intermediar a relação en-
fins privados. Por fim, quando as institui- tre o público e o privado mediante sanções
ções não são coesas, não há disciplina bu- aos comportamentos desviantes.
rocrática e coordenação política, fazendo Finalmente, a expansão da intervenção
com que a modernização, que amplia as ati- estatal cria incentivos para a corrupção, ou
vidades sujeitas ao controle do governo, crie seja, a modernização “estimula a corrupção
a oportunidade para que burocratas se uti- pelas mudanças que produz na parte dos
lizem do aparelho estatal para tirar vanta- resultados (output) do sistema político”
gens pessoais. (HUNTINGTON, 1975, p. 75). A multipli-
De acordo com Huntington, a corrupção cação de atividades sujeitas ao controle do
é, então, uma função da modernização governo torna-se uma fonte de corrupção na

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 135


medida em que a modernização colabora dade. Nesse sentido, é necessário fazer uma
para o insulamento do Estado em relação à análise dos custos e dos benefícios da cor-
sociedade por meio da burocratização e da rupção, tendo em vista o processo de mo-
especialização técnica, sujeitas à captura dernização em curso e as dimensões estru-
por determinados grupos sociais. Caso não tural e funcional do problema.
haja institucionalização política suficiente, No campo dos benefícios da corrupção,
a expansão das atividades governamentais, Nye (1967) cita o desenvolvimento econô-
gerada pela modernização, cria incentivos mico, a integração nacional e o aumento da
para a corrupção. capacidade do governo por meio dos vícios
Como nos mostra Huntington, a corrup- privados que, em princípio, gerariam bene-
ção é uma função do processo de moderni- fícios públicos. No que tange ao desenvol-
zação das sociedades, que é tão maior quan- vimento econômico, o autor vê a corrupção
to maior for o hiato político resultante da como instrumento para a formação de capi-
mudança social, política e econômica, ou tal privado, que seria utilizado pelo gover-
seja, quanto maior for o descompasso entre no para investimentos por meio do aumen-
instituições – normas – e comportamentos – to de receitas com a ampliação de impostos.
valores. No entanto, como destaca o autor, a A corrupção também ajuda no desenvolvi-
corrupção pode exercer uma função impor- mento econômico por meio da superação de
tante no desenvolvimento econômico e po- barreiras burocráticas. Além disso, a corrup-
lítico, sendo um meio para superar a rigi- ção cria incentivos para investimentos es-
dez burocrática que emperra o crescimento trangeiros e de grupos minoritários na eco-
econômico e um meio para superar as nor- nomia nacional. No que tange aos benefíci-
mas tradicionais, fazendo com que novas os da corrupção para a integração nacio-
elites sejam incluídas na arena política via nal, o autor cita a integração das elites em
compra de cargos públicos. É essa a visão torno de um consenso nacional de desen-
tão peculiar ao estrutural-funcionalismo volvimento, além de catalisar a transição de
sobre a corrupção. Os autores dessa verten- valores tradicionais para valores modernos
te teórica observarão na corrupção uma fun- das não-elites 14. Finalmente, dadas as duas
ção no desenvolvimento. O argumento bá- conseqüências possíveis da corrupção men-
sico é que a corrupção pode ser benéfica ao cionadas acima, ela colabora para o aumen-
desenvolvimento na medida em que ela de- to da capacidade governamental por meio
sobstrui barreiras burocráticas e facilita o da centralização do poder em função das
investimento econômico, auxiliando a socie- mudanças estruturais em curso15.
dade na modernização. O melhor tratamen- No campo dos custos da corrupção, o
to desse problema da função da corrup- autor cita-os no espaço diametralmente
ção política na sociedade é mostrado no oposto ao dos benefícios. A corrupção pode
controverso artigo de Joseph Nye (1967), prejudicar o desenvolvimento econômico, a
publicado na American Political Science integração nacional e a capacidade do go-
Review. verno. Em face do desenvolvimento econô-
Nye objetiva revisar o conceito de cor- mico, a corrupção favorece a emissão de ca-
rupção, fazendo uma análise de seus cus- pital para paraísos fiscais, retirando-o do
tos e de seus benefícios no contexto do de- país em que esses recursos foram acumula-
senvolvimento político. De acordo com esse dos, além de criar uma distorção dos inves-
autor, até então o conceito de corrupção ti- timentos econômicos. Ademais, a corrupção
nha uma conotação moralista, que encobria representa uma perda de tempo e energia
a dinâmica mediante a qual esse fenômeno em função dos custos de transação ineren-
ocorre e quais as causas e conseqüências tes, além de custos de oportunidade decor-
desse fenômeno para o Estado e para a socie- rentes da dependência ao capital estrangei-

