TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM
ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
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126
UNIDADE 3
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
2 EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
teor de maldade e bondade? Mas então, quais critérios utilizaremos para pensar
de que lado estamos? O que sabemos sobre cada lado? Que informações vêm até
mim? Como as informações chegam? Será que existem outras maneiras de eu
conhecer essa realidade? Aqui, não queremos condenar ou vitimizar um dos lados,
entretanto, estar aberto para conhecer versões nos torna mais sensíveis para talvez
perceber que estamos errados. E que bom, pois errar é humano, e "sair de cima do
muro" pode ser muito compensador.
DICAS
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Entretanto, hoje em dia, cada vez mais a aprendizagem formal tem sido exigência
para as vagas de empregos nas diferentes áreas, logo, as formações, graduações
e especializações ensinam não só o conteúdo, mas como se posicionar, como se
relacionar no ambiente de trabalho e como se socializar na área de conhecimento
desejado. Ou seja, a instituição escolar deixou de permear uma fase da vida do
indivíduo para permear a vida do indivíduo retomando a ideia de que a socialização
permitida nesse âmbito favorece aprendizagens distintas.
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Cada aula é uma aula, cada turma é uma turma, cada escola é uma escola, e
apesar do processo educacional que desempenha, a vivência do docente é única. Por
isso, cabe continuar considerando a sala de aula como um espaço de construção de
ideias, valores e visões de mundo que o professor provoca para intermediar o que
deve ser conhecido e o que apreende a subjetividade do aluno (MIZUKAMI, 1986),
deixando de lado a aplicação de fórmulas pedagógicas que limitam a atuação do
aluno. Estimular essas potencialidades dos estudantes para ser mais pertinente
para uma educação mais democrática e inclusiva, como veremos adiante. Ainda
que o aluno não possa ter liberdade total em sala de aula, afinal de contas está
em uma instituição escolar, com regras e éticas, ele precisa de um “clima” na sala
de aula que possibilite liberdade para aprender, assim como descreve Mizukami
(1986), quando fala da abordagem humanista, e não de um ambiente em que o
professor os faça se sentirem oprimidos ou culpados por uma situação estrutural
do sistema econômico refletido na escola.
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
De modo que o método de o professor expor a sua aula não deixa claras
as contradições entre o “currículo oficial”, das normas e orientações da instrução
formal e o “currículo oculto”, dos valores e crenças não declarados que são
transmitidos aos estudantes junto com o conteúdo formal (GIROUX, 1997). Por
exemplos, podemos pensar no modo de sentar na sala de aula. O professor em
frente aos alunos demonstra poder, autoridade, sabedoria, mas em roda se coloca
em situação de igualdade com os estudantes para que todos possam se ver e
ser vistos. Quando o professor enfatiza alguns pensadores com mais ênfase do
que outros, vai inculcando nos estudantes, mesmo que não explicitamente, uma
simpatia com algumas ideologias em detrimento de outras, “introjetando” uma
espécie de “currículo oculto” em seus alunos. Entretanto, para se pensar uma
educação mais democrática, o professor tem de estar atento a que a teoria curricular
deveria contestar os discursos hegemônicos e não os legitimar (MOREIRA, 1995).
Por isso, Mészáros (2005) traz como proposta que o professor se afaste
dessa lógica do capital que influencia todos os âmbitos de nossas vidas, e também
a educação, que acaba por reproduzir às crianças valores perversos do capitalismo
que não as deixa mudar de ponto de vista sobre a construção social pautada
em normas brutas e cruéis. Nesse sentido, não se está negando o atual modelo
econômico, mas enfatiza-se que o professor paute a multiplicidade de processos
políticos possíveis, e não se baseie apenas no vigente para explicitar seus pontos
de vista. Levando-se em conta que currículo escolar de cada disciplina é que
direciona o que será ensinado em sala de aula, é necessário pensar no currículo
oferecido, pois, como demonstra Moreira (1995), currículo e o conhecimento são
indissociáveis, uma vez que os dois participam do processo pelo qual o indivíduo
adquire, assimila e constrói seu entendimento do mundo.
