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A ANova Aurora
NOVA AURORA DE
deUMA
umaANTIGA
AntigaMANHÃ
Manhã
Surpreendentes diferenças entre as Plantas Sagradas e as drogas –
As propriedades misteriosas dos Enteógenos
Surpreendentes diferenças entre as Plantas Sagradas e as drogas –
As propriedades misteriosas dos Enteógenos
ÍNDICE
________________________ u ____________________________
Posfácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
I
O PROBLEMA DAS DROGAS NA ATUALIDADE OU O
INÍCIO DO DESPERTAR
________________________ u ____________________________
do ele nos joga na cara: Vocês me proíbem de fumar haxixe, mas a sua socie-
dade não reconhece o álcool, que é muito mais perigoso?”
“O tabaco mata 100 vezes mais do que todas as outras drogas juntas, ex-
cluindo-se o álcool, que provoca muitas vítimas em ocorrências que pode-
mos definir como ‘efeitos colaterais’, como acidentes automobilísticos pro-
vocados por embriaguez, além de brigas, esfaqueamentos etc.
Mas, em relação a danos de doenças provocadas ao organismo, é o tabaco
que se mostra soberano, embora também seja arrasadora a destruição pro-
vocada pelo álcool no organismo”.
Ressalta ele que o tabagista, além dos sérios danos causados aos ou-
tros pelo tabagismo passivo, compartilha com o alcoólatra uma respon-
sabilidade a mais: a de “(...) influenciar diretamente seus descendentes (e,
acrescentaríamos, seus circunvizinhos e amigos) no hábito de fumar”.
O curioso é que estamos falando de drogas lícitas, anunciadas na
mídia e que, conforme assinala Valdemar, “(...) sua propagação somente
agora começa a ser proibida nos grandes veículos de comunicação?!”.
Sendo evidente o nível de hipocrisia, de preconceito ou de distor-
ções nas abordagens de nossas sociedades modernas em relação a tais
assuntos, não é de admirar a desconfiança dos usuários destas drogas
em relação a quaisquer intromissões em sua liberdade de escolha, da
parte de autoridades que se julgam competentes. As questões e as solu-
Cap. I – O Problema das Drogas na Atualidade ou o Início do Despertar 11
muitas guerras, políticas e religiosas, têm vindo daí. Tudo está associado
à decadência arquetípica dos tempos históricos que estamos vivendo.
Marie Louise formula com precisão o fator espiritual psíquico pre-
sente nos bastidores de tudo o que estamos examinando. Continua ela:
psiquiatra e guia espiritual Dr. Scott Peck nos lembra “(...) boa parte da
psicopatologia humana, incluindo o abuso de drogas, surge de uma ten-
tativa de voltar ao Éden”. O “anseio inconsciente de unidade”, expresso
de muitas maneiras, aparece sob múltiplas formas em nossa sociedade,
delineia quadros de equilíbrio psíquico, de sanidade e de patologias,
promove o crescimento ou a estagnação psíquicos, possui repercussão
social que ainda não temos condições de avaliar.
A perspectiva de C. G. Jung nos ajuda a entender melhor essa ques-
tão em uma linguagem moderna:
Convergindo com Jung, Stan Grof e muitos outros, ele enxerga a di-
mensão construtiva, terapêutica, e, até mesmo, espiritual, sagrada, da crise:
“Os escritores, cujas obras se vendem mais, arrasam as ideias das pessoas
de mais idade, sem criar novos ideais. Além disso, o jovem vê, ouve e cheira
diariamente de que maneira ultra-rápida as nossas condições de vida cor-
rem para a destruição, como a natureza livre em seu esplendor, com seu
mundo vegetal e animal é, progressivamente estragada sem que a ‘sociedade’
se oponha a isso de modo eficaz. Portanto não há falta de motivos para de-
sejar uma sociedade ‘melhor’.”
4 Isso foi fartamente comprovado com o movimento hippie que, apesar de alguns
excessos e equívocos, trouxe valores e atitudes fertilizantes para a cultura ocidental:
o pacifismo, a volta à natureza, a exploração da mente, o universo interior, o resgate
da espiritualidade e das tecnologias psicoespirituais do Oriente, o questionamento
do sistema capitalista, do consumismo etc.
20 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
utilizados tanto para educar, gerar saúde mental e transformar para me-
lhor o ser humano quanto para alienar, corromper, neurotizar e incutir
destrutivos valores. É evidente sua extrema responsabilidade na cons-
trução social, bem como no problema das drogas. A falta de informação
lúcida sobre esses assuntos recai igualmente sobre seus ombros, e sobre
os das autoridades políticas que, por vezes bem intencionadas, realizam
campanhas pouco eficazes, seguramente por não tocarem as verdadei-
ras raízes das questões abordadas. Penetrar em tais raízes, que se encon-
tram nos domínios transpessoais da Alma, pode mudar completamente
alguns ângulos dos temas tratados, por vezes com superficialismo, por
vezes com preconceitos, o que influi decisivamente nos resultados fi-
nais, nas apreciações e na legislação formulada a partir deles.
Muito do que estamos dizendo começa na história que ensinamos
aos nossos jovens e às nossas crianças. Existe uma distorção na base, no
próprio sistema educacional, que, através de suas ênfases e ocultações
de dados, de suas escolhas acerca do que enfocar e do que ignorar, guia
as mentes em formação pelo caminho de valores que nutrem unilateral-
mente as dimensões decadentes e sectárias de nossa cultura, fomentan-
do alienação em face das perspectivas capazes de trazer renovação psi-
cológica e social por meio da promoção de mais ética e saúde mental.
Em sua palestra na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro), Stanislav Grof, uma das maiores autoridades em Psicologia
Transpessoal, nos recorda que os currículos, tanto escolares quanto das
universidades seculares, falam pouco ou nada de Buda, São Francisco,
Sócrates, Giordano Bruno, Paracelso ou de Jesus.
Tais personagens, se mencionados, o são de maneira preconceituosa,
ou, em versões manipuladas segundo interesses institucionais, jamais res-
saltando o caráter revolucionário e libertário de suas contribuições. A histó-
ria prioriza os impérios querendo engolir os outros à sua volta antes de cair,
os currículos discorrem sobre política, guerras, invasões, conquistas etc.
Pouco se fala dos grandes mestres espirituais, das vidas de cientis-
tas dedicados e de grandes benfeitores da humanidade. Pouco se infor-
ma sobre a história do ponto de vista dos povos e culturas vencidos, que,
muitas vezes, demonstram ser mais espirituais e avançados, psicológica
e culturalmente, que seus conquistadores. Afinal, que critérios são utili-
zados para se avaliar o que são grandes feitos ou não? Da mesma forma,
no noticiário e nos filmes da TV, parece que é dada prioridade aos fatos
ligados ao poder, à ambição, à agressividade e ao egoísmo humanos e,
Cap. I – O Problema das Drogas na Atualidade ou o Início do Despertar 21
ritual, educacional e médico deve ser oferecido aos que desejarem sair
de caminhos perigosos e, especialmente, muita informação sobre o as-
sunto deve ser acessível a todos, para que saibam decidir suas vidas de
maneira mais consciente, inteligente e edificante.
arriscarão. Quem tiver de descer que o faça com os olhos abertos, pois é
um sacrifício que amedronta até os deuses. Porém, depois de toda descida
segue-se uma ascensão. As formas que desaparecem são reformadas, e uma
verdade só será válida no final (a longo prazo) quando se transforma e torna
a trazer seu testemunho através de novas imagens, em novas línguas, como
um novo vinho que é acondicionado em odres novos”.
“No tratamento dos jovens que estão em perigo pelo consumo de drogas
e dos que são dependentes destas, é imprescindível considerar a neces-
sidade de novas formas sociais e de novas experiências em comunidade
sem preconceitos. Sabemos hoje quão difícil é corresponder a tal neces-
sidade; (...).”
“No passado, o prazer de viver era oferecido aos deuses na dança espontânea
da existência, (...). Hoje, esgota-se em rituais sem sentido para perdedores ou
vencedores. Mas os deuses destituídos dos seus altares tendem a se insinu-
ar de volta por vielas escuras. É por isso que nos encontramos prisioneiros
de ondas de um hedonismo compulsivo, que exageramos nos prazeres e nos
afogamos no álcool ou nas drogas. Pois, embora o homem moderno tenha a
liberdade de ignorar as mitologias e teologias, sua ignorância não o impedirá
de continuar alimentando-se de mitos decadentes e de imagens degradadas.”