136 Revista de Informação Legislativa


ro. No que diz respeito aos custos da cor- 4. Racionalidade, instituições e a
rupção à integração nacional, a corrupção corrupção segundo a public choice
favorece revoluções sociais, golpes milita-
res e segregação étnica. Isso porque as insti- Em contraste com a perspectiva anterior
tuições políticas de dada sociedade em pro- para o fenômeno da corrupção, os econo-
cesso de modernização carecem de institu- mistas da public choice partem do pressupos-
cionalização política satisfatória, resultan- to teórico de que os indivíduos agem tendo
do em instabilidade e não aceitação da nor- em vista uma aritmética dos benefícios me-
ma vigente no sistema. Como produto dos nos os custos de ação, cujo produto – os in-
custos anteriores, a capacidade do governo centivos seletivos – informarão o curso da
se vê reduzida na medida em que há uma ação e a racionalidade inerente. Tal pers-
redução da capacidade administrativa, de- pectiva decorre do entendimento da racio-
corrente da inefetividade dos programas go- nalidade de um ponto de vista tido como
vernamentais, e uma decadência da legiti- realista, capaz de compreender os fenôme-
midade do regime político. nos sociais de uma maneira generalizante.
A análise dos custos e dos benefícios da Além do pressuposto da racionalidade
corrupção, no entanto, deve ser realizada, como forma de interação estratégica, a public
como chama a atenção Nye (1967), no con- choice segue o pressuposto de que o merca-
texto do desenvolvimento político de cada do cumpre a função de alocar bens e servi-
país. Por outras palavras, a corrupção so- ços produzidos pela sociedade, na medida
mente é benéfica se o contexto político e so- em que é a única esfera da vida social na
cial for favorável, isto é, se apresentar uma qual os atores agem impessoalmente. Dessa
tolerância cultural elevada e de grupos do- forma, o mercado perfeito assegura a devi-
minantes, a existência de segurança para da simetria nas relações entre os agentes
membros de partidos opostos e a existência privados e a eficiência na alocação de bens
de mecanismos societais e institucionais de públicos a partir de trocas impessoais que
controle sobre o comportamento corrupto. maximizam a utilidade esperada. Além dis-
De outro lado, se essas condições não forem so, na dimensão do Estado, caso haja um
observadas, a corrupção provavelmente re- mercado perfeito e os burocratas se compor-
sultará na instabilidade e em obstáculos tem de maneira estritamente pública, as de-
para o desenvolvimento, tais como os cus- cisões também serão impessoais e os agen-
tos relacionados acima. tes públicos maximizarão o bem-estar cole-
O que é fundamental apreendermos da tivo. Contudo, os economistas da public
teoria estrutural-funcionalista, por conse- choice reconhecem que os mercados não são
guinte, é que mesmo essa visão peculiar so- perfeitos – apresentam assimetrias de recur-
bre o fenômeno parte do mesmo pressupos- sos e informação entre os agentes – e que os
to geral: de que a corrupção é uma subordi- agentes públicos do Estado não se compor-
nação do interesse público ao interesse pri- tam de maneira pública, fazendo com que
vado. Entretanto, esses autores não definem haja distorções nas decisões tomadas.
claramente o que é o interesse público e se Antes de compreendermos as questões
as instituições políticas são suficientes para centrais da public choice enquanto corpo de
materializá-lo, já que os autores desse cor- teoria política, remontaremos ao problema
po teórico analisam a corrupção em função da racionalidade dos agentes sociais, que
da institucionalização. O suposto lógico é será fundamental para a concepção do con-
que, se a corrupção ocorre a partir da insti- ceito de corrupção. Para isso, retomaremos
tucionalização, é necessário precisar a for- as categorias centrais da teoria da escolha
ma segundo a qual ela implicará a forma- racional a partir dos argumentos de Downs
ção do interesse público. (1957), Elster (1989a) e Olson (1999).

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 137


O ponto de partida da teoria da escolha dos indivíduos. O autor não está preocupa-
racional é a concepção weberiana da ação do com a dimensão privada, uma vez que
racional como uma busca pela satisfação nesta os indivíduos agem de forma exclusi-
dos interesses. Por outras palavras, Weber vamente individual, mas está preocupado
(1999) nos diz que a análise sociológica deve com a dimensão pública, na qual os bens
partir do método de observação da socieda- criados conjuntamente pelos atores são com-
de mediante o indivíduo e não mediante o partilhados por todos. De acordo com Ol-
coletivo16. O ponto central é seu conceito de son, a condição ideal para um indivíduo
ação social como aquela em que indivíduos tomado isoladamente é que sua ação resul-
racionais praticam certo curso de ação com te na maximização do prazer e na minimi-
base na ação de terceiros 17. Isto é, o conceito zação da dor, assim como o princípio da
de ação social é tudo aquilo que o indivíduo moral de Bentham (1989). Segundo essa ló-
leva em consideração para escolher certo gica, todo tipo de ação coletiva – que vise a
padrão de agência: o comportamento de criar um bem público – cairá num dilema
outros agentes, antecipando a ação dos ter- em função da racionalidade inerente aos
ceiros por meio de um cálculo de benefícios atores individuais – a maximização do pra-
menos os custos da ação. zer e a minimização da dor.
É a partir dessa inspiração que Downs O bem público, por princípio, existe por-
(1957) afirmará ser o homem um indivíduo que, segundo Olson, os atores individuais
que age conforme um conjunto de preferên- têm possibilidades limitadas de satisfaze-
cias fixo, resultante do cálculo que os agen- rem amplamente seus interesses. Só com a
tes sistematicamente fazem dos benefícios cooperação e o estabelecimento de uma ação
da ação menos seus custos. O autor afirma coletiva é que os agentes terão sua possibili-
que essas preferências podem ser colocadas dade de satisfação de interesses maximiza-
em um continum entre pares dicotômicos da. Contudo, segundo o autor, a ação coleti-
que podem representar as diferentes cliva- va cai no paradoxo da falibilidade da orga-
gens de uma ordem política ou social. O pres- nização dos indivíduos em uma coletivida-
suposto geral, então, é que o ponto de parti- de. O dilema da ação coletiva ocorrerá, como
da para a análise sociológica e política é a mostra Olson, porque, devido à falibilidade
observação empírica das preferências, que da organização coletiva, um ator, visando
informam as razões segundo as quais a ação maximizar seus interesses, deixa de partici-
ocorre. Além disso, essa capacidade de or- par da ação coletiva já que o bem público,
ganização das preferências dos atores por gerado coletivamente, não pode conter res-
parte do analista é que possibilita, como trições aos benefícios de ninguém. Por ou-
observa Downs, a idéia de uma ciência da tras palavras, o ator individual deixa de
política, isso em nome de um suposto rea- participar da construção do bem público,
lismo que preconiza o entendimento da po- porque, assim, ele pode se beneficiar do
lítica “como de fato ela é”, ou seja, o mundo mesmo modo que aqueles que participaram.
dos interesses, do conflito de interesses e da O ator individual maximiza seu prazer por
coerção. meio dos bens públicos, sem ter que sofrer a
A partir desse pressuposto lançado por dor da participação em uma organização
Downs, Olson (1999) afirma ser a dimensão coletiva, isto é, o ator racional “pega caro-
estrutural da sociedade não explicativa das na” na ação coletiva e se beneficia igual-
ações praticadas pelos atores na arena soci- mente do bem gerado coletivamente, porque,
al e política. Olson (1999) afirma que a ação de acordo com Olson, a participação teria
coletiva somente ocorrerá quando existirem custos.
mecanismos de coerção que criem incenti- O dilema da ação coletiva foi definido
vos seletivos que obriguem a participação por Olson mediante o estudo dos sindica-