Dessa forma, o modo como olhamos o outro tem relação com o modo
como aprendemos o conhecimento, e esse é um aporte importante de reflexão. E
aqui, a antropologia que está amparada como conhecimento científico nos ajuda
a superar o etnocentrismo que pauta o mundo intersubjetivo, de modo que o
professor vai perceber sua visão etnocêntrica para tentar se afastar dela e superar
a sua própria cultura – tanto em termos políticos, econômicos e sociais – para
poder conhecer e compreender melhor a realidade de outro, podendo, com isso,
dividir com seus estudantes conteúdos mais plurais e diversos no âmbito da sala
de aula. Deste modo, a educação deve ser percebida como um projeto que pode ser
perverso, porque partindo da visão ocidental, ele é autocentrado, homogeneizador
e etnocêntrico. E ter consciência dessa questão faz com que o professor possa
relativizar seu posicionamento de uma maneira mais firme, e se abrir para uma
educação mais democrática, que seja inclusiva e dê conta das particularidades dos
estudantes, para que todos possam compartilhar as discussões e aprendizagens
em sala de aula de uma maneira profícua.
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
DICAS
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
DICAS
Acesse o link a seguir e veja o trabalho do fotógrafo inglês Julian Germain, que
fotografou as salas de aula de vários locais do mundo em busca de mostrar essas diferenças
dos contextos escolares. Vale a pena refletir!
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Deste modo, o autor trabalha com a noção de capital cultural, que nada mais
é que um conjunto de códigos de linguagem, valores, costumes, saberes e gostos
próprios de uma cultura letrada e erudita que é transmitida como herança cultural
aos filhos dos indivíduos posicionados nos grupos sociais mais favorecidos. A
instituição escolar determina seu currículo tendo por embasamento os códigos
dessa cultura letrada e erudita, que por sinal também é a matriz da produção do
conhecimento científico. Deste modo, a família de origem dos indivíduos marca
de forma substancial a trajetória escolar do aluno. “O capital cultural é um ter
que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante
da ‘pessoa’, um ‘habitus’” (BOURDIEU, 1999b, p.74-75). Já Tura (2014, p. 439)
afirma que “A instituição escolar, ao conferir àquele que possui o capital cultural
o reconhecimento de seu saber e de sua competência – o diploma –, sanciona as
diferenças relativas à incorporação dos benefícios econômicos, sociais e culturais”
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
residente de 6 a 24 anos de idade, por grupos de idade e nível de ensino (%) (1)
Grandes Regiões
6 a 14 anos, 15 a 17 anos, 18 a 24 anos,
Branca
Preta ou parda
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
LEITURA COMPLEMENTAR
TABUS ACERCA DO MAGISTÉRIO
Theodor Adorno
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
satisfação com que correm "armados" por aí. Ao que tudo indica, eles reproduzem
de novo, ontogeneticamente, o processo filogenético, que gradualmente libertou
os homens da violência física. Todo o complexo da violência física, bastante
dotado de ambivalência e de forte conteúdo afetivo em um mundo em que ela é
exercida somente nas situações-limite por demais conhecidas, desempenha aqui
seu papel decisivo. Numa anedota famosa o condottiere Georg von Frundsberg
bate nos ombros de Lutero na Dieta de Worms dizendo: "Padrezinho, padrezinho,
agora segues um caminho perigoso". Uma atitude em que se misturam o respeito
pela independência do espírito e um desprezo. Ainda que tênue, por quem, não
portando armas, logo pode se tornar vítima de esbirros. Movidos por rancor, os
analfabetos consideram corno sendo inferiores todas as pessoas estudadas que se
apresentam dotadas de alguma autoridade, desde que não sejam providas de alta
posição social ou do exercício de poder, como acontece no caso do alto clero. O
professor é o herdeiro do monge; depois que este perde a maior parte de suas
funções, o ódio ou a ambiguidade que caracterizava o ofício do monge é transferido
para o professor.
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
negá-la. Ele também é impelido nessa direção pela sociedade, e isto me parece
mais profundo.
A sociedade permanece baseada na força física, conseguindo impor suas
determinações quando é necessário somente mediante a violência física, por mais
remota que seja esta possibilidade na pretensa vida normal. Da mesma maneira,
as disposições da chamada integração civilizatória que, conforme a concepção
geral, deveriam ser providenciadas pela educação, podem ser realizadas nas
condições vigentes ainda hoje apenas com o suporte do potencial da violência
física. Esta violência física é delegada pela sociedade e ao mesmo tempo é
negada nos delegados. Os executantes são bodes expiatórios para os mandantes.