5 Apesar de muito das Ciências Holísticas dos Sábios do passado ter se perdido, al-
gumas Escolas Iniciáticas e antigas tradições espirituais, como os Rosacruzes, a
Maçonaria, os Taoístas, os Gnósticos, os Xamãs e outros guardiões dessa Ciência
Sagrada ainda preservam certos aspectos e metodologias dessa avançada pedagogia
do passado.
6 A inexorável conclusão aí é que, exatamente na formação dos indivíduos, isto é,
na educação, que precisamos investir para, entre muitas outras importantes coisas,
trabalhar preventivamente, em saúde mental, psicossomática e física.
30 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
Conclui ele:
“A aparência exterior antagonista das drogas na América esconde uma força,
que é, para nós, o oposto que falta. Nada mais é senão a realidade e a força
do não material, do não racional e do não ordinário, que negamos por tanto
tempo, e usando a máscara que adotou, força-nos a levá-la em consideração
e integrá-la em nossos conceitos conscientes.”
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“Mas por enquanto podemos dizer, eu acho, que o valor, à parte o valor
intrínseco, por assim dizer o valor ético, sociológico e espiritual da experi-
ência visionária, é que se for bem usada ela pode resultar numa mudança
importante e significativa no modo de consciência, e talvez também numa
mudança de comportamento para melhor.”
“Que método mais direto para permitir ao homem liberar-se dos limites pro-
saicos de sua existência mundana, e entrar temporariamente nos fascinantes
mundos de indescritíveis maravilhas que os alucinógenos abriam para ele?”
“I invite you to consider the impact that the drug laws inadvertently have
on the free exercise of religion, affecting people for whom certain prohibited
substances are an essential feature of their spiritual practices. That impact ef-
fectively constitutes religious persecution, even though most of the people con-
ducting it have no desire to persecute and no idea that they are doing so.”7
7 Trad.: “Eu convido você a considerar o impacto que as leis acerca das drogas inadver-
tidamente tem no livre exercício da religião, afetando pessoas para quem certas subs-
tâncias proibidas são um aspecto essencial de suas práticas espirituais. Este impacto
efetivamente constitui perseguição religiosa, mesmo que muitas das pessoas que a
conduzam não desejem perseguir e não tenham consciência de que o fazem.”
38 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Os guerreiros têm um propósito ulterior para seus atos, que não tem
nada a ver com o ganho pessoal. O homem comum age apenas se há
a oportunidade para o lucro. Os guerreiros não agem pelo lucro, mas
pelo espírito.”
Carlos Castañeda
8 Soma: Bebida sagrada cultuada na Índia antiga, cuja identidade foi mantida em
segredo pelos sacerdotes, e que é mencionada nos hinos do Rig-Veda. A partir das
experiências de êxtase, foram “compostos” mais de 120 hinos, cerca de uma décima
parte do Veda sagrado, dedicados ao “deus” Soma, e realizados rituais de invocação
do seu poder divino para múltiplos propósitos. A partir dessa antiga fonte perce-
bemos a riqueza de propriedades misteriosas que um Enteógeno pode apresentar.
Alguns autores, como Aldous Huxley, por exemplo, sugerem que o yoga e a medi-
tação surgiram em função do desaparecimento do Soma. Essa bebida sacramental
era utilizada também pelos indo-irânicos que a denominavam Haoma.
42 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Na atmosfera paranoica do final dos anos sessenta, o mero fato de esses
compostos causarem alucinações foi base suficiente para sua colocação
Cap. II – A Nova Aurora de uma Antiga Manhã 45
numa categoria tão restritiva que até mesmo a pesquisa médica foi de-
sencorajada.”
“Os alucinógenos são substâncias químicas que, em doses não tóxicas, pro-
duzem mudanças na percepção, no pensamento e no estado de ânimo, mas
quase nunca produzem confusão mental, perda de memória ou desorienta-
ção na pessoa, nem de espaço nem de tempo.”
“Roland Fischer, que trabalhou muito com a psilocibina antes que a lei
proibisse que ela fosse administrada a seres humanos, fez uma importante
observação no início da década de 60. Expôs um grupo de pessoas a doses
muito pequenas – tão pequenas que não chegariam a causar uma experiên-
cia psicodélica e mal provocariam algum efeito sobre os pacientes, exceto
uma ligeira excitação. Mas submeteu essas pessoas a testes de acuidade vi-
sual e descobriu que com pequenas doses de psilocibina elas passavam a ver
muito mais claramente do que no estado normal.”
“O tema central é um dilúvio de imagens visuais que, por mais que a pessoa
tente, não consegue identificar como oriundas do subconsciente pessoal ou
coletivo. Para mim, isso era verdadeiramente fascinante. Tinha estudado
Jung a fundo e, portanto, esperava que os temas e as ideias do subcons-
ciente fossem razoavelmente homogêneos no mundo inteiro. No entanto, o
que encontrei, no auge da intoxicação provocada por estas plantas, foi um
mundo de ideias, de imagens visuais e vislumbres noéticos que não se ajus-
tavam a qualquer tradição conhecida – nem mesmo à tradição esotérica.
Ultrapassava todas elas. A coisa era tão fascinante que a adotei como guia
da minha vida.”
“os monarcas do México não apenas cobravam tributo em flores, senão que
eram capazes de ir à guerra para conseguir certas plantas cobiçadas, como a
árvore de formosas e cheirosas flores chamada Tlapalizquixóchitl [Tlápatl =
Datura stramonium; Izquixóchitl = Bourreria huanita] encontrada em Tla-
chquiauhco (Tlaxiaco, Oaxaca), lugar conquistado pelos mexicanos com o
pretexto de conseguir a árvore florida”.
Cap. II – A Nova Aurora de uma Antiga Manhã 49
Apesar de, mais uma vez, nos defrontarmos com uma linguagem
capaz de gerar equívocos e preconceitos acerca de práticas salutares e
adaptadas dos povos indígenas, ele percebe a revolução de paradigma
que encontramos aí, um horizonte psicológico que se radica no trans-
pessoal, observando ainda que “raros são os povos indígenas america-
nos, antigos ou modernos, dos quais não se supõe o uso regular de subs-
tâncias tóxicas”. É impressionante observarmos a frequência e regulari-
dade com que essa terminologia depreciativa aparece nas interpretações
dos mais importantes investigadores modernos.
Nossa investigação evidencia que o Santo Daime/Vegetal e outros
Enteógenos revelam a riqueza e a amplitude dos continentes e univer-
52 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Os critérios usados para definir saúde mental – senso de identidade, reco-
nhecimento do tempo e do espaço, capacidade de perceber o meio ambien-
te, e outros – exigem que as percepções e concepções do indivíduo estejam
de acordo com o arcabouço cartesiano-newtoniano. A visão de mundo car-
tesiana não é apenas o mais importante referencial: ela é considerada a única
descrição válida da realidade. Todo o restante é considerado psicótico pelos
psiquiatras convencionais.”
“Em grego, entheos significa literalmente ‘deus (theos) dentro’, e é uma pa-
lavra que se utilizava para descrever o estado em que o indivíduo se encon-
tra quando está inspirado e possuído pelo deus, que entrou em seu corpo.
Se aplicava a transes proféticos, a paixão erótica e a criação artística, assim
como a aqueles ritos religiosos em que os estados místicos eram experimen-
tados através da ingestão de substâncias que eram transubstanciais com a
deidade. Em combinação com a raiz gen-, que denota a ação de ‘devir’, esta
palavra compõe o termo que estamos propondo: enteógeno.”
“Um guerreiro é um caçador imaculado que caça poder; não é bêbado nem
doido, nem tem tempo ou disposição para fingir, ou mentir a si próprio,
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mas a aventura intelectual dos últimos mil anos fez com que tal ideia
parecesse absurda, senão psicopatológica.
Acho que o que realmente acontece é que se estabelece um diálogo
entre o ego e aquelas partes mais amplas, mais integradas da psique,
que normalmente permanecem ocultas.”
Terence McKenna
A Voz Interior, que para Jung é a voz de uma vida mais plena e de
uma consciência mais ampla e abrangente, trabalha para corrigir as atitu-
des do ego, o rebaixa ou exalta quando necessário, fornecendo subsídios
para que ele cumpra sua designação maior: colocar-se a serviço do Si-
Mesmo ou, em termos religiosos, de Deus, colaborando ativamente para
o desenvolvimento da personalidade. Ouvir e seguir essa “Voz” pode ser
algo decisivo para a saúde mental, pois, como Jung adverte, referindo-se a
um elemento central da neurose, o estado de desunião consigo mesmo, a
dissociação psíquica, “(...), toda vez que procurava ser infiel à sua própria
experiência ou renegar a voz, o estado neurótico voltava imediatamente”.