138 Revista de Informação Legislativa


tos norte-americanos. O autor identifica na O dilema do prisioneiro pode ser defini-
existência de incentivos seletivos a razão do como um recurso heurístico colocado à
segundo a qual os indivíduos participam disposição do analista para explicar certos
de uma organização coletiva. A racionali- tipos de relações políticas e sociais. O dile-
dade dos agentes no momento de participa- ma do prisioneiro consta do seguinte: dois
ção em um empreendimento coletivo, por- prisioneiros são interrogados, individual-
tanto, pode ser organizada num quadro de mente, um após o outro, por um juiz, sendo
preferências fixo, em que a ação mais racio- que eles são mantidos incomunicáveis.
nal é aquela em que o agente não coopera Ambos são considerados culpados de um
com esse empreendimento, enquanto os ou- crime grave. O juiz, para incriminá-los e na
tros cooperam. Esse quadro de preferências procura de uma prova irrefutável, propõe a
pode ser representado pelo dilema do prisi- cada um dos prisioneiros o seguinte proce-
oneiro, conforme a figura abaixo: dimento: se ambos confessarem, ambos se-

Figura 1. O dilema do prisioneiro

Ator 1
Cooperar Não cooperar
Cooperar CC CN
Ator 2
Não cooperar NC NN

Preferências: NC>CC>NN>CN

rão condenados a penas pesadas que, no obrigados a se filiarem e a pagarem as taxas


entanto, poderão ser reduzidas em função de manutenção. Caso não fosse assim, eles
da confissão; se um deles confessar e dela- simplesmente aguardariam os resultados da
tar o companheiro, será libertado e receberá luta daqueles trabalhadores que se organi-
uma recompensa, enquanto o outro será con- zaram, para que lhes rendessem – lhes inte-
denado à pena máxima; enfim, se nenhum ressassem – os bens públicos gerados, sem
deles confessar, ambos serão colocados em a menor contrapartida de esforço – ou dor.
liberdade, porque não podem ser acusados Ademais, Olson (1999) corrobora, com a
sem provas. O prisioneiros, portanto, vêem- ajuda das teorias dos grupos sociais de
se diante de quatro estratégias que possibi- Homans (1950) e Simmel (1955), o teorema
litam a maximização de seus interesses in- da impossibilidade de Arrow (1974). O ar-
dividuais. Eles se darão conta de que a es- gumento é de que quanto maior for o grupo
tratégia mais racional para cada um é trair e social, menor será a capacidade de ação co-
delatar o companheiro, precavendo-se con- letiva; na medida em que o aumento do nú-
tra a pena máxima e recebendo a recompen- mero de participantes significar a redução
sa. Entretanto, se tivessem cooperado, guar- do poder proporcional de cada agente, cada
dando o silêncio, ambos poderiam ser colo- um deles, por ser egoísta, sentir-se-á à von-
cados em liberdade18. tade para não cooperar e, além disso, a ca-
A participação, portanto, somente ocor- pacidade de decisão desse locus de partici-
rerá quando ela for compulsória, isto é, quan- pação será menor já que cada agente busca
do não prescindir de mecanismos de coer- a satisfação de seus exclusivos interesses.
ção que obriguem a ação coletiva. Como nos Como os recursos são escassos e o número
mostra Olson (1999), indivíduos egoístas dos que querem maximizá-los é grande,
somente participam do sindicato porque são cada um se sentirá lesado pela organização