O modelo originário negativo – refiro-me a um imaginário de representações
inconscientemente efetivas, e não a uma realidade, a não ser que esta seja referida
de modo apenas rudimentar – é constituído pelo carcereiro ou, melhor ainda, o
suboficial. Não sei até que ponto é procedente a afirmação de que nos séculos
XVII e XVIII soldados veteranos eram aproveitados como professores nas escolas
primárias. Mas certamente esta crença popular é bastante característica para a
imagem do professor. A expressão "quem malha o traseiro", acima referida, tem
conotação militar; inconscientemente os professores talvez sejam imaginados
como veteranos, como uma espécie de mutilados, como pessoas que no âmbito
da vida propriamente dita do processo real de reprodução da sociedade não têm
nenhuma função, contribuindo apenas de um modo pouco transparente e pela
via de uma graça especial à continuidade do conjunto e de sua própria vida. Mas,
em decorrência dessa imagem, quem se opõe ao castigo físico defende o interesse
do professor ao menos tanto quanto o interesse do aluno. Só é possível esperar
alguma mudança neste complexo a que me refiro quando até o último resquício de
punição tiver desaparecido da memória escolar, como parece ser o caso na maior
parte dos Estados Unidos. [...]
Por fim, coloca-se a questão inevitável do "que fazer?", para a qual neste
caso, como em geral, considero-me extremamente desautorizado. Muitas vezes
esta questão sabota o desenvolvimento consequente do conhecimento, necessário
para possibilitar qualquer transformação. Nas discussões acerca dos problemas
aqui aventados já se automatizou a atitude do "é um belo discurso, mas a situação
se coloca de modo diferente para quem trabalha em meio à questão". De qualquer
modo, posso enumerar alguns aspectos sem qualquer pretensão sistemática ou de
resultados maiores. [...]
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
LEITURA COMPLEMENTAR
PAULO FREIRE
me sugerem ou que me são sugeridos por outros. Assim, em nível de uma posição
crítica, a que não dicotomiza o saber do senso comum do outro saber, mais
sistemático, de maior exatidão, mas busca uma síntese dos contrários, o ato de
estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo,
de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é
puro entretenimento, tampouco um exercício de memorização mecânica de certos
trechos do texto.
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Recusava, por isso mesmo, uma forma de trabalho em que fossem reservados
os primeiros momentos do curso para exposições ditas teóricas sobre matéria
fundamental de formação dos futuros educadores e educadoras. Momento para
discursos de algumas pessoas, as consideradas mais capazes para falar aos outros.
Minha convicção era outra. Pensava numa forma de trabalho em que, numa única
manhã, se falasse de alguns conceitos-chave – codificação, decodificação, por
exemplo — como se estivéssemos num tempo de apresentações, sem, contudo, nem
de longe imaginar que as apresentações de certos conceitos fossem já suficientes para
o domínio da compreensão em torno deles. A discussão crítica sobre a prática em
que se engajariam é o que o faria. Assim, a ideia básica, aceita e posta em prática,
é que os jovens que se preparariam para a tarefa de educadoras e educadores
populares deveriam coordenar a discussão em torno de codificações num círculo
de cultura com 25 participantes. Os participantes do círculo de cultura estavam
cientes de que se tratava de um trabalho de afirmação de educadores. Discutiu-se
com eles antes sua tarefa política de nos ajudar no esforço de formação, sabendo
que iam trabalhar com jovens em pleno processo de sua formação. Sabiam que
eles, assim como os jovens a serem formados, jamais tinham feito o que iam fazer.
A única diferença que os marcava é que os participantes liam apenas o mundo
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
leitura do texto e a do contexto não exclui nenhuma das duas formas de linguagem
ou de sintaxe. Reconhece, todavia, que o escritor que usa a linguagem científica,
acadêmica, ao dever procurar tornar-se acessível, menos fechado, mais claro,
menos difícil, mais simples, não pode ser simplista. Ninguém que lê, que estuda,
tem o direito de abandonar a leitura de um texto como difícil porque não entendeu
o que significa, por exemplo, a palavra epistemologia.
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Aos que estudamos, aos que ensinamos e, por isso, estudamos também, se
nos impõe, ao lado da necessária leitura de textos, a redação de notas, de fichas de
leitura, a redação de pequenos textos sobre as leituras que fazemos. A leitura de
bons escritores, de bons romancistas, de bons poetas, dos cientistas, dos filósofos
que não temem trabalhar sua linguagem à procura da boniteza, da simplicidade
e da clareza (5). Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos, se
entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto
que continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade,
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar.