Uma das etimologias possíveis da palavra religião é “religar” sig-
nificando conectar novamente. Temos aí a proposta de curar as feridas
da separação original e de retornar ao estado de inteireza primordial de
onde “caímos”, recuperando conscientemente a condição de totalidade,
alfa e ômega do desenvolvimento espiritual e psicológico.
Ainda a partir desta propriedade, vemos surgir novas revelações,
novas técnicas, rituais, maneiras de trabalhar com a Bebida Sagrada, mui
antiga, a partir das próprias experiências com ela, como se ela estivesse
nos ensinando caminhos novos, capítulos novos, instruções renovadas.
Tais instruções se fazem frequentemente, sobretudo, sob a forma
musical, tais como as linhas de trabalho surgidas no Brasil ao longo do
século XX, as linhas de Mestre Irineu, Padrinho Sebastião e Frei Daniel,
que conheço melhor, como também a de Mestre Gabriel, pela qual te-
nho igualmente um total respeito, embora infelizmente não tenha nela
iniciação e experiência mais profundas como nas outras.
Sem dúvida, o Daime/Vegetal atesta o fundamento sólido da po-
sição que marca uma das mais importantes divergências entre Jung e
Freud: a descoberta da função orientadora interior, da capacidade de
guiar que o inconsciente possui, com as amplas contribuições para a
prática da Psicoterapia, para o processo de desenvolvimento psicológi-
co, a individuação, e para a compreensão de uma das mais importantes
e surpreendentes propriedades destas “Plantas dos Deuses”.
Por um lado, podemos interpretar as revelações como origina-
das das dimensões espirituais da própria psique que, conforme ensina
Mestre Gabriel, se referem à expansão da “Memória” que, neste sistema,
“está em estreita relação com a consciência, uma vez que o aumento de
capacidade da primeira reflete-se no potencial de abrangência da segun-
da”, segundo Wânia Milanez, da União do Vegetal.
72 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Não estamos preparados para isso. Esperamos que tudo se enquadre nos ma-
pas racionais que a ciência nos deu, e a ciência não descreve um universo hi-
perdimensional, habitado por inteligências alienígenas com as quais podemos
manter contato instantaneamente se recorrermos a certo composto químico”.
74 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Há umas plantas que se chamam peiotes. Há também pessoas que as comem.
Alguns dizem que com isso aprendem muitas coisas. Outros afirmam que
chegam a ver animais, o mar e até os próprios deuses.
Nós, os Huicholes, o comemos. Quer seja para ver se por meio disso apren-
demos ou escutamos, ou simplesmente para cumprir um dever.”
tico, o Espírito Santo fala assim deles: ‘Ele (O Senhor) encontrou-o (Jacó)
numa terra deserta, na solidão ululante dos lugares ermos; cercou-o e cui-
dou dele, guardando-o como a pupila de seus olhos. Como a águia que pro-
voca seus filhos a voar, esvoaçando sobre eles, (assim o Senhor) estendeu
suas asas e o tomou, e o levou sobre suas asas. Só o Senhor foi o seu guia, e
nenhum outro deus estava com ele’.”
“(...) há alguém falando com você. Na verdade, era uma voz dentro da minha
cabeça, falando coerentemente, em inglês, sobre as questões que eram mais
importantes para mim pessoalmente. Eu não estava preparado para isso.”
“(...) Acredito que se trate de uma dissolução do poder do ego, permitindo que
ele entre em contato com o que chamo de Supermente e que outros poderiam
chamar de superego. Em outras palavras, essa força organizadora, muito mais
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 77
ampla, muito mais sábia, que trazemos dentro de nós, mas à qual geralmente
só temos acesso em situações de crise ou de extrema tensão psicológica. E en-
tão vem-nos um clarão de sabedoria. Estamos viciados em pensar com o ego.”
“Eis aquilo em que creio, diz ele: Que eu sou eu./ Que minha alma é uma
floresta sombria./ Que o que eu conheço é apenas uma clareira na floresta./
Que deuses, estranhos deuses, vão da floresta para a clareira do eu conheci-
do e depois se afastam./ Que devo ter a coragem de deixá-los ir e vir./ Que
não deixarei jamais meu pequeno ego me dominar, mas sempre tentarei
reconhecer os deuses que estão em mim e a eles me submeter, assim como
àqueles que estão em outros homens e outras mulheres.”
fechada e que, sozinho, ficava muitas horas a portas fechadas, sem que
ninguém soubesse o que acontecia lá dentro. Um dia o mordomo resol-
veu desviar a sopeira para seus aposentos. Quando a abriu, ele viu uma
serpente branca, que comeu. O que aconteceu após o insólito fato foi
que ele passou a entender a linguagem dos animais, o que deu origem a
toda a trama posterior do conto. Ora, quem comeria sem pestanejar uma
serpente? A não ser que se tratasse de uma linguagem cifrada, metáfora
para referir-se a um Enteógeno com propriedades misteriosas (talvez pa-
recidas com as propriedades xamânicas de certas Plantas Sagradas), ca-
paz de mudar para sempre sua vida, apresentando-lhe novas dimensões
e riquezas do mundo e da alma que ele jamais suspeitara. Poderíamos
apresentar vários outros indícios, mas não é esse o nosso objetivo aqui.
O essencial é a conclusão de que é possível que várias narrativas,
ritos, costumes e cosmovisões arcaicas, ancestrais, possam ter emergido
de conhecimentos acerca delas ou das experiências visionárias propor-
cionadas por tais Plantas “mágicas” ou “Plantas de Poder”, que têm esta-
do presentes no material cultural mais antigo, são encontrados desde os
primórdios da história humana.
A Pedagogia dessas Plantas é ampla e suprarracional, acostumando
os homens a perceberem o fantástico, o paranormal, o mítico, o mágico,
as sincronicidades que existem em suas vidas, contribuindo para uma
visão mais holística, mais abrangente e integrada da realidade que nos
cerca. Conforme nos ensina Jung em suas memórias:
“Aqui está a missão que tens de cumprir. Você tem de sair daqui, que não
é a tua linha, e abrir o teu próprio caminho espiritual, de conformidade
com o que está neste Livro”.
Em todas as Escolas, de Mestre Irineu, de Frei Daniel e de Mestre
Gabriel, temos a impressão de que talvez estejamos reeditando um per-
curso religioso muito antigo, em certos aspectos similar aos Salmos de
Davi, aos Encantamentos do Livro dos Mortos Egípcio: uma Doutrina
com profundas Psicologia, Filosofia e Teologia sob a forma de música,
de poesia e de experiência direta transpessoal, resgatando um tempo
onde Arte, Espiritualidade e Ciência caminhavam juntas.
O depoimento do Padrinho Manoel Araújo acerca de seu mestre,
Frei Daniel, é assaz eloquente: “Dentro da luz do Daime ele copiava os
hinos que tinha no Livro e com sua rebeca, colocava tudo em escala
musical”. Diante do “Livro”, existente nos invisíveis planos da realidade
que enxerga por meio do Santo Daime, ele parece simplesmente copiar
com fidelidade o que aprende nesse Livro Sagrado; mas Frei Daniel vai
muito mais longe: ele vive e encarna o ensinamento que lê nesse Livro
transcendental. Ele ritualiza o ensinamento e cria uma Escola espiritual.
É quando percebemos que um bom discípulo é algo muito raro: só ele
tem condições de se tornar um bom mestre.
A iniciação de Mestre Manoel também é amplamente paradigmá-
tica, exemplificando o fenômeno da “Voz interior”. Em seu primeiro tra-
balho, após uma experiência profunda de abertura da visão espiritual,
altamente terapêutica, no meu entender, ele ouviu a “voz” ensinar:
“Meu filho, não tenhas medo. Isto que você está vendo é devido a sua situ-
ação espiritual, que está meio embaraçada – sua culpa, os seus pecados. O
caminho que você está seguindo é como se estivesse numa fogueira, porque
te afastastes dos caminhos de Deus.”
