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Sumário
1. Introdução. 2. A positivação das leis, o
Estado e a corrupção segundo o positivismo
jurídico. 3. Instituições, modernização e a cor-
rupção segundo o estrutural-funcionalismo. 4.
Racionalidade, instituições e a corrupção se-
gundo a public choice. 5. Considerações finais.
1. Introdução
A teoria social do século XX marca uma
virada importante para o racionalismo, a
partir da qual a dimensão normativa deixa
de ser considerada como objeto da ciência,
que agora se utiliza da empiria informada
ou por técnicas de pesquisa e pela história,
buscando entender a política como de fato
ela é. Nesse mesmo contexto, o período de
mudanças sociais, políticas e econômicas
geradas no início do século XX criou um
profundo sentimento de dúvida sobre como
ocorre a corrupção na política, dado o pro-
cesso de racionalização e burocratização da
ordem pública que lançam raízes desde o
período do Iluminismo1.
O propósito deste artigo é fazermos uma
exposição crítica das teorias vigentes sobre
a corrupção na política e averiguarmos os
motivos segundo os quais esse fenômeno é
entendido como um prejuízo ao bem comum
a favor das vantagens privadas. O argumen-
Fernando de Barros Filgueiras é Douto-
rando em Ciência Política pelo Instituto Uni- to fundamental a ser defendido neste artigo
versitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IU- é de que, para falarmos em corrupção na
PERJ) e Mestre em Ciência Política pela Uni- política, precisamos colocá-la em relação
versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). com a capacidade dos indivíduos de uma
Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004 125
dada comunidade política empreenderem ção dos interesses privados ao interesse
ação coletiva mediante laços comuns sedi- público. Esse é o ponto de partida de todas
mentados em uma ética, que modere os inte- as teorias sobre a corrupção e o núcleo lógi-
resses a partir da civitas. Por decorrência co que define o conceito. Portanto, na medi-
dessa argumentação, o aparato institucio- da em que envolve uma concepção de pú-
nal do Estado melhor funciona – no sentido blico, precisamos colocar o conceito de inte-
de maior transparência e eficácia – quando resse em relação à ética na política, para que
certos valores dos participantes da ordem possamos falar das duas dimensões dialé-
política se vinculam às leis positivas, legiti- ticas que definem o conceito: a dimensão do
mando essa ordem e assegurando a exis- público e a dimensão do privado.
tência de certos valores que definirão a vida E é essa concepção lógica do conceito de
do corpo político e não sua corrupção. Ao corrupção na política que resultará na críti-
passo dessa argumentação, afirmamos que ca às teorias vigentes sobre esse tema. A tese
as teorias sociais da corrupção, tratadas nes- é que essas teorias sobre a corrupção na
te breviário, prescindem desse recurso à ética política não a entendem a partir da capaci-
entendida enquanto valor, afirmando serem dade de vida comum entre os indivíduos,
as instituições políticas o fator de legitimida- apesar de partirem do mesmo pressuposto
de que define a corrupção ou não da ordem. teórico. Porém a entendem como uma não
Essa exposição crítica começará com te- efetivação das leis, como uma função da
oria do positivismo jurídico e mostraremos modernização, ou, finalmente, como um cres-
como, segundo os autores dessa tradição cimento excessivo da burocracia do Estado,
teórica, a corrupção é uma decorrência de respectivamente, prescindindo da ética
uma deslegitimação da ordem jurídica e da como o fator determinante da ordem políti-
ineficácia das leis. A corrupção, entretanto, ca. É a comunidade que expressa o valor da
não pode ser o produto de leis ineficazes, ética nos negócios públicos e o sentimento
mas de valores que os homens carregam de não-corrupção que perpassa um “bom”
consigo e compartilham num espaço públi- governo, atribuindo às suas instituições a
co. Após a apresentação da concepção de devida confiança necessária para a efetiva-
corrupção segundo o positivismo jurídico, ção da ordem jurídica e das políticas públi-
apresentaremos a concepção da teoria es- cas, tendo em vista não a racionalidade es-
trutural-funcionalista, com inspiração na treita, mas o sentimento de justiça, de igual-
obra de Parsons (1949), tendo como seu prin- dade, de liberdade, de tolerância e outros
cipal expoente a teoria de Samuel Hunting- sentimentos afins.
ton (1975), relacionando a modernização e
a corrupção e a maneira de acordo com a 2. A positivação das leis, o Estado
qual esse fenômeno ocorre nas ordens polí- e a corrupção segundo o
ticas contemporâneas. Finalmente, fechare-
positivismo jurídico
mos este breviário com a teoria da public
choice sobre a corrupção, que mostra como, O positivismo jurídico, ou teoria juspo-
quando existem indivíduos que monopoli- sitivista, ocupa uma posição de destaque,
zam a burocracia, há uma tendência deles a enquanto corpo filosófico de teoria do direi-
sobreporem seus interesses privados ao in- to, no contexto do Estado moderno. Na mo-
teresse público, na medida em que são ma- dernidade, é o positivismo jurídico a teoria
ximizadores de utilidade. responsável por racionalizar as questões
A constante lógica que perpassa as teo- que dizem respeito ao direito e à justiça,
rias sobre a corrupção, mesmo que elas este- além de estabelecer, no contexto das socie-
jam em dimensões epistemológicas diferen- dades complexas, formas de legitimidade
tes, é que ela é entendida como a sobreposi- política do Estado-Nação.
Ator 1
Cooperar Não cooperar
Cooperar CC CN
Ator 2
Não cooperar NC NN
Preferências: NC>CC>NN>CN
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