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 139


coletiva e dificultará a tomada de decisão. conflitos anárquicos no qual o mais forte
Quanto maior for o número de participan- seria o vencedor, na mais perfeita represen-
tes, portanto, menor será a capacidade de tação de um estado de beligerância hobbe-
decisão e maior será o incentivo para a não siano. A solução, nesse sentido, encontrada
cooperação, já que o peso de cada partici- pelos pensadores da escolha racional tam-
pante no processo de tomada de decisões bém é hobbesiana. Como nos mostra Tho-
diminuirá assim que o número de partici- mas Schelling (2001), o problema da políti-
pantes aumentar. Em grupos grandes, como ca é construir uma estrutura de enforcement
classes sociais, por exemplo, o peso de cada via instituições, a qual estabilizará o jogo
participante é insignificante em face do gru- pela convergência de preferências individu-
po, uma vez que um indivíduo sozinho, den- ais por meio da intermediação da interação
tro desse grupo, dificilmente conseguirá estratégica via coerção.
decidir sobre as ações tomadas a seu favor. Ou então, como observa Akerlof (2001),
O tamanho do grupo, portanto, influencia a a não cooperação universal provocaria o
sua capacidade de empreender ação coleti- surgimento de externalidades – custos com-
va e possibilita o surgimento do free-rider, partilhados por toda a coletividade – e esta-
que usufrui do bem público construído sem bilizaria o jogo no sentido de que a intera-
ter envidado o menor esforço. ção dos agentes será de cooperar estrategi-
A concepção olsoniana da racionalida- camente, já que estes percebem que a deso-
de, portanto, dá-se no contexto de um con- nestidade e a não cooperação têm custos. O
flito entre indivíduos ontologicamente que esse autor nos mostra é que, de um su-
egoístas, que têm um quadro de preferênci- posto hobbesianismo social inicial, no qual
as fixo, o qual faz com que, de um quadro de a incerteza universal é preponderante, os
ações factíveis dos agentes frente aos obje- agentes estrategicamente mudam suas pre-
tos, uma seja a escolhida. Nesse sentido, o ferências para a cooperação transitiva via
homem downsiano e olsoniano é uma má- mercado, que cria certezas mínimas e regras
quina calculadora de utilidades, capaz de estrategicamente criadas para a mediação
compreender os custos e os benefícios im- da ação e a redução das externalidades.
plícitos em cada contingência apresentada A concepção de Akerlof (2001), portan-
à sua pessoa. to, lança o alicerce da public choice como cor-
Como aponta Elster (1989b), o interesse po de teoria social e política. A concepção
do analista da sociedade e da política deve lógica é que os indivíduos, para resolverem
se concentrar na forma com que as estraté- o problema das externalidades e assegurar
gias dos atores convergem para uma agre- a paz social, fazem uso da criação de insti-
gação que possibilite falar de coletividade. tuições formais para mediar a interação es-
Elster aponta para a noção de ponto de equi- tratégica dos agentes, isto é, a racionalida-
líbrio como a forma com que as estratégias de instrumental inerente ao egoísmo. Para
de cada ator, com informação perfeita, con- tanto, criam estruturas de coerção que se
vergem num conjunto maior de preferênci- reiteram no tempo e no espaço, obrigando
as que passam a ser coletivamente compar- os agentes a acomodarem e agregarem seus
tilhadas. O ponto de equilíbrio19 ocorrerá interesses privados em instituições que ma-
como solução do dilema da ação coletiva no terializam os interesses ditos públicos. Essa
sentido de que as preferências individuais concepção da política, própria da public
tornar-se-ão estáveis, na medida em que nin- choice, Fábio Wanderley Reis (2000, p. 102)
guém ganhará com a deserção. nomeou de problema constitucional, que, se-
A idéia de indivíduos egoístas e maxi- gundo esse autor, é o problema de “minimi-
mizadores de utilidades pode dar a impres- zar as externalidades que o comportamento
são de que o mundo é uma grande arena de de uns acarreta para os outros e de se alcan-

140 Revista de Informação Legislativa


çar, pelo menos neste sentido, o bem coleti- de evidências, esse deverá, no mínimo, apro-
vo [...]”. ximar-se a um nível ótimo paretiano. Isso
O que é importante destacar é que o pro- porque, se o agente tem informação de me-
blema constitucional, como observam nos, não decide e não toma um curso de ação;
Tullock e Buchanan (1962), é resolvido es- se o agente tem informação de mais, não
trategicamente por um consenso minima- consegue processá-la e fica paralisado, sem
mente calculado pelos agentes. O argumen- decidir e tomar o curso de ação.
to desses autores é que a racionalidade es- Entretanto, se a estabilização dos inte-
tratégica pura – a acumulação de utilida- resses demanda uma estrutura de coerção,
des com o menor esforço – cria efeitos exter- como vimos com Tullock e Buchanan (1962),
nos – ou externalidades – por meio dos a catalisação desses, que assegurará o de-
quais todos passam a perder. O que Tullock senvolvimento humano, somente poderá
e Buchanan nos dizem é que a estratégia de ocorrer em outra estrutura, como vimos com
satisfação incondicional dos prazeres cria Akerlof (2001), na qual todos possam bus-
custos para a ação individual. A solução, car a maximização de utilidades e desenca-
segundo os autores, é criar uma estrutura dear a ação social: o mercado. Se, de um lado,
institucional mediante leis que não prescin- o Estado materializa, de acordo com a pu-
dam do uso da coerção para reduzir esses blic choice, o interesse público, o mercado, de
custos, que, por princípio, são compartilha- outro lado, materializa o interesse privado
dos por todos os indivíduos. Essas leis re- e assegura a ação dos agentes 20. A política,
presentariam um consenso criado estrate- portanto, além de uma estrutura de enforce-
gicamente pelos indivíduos egoístas, que ment, demanda um mercado político por
veriam os custos – como ter que comprar meio do qual os agentes formarão seus inte-
uma arma para proteger o dinheiro embai- resses e os apresentarão aos agentes públi-
xo do colchão e por isso ter que deixar de cos, garantindo, dessa forma, um procedi-
trabalhar e acumular novas riquezas – re- mento democrático minimalista pela parti-
duzidos a um nível considerado ótimo. A cipação universal dos agentes nos negócios
fundação lógica, portanto, de uma ordem públicos 21.
política, de acordo com Tullock e Buchanan A corrupção na política, de acordo com
(1962), dar-se-ia porque o descompasso de a public choice, ocorrerá, como afirma Susan
preferências conflitivas gera externalidades Rose-Ackerman (2002), justamente na inter-
compartilhadas por todos. Só com a criação face dos setores público e privado. Esta de-
de mecanismos de coerção é que as externali- pende dos recursos disponíveis – políticos
dades poderão ser reduzidas a um nível con- ou materiais – para as autoridades agirem
siderado ótimo, porque as preferências ten- discricionariamente, sendo observada a dis-
dem a se agregar e a estabilizar o conflito. tribuição de benefícios e de custos para a
O argumento central é de que o estudo dimensão do privado, que redunda na cria-
da racionalidade demanda, então, a obser- ção de incentivos para o uso de pagamen-
vação da coleta e do processamento das in- tos de propinas e de suborno. Além disso, a
formações por parte dos indivíduos egoís- corrupção, segundo a autora, ocorre na pro-
tas, as quais orientam sua ação. Contudo, o porção em que as falhas de mercado estão
tema da informação para a tradição da pu- presentes na cena política, fazendo com que
blic choice são dados que os agentes acu- os agentes públicos se comportem de ma-
mulam para formar um estoque de evidên- neira rent seeking, ou seja, maximizando seu
cias, mediante as quais o ator irá agir, ou bem-estar econômico, seja seguindo as re-
não. É nesse sentido que para Elster (1989a) gras do sistema, seja não as seguindo.
a racionalidade é imperfeita, na medida em A teoria do rent seeking foi desenvolvida
que, para o agente operar com esse estoque por Tullock (1967) e Krueger (1974), segun-