16 Eis a letra do hino: “O Mestre está dentro de cada um/ É só se dispor a compre-
ender/ É só saber escutar/ Que a cada um Ele vai se revelar/ Chegada é a hora
da emancipação/ O destino maior vai colher cada irmão/ Realizando de Deus o
supremo amor/ O coração de luz desabrocha como a flor/ Essa força surgirá den-
tro de todos/ Consagrando a luz dessa liberdade/ Pois a ninguém mais cegamente
seguirão/ Senão o Pastor Interno dentro dessa verdade/ O máximo que podemos/
Ao sermos bons professores/ E todos somos uns dos outros/ É ajudar os irmãos a
alcançarem/ O Mestre que habita em seus interiores/ Será para muitos o que até
hoje só tem sido para poucos/ Chegou a hora dos justos se encontrarem/ Nessa luz
de amor nós bem recebemos/ O amor que Deus tem para nos guiar/ Agora nessa
batalha vamos guerrear/ No amor bendito vamos triunfar.”
86 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
Continua ela:
“através dos séculos, tem sido mal interpretada e mal traduzida, de forma
que hoje em dia as pessoas creem que significa apenas lamentar os pecados.
Esta é uma deplorável degradação dos ensinamentos de Jesus. A palavra
aramaica que Jesus empregou foi tob, que significa ‘voltar’, ‘refluir para Deus’.
A melhor tradução que se fez do sentido deste conceito é grega.”
“‘Far-vos-ei beber a água de prova do Senhor, e Ele fará aparecer vosso pe-
cado ante vossos olhos’.
E colhendo a água do Senhor, o sacerdote deu-a a José para beber e o man-
dou à montanha; e ele voltou ileso. E deu-a também a Maria para beber e
a mandou à montanha; e ela também voltou ilesa. E todo o povo soube e
admirou-se que não se havia revelado nenhum pecado.
E o sumo sacerdote disse: ‘Se o Senhor Deus não nos permitiu ver o pecado
do qual se os acusa, eu tampouco posso condená-los’. E os deixou seguir
absolvidos. E José tomou a Maria e voltou à sua casa cheio de júbilo e glori-
ficando ao Deus de Israel.”
“Os Bwitistas sabem o que queremos dizer com ‘uma má viagem’. Quando
isto ocorre no Bwiti (muito mais raro que no mundo ocidental) nunca se
lhe atribui à droga. O indivíduo se faz responsável de sua própria impureza
e pensamentos malignos.”
“(...) durante a Cerimônia são descobertos pelo curandeiro. Por meio dos co-
gumelos sagrados se pode descobrir assassinos, ladrões etc. Todos, mais cedo
ou mais tarde, sob o seu efeito, se delatam por suas atitudes ou eles mesmos
confessam. Por isso, há muitos que têm um medo mortal aos cogumelos.
19 Outro importante Enteógeno: um cacto sagrado que, além das tradições mais an-
tigas de uso xamânico (como, por exemplo, os huicholes, os tarahumaras do Méxi-
co) originou a Native American Church nos EUA, que deu nascimento, em nosso
mundo atual, a igrejas enteogênicas que se difundiram por diversos países, com
grande número de membros em torno de si. Como foco de resistência e até de so-
brevivência cultural, ela tem um papel singular na história indígena da América do
Norte. Conforme os antropólogos, seu surgimento é relativamente recente, embora
talvez possamos pensar que, como muitos outros cultos enteogênicos da atuali-
dade, se fundam em ensinamentos e tradições anteriores e, sobretudo, em novas
revelações, novas roupagens da mesma universal e arquetípica mensagem.
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 97
“O azougue é uma parte natural e artificial: sua parte intrínseca e oculta tem
sua raiz na natureza e só pode ser extraída por meio duma purificação prévia e
por uma sublimação feita com ciência. A parte intrínseca é estranha à nature-
za e acidental. Separa, portanto, o puro do impuro, a substância dos acidentes,
e revela o que estava oculto pelos véus da natureza ou então renuncia comple-
tamente. Porquanto, esse é o primeiro fundamento da arte e de toda a obra.”
“O úmido radical outra coisa não é senão o bálsamo universal e o elixir pre-
ciosíssimo da natureza; é por excelência o mercúrio da vida sublimada pela
própria natureza, que dele forneceu uma dose exatamente pesada e com
precisão a cada indivíduo da família. Aqueles que sabem, portanto, extrair
semelhante tesouro do seio e das entranhas dos produtos naturais em que se
encerra e desenvolvê-lo fora das aparências dos elementos em cuja sombra
se ocultou, esses, repito, podem ufanar-se de ter encontrado o remédio su-
premo da vida humana e a panaceia universal.”
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 101
“O deus adverte-o dos perigos que corre e lhe revela uma medicina que
o imunizará contra as drogas funestas da deusa: ‘Havendo falado assim, o
deus dos claros raios arrancou do solo uma erva que me ensinou a reconhe-
cer antes de me dar: sua raiz é negra, e a flor, branca como o leite; ‘moly’
chamam-na os deuses, mui difícil de arrancar para os mortais, ainda que os
deuses tudo possam’.”
“Seus encantos mágicos não tinham nenhum efeito sobre o herói possui-
dor da erva hermética Moly; assim pois impôs-lhe facilmente seu jugo. Do
mesmo modo o Sábio Artista possuidor do segredo hermético exerce a Arte
Real sobre toda a Natureza. Porém é uma realeza sem violência. É a do jar-
dineiro em seu jardim e a do esposo na câmara nupcial. Tudo se faz sem es-
forço. Ao contrário a ciência profana atua com violência e constrangimento.
Os adeptos recomendam ao aprendiz que siga a natureza, que receba suas
lições, que trabalhe de comum acordo com ela, que a ajude sem tentar ja-
mais violentá-la.”
“(...) É o que nos confirma o texto sagrado, onde é preciso observar que se
diz que o nosso primeiro pai foi criado não imortal por causa de sua maté-
ria; e que, a fim de que ele fosse isento de corrupção terrestre e da mancha
original desta matéria, Deus colocou no paraíso terrestre uma árvore abun-
dante em fruto de vida, e que era como uma fortaleza e um remédio contra
a fragilidade da matéria e a servidão da caducidade e da morte. Depois de
sua queda e da sentença que o tornou mortal, foram-lhe vedados o uso e a
aproximação.”
“Este véu da verdade oculta e estas trevas da nossa mente foram uma parte
da punição do pecado, em virtude do qual o homem se viu privado das delí-
cias do Paraíso terrestre, dos encantamentos que se encontram nas ciências
e do conhecimento da natureza dos seres celestes: para que aquele que se
entregara ao desejo culposo duma ciência proibida fosse punido pela justa
privação daquela que lhe era permitida, e castigado, assim, depois da per-
da da verdadeira ciência (que não era senão uma e a mesma para todas as
coisas) pela introdução da multiplicidade das ciências. Ali está o querubim,
com uma espada flamejante na mão, colocado à porta do Paraíso o qual com
o brilho de sua luz cega o espírito dos homens culpados, a fim de impedir-
lhes o acesso aos segredos e às verdades da Natureza e do Universo.”
“Às vezes, os indivíduos chegam a pensar que o tudo que é descarregado nos
vômitos não faz parte do seu ‘acervo pessoal’, mas de alguma porção do in-
consciente coletivo da humanidade. Lembro-me de alguém que me disse não
ter ficado com nenhuma vontade de vomitar quando estava explorando o
fluxo de suas visões pessoais; mas passou a vomitar abruptamente quando
começou a pensar e a ter visões das guerras genocidas e de toda a opressão que
ocorria na América Central (que ele não havia vivenciado pessoalmente).”
22 Conforme Alberto Magno: “Em árabe Ul-Khemi é, como o nome indica, a química
da Natureza Ul-Khemi ou Al-Kímia, seja como for, é apenas uma palavra arabizada
tomada do grego chemeia, de chumos (sumo), suco extraído de uma planta”.
106 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Todo nosso trabalho consiste, por meio dos diversos estímulos audiovisu-
ais, a obrigar o paciente a ‘cruzar’ esta etapa com a maior brevidade, para
evitar que esse ‘canto de sereias’ tão temido por Ulisses o desvie de sua rota,
de seu destino, de sua vida, bloqueando-o em seu trabalho, distanciando-o
no sentido mais literal da palavra.”
“Se o seu espírito está distorcido, ele deve simplesmente endireitá-lo – puri-
ficá-lo, torná-lo perfeito –, pois não há nenhum outro trabalho, em todas as
nossas vidas, que valha mais a pena. Não endireitar o espírito é procurar a
morte, e isso é o mesmo que não procurar nada, pois a morte nos apanhará,
de qualquer maneira. Buscar a perfeição do espírito do guerreiro é a única
tarefa digna de nosso tempo limitado e de nossa virilidade”.