Ao deixar claro que o uso da linguagem escrita, portanto o da leitura, está em relação
com o desenvolvimento das condições materiais da sociedade, estou sublimando
que minha posição não é idealista. Recusando qualquer interpretação mecanicista
da História, recuso igualmente a idealista. A primeira reduz a consciência à pura
cópia das estruturas materiais da sociedade; a segunda submete tudo ao todo
poderosismo da consciência. Minha posição é outra. Entendo que estas relações
entre consciência e mundo são dialéticas (6). O que não é correto, porém, é esperar
que as transformações materiais se processem para que depois comecemos a
encarar corretamente o problema da leitura e da escrita. A leitura crítica dos textos
e do mundo tem que ver com a sua mudança em processo.
Notas
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TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Esta carta foi retirada do livro Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa
ensinar (Editora Olho D'Água, 10. ed., p. 27-38), no qual Paulo Freire dialoga
sobre questões da construção de uma escola democrática e popular. Escreve
especialmente aos professores, convocando-os ao engajamento nesta mesma luta.
Este livro foi escrito durante dois meses do ano de 1993, pouco tempo depois de
sua experiência na condução da Secretaria de Educação de São Paulo.
151
RESUMO DO TÓPICO 1
152
AUTOATIVIDADE
153
154
UNIDADE 3
TÓPICO 2
DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
1 INTRODUÇÃO
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
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TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
157
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
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TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Tabela 8. Segundo Lais Abramo (2010), as desigualdades de gênero e raça são eixos
estruturantes da matriz da desigualdade social no Brasil que, por sua vez, está na
raiz da permanência e reprodução das situações de pobreza e exclusão social.
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
160
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
FONTE: https://www.google.com.br/search?q=tikuna&hl=pt-BR&biw=1280&bih=845&s
ite=webhp&tbm=isch&source=lnms&sa=X&ved=0ahUKEwi36bWxvPnPAhUEoD4KHSxk
A3cQ_AUIBygC#imgrc=6QivnBk6p3_50M%3A. Acesso em: 30 out. 2016.
UNI
161
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
UNI
O baobá é muito mais do que simplesmente uma árvore de grande porte que pode atravessar
um milênio e carrega consigo a força da resistência africana, a história da devoção do povo
negro e o poder de transformar os preconceitos. Em Recife a árvore serviu de motivo para
introduzir a discussão sobre racismo no dia a dia dos alunos e ajudou a transformar a maneira
como uns enxergavam os outros. Dentre os estados do Brasil, Pernambuco é o que tem maior
quantidade de baobás, estima-se pelas pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) que são cerca de 150 árvores. O baobá é uma árvore que fascina povos de
todo o mundo, mas no Brasil ela tem uma forte relação com a religiosidade do povo, sobretudo
o de matriz africana.
Diz a lenda que antes de serem embarcados nos navios negreiros, os escravizados africanos,
sob chibatadas eram obrigados a dar dezenas de voltas em torno de um imenso baobá,
enquanto depositam suas crenças, suas origens, seu território, enfim sua essência, para em
seguida serem batizados com uma identidade cristã-ocidental e enviados para o cativeiro.
Por isso o baobá passou a ser chamado de árvore do esquecimento, pois os escravos teriam
deixado ali toda sua memória (sabedoria).
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TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Nos EUA este tema vem sendo discutido com bastante afinco, desde a
chegada dos primeiros escravizados. O presidente Abraham Lincoln, em 1862,
convocou um grupo de negros para discutir tal tema. Colocando que os negros
não seriam aceitos pelos americanos, devido às “suas diferenças”, e sugeriria
que os negros retornassem para a África, mobilizando o congresso para que se
arrecadassem fundos para o retorno deles ao país de origem. As colocações de
Lincoln demonstram que “a crença de que há qualquer coisa nas relações entre
pessoas de diferentes raças que as diferencia nas relações entre pessoas da mesma
raça” (BANTON, 1977, p. 12).
163
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Oliver C. Cox (apud BANTON, 1977) apresenta os anos 1493 e 1494 como
marcos de influência de portugueses e espanhóis no novo mundo, causando assim
o princípio das modernas relações raciais. Marvin Harris (1964, apud BANTON,
1977) explica que o preconceito racial surge da ideologia do interesse das nações
europeias na exploração do trabalho negro. Arnold Rose (1951, apud BANTON,
1977) acredita que o surgimento das relações raciais data de 1793: com a invenção
da máquina de separar o algodão bruto das suas sementes, se renovou o interesse
dos plantadores em conservar escravizados. Inúmeras são as teorias que tentam
explicar o surgimento das diferenças raciais e suas relações.
