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HUMANISMO
Com uma cultura mais laica em maioria, a educação segue o mesmo sentido e,
liberta das amarras da religião, a produção começa a ser mais diversificada, ainda que
muito dessa época tenha um viés bastante moralista. Entretanto, ainda assim, o povo
começa a aparecer, assim como uma onda de realismo e apego à natureza física para
contrapor ao transcendentalismo do Trovadorismo: as crônicas, poesias e especialmente
o teatro vicentino documentam a mutação histórica identificada com o homem como ele
é e não como uma imagem e semelhança de Deus.
As produções
Além disso, o Humanismo conta com uma produção bem mais vasta do que
aquela encontrada no Trovadorismo. Enquanto que este apenas tinha as trovas e as
novelas de cavalaria, a nova moda literária será agraciada com teatros, poesias e
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A Conquista de Ceuta, cidade islâmica no Norte d'África, por tropas portuguesas sob o comando de João
I de Portugal, deu-se a 22 de Agosto de 1415. Mais informações, pesquisar no Google falar com o Júlio.
crônicas. Apesar de estudarmos (durante o Ensino Médio) pouco dessas produções e
darmos maior crédito ao teatro, é interessante saber que, pelo menos, existiram.
Como se isso não bastasse, procede à análise da fonte utilizada sempre com o
máximo rigor, objetividade, honestidade e imparcialidade, no encalço de reconstituir a
verdade histórica e fazer justiça na interpretação dos acontecimentos e das personagens
que neles se envolvem. Mais ainda: manuseia copiosa documentação sempre em busca
da verdade; para tanto, chega a cotejar três ou quatro versões do mesmo fato, no
incansável afã de ser justo e correto.
A poesia nele contida caracteriza-se, antes de mais nada, pelo divórcio entre a
“letra” e a música. Superada a voga da lírica trovadoresca, a poesia desliga-se dos
compromissos musicais e passa a ser composta para a leitura solitária ou a declamação
coletiva. A poesia ganha autonomia, com palavras despidas do aparato musical, que a
tornava dependente ou, ao menos, lhe condicionava o vôo. O ritmo agora será alcançado
com os próprios recursos da palavra disposta em versos, estrofes, etc., e não com a
pauta musical.
Entretanto, a imaturidade literária portuguesa acaba por não saber o que fazer
com essas palavras libertas fazendo com que, assim, as poesias sejam fracas em sua
maioria e indignas de nota. Tirando, claro, o valor histórico.
Gil Vicente
É importante ressaltar que sua obra reflete exatamente o momento em que vivia:
as duas culturas que se defrontavam, uma estava para acabar (ou melhor, para diminuir
sua influência), a outra, para começar. Daí o seu duplo caráter: é um teatro que tem os
olhos voltados para o passado, contemplando o mundo que terminava e também para
frente, na intuição feliz do novo rumo tomado pelo embate das idéias.
Por outro lado, quer o teatro de costumes (Inês Pereira), quer o religiosamente
alegórico (Trilogia das Barcas), atestam um dramaturgo compromissado, que coloca
sua poesia e seus predicados a serviço dum espetáculo mais exigente e, por conseguinte,
de uma causa respirando a atmosfera renascentista e dando expansão às virtualidades
pessoais, Gil Vicente faz de suas peças uma arma de combate, de acusação, de
moralidade.
Teatro de sátira social, não perdoa qualquer classe, povo, fidalguia ou clero.
Obra de moralista, põe em prática o lema do castigat ridendo mores (rindo, corrige os
costumes), realizando o princípio de que a graça e o riso, provocados pelo cômico
baseado no ridículo e na caricatura, exercem ação purificadora, educativa e purgadora
de vícios e defeitos.
Para se compreender o Auto da Barca do Inferno deve-se ter em mente que essa
obra foi escrita em um período da história que corresponde à transição da Idade média
para a Idade Moderna. Seu autor, Gil Vicente, se enquadra justamente nesse momento
de transição, ou seja, está ligado tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse
conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem
livre.
O reflexo desse conflito interior é visto claramente em sua obra, pois ao mesmo
tempo em que critica, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, adotando
assim uma postura moderna, ainda tem o pensamento voltado para Deus, característica
típica do mundo medieval.
Análise
Esse Auto, classificado pelo próprio autor como um “auto de moralidade”, tem
como cenário um porto imaginário, onde estão ancoradas duas barcas: uma como
destino o paraíso, tem como comandante um anjo; a outra, com destino ao inferno, tem
como comandante o diabo, que traz consigo um companheiro. Com relação a tempo,
pode-se dizer que é psicológico, uma vez que todos os personagens estão mortos,
perdendo-se assim a noção do tempo.