O Brasil tem tudo para ser pioneiro neste setor. Além da abun-
dância e da diversidade de metodologias e formas de utilização do En-
teógeno, temos resultados positivos em todas as Igrejas sérias do Santo
Daime/Vegetal na terapia de tais problemas, sem que essa seja a sua pro-
posta original, essencialmente religiosa. Mais ainda, o Brasil tem de-
monstrado legislação avançada neste ignoto terreno.
Encontramos também um uso exclusivamente terapêutico des-
ta e de outras Plantas Sagradas. Além do trabalho pioneiro do médico
mexicano Salvador Roquet, este tipo de tratamento existe atualmente
em diferente formulação. Foi inaugurado no Peru, pelo amigo Jacques
Mabit, com a clínica Takiwasi, onde a tecnologia xamânica comprova
sua eficácia em relação às outras técnicas modernas de recuperação de
drogadictos e alcoólatras. Enquanto Salvador combinava metodologias
psicoterápicas das ciências humanas (psicanálise culturalista) com tec-
nologias xamânicas, talvez milenares, posteriormente, no Peru, Jacques
Mabit estabelece metodologia xamânica como base, integrada com ele-
mentos da ciência moderna.
Temos ainda, no Brasil, o revolucionário trabalho de Mestre Muniz
no Acre, utilizando, com sucesso, a metodologia da União do Vegetal
112 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
Sabemos que, não apenas os maus feitos (no sentido ético), mas
também as más intenções aparecem sob uma nova luz e perspectiva. O
mais surpreendente é que tais confrontos são acompanhados de uma
tomada de consciência ética, uma “metanoia”, o arrependimento sincero
e um desejo de corrigir-se: Isso é absolutamente original, oportuno e re-
volucionário, quando pensamos no mundo atual, onde a corrupção, os
crimes, a psicopatia e a ausência de consciência transpessoal e espiritu-
al, de sentimentos de culpa, levam as destrutivas ações humanas muito
longe. Testemunhamos, igualmente, como é difícil, com as ferramentas
convencionais, obtermos uma transformação autêntica, legítima e defi-
nitiva nessa decisiva direção.
O hino do Padrinho Sebastião, grande mestre da Sagrada Bebida,
que tive a honra de conhecer pessoalmente e com ele aprender, talvez
baseado em passagem bíblica, parece estar expressando a percepção ex-
pandida do xamã, a clarividência do daimista acerca do mundo exterior,
que é aplicável igualmente ao inconsciente, à alma do enteonauta, nessa
penetração que é pelo Si-Mesmo guiada: “Meu Pai eu quero teu amor/
Meu Pai eu quero teu saber/ Não há nada encoberto/ que não seja des-
coberto/ basta eu querer”; é o que permite ao xamã ou ao condutor da
cerimônia enteogênica realizar diagnósticos intuitivos (como um “raio X”
da dimensão espiritual do indivíduo, chave para a decifração da sua “do-
ença”, do seu mal) baseado em premissas bem diversas das dos médicos e
psicólogos convencionais, estando igualmente bem distantes, porém, de
atividade que possa ser considerada charlatanismo. É um fenômeno simi-
lar ao descrito no apócrifo de José, que mencionamos anteriormente. Esse
campo simplesmente requer mais pesquisa e investigação imparcial, pois
os achados, até agora, também nessa direção, são muito animadores.
Conforme conclui Ralph Metzner:
23 Aprofundo esta discussão acerca dos benefícios e malefícios dos fármacos moder-
nos, especialmente para a terapia das disfunções psíquicas, em outro trabalho acer-
ca do revolucionário diagnóstico de emergência espiritual e suas consequências
para a psiquiatria e a psicoterapia.
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 117
Ora, esta é uma armadilha que nos impede novos avanços. É muito
perigosa essa acomodação. O fato é que a medicação psiquiátrica é por
vezes igualmente prejudicial e empobrecedora das dimensões criativas
e revolucionárias do processo, da crise de transformação tangida pelo
Si-Mesmo, que parece estar por detrás das desestruturações da persona-
lidade e da irrupção psicótica.
A visão psiquiátrica convencional induz medo e desconfiança em
relação ao processo, dificultando sua compreensão e manejo, em seu po-
tencial de reestruturação para promover maior consciência e integração
psíquica, decretando maciças intervenções químicas, reduzindo as chan-
ces de reequilibração mais autônoma do usuário, forçado a recorrer aos
seus serviços por pura falta de opção. O caminho espiritual, a proposta
xamânica, bem como uma psicoterapia de orientação transpessoal, tra-
zem reavaliação de vida, revisão, expansão de consciência e confronto
com as questões centrais do processo e da crise por ele deflagrada.
Hoje, após larga experiência na aplicação do referencial da Psico-
logia Transpessoal na clínica, deparo-me com inúmeros dados eviden-
ciando que tais questões são, em última instância, de ordem espiritual,
isto é, transpessoal. Basta observar a quantidade de material arquetípico
e religioso, isto é, transpessoal, presente nos “delírios”, nas “alucinações”
e nas experiências incomuns pelas quais passam tais pessoas. Por vezes
temos a impressão de que é justamente o material simbólico, religioso e
mítico o que faltava na psique antes do colapso.
Proporcionando elaboração e integração dos conflitos em uma
nova síntese, uma renovação existencial em um novo projeto de vida,
essa abordagem traz nova esperança para os estigmatizados por tão
pesados rótulos. Descendo às causas, essa perspectiva traz respostas e,
talvez, soluções mais definitivas para “doenças” e “disfunções”, tanto do
corpo como da psique, bem como remédio e novo patamar de compre-
ensão de inúmeros “distúrbios” mentais.
O papel dos Enteógenos aí não deve ser subestimado. Vale a pena
lembrar que as populações que utilizam os Enteógenos apresentam me-
nos patologias. Atuariam eles também preventivamente? Como men-
ciona Terence,
“Quando digo que os índios amazônicos não têm problemas com drogas
como o DMT, quero dizer que as pessoas nestas sociedades não tomam es-
tas drogas para se rebelar contra pais ou professores, para fugir do processo
social, ou agredir a si mesmos. Nem sua droga é usada de qualquer manei-
ra associada a comportamentos antissociais. E como as drogas, em muitos
casos, são as mesmas associadas a padrões de uso antissocial nos Estados
Unidos, as diferenças não podem ter muita base na farmacologia.”
Ele se faz aí a pergunta crucial: “O que, então, estes índios estão fa-
zendo de diferente que lhes permite conviver com as drogas e não sofrer
as manifestações negativas de seu uso?” Embora não mencione mais
enfaticamente as diferenças cabais entre as Plantas Sagradas e as drogas,
entre as substâncias psicoativas que são usadas pelos índios milenar-
mente e as utilizadas em tempos recentes pelas sociedades ocidentais,
ele fornece as pistas para uma decisiva distinção. Percebendo que existe
“(...) uma grande lógica atrás da suposição de que as formas naturais das
drogas sejam inerentemente menos perigosas que os produtos deriva-
dos”, ele nos chama a atenção para o fato de que as plantas alteradoras da
mente utilizadas pelos povos indígenas “nunca contêm só uma substân-
cia química”. Elas contêm “uma série de compostos relacionados, todos
contribuindo para a ação farmacológica da planta toda”. Cada uma das
Plantas consideradas Sagradas tem alcaloides e outros compostos que
contribuem para sua ação farmacológica. O ópio ou o peiote, por exem-
plo, contêm muitos outros alcaloides, além da morfina, da heroína e da
mescalina, respectivamente.
A Planta é um todo indissociável. Seus efeitos misteriosos se ali-
cerçam, em parte, nesta complexidade. O Dr. Andrew percebe isso.
Posiciona-se ele:
é verdade que outros compostos possam causar pouco efeito quando admi-
nistrados isoladamente.”
Talvez isso não signifique que tais compostos não sejam muito im-
portantes, indispensáveis mesmo, para o resultado, para a obtenção do
efeito final. Além disso, provavelmente a diferença entre a Planta, como
um ser vivo hipercomplexo, e uma substância manipulada artificialmen-
te em laboratório, envolva mais fatores e variáveis a serem considerados
do que sonha nossa desenvolvida farmacologia.
Conforme nos diz o Dr. Fabio Firenzuoli, Presidente da Associa-
ção Nacional dos Médicos Fitoterapeutas na Itália:
O mais impressionante ainda está por vir. Os dados que o Dr. An-
drew Weil evoca coincidem com nossa experiência e pesquisas. Trans-
crevemos aqui suas palavras:
25 Teriam os antigos egípcios conhecido a Iboga e realizado com ela alguns de seus
secretos e misteriosos rituais de iniciação? Utilizavam eles Plantas Sagradas para
a comunhão com os deuses, como ocorria nos Mistérios de Eleusis? Quais seriam
elas e como eram utilizadas?