165
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
166
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Para o movimento negro, utilizar este termo denota uma nova forma de
conceituar os descendentes de escravizados como pessoas que foram colocadas
em tal situação. Compreende-se que os africanos escravizados não nasceram sob
esta condição, mas sim foram submetidos, transformados e tornados escravos
pelo sistema político-econômico e pela instituição sociojurídica implantada pelos
conquistadores (FONSECA, 2009, p. 30-31). Segundo Dagoberto Fonseca (2009),
o escravo nasce, cresce e morre irremediavelmente preso à sua natureza, não há
transformação social possível para ele, até seus descendentes serão tratados como
escravos, filhos de uma natureza intransponível. Esta compreensão e redução da
natureza do escravo mantém a escravidão no imaginário social das sociedades. Ao
afirmar que na África a escravidão já era um sistema instituído, parece demonstrar
que o europeu/colonizador não cometeu erros ao acionar este sistema também, já
que ele (colonizador) mantinha o africano em sua “natureza” de escravo.
167
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
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TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
169
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Segundo Nina Lino Gomes (2005), etnia é outro termo ou conceito usado
para se referir ao pertencimento ancestral e étnico/racial dos negros e outros
grupos em nossa sociedade.
OU
170
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
171
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Gobbi (2006) relata que os livros didáticos, em sua maioria, ainda são
reproduzidos com pressupostos evolucionistas e valores etnocêntricos. Os povos
indígenas são mencionados como pertencentes ao passado, caracterizados como
primitivos e têm seus conhecimentos desconsiderados. As referências às culturas
não europeias são sempre em relação ou em comparação às culturas europeias,
dando a essas últimas uma valoração positiva, em detrimento das outras. O tom
evolucionista permeia a abordagem dos livros didáticos, onde a temática da
“evolução”, da história em “etapas” é bastante recorrente (TASSINARI; GOBI,
2008).
DICAS
172
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Nesse sentido, a ideia de que o sexo é natural vai ganhando cada vez mais
camadas que nos fazem repensar e estudar mais a questão. De alguma maneira
nascemos com certo sexo, mas isso não significa que ao longo dos anos vamos
nos identificar com ele, por isso temos de ter cuidado para respeitar as escolhas
das pessoas que se reconhecem com o sexo que nasceram ou não. Pois quem não
se reconhece sofre com isso, e a possibilidade da cirurgia de readequação genital
pode dar uma qualidade de vida melhor para essa pessoa.
DICAS
Indicamos o filme "Meu eu secreto", sobre crianças que nasceram com um sexo,
mas se reconhecem com outro gênero.
174
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Considerar uma pessoa diferente por ela ter um gênero ou outro, ou ela
se relacionar com quem quer que seja, é discriminação. Ainda hoje as mulheres
ganham menos que os homens e essa é uma luta de todos nós, pois se o trabalho é
o mesmo, nada mais justo que a pessoa, independente do sexo ou gênero, ganhar
a mesma coisa que o seu sexo ou gênero oposto. As questões sexuais ainda são
consideradas tabu em nossa sociedade, por isso a intransigência em aceitar/
reconhecer que outras pessoas difiram do padrão heteronormativo deve ser
combatida. Ninguém deve ser vítima de violência por querer se identificar com
um gênero ou se relacionar com uma pessoa ou outra.
175
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
punir criminalmente quem discrimina é uma medida para combater que novas
injustiças possam ocorrer, bem como trabalhar essas questões em sala de aula
pode permitir educar para a diversidade.
DICAS
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
DICAS
1) MINHA VIDA EM COR DE ROSA (1996) – Ludovic é uma garota transsexual que
está começando a assumir sua verdadeira identidade perante o mundo. Seu desejo é se casar
com o filho de sua vizinha, mas os novos rumos que Ludovic dá para sua vida surpreendem
sua própria família e os vizinhos, que não conseguem aceitar, de fato, a felicidade, os desejos
e a real identidade de Ludovic.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-12213/>.
2) ELVIS & MADONNA (2010) – Simone Spoladore (Lavoura Arcaica) é Elvis, fotógrafa de
coração e entregadora de pizza por necessidade. Logo em sua primeira entrega ela conhece
Madona (Ígor Cotrim), um travesti que enfrenta problemas com o amante João Tripé (Sérgio
Bezerra). É o início de uma amizade que, pouco a pouco, se transforma em amor.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202462/>.