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 141


do a qual os agentes econômicos encontram política delegam aos políticos e burocratas
motivação para maximizar o bem-estar eco- – agents – o controle do fluxo dos recursos
nômico. Essa maximização de bem-estar está públicos, sem, no entanto, conseguirem con-
inserida dentro de um contexto de regras trolar a ação dos agentes, que se encontram
determinadas e de uma renda fixada de acor- livres para agregar os bens públicos às suas
do com as preferências individuais. Os agen- rendas privadas. Na medida em que os go-
tes, segundo esses autores, buscarão a mai- vernos são exclusivos compradores e forne-
or renda possível, dentro ou fora das regras cedores de recursos públicos, os cidadãos
de conduta, resultando em transferências não conseguem controlar os preços desses
dentro da sociedade mediante a existên- recursos, uma vez que estes não são estabe-
cia de monopólios e de privilégios, cons- lecidos de acordo com as regras de um mer-
tituindo um mercado político competiti- cado impessoal. Como observa Przeworski
vo em que os agentes lutam por esses mo- (2001), o problema do agent x principal é um
nopólios e por esses privilégios, transfe- dos principais pontos a serem abordados
rindo a renda de outros grupos sociais nas reformas de Estado em curso. Além dis-
para si. so, é uma das fontes da corrupção na políti-
É nesse sentido, portanto, que a corrup- ca, na medida em que os agentes têm con-
ção ocorre quando o mercado político não é trole sobre o fluxo das informações das tran-
perfeito. Os agentes públicos visam maxi- sações públicas, enquanto os principals não
mizar bens-públicos para seus fins particu- têm informação suficiente, impossibilitan-
lares, com o intuito de ampliar sua renda, do, dessa forma, qualquer tipo de controle e
sendo que, no caso de corrupção, essa caça de accountability em relação à coisa pública.
às rendas é estritamente ilegal. Porém, como A citação abaixo, extraída de Rose-Acker-
observa Rose-Ackerman (1996a), antecede man (2002, p. 70), ilustra bem a forma medi-
à ação dos agentes públicos de caça a ren- ante a qual a public choice percebe a corrup-
das sua ação de monopolizar a burocracia ção na política:
possibilitando o controle do fluxo das deci- “A gravidade da corrupção é de-
sões políticas e o controle sobre a depen- terminada pela honestidade e pela
dência dos agentes privados ao Estado. Por- integridade, tanto de agentes públicos
tanto, a corrupção é diretamente proporcional ao quanto dos cidadãos. Entretanto, e em
tamanho da máquina burocrática, ou seja, ao ní- se admitindo que esses fatores sejam
vel de controle do Estado sobre os agentes priva- constantes, a dimensão e a incidência
dos por meio da emissão de documentos, da co- de propinas são determinadas pelo ní-
brança de impostos e taxas e da consecução de vel geral de benefícios disponíveis pe-
programas e obras públicas. los poderes discricionários das autori-
A monopolização da burocracia, por dades, pelo risco das transações cor-
conseguinte, cria incentivos para que os ruptas e pelo relativo poder de negoci-
burocratas profissionais cobrem propinas ação do corruptor e do corrompido.”
dos agentes privados para a liberação de A causa da corrupção, segundo a visão
documentos e recursos públicos. Isso por- da public choice, portanto, é a existência de
que o governo se encontra na posição de monopólios e privilégios no setor público,
comprador ou de fornecedor de recursos que criam incentivos para que os agentes
públicos, criando incentivos para que a pro- busquem maximizar sua renda privada por
pina se torne um mecanismo recorrente de meio do suborno e da propina. Contudo,
ação política. A monopolização cria, como como mostra Rasmusen e Ramseyer (1994),
observa Rose-Ackerman (2002), um proble- a corrupção sofre do problema de coorde-
ma de agent x principal. Os cidadãos – prin- nação da ação coletiva, caso os recursos e o
cipals – de uma determinada comunidade poder de negociação dos agentes públicos