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 123
27 “Os estados não comuns de consciência, tendem a trabalhar como um sistema in-
terno de radar, procurando as cargas emocionais mais fortes e levando o material,
que lhes é associado, para a consciência, onde podem ser resolvidos” (GROF, Sta-
nislav. Mente Holotrópica).
126 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Vi que o nascimento nos prepara para a vida inteira. A energia com que se
nasce é importante e muito especial. Qualquer que seja essa energia, você
recebe o seu dinamismo para sempre. Assim como seu mapa natal na astro-
logia: essa é sua energia.”
MISSÃO CURATIVA
“(...) indícios que mostram que uma parte da psique, pelo menos, escapa às
leis do espaço e do tempo. A prova científica foi estabelecida pelas experi-
ências bastante conhecidas de Rhine. Ao lado de inumeráveis casos de pre-
monições espontâneas, de percepções não espaciais e outros fatos análogos,
dos quais busquei exemplos em minha vida, essas experiências provam que,
por vezes, a psique extrapola a lei da causalidade espaço-temporal. Disso
resulta que as representações que temos do espaço, do tempo e também da
causalidade são incompletas. Uma imagem total reclama, por assim dizer,
uma nova dimensão; só então poderia ser possível dar uma explicação ho-
mogênea à totalidade dos fenômenos. É por esse motivo que ainda hoje os
racionalistas persistem em pensar que as experiências parapsicológicas não
existem; pois seriam fatais à sua visão do mundo.”
“O índio crê nos cogumelos, crê que no decurso destas veladas ele recebe o
dom do que nós chamamos percepção extrassensorial, e que ele considera
como uma orientação divina. Acaso podemos assegurar que está completa-
mente equivocado? Eu não me atrevo a assegurá-lo. Pois menosprezar estas
crenças de antemão é, claramente, um sinal de arrogância intelectual nasci-
da da ignorância”.
“Seja qual for o seu status no mundo, sua persistência na experiência e no fol-
clore humanos é notável. O fenômeno da sua existência não é algo inusitado
nem estatisticamente raro. Em todos os tempos e em todos os lugares, com a
possível exceção da Europa Ocidental nos últimos 200 anos, o comércio social
entre seres humanos e vários tipos de entidades desencarnadas, ou de inteli-
gências não humanas, tem sido considerado perfeitamente verdadeiro.”
Conclui Terence:
“Em outras palavras, elas veiculam, efetivamente, uma existência que in-
depende do fato de serem percebidas por seres humanos. Esta é a posição
clássica daqueles que têm tido a mais vasta quantidade de experiências em
lidar com essas entidades: xamãs, extáticos e os chamados tipos sensitivos.”
“Esta posição ergue uma barreira tremenda para a mente científica e oci-
dental: a erradicação do espírito do mundo visível tem sido um projeto per-
seguido com grande zelo ao longo de toda a ascensão da ciência moderna.
Admitir que esse projeto passou por cima de algo tão fundamental – uma
agência inteligente e comunicante, e copresente conosco neste planeta – se-
ria mais que uma perigosa admissão do malogro de um método intelectual.
Seria, praticamente, selar a falência desse método.”
É ainda muito interessante a lembrança que ele nos traz de que a his-
tória do começo da ciência moderna está definitivamente marcada pelo
contato com tais entidades. Aportando o fato de que alguns dos seus prin-
cipais proponentes e investigadores “(...) estavam sendo guiados e dirigi-
dos na formulação da ciência incipiente por entidades desencarnadas”, ele
atesta outra conclusão implacável a que chegamos após nossa investiga-
ção: a de que esses seres inteligentes têm revelado tecnologias diversas aos
humanos encarnados; desde tecnologias psicoespirituais, como a da cana-
lização e a de se lidar com a possessão, até metodologias médicas, farma-
cológicas, e muitas outras mais, tais como algumas formas de inspiração
artística, demonstrando a conexão estreita entre contato com o mundo
espiritual, com outras dimensões da realidade, e inovação cultural. Esse
tem sido um aspecto enriquecedor das múltiplas culturas, responsável por
muito da produção religiosa e artística de diferentes povos, que tem sido
desvalorizado e negligenciado ao longo dos tempos e da história.
Para os espiritualistas, místicos e religiosos de todos os tempos o
contato com tais seres é dimensão inerente à realidade. Não apenas no
134 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Mas por enquanto podemos dizer, eu acho que o valor, à parte o valor
intrínseco, por assim dizer o valor ético, sociológico e espiritual da
experiência visionária, é que se for bem usada ela pode resultar numa
mudança importante e significativa no modo de consciência, e, talvez
também numa mudança de comportamento ou para melhor.”
Aldous Huxley – Moksa
de uma Planta Sagrada, que dilui complexos e nos liberta da usual colonização pelo
passado, seja desta ou de outras vidas? Será que este “Vinho Sagrado” nos conduz a
uma nova consciência que detém a síntese de várias vidas, personalidades e corpos,
representando um ponto de integração entre os personagens interiores, o eu múltiplo
e os ‘outros’ exteriores, que espelham nossa multiplicidade interior, configurando a
Consciência Cósmica, o Todo, o Eu divino que é um com o Pai, com o Deus trans-
cendente ou, em termos psicológicos, o princípio unificador da psique, o Si-Mesmo?
Encontramos, aí, experiencialmente, a constatação de que Atman e Brahman, o Deus
imanente e o Deus transcendente, têm a mesma natureza? Será que essa experiência
ampla e decisiva tem o poder de preencher nosso anseio de plenitude?
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 139
“Contudo, o estudo mais aprofundado dos textos citados permitiu saber que
foram utilizados como guias no contexto dos mistérios sagrados e das prá-
ticas espirituais e que, provavelmente, descreviam as experiências de inicia-
dos e crentes. Desde esta nova perspectiva, apresentar os livros dos mortos
como manuais de ‘como morrer’ poderia ser considerado um disfarce inteli-
gente para ocultar sua função ritual secreta e proteger a mensagem esotérica
da curiosidade dos não iniciados”.
“Jesus disse: ‘Se derem à luz aquilo que está no interior de cada um,
isto os salvará. Se não tiverem o que está no interior, isto os matará.’”
Evangelho de Tomé
“sabe-se agora que certos sistemas químicos ativos no cérebro humano são
parentes chegados de substâncias que originam o crescimento das plantas,
algumas das quais poderosamente psicoativas: descoberta de importantes
implicações tanto no campo da evolução como no da farmacologia.”
“Pois quem é Odin? Seu nome está ligado à palavra escandinava othr, ‘po-
esia’, e à palavra latina vates, ‘poeta’, ‘profeta’, ‘cantor inspirado’. A qualidade
dessa inspiração está clara na palavra do inglês antigo wood (“barril”, “ma-
deira”), que significa “louco” e tem seu paralelo em giddy (“tonto”, “bêbado”,
“alegre”), originariamente com o sentido de ‘possuído por um deus’.”
“O poeta não consegue fazer poesia antes de ser possuído, de estar fora de
si e de a razão ter cessado de habitá-lo. Pois enquanto se apegar a essa facul-
150 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
“Sei que a vida dos Índios não é ao gosto do mundo atual; apesar disso, em
presença de uma raça como aquela por comparação, podemos concluir que
a vida moderna é que está atrasada em relação a determinada coisa, e não os
Índios Tarahumaras atrasados do mundo atual.”
“Se bem investigada, parece-me assim que a medicina dos povos primitivos
deva ser considerada digna de mais respeito do que aquele até agora con-
cedido. Junto com absurdos de toda espécie, é ela provavelmente fruto de
uma experiência de milênios, se não talvez alguma coisa diversa que escapa
à natureza, capaz de provocar fenômenos idênticos em disparatadíssimas
regiões do globo”.
Existem alguns dados que nos geram muita perplexidade, uma vez
que sua complexa explicação pode nos remeter a surpreendentes hori-
zontes para alcançarmos as respostas suficientes. Tudo isso é muito sig-
nificativo para nossa pesquisa. Podemos refletir com Aldous Huxley que
“todos os narcóticos, estimulantes, relaxantes e alucinógenos naturais
conhecidos do botânico e do farmacólogo modernos foram descobertos
pelo homem primitivo e estão em uso desde tempos imemoriais”.