178
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
LEITURA COMPLEMENTAR
Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas
179
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
inúmeras máquinas que nos vigiam e nos atendem nos bancos, nos supermercados
e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus conselhos e ordens,
somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras. As proposições
e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes
ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte
e acabam por constituir-se como potentes pedagogias culturais. Especialistas das
mais diversas áreas dizem-nos o que vestir, como andar, o que comer (como e
quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e para manter) um parceiro
ou parceira amoroso/a, como se apresentar para conseguir um emprego (ou para
ir a uma festa), como ficar de bem com a vida, como se mostrar sensual, como
aparentar sucesso, como... ser.
180
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural,
a política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens,
estudantes, negros, mulheres, as chamadas minorias sexuais e étnicas passaram a
falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando
teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo
novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural, protagonizada por
grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a privilegiar a cultura
como palco do embate.
181
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
182
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir que
é no interior da cultura e de uma cultura específica que características materiais
adquirem significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que
mecanismos? Se em tudo isso estão implicadas hierarquias e relações de poder, por
onde passam tais relações? Como se manifestam? Não, a diferença não é natural,
mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de processos discursivos e
culturais.
Referências
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação &
Realidade. v. 22, n. 2, jul./dez. 1997. La Gandhi Argentina. Editorial, ano 2, n. 3, nov. 1998.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
183
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
LEITURA COMPLEMENTAR
Em julho de 1975, veio ao Brasil com uma bolsa da USP, a fim de continuar seus
estudos. Defendeu sua tese em 1977. No mesmo ano, voltou a seu país, mas não
conseguiu permanecer lá por muito tempo. Regressou ao Brasil em 1979, para
trabalhar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 1980, iniciou a
segunda fase de sua carreira na USP. Em 2002, o governo brasileiro concedeu a
Kabengele Munanga o diploma de sua admissão na Ordem do Mérito Cultural, na
classe de Comendador.
Kabengele Munanga – Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num
país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma
definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de
184
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Kabengele Munanga – Por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares,
em 1995, começamos a discutir essa questão na USP, numa comissão criada pela
reitoria. Os movimentos negros, principalmente o Núcleo da Consciência Negra,
pleitearam o estabelecimento de cotas em nossa universidade. Contudo, afirmei
que não poderíamos discutir o sistema de cotas sem antes fazer uma pesquisa
preliminar em países que já têm experiência de cotas, como os EUA, o Canadá, a
Austrália ou a Índia. Naquela ocasião, apresentei essa proposta, mas ela não foi
levada adiante. No entanto, na base de um levantamento do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), um órgão do governo federal, conclui-se que realmente
há uma grande defasagem na escolaridade dos negros nas universidades brasileiras.
Infelizmente, porém, começamos a enfrentar a questão pelas cotas, a partir da
decisão do governador Anthony Garotinho, do Rio de Janeiro, que provocou uma
confusão muito grande, quando estabeleceu cotas nas universidades estaduais. No
entanto, mesmo num país com tantas desigualdades, as políticas universalistas não
resolvem o problema do negro. Para isso precisamos formular políticas específicas
contra as desigualdades, mas o caminho não deve ser necessariamente por meio
de cotas. Essa discussão, todavia, é importante, porque antes nem se tocava no
assunto. Escutei outro dia algo muito positivo quando alguém dizia que deveria
haver cotas para pobres. Ora, antes ninguém apresentou esse ponto de vista. O
que mais me surpreende é que jamais o movimento negro se disse contrário a
cotas para brancos pobres. A questão ainda está mal discutida, sendo formulada
num tom passional, tanto pelos negros como pelos intelectuais. A questão não
185
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Kabengele Munanga – Sim. Ao menos que o país diga que tem hoje uma outra
proposta emergencial melhor, que não abra mão de uma política universalista com
vistas ao aperfeiçoamento do nível do ensino básico. É bom lembrar que a escola
pública já apresentou melhor qualidade, mas o negro e o pobre não entravam nela.