Todas as almas, assim que se desprendem dos corpos, são obrigadas a passar por
esse lugar para serem julgadas. Dependendo dos atos cometidos em vida, elas são
condenadas à Barca da Glorificação ou à do Inferno. Tanto o anjo quanto o diabo
podem acusar as almas, mas somente o anjo tem o poder da absolvição. Quanto ao
estilo, pode-se dizer todo Auto é escrito em tom coloquial, ou seja, a linguagem
aproxima-se a da fala, revelando assim a condição social das personagens, e todos o
versos são Redondilhas maiores, sete sílabas poéticas.
Ao longo do Auto pode se encontrar períodos em que são quebrados tanto o
esquema de rimas quanto o métrico. Como Gil Vicente sempre procurou manter um
padrão constante em suas obras, atribui-se esse fato a possíveis falhas de impressão.
Em relação a estrutura pode-se dizer que o Auto possui um único ato, dividido
em cenas, nas quais predominam os diálogos entre as almas, que estão sendo julgadas,
com o anjo e com o diabo.
As poucas falas, que fazem do anjo uma figura quase estática, se contrapõem a
alegria e ironia do diabo. Assim, o diabo, que conhece muito bem cada um dos
personagens que serão julgados, revelando o que cada um tenta esconder, torna-se o
centro das atenções e praticamente domina a peça.
A primeira alma a chegar para o julgamento é o fidalgo. Ele vem vestido com
uma roupa cheia de requintes e acompanhado por um pajem, que carrega uma cadeira,
simbolizando o seu status social. Esse representante da nobreza é condenado à barca
do inferno por ter levado uma vida tirana cheia de luxúria e pecados. A arrogância
e o orgulho do fidalgo são tantas que ele zomba do diabo quando fica sabendo qual seria
o destina do batel infernal, pois deixou “na outra vida” quem reze por ele. O fidalgo
dirigi-se então a barca da glória e só quando é rejeitado pelo anjo percebe que de nada
valem as orações encomendadas. Só então mostra-se arrependido, mas como já era
muito tarde, embarca no batel infernal.
O outro personagem que entra em cena é o sapateiro, que traz consigo todas as
ferramentas necessárias para a execução do seu trabalho. Ao saber o destino da barca do
inferno, ele recorre ao anjo, mas sua tentativa é vã e ele é condenado por roubar o
povo com seu ofício durante 30 anos e por sua falsidade religiosa.
Depois do frade, entra em cena Brísida Vaz, uma mistura de feiticeira com
alcoviteira. Ao ser recebida pelo diabo ela declara possuir muitas jóias e três arcas
cheias de materiais usados em feitiçaria. Mas seu maior bem são “seiscentos virgos
postiços”. Como a palavra “virgo” corresponde ao hímen, pode-se dizer que a
alcoviteira Brísida Vaz prostituiu 600 meninas virgens. No entanto, o adjetivo postiço
dá margem a interpretação de que as moças não eram virgens e Brísida Vaz enganou
seiscentos homens. Ao saber qual era o destino do batel infernal, ela vai até à barca do
anjo e, com um discurso semelhante ao usado nas artes da sedução, tenta convencer o
anjo a deixá-la embarcar. Mas essa tentativa é inútil, pois ela é condenada à barca do
inferno pela prática de feitiçaria, prostituição e por alcovitagem (Servir de
intermediário em relações amorosas).
Vale lembrar que, apesar de haver um ataque aos judeus no Auto da Barca do
Inferno, nas demais obras de Gil Vicente existe uma condenação à perseguição sofrida
pelos judeus e cristãos novos.
Depois do judeu, entra em cena o corregedor. Ele traz consigo vários autos
(processos) e pode ser comparado aos juízes atuais. Ao ser convidado a embarcar no
batel infernal ele começa a argumentar em sua defesa. No meio da conversação, chega o
procurador, trazendo consigo vários livros. Ao ser convidado a embarcar, ele também
se recusa e os dois representantes do judiciário conversam sobre os crimes que
cometeram juntos e seguem para a barca da glória. Lá chegando, o anjo, ajudado pelo
parvo, não permite que eles embarquem, condenando-os ao batel infernal por usarem
o poder do judiciário em benefício próprio.
Vale lembrar que esses dois personagens utilizam em sua defesa vários termos
em Latim, misturados à Língua Portuguesa. Esse efeito de adulteração da Língua
Latina, aliado a má índole dos dois, remete a idéia de que tanto a língua dos juristas
quanto os que a usam estão sendo corrompidos.