142 Revista de Informação Legislativa


estejam fragmentados. A fragmentação de sultam na decadência da cooperação entre
monopólios e a criação de estruturas com- os atores políticos e na recorrência de práti-
petitivas simétricas de um mercado político cas ilegais entre os atores, maximizadores
inibem a cobrança de propinas por parte de de rendas.
legisladores racionais, que têm os custos da Em face das conseqüências acima, a pu-
ação corrupta ampliados. blic choice defende a reforma do Estado no
De outro lado, caso existam monopólios sentido de erosão dos monopólios estatais,
e privilégios no setor público, a principal de fragmentação das burocracias profissio-
conseqüência da corrupção é a transferên- nais e da privatização de empresas contro-
cia de rendas dentro da sociedade, criando ladas pelo governo. Em resumo, segundo os
desperdício de recursos públicos, em prin- economistas da public choice, o combate à
cípio escassos, e a alocação destes em ativi- corrupção se dá por meio da criação de uma
dades improdutivas, as quais não geram estrutura constitucional que limite o nível
crescimento do bem-estar agregado da soci- dos benefícios dos monopólios sobre con-
edade. Nesse sentido, a perspectiva adota- trole do Estado, que por natureza é um ex-
da pela public choice para o fenômeno da propriador de riquezas dos agentes priva-
corrupção está em campo diametralmente dos. Por outras palavras, a public choice, como
oposto, se comparada com a teoria estrutu- nos mostra Rose-Ackerman (1996b; 2002),
ral-funcionalista, que preconiza eventuais defende a transferência das atividades con-
benefícios decorrentes dela. troladas pelo Estado – que é uma estrutura
A corrupção, como observa Paolo Mau- personalista por natureza – para o merca-
ro (2002), inevitavelmente inibe o crescimen- do, tanto em sua dimensão política quanto
to econômico e cria incentivos para que os econômica.
agentes enviem o capital acumulado por Como destacarão Montinola e Jackman
meio dela para paraísos fiscais. De acordo (2002), o ponto central da teoria da public
com esse autor, cada ponto que cresce nos choice para o estudo da corrupção na políti-
índices de corrupção – que são decrescen- ca é a consideração dos sistemas de incenti-
tes, ou seja, quanto maior o índice, menor a vos criados pela burocracia para que os
corrupção –, equivale ao aumento de dois agentes tenham um comportamento rent
pontos percentuais na taxa de investimen- seeking. É dessa forma que, dados os pressu-
tos e meio ponto percentual na taxa de cres- postos gerais da public choice, enquanto cor-
cimento do produto interno bruto. Assim, a po de teoria política, as democracias com-
corrupção influencia na composição dos petitivas e os mercados são condições ne-
gastos sociais dos governos. Por exemplo, a cessárias para um governo honesto, já que
cada dois pontos que um país melhore em estabilizam os interesses egoístas dos agen-
seu indicador de corrupção, é possível au- tes em torno de regras mínimas de pacifica-
mentar os gastos com educação na ordem ção social. Ademais, a partir dessa concep-
de meio ponto percentual do produto inter- ção, os teóricos da public choice recuperam o
no bruto. Finalmente, a corrupção está rela- aforismo de Mandeville, já que estruturas
cionada com a ampliação da carga tributá- competitivas, no âmbito da ordem política e
ria do Estado. Por outras palavras, quanto no âmbito da ordem econômica, é que criam
maior for a corrupção no setor público de os benefícios públicos que atendam às ne-
um país, maior a carga tributária paga pelo cessidades dos agentes.
setor privado.
No campo da ordem política, a corrup- 5. Considerações finais
ção afeta, como observa Rose-Ackerman
(1996b), a legitimidade do sistema político, A partir do inventário das teorias soci-
na medida em que as falhas de mercado re- ais que tratam do fenômeno da corrupção

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 143


na política, podemos perceber uma constan- tica normativa que é inerente ao seu concei-
te lógica, ou um ponto comum a todas elas, to. Logo, a tentativa de observar a corrup-
que suscitará a crítica aqui formulada: d e ção a partir de um viés estritamente racio-
que a corrupção, basicamente, é a sobreposição nalista desconsidera a ética presente na es-
das vantagens privadas ao bem comum. A par- fera pública que, esta sim, materializa o in-
tir dessa concepção, a estrutura lógica do teresse público. A idéia presente no positi-
problema nos obriga, então, a pesquisarmos vismo jurídico de que a lei materializa o in-
como é possível a formação do bem público teresse público; no estrutural-funcionalismo
para verificarmos e coletarmos evidências de que as instituições o materializam e de
suficientes para entendermos a corrupção que a corrupção pode ter uma função po-
na política. O pressuposto lógico é o seguin- sitiva ou uma função negativa; e, final-
te: se é possível o bem público, por redundância mente, na public choice de que o interesse
será possível a ação coletiva e o compartilhamento público é um conjunto de interesses pri-
de valores comuns entre os agentes políticos em vados estabilizados não leva em conside-
uma esfera pública. ração, portanto, que a esfera pública é fei-
Dados os dilemas de definição conceitu- ta de valores compartilhados de maneira
al da corrupção, como observa Heywood comum.
(1997), a conseqüência é o inevitável caráter Essa crítica possibilita, então, formular-
normativo do conceito, que se concentra na mos uma hipótese alternativa, central deste
dimensão dos deveres em relação à honesti- artigo: de que a corrupção é uma ação praticada
dade dos agentes políticos, ou seja, na di- por qualquer ator social visando a obtenção de
mensão deontológica da ordem política. vantagens pessoais – materiais ou imateriais –
Somente com a contraposição entre hones- que contrarie as normas institucionalizadas do
tidade e transparência, de um lado, e cor- sistema político, legitimamente aceitas pela so-
rupção, de outro, poderemos definir a for- ciedade por meio de seus sistemas de solidarie-
ma segundo a qual esse fenômeno ocorre na dade, tendo em vista os valores e a confiança dos
política. Portanto, o conceito de corrupção cidadãos em função das estruturas de socializa-
não pode prescindir de uma noção ligada ção das normas da comunidade política.
ao dever, já que seu núcleo definicional re- Em outras palavras, a corrupção é, como
side no campo dos valores, que, como já podemos lançar hipoteticamente, de um
mostrou Montesquieu (1973), na moderni- lado, uma função dos padrões de eficácia
dade, são transpostos para o campo das ins- institucional, entendida como interação en-
tituições. tre as esferas pública e privada que tendem
Entendido esse pressuposto lógico, po- ou não a garantir a transparência e a eficá-
demos lançar a crítica a ser formulada. As cia na formulação e implementação das de-
teorias sociais sobre a corrupção na políti- cisões do governo. Isto é, a corrupção é, em
ca, mesmo que tenham pressupostos episte- parte, o resultado, que pode variar em grau,
mológicos diferentes, lançam mão da con- do arranjo institucional de um dado siste-
cepção comum de que ela ocorre quando o ma político, a partir do qual é assegurada a
bem comum é subordinado aos interesses transparência nas relações entre o público e
privados, mas atribuem ao bem comum uma o privado. De outro lado, a corrupção é uma
concepção de matriz kantiana de que o mes- função dos padrões recorrentes de intera-
mo não resulta em concepções a priori. O ção dos indivíduos de uma dada coletivi-
erro dessas teorias é atribuir à corrupção dade, que assegurem um acordo comum em
uma noção de interesse público que não leva torno das leis, a partir do qual eles possam
em consideração certos valores comuns aos participar do bem-estar coletivo e o condicio-
agentes políticos responsáveis por fomen- narem, expressos na capacidade das estru-
tá-lo, destituindo-a de qualquer caracterís- turas de socialização de manter uma ordem