Kabengele Munanga – Sim. Porém, vivo aqui há 28 anos e desde que cheguei
escuto esse discurso. Mas nunca vi luta política e social alguma para a melhoria
da escola pública. Só há o discurso. Mas o que fazer com a vítima? Esperar que
isso aconteça por milagre, ou pressionar a sociedade através de uma proposta:
como pelo menos cuidar da escola pública? A dúvida que tenho é a seguinte: num
país onde a privatização do ensino é cada vez maior e no qual o lobby das escolas
particulares é tão forte, só posso antever uma melhoria a longo prazo. Lembro-me
de que o primeiro processo contra as propostas de cotas no Rio de Janeiro veio do
sindicato das escolas privadas. Devido a essa tendência para a privatização das
escolas públicas, não acredito numa rápida melhoria delas. A desigualdade social
que existe há 400 anos não pode ser resolvida por meio de políticas universalistas.
É preciso, portanto, traçar políticas específicas para se encontrar uma solução. A
discriminação racial A palavra “social” incomoda-me muito. Quando dizem que a
questão do negro é uma questão social, o que quer dizer “social”? As relações de
gênero são uma questão social; a discriminação contra o portador de deficiência
é uma questão social; a discriminação contra o negro é uma questão social. Ora,
o social tem nome e endereço. Não podemos diluir, retirar o nome, a religião
e o sexo e aplicar uma solução química. O problema social tem de ser atacado
especificamente. A discriminação racial precisa ser urgentemente enfrentada. Nós,
negros, também temos problemas de alienação de nossa personalidade. Muitas
vezes trabalhamos o problema na ponta do iceberg que é visível. Mas a base
desse iceberg deixa de ser trabalhada. Estou aqui, como disse, há 28 anos. Vou a
restaurantes utilizados pela classe média e a centros de alimentação nos shoppings.
Encontro famílias brancas comendo (homem, mulher e filhos), mas dificilmente
estão ali famílias negras. Há uma classe média negra, mas que se autodiscrimina e
186
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Kabengele Munanga – Até onde eu saiba, não há uma linha de pesquisa sobre
gênero e raça. Há um núcleo de estudo da mulher, dirigido pela professora Eva
Blay. De vez em quando ela convida alguma jovem pesquisadora negra. Talvez
exista uma explicação histórica para isso, porque normalmente quem estuda
esse tema são as mulheres. Mas, não temos professoras negras de sociologia
ou de antropologia na Universidade de São Paulo. Entrei nela em 1980, como
professor, e nunca mais houve um outro professor negro no Departamento.
Lembro-me do dia em que Florestan Fernandes recebeu o título de professor
emérito e eu estava na fila para cumprimentá-lo. Eu não sabia que ele me
conhecia. Por isso assustei-me quando ele me disse que estava muito contente
com a minha presença naquela solenidade. Pois fora informado de que ali
estava um negro que nem era brasileiro. Um antropólogo em dois mundos.
Fui alfabetizado na minha língua materna, mas no fim do primeiro grau começou
o ensino em francês. O resto do curso foi em francês. Isso porque, com mais de
duzentas línguas, não era possível escolher uma para ser a língua nacional. Todos
os alfabetizados falam francês.
188
RESUMO DO TÓPICO 2
• O mito da democracia racial propõe que todas as raças e/ou etnias existentes
no Brasil estão em pé de igualdade sociorracial e que tiveram as mesmas
oportunidades desde o início da formação do Brasil.
189
• A ideia de que o sexo é natural vai ganhando cada vez mais camadas que nos
fazem repensar e estudar mais a questão. De alguma maneira nascemos com
certo sexo, mas isso não significa que ao longo dos anos vamos nos identificar
com ele.
• Quem gosta de pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, essas pessoas são
chamadas de bissexuais (ou biafetivas). E existem aqueles que são assexuais (não
se sentem atraídos por nenhum dos sexos) e os pansexuais (atração emocional
independente do gênero).
• Os liceus femininos foram criados em 1880, com forte resistência, pois havia o
receio de que as meninas pudessem ser mais subversivas ao estudarem.
190
AUTOATIVIDADE
191
superior em 2014 ainda era menor do que o de brancos no ensino superior
dez anos antes. Já entre os jovens de 15 a 29 anos que não trabalhavam nem
estudavam, 62,9% eram pretos ou pardos.
FONTE: Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1
&idnoticia=3050&busca=1&t=sis-2015-desigualdades-genero-racial-diminuem-uma-decada-
ainda-sao-marcantes-brasil>. Acesso em: out. 2016.
192
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
193
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Qual a natureza dos riscos de hoje, que Boas trabalhava? Para ele,
a realidade de seu tempo apontava um risco para os povos do futuro e para o
futuro da própria civilização. A razão era que a nossa sociedade e a escola que
lhe é própria não desenvolvia – e não desenvolve – mecanismos democráticos,
perante as diversidades social e cultural, como relata Gusmão (1997) em seu artigo
Antropologia e a educação: origens de um diálogo.