A maneira que o cientista-filósofo, profundo conhecedor dos psi-
coativos, Aldous Huxley tem de equacionar algumas questões centrais
para nossa jornada é fertilizante para os desdobramentos que vamos
encontrar posteriormente nessa surpreendente incursão:
ções do Novo Mundo, realizada por José Antonio Valverde, no livro Enig-
mas del nuevo mundo, publicado pelas Ediciones Universidad y Cultura.
Em meio a uma série de importantes e surpreendentes dados, e
com interpretações mais livres do etnocentrismo que marca muito da
literatura de história na atualidade, ele ousa levantar questões decisivas
para o que estamos tratando.
Reconhecendo os vestígios impressionantes, que nos falam de um
passado cultural e tecnológico surpreendentemente sofisticado, traços
de “raças e civilizações superiores não relacionadas sequer com as que
habitavam o continente na chegada dos europeus”, ele pergunta:
Hoje, com toda a certeza, damo-nos conta de que, diante dos fatos
com que nos deparamos, a história do homem possui muito mais lacunas e
fenômenos inexplicáveis à luz das teorias convencionais do que a perspec-
tiva que nossa bem comportada crença em uma confortante interpretação
oficial tem nos permitido alcançar. Olhando cruamente nada é tão óbvio:
Será que todo esse universo configurado tão inteligentemente é obra do
acaso e da necessidade, isto é, de mutações selecionadas aleatoriamente ou
por meros critérios adaptativos? Existe um “telos”, um objetivo, uma meta,
na natureza, na história, na alma humana? Será a visão cíclica da história,
encontrada em todas as civilizações mais avançadas da antiguidade, tais
como, entre os egípcios, gregos, hindus, bem como entre os maias, astecas,
africanos etc., mais real que a abordagem linear que se elege arrogante-
mente como superior e medida de todas as coisas? Essa visão da histó-
ria enquanto uma “dança de arquétipos”, um “jogo cósmico” de infinitos
movimentos e combinações, como propõem, por exemplo, a abordagem
taoísta (I Ching) e o calendário Maia, parecem ser tão úteis para a interpre-
tação dos fatos, do real, quanto nossa abordagem histórica materialista.
Atualmente faz-se imperiosa uma releitura de todos os fatos, in-
tegrando as múltiplas/complementares teorias e versões: “mitológicas”,
“científicas”, “teológicas” – as visões míticas, a moderna teoria sintética
da evolução e a abordagem teológica, que percebe o valor insubstituível
do Gênesis, bem como de outros mitos de Criação e de Origem, para
descrever o surgimento, os contornos e os propósitos últimos da alma
humana, temas centrais para todos nós. Tais visões são também psico-
lógicas e alquímicas, além de teológicas.
Continuando e aprofundando essa reflexão, percebemos igual-
mente que as formas de uso dos Enteógenos são prescrições à parte: de-
paramo-nos com sofisticados ritos e metodologias que, se nem sempre
podemos compreender inteiramente, não parecem relacionar-se com
algo que foi descoberto de forma aleatória.
Minha posição é a de que os Enteógenos não foram descobertos
por acaso, pela pura e casual experimentação, ou mesmo apenas pela
observação do comportamento dos animais. Estou absolutamente con-
vencido de que há mais mistérios aí do que as interpretações oficiais
nos oferecem. O alcance das versões apresentadas até aqui por antropó-
logos, historiadores e etnobotânicos é ainda insuficiente para explicar
todo o amplo e complexo universo dos conhecimentos ancestrais acerca
das Plantas Sagradas. Espero estar demonstrando isso neste livro.
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 163
Por que essa versão do xamã seria menos verdadeira que as dos
antropólogos e cientistas modernos?
A terceira hipótese é a de revelação extraterrena. Certa vez, uma
senhora muito humilde, mal falando o português, contou-me o seguinte
sonho:
“Eu estava na floresta amazônica quando vi uma coisa de vidro [Eu entendi
que era uma redoma e depois percebi melhor que se tratava de uma estufa]
com (o que para mim era) mato lá dentro. De repente, apareceu um ser
muito alto (uns três metros), parecia um ser mais evoluído, mais avançado
que nós. Aí ele disse para mim: ‘Está vendo aquelas plantas? Ali estão os
remédios para os principais males que assolam a humanidade atualmente’”.
“(...) Ninguém pode capturar as almas de nosso povo, já que elas não têm
mais medo da morte. Através do Mescalito, eles conseguiram ver além do
168 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
nem os olhos se fechem senão bem despertos, mais ainda que quando se
congregaram para o banquete.”
Outra versão que encontramos diz:
“Portanto, não podemos dizer nada sobre o que realmente sabiam os an-
tigos; julgamos adivinhar que terão guardado lembrança de uma ciência
infinitamente mais velha e mais avançada do que a deles; existem algumas
alusões dispersas a esse respeito, mas nada de preciso. Estamos reduzidos a
alguns indícios, cuja procura ainda agora começou.”
“Antes de ser preso por seus inimigos, Jesus reuniu os discípulos e lhes
ofereceu uma refeição sagrada, durante a qual abençoou o pão e a taça
de vinho e lhes lembrou que deveriam fazer aquilo em memória Dele e
para invocar sua presença, quando Ele não estivesse mais presente com
eles na carne.”
Stephan A. Hoeller
“Sabemos que nossos antepassados estiveram todos sob a nuvem, que todos
foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, que todos comeram o mes-
mo alimento espiritual e todos tomaram a mesma bebida espiritual; bebiam
do rochedo espiritual que os acompanhava: ora, esse rochedo era Cristo.”
Comenta Orígenes:
“Não convém a um homem temente a Deus, que com sua boca louva o Deus
vivo e come o sagrado pão da vida, e bebe a bebida sagrada da imortalida-
de, beijar uma mulher estranha, a qual com a boca louva deuses mortos e
mudos, que da sua mesa come alimentos sufocados, que das suas bebidas
rituais bebe o cálice da impostura, e que se unge com a unção da desgraça”.
nascimento por meio do Altíssimo, fará brotar flores de vida, e teus ossos
produzirão cedros comparáveis aos do paraíso de delícias de Deus, e bem
assim serás robustecida por forças novas. Além disso, tua juventude não co-
nhecerá velhice e tua beleza nunca murchará. Serás para todos uma cidade,
grandemente fortificada’”.
“isto não é sair de nosso tema (lenda do Graal), pois o próprio Graal, como
podemos nos dar conta facilmente por tudo o que acabamos de dizer, não
tem em sua origem um significado diferente do que tem geralmente o vaso
sagrado em todas as partes onde se encontra, e que tem, particularmente
no Oriente, a copa sacrificial que contém o Soma védico (ou o Haoma maz-
deu), esta extraordinária ‘prefiguração’ eucarística (...)”.
Continua ele:
38 Temos formulações e pesquisas acerca do trigo que, não apenas associam-no com
um elemento enteogênico (MCKENNA,Terence. O alimento dos deuses. p. 177, 178,
179, 180, 181; KIKEON. Claviceps Purpúrea; FLUDD, Robert. Plantas de los dioses.
p. 101, 102, 104, 144, 145) como cercam-no de uma aura absolutamente mágica in-
dicando que aí temos, certamente, um mistério que aponta para além das proprie-
dades de um alimento comum. Fludd então fala da significância mística do trigo na
Escritura Sagrada: “De dois tipos de pão, dos quais um é terrestre e vulgar; o outro,
celestial e imediatamente procedente de Deus (maná do céu) (...) Para concluir... eu
digo que esse pão celeste, esse maná celestial, essa rocha espiritual, essa sapiência
divina, esse tudo em tudo da vida, Cristo Jesus, é o segundo tipo de pão que difere
do pão comum como o céu da terra, ou a luz da escuridão...” Simplesmente pelo
que foi mencionado aqui, um pequeno extrato do texto, pode dar a impressão de
tratar-se de algo simbólico. Porém, a leitura do texto na íntegra não deixa margem
a dúvidas: existe algo material aqui. Não se trata meramente de símbolos. Além da
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 177
“Um aroma de flores encheu o ar quando falou Jesus: ‘Aqui está o segredo,
ó Filhos da Luz; aqui na humilde erva. Aqui está o lugar de reunião da Mãe
Terrenal e do Pai Celestial; aqui está a Torrente da Vida que procriou toda
a Criação. Certamente vos digo, só ao Filho do Homem lhe é dado ouvir e
tocar a Torrente da Vida que flui entre os reinos terrenais e celestiais. Colo-
cai vossas mãos ao redor da tenra erva do Anjo da Terra, e vereis e ouvireis
e tocareis o poder dos anjos. (...) E cada um sentiu a Torrente da Vida entrar
em seu corpo com a força de uma torrente impetuosa após uma tormenta de
primavera. E o poder dos anjos fluiu por suas mãos, ascendeu por seus bra-
ços e os comoveu poderosamente, como o vento do norte sacode os ramos
das árvores. E todos se maravilharam do poder da humilde erva, que podia
conter a todos os anjos e os reinos da Mãe Terrenal e do Pai Celestial’. (...) E
Jesus disse: ‘(...) Pois agora haveis entrado na Torrente da Vida, e suas cor-
rentes os levarão com o tempo à vida perdurável de nosso Pai Celestial. (...)