144 Revista de Informação Legislativa


política que fomente a ação coletiva por meio 5
Kant afirma que o direito é “vinculado à fa-
de valores que impliquem sanções contra culdade de obrigar”, mostrando que a injustiça é
um impedimento à liberdade que está submetida a
uma ação propriamente corrupta ou deso- leis universais. O ato ilícito, segundo Kant, repre-
nesta. Por conseguinte, o suposto é que deve senta um abuso de minha liberdade sobre a liber-
haver uma estrutura compatível entre insti- dade do outro, quebrando a lei universal. O único
tuições políticas, de um lado, e valores com- remédio é usar a coerção de modo a impedir que os
partilhados na esfera pública, de outro, homens invadam as esferas de liberdade dos ou-
tros.
para que seja assegurada a transparência e 6
Contemporaneamente, a corrupção, no cam-
a honestidade dos agentes políticos no tra- po do direito, é definida como infração ao direito
to com a coisa pública. administrativo, que regulamenta as relações entre
Portanto, a tentativa de construir um con- o funcionário público e a coisa pública. Ademais, o
ceito de corrupção que dê conta de lidar com direito administrativo tipifica a corrupção na for-
ma de delitos, tais como a fraude, o estelionato,
o problema da formação dos interesses in- etc.
dividuais a partir de sua convergência por 7
Para Parsons, os sistemas de não-ação são
meio da esfera pública e de como ela ocorre aqueles caracteristicamente relacionados aos mei-
a partir desse quadro de eficácia institucio- os físico e biológico em geral.
nal das sociedades contemporâneas são as
8
Parsons foi responsável por introduzir a soci-
ologia de Weber nos Estados Unidos por meio de
questões centrais de que deve tratar uma sua tradução de A Ética Protestante e o Espírito do
teoria sobre a corrupção. Capitalismo. Entretanto, Parsons introduz uma in-
terpretação sistêmica e desenvolvimentalista da
obra weberiana, enquanto Bendix (1986) introduz
a interpretação não sistêmica, contrapondo a visão
Notas parsoniana.
9
Para uma devida concepção do poder segun-
1
A própria idéia de que o mundo político pode do Parsons (1969), ver o artigo de Habermas (1980),
ser concebido racionalmente, no qual o analista pode
O Conceito de Poder em Hannah Arendt, no qual esse
apreender com o uso da razão as diversas categori- autor contrapõe as visões instrumental e comuni-
as e conceitos e organizá-los num todo genérico e cativa do conceito de poder. Habermas (1980) ob-
compreensivo para predizer novas teorias, não dei-
serva que a noção parsoniana da política está su-
xa de ser uma noção ideal. O ponto central é a bordinada a uma noção de ação social teleológica,
virada epistemológica da teoria social do século ou, em outras palavras, a um modelo de ação en-
XX, que deixa de lado a deontologia ou a dimensão
quanto forma para se alcançar fins, inspirado nas
dos deveres em função de uma concepção pragmá- escolhas e comportamentos dos atores que visam
tica e ontológica. maximizar ganhos em relação ao conjunto da soci-
2
Bobbio (1995) ocupa no corpo do positivismo
edade. Nesse sentido, Habermas imputa ao concei-
jurídico uma posição, como ele mesmo se define, to de poder de Parsons (1969) uma noção de racio-
moderada. nalidade estratégica, que, por si só, não legitimiza
3
Mesmo que pertencessem à mesma escola de a política em face da sociedade.
filosofia do direito, Savigny e Thibaut não concor- 10
No que tange ao conceito de poder, Parsons
davam com relação às codificações na Alemanha, (1969) direcionou forte crítica ao trabalho de Wri-
durante o século XIX. De acordo com Thibaut, a ght Mills (1982), que o entendia como expressão
codificação deveria ser imediata e guindaria a Ale- manipulativa das elites sobre a massa da popula-
manha à modernidade, enquanto Savigny afirma- ção.
va dever ser a codificação realizada somente em 11
O conceito de influência de Parsons (1969) foi
condições culturais favoráveis, que ele não obser- apreendido por Habermas (1997) em seu tratamento
vava em seu país, naquela época. sobre a democracia e sobre a política deliberativa,
4
A idéia de procedimento, segundo Bittar e por meio do qual o sistema político irá adquirir
Almeida (2001), deriva do “princípio da eficácia”, legitimidade diante da sociedade. O conceito de
o qual faz pressupor que a Constituição existe por- influência, na teoria habermasiana, é uma forma de
que ocorre um consentimento das pessoas em acei- ação comunicativa que fará com que seja garanti-
tar as leis. Kelsen termina por afirmar que o princí- da a participação dos cidadãos nos negócios públi-
pio da eficácia resulta que a ciência jurídica não cos. Entretanto, Habermas chama a atenção para o
tem espaço para os juízos de justiça, mas apenas fato de que Parsons não indica ou explica o local
para os juízos de direito. onde os indivíduos exercerão a influência, nem o

Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 145


modo pelo qual esta será institucionalizada. Esse é 18
Axelrod (1984) mostra que, se o dilema do
um dos problemas que Habermas (1997) tentará prisioneiro for reiterado ao infinito, no futuro a es-
resolver por meio da teoria da ação comunicativa tratégia que equilibra o jogo é a da cooperação uni-
(Cf. FILGUEIRAS, 2003). versal, ou seja, aquela em que os indivíduos coope-
12
Como destaca Joseph La Palombara (1994), ram incondicionalmente.
para que a corrupção na política exista é necessário 19
Quando falamos de ponto de equilíbrio, não
que ocorra um desvio das regras formais do siste- podemos deixar de nos referenciarmos a John Nash
ma. Essa noção de desvio, que marcará as posições Junior (2001a, 2001b). Segundo Nash Junior a so-
do estrutural-funcionalismo e do positivismo jurí- lução de equilíbrio deriva de padrões racionalmen-
dico, surge da capacidade de racionalização e in- te definidos e recorrentes ao longo da reiteração do
fluência que o positivismo teve – não só o jurídico, jogo. A solução de equilíbrio, portanto, é aquela em
mas o positivismo geral – nas Ciências Sociais até que os atores envolvidos no jogo, por serem racio-
meados do século XX. O que as teorias sob influên- nais e terem informação perfeita, encontram um
cia do positivismo afirmam é que o estudo da soci- ponto em que as estratégias se estabilizam, ou seja,
edade é possível a partir de um método estrita- ninguém ganhará mais por meio da deserção e nin-
mente objetivo, como mostrará Durkheim (1983), e guém bancará o sucker cooperando incondicional-
que a organização coletiva precede as ações indivi- mente.
duais mediante certas instituições sociais. Logo, se 20
De acordo com essa concepção, podemos re-
as instituições determinam as ações individuais, montar ao antigo aforismo liberal, criado por Man-
elas também assegurarão a existência de certas re- deville, de que os vícios privados asseguram os
gras, o que faz com que a noção de desvio surja benefícios públicos.
como categoria teórica inerente àquelas ações que 21
Como aponta Fábio Wanderley Reis (2000),
fujam às regras estabelecidas. teremos aqui os dois fundamentos dialéticos da
13
Huntington cita o judiciário como exemplo public choice: a noção do problema constitucional
de uma instituição dotada de autonomia. É uma enquanto forma de coerção e estabilização de inte-
organização que necessita estar separada dos inte- resses e a noção de mercado político enquanto fer-
resses de grupos sociais e dotada de valor por si, mento dos interesses e garantidor da liberdade e da
que assegura padrões de legitimidade para as de- igualdade, ou seja, da democracia. Todavia, a fa-
cisões tomadas no nível institucional. lha, segundo Reis, da public choice é vedar à teoria a
14
Huntington (1975) e Nye (1967) reiteram vá- capacidade de ação intencional por parte de sujei-
rias vezes que os grandes exemplos de função da tos coletivos, ou seja, de coletividades produtoras
corrupção no desenvolvimento político são encon- de solidariedade entre indivíduos supostamente
trados principalmente na América Latina, incluin- egoístas mas capazes de ação comum, como seri-
do o Brasil, e no Leste Asiático, que entraram tardi- am, por exemplo, os movimentos sociais contem-
amente no capitalismo. porâneos.
15
James Scott (1969) afirma ser a corrupção
uma forma alternativa encontrada pelos agentes
políticos de articular seus interesses junto à esfera
pública mediante a construção do que ele chamará
Bibliografia
de máquinas políticas. Essas máquinas políticas são
grupos sociais que procuram influenciar o conteú-
do das decisões políticas tomadas na arena legisla- AKERLOF, George. The market of “lemons”: quali-
tiva pela persuasão das elites partidárias em torno ty uncertainty and the market mechanism. In: RAS-
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ARISTÓTELES. Política. Brasília: Ed. da UnB, 1985.
sociais que surge com a mudança, colaborando,
dessa forma, para o desenvolvimento. ARROW, Keneth. The limits of organization. New
16
É interessante observarmos que a etimologia York: W. W. Norton, 1974.
da palavra interesse remete à idéia de lucro. Sendo
assim, podemos afirmar que a idéia de interesse, AXELROD, Robert. The evolution of cooperation. New
como preconizada pela teoria política contemporâ- York: Basic Books, 1984.
nea, leva-nos à idéia de cálculo como catalisador BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectu-
das intenções dos agentes. al. Brasília: Ed. da UnB, 1986.
17
É importante chamar a atenção para o argu-
mento segundo o qual a teoria da escolha racional BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios
prescinde da concepção weberiana de efeitos não da moral e da legislação. São Paulo: Nova Cultura,
intencionais da ação social. 1989.

146 Revista de Informação Legislativa


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