Comei, então, Filhos da Luz, desta, a mais perfeita erva da mesa de nossa
Mãe Terrenal, para que vossos dias sejam muitos na Terra, pois tal encontra
favor aos olhos de Deus. (...) E este amor nunca se esgota, pois sua fonte
está na Torrente da Vida que flui para o Mar Eterno, e não importa quanto
o Filho do Homem se extravie de sua Mãe Terrenal e de seu Pai Celestial, o
contato das folhas da erva trará sempre uma mensagem do Anjo do Amor;
e seus pés se banharão de novo na Sagrada Torrente da Vida. (...) Fechai os
olhos ao tocar a erva, Filhos da Luz, mas não durmais, pois tocar a Torrente
da Vida é tocar o ritmo eterno dos reinos sempiternos, e, assim, banhar-se
na Torrente da Vida e sentir mais e mais em vós o poder do Anjo do Traba-
lho, que cria na Terra o reino dos céus’.”
“Como esta essência divina, a luz do Pleroma, era também a fonte do Co-
nhecimento de Deus, a gnose; qualquer pessoa que recebesse esta unção
ficava com uma visão especial, como diz o Novo Testamento: ‘(...) vós re-
cebestes a unção do Santo e sabeis todas as coisas (...) E permaneça em vós
a unção que recebestes dele. E vós não tendes necessidade de que ninguém
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vos ensine; mas conforme a sua unção nos ensina todas as coisas, e ela é a
verdade, e não a mentira. Portanto, como ele vos ensinou, permanecei Nele’
(1ª Epístola de S. João, II, 20, 27)”.
“Antes de preso por seus inimigos, Jesus reuniu os discípulos e lhes ofereceu
uma refeição sagrada, durante a qual abençoou o pão e a taça de vinho e lhes
lembrou que deveriam fazer aquilo em memória Dele e para invocar Sua
presença, quando Ele não estivesse mais presente com eles na carne. Então,
Ele disse aos seus discípulos: ‘Antes que eu seja entregue, cantemos um hino
ao Pai, e então sairemos para o que nos espera’.”
“Mas o Evangelho não diz que eles ‘ficaram sem vinho’, como se costu-
ma citar erroneamente. O texto na verdade diz: ‘E quando eles queriam
vinho a mãe de Jesus lhe disse: ‘Eles não têm vinho’’. De acordo com o
ritual descrito nos pergaminhos do Mar Morto, a relevância disso é clara.
No equivalente da comunhão, só os celibatários plenamente iniciados ti-
nham a permissão de beber vinho. Todos os outros presentes eram consi-
derados não santificados, e só podiam passar pelo ritual purificador com
água; entre estes se incluíam homens casados, noviços, gentios e todos os
judeus leigos.”
“A lei judaica era estrita, mas o novo ministério de Jesus tinha a intenção
de abrir os corações. Normalmente os gentios só tinham acesso ao ritual
judaico se fossem convertidos convictos, comprometendo-se a observar os
costumes judaicos (incluindo a circuncisão, no caso dos homens). Os pen-
samentos de Jesus, porém, voltavam-se para os gentios não circuncidados:
por que eles não podiam também ter acesso a Javé?”
“(...) para os judeus radicais ortodoxos, aquilo era ultrajante, pois Jesus es-
tava assumindo poder pessoal sobre suas prerrogativas históricas. Estava
tornando Javé (o Deus do povo escolhido) acessível a todos, com poucos
compromissos exigidos.”
“Porém, alguma coisa nessas visões parece atingir níveis mais profundos da
psique e se manifestam através do que posso chamar de sentimento místico
perante o cosmos, que seria, ao menos potencialmente, comum a toda a
humanidade.”
“(...) Por sobre essa montanha sobranceira, avistarão, sem margem para
erro, a triunfante erva real, que os filósofos denominam mineral e não ve-
getal. O seu nome é Saturno. Mas necessário se torna pôr de lado as borras
e retirar o sumo, que vem à tona, puro e cristalino. Põe-se de lado a palha e
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42 Aliás, a palavra Aztlan, mexicana, que significa o nome da ilha situada mais além
do Golfo de México, de onde indígenas americanos, especialmente astecas e maias,
diziam ter vindo, é surpreendentemente similar à palavra Atlântida, usada pelos
gregos para nomear o continente desaparecido e o berço de sua civilização. Artaud
narra ter observado no México o “rito dos reis da Atlântida”, tal como é descrito por
Platão no Crítias. Considerando os Tarahumaras como descendentes dos Atlantas,
ele conclui: “Que as pessoas pensem o que quiserem das associações que faço”. De
qualquer forma, como Platão nunca foi ao México nem os Índios Tarahumaras
alguma vez o viram, somos obrigados a admitir que a ideia deste rito sagrado é
colhida numa mesma fonte fabulosa e pré-histórica.
Cap. III – As Propriedades Misteriosas das Plantas Sagradas 193
ladas e conhecidas as que agora se usam para curar, porque também eram
médicos e essencialmente os primeiros desta arte... Eles foram os primeiros
inventores da medicina...”
43 Como nos informam Schultes e Hofman: “Sem lugar a dúvidas, México representa
a zona mais rica do mundo tanto na diversidade de seus alucinógenos como no uso
que deles fizeram os grupos indígenas; trata-se de um fenômeno difícil de com-
preender se considerarmos que a flora do país oferece um número relativamente
reduzido de espécies.”
194 A Nova Aurora de uma Antiga Manhã • Philippe Bandeira de Mello
Continua ele:
“(...) na Grécia o vinho não era apenas consagrado a Dionísio; o vinho era
Dionísio. Baco era chamado Theotinos – Vinhodeus – uma única palavra
igualando o álcool à divindade, a experiência da embriaguez ao espírito san-
to. Diz Eurípedes: ‘Tendo nascido deus, Baco é vertido em libações aos deu-
ses, e, através dele, os homens recebem o bem’. Esse bem, segundo os gregos
era de muitas espécies – saúde física, iluminação mental, dom da profecia,
sensação extática de unidade com a divina verdade”.44
“o pressuposto inicial era que todo o conhecimento que está para além do
alcance dos sentidos na experiência cotidiana é um conhecimento revelado
a pessoas de excepcionais dons intelectuais e artísticos que foram submeti-
das a um treino especial e adquiriram o domínio de uma técnica especial.
Essas pessoas têm acesso ao mundo invisível. Estão em comunhão direta
com os deuses e os espíritos, cuja vontade são capazes de interpretar. Além
disso, têm o dom de contemplar todo o curso dos acontecimentos tempo-
rais, o passado, o presente oculto e o futuro.”
“A percepção da beleza que nos vem através dos olhos do corpo e que causa
a perturbação do amor é também a primeira oportunidade para o despertar
da Amnamnésis – essa misteriosa recordação da verdade que todas as almas
humanas contemplaram antes de encarnarem. E o despertar da Anamnésis
é o principiar da filosofia”.
“(...) Este lodo quando o prepara uma mão hábil dá, depois das primeiras
manipulações, as fumaças brancas que Filaleteo chama as Pombas de Diana
e que, quando estão condensadas, Raimundo Lulio chama o espírito ardente
de seu vinho. Estas fumaças são o precursor imediato do sangue do Pelicano
ao que os Filósofos chamam seu vinho acre, muito acre.”
“Se esse conhecimento pudesse ser obtido simplesmente pelo que dizem os
outros homens, não seria necessário entregar-se a tanto trabalho e esforço,
e ninguém se sacrificaria tanto nessa busca. Alguém vai à beira do mar e
só vê água salgada, tubarões e peixes. Ele diz: ‘Onde está essa pérola de que
falam? Talvez não haja pérola alguma’” Como seria possível obter a pérola
simplesmente olhando o mar? Mesmo que tivesse de esvaziar o mar 100 mil
vezes com uma taça, a pérola jamais seria encontrada. É preciso um mergu-
lhador para encontrá-la.”
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