194
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
O professor não deve levar ao aluno uma interpretação fechada, mas sim
os relatos, os dados pertinentes para o conhecimento de uma situação de forma
tão flexível quanto possível (IANNI, 2011). Uma das atividades do professor seria
auxiliar o estudante a pensar livremente, criticar aquilo que está sendo apresentado.
Em qualquer disciplina, Política, Economia, Sociologia e nas outras Ciências
Sociais. Os professores, uns conscientemente e outros não tão conscientemente,
possuem uma posição política, mesmo aqueles que se dizem neutros. Ser neutro
é uma posição política também. Por isso é que o espírito crítico necessita estar
presente também na crítica do educador.
195
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
196
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
198
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
DICAS
O aluno Maruge lutou pela liberdade de seu país, foi preso e torturado. Em 2003,
após ouvir um comunicado do governo sobre um programa de "Educação para todos",
decidiu se matricular em uma escola primária. Na ocasião, Maruge tinha 84 anos. O filme "O
Aluno" é baseado na história real de Kimani Maruge Ng'ang'a, que, com o sonho de aprender
a ler e escrever, lutou para entrar e permanecer na escola acostumada a receber crianças
de aproximadamente seis anos. A história do idoso sendo alfabetizado ao lado de crianças
ganhou repercussão nacional e provocou a revolta de moradores da região.
LEITURA COMPLEMENTAR
1- O IMPACTO DO DIFERENTE
199
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
uma matéria da revista Veja a respeito dos negros de classe média. Algumas
pessoas ficaram satisfeitas pela visibilidade dada à população negra, outras pela
construção de uma imagem positiva do negro e houve até aquelas que afirmaram
que a matéria veio confirmar o fato de que, no Brasil, não existe racismo.
Diante de tão diferentes e veementes afirmações, comecei a refletir a respeito das
representações sobre o negro subjacentes às diversas interpretações partilhadas por
essas pessoas tão ciosas em relação às diferenças e, mais precisamente, à diferença
racial. Sem querer entrar no mérito de cada julgamento, achei muito interessante
as diferentes reações e interpretações das pessoas sobre a matéria.
200
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Por isso, falar sobre a diversidade cultural não diz respeito apenas ao
reconhecimento do outro. Significa pensar a relação entre o eu e o outro.
201
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Isso não quer dizer que é só a partir desse movimento no campo da educação
que a escola passou a conviver com a diversidade cultural. Esse é um dos perigos
de se pensar a diversidade cultural como um tema transversal (que hoje está na
moda). Muito mais do que um tema, a diversidade cultural é um componente do
humano.
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
204
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Por mais que ela se torne um fato cada vez mais presente da nossa vida
cotidiana devido à maior proximidade com os modos de ser, de ver e de existir
distintos, a consciência da diversidade nos coloca diante de impasses políticos,
morais e teóricos de difícil equacionamento. Por isso, assumir a diversidade
cultural significa muito mais do que um elogio às diferenças. Representa não
somente fazer uma reflexão mais densa sobre as particularidades dos grupos
sociais, mas, também, implementar políticas públicas, alterar relações de poder,
redefinir escolhas e questionar a nossa visão de democracia. Será que estamos
dispostos a aceitar esse desafio?
FONTE: Disponível em: <http://www.mulheresnegras.org/nilma.html>. Acesso em: 15 maio 2017.
LEITURA COMPLEMENTAR
1. OBRIGATORIEDADE OU RECONHECIMENTO?
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Contudo, a realidade vivida pelos professores não contribui para essa luta,
já que parte deles não apresenta conhecimento necessário da história e cultura
afro-brasileiras e indígena, nem experiência suficiente com questões étnico-raciais
para ministrar aulas. Além disso, o ensino público, tanto quanto o particular, tem
se mostrado omisso ante o dever de respeitar a diversidade racial, ora em razão
de uma má interpretação de como ensinar esse tema em sala de aula, ora pela falta
de conteúdo disponível nos livros didáticos ou, ainda, pela falta de interesse dos
diretores de escola em autorizar atividades extraclasse.
Indolente o indígena era, sem dúvida, mas também era capaz de grandes
esforços, podia dar muito de si [...] A mesma ausência de cooperação,
a mesma incapacidade de ação incorporada e inteligente, limitada,
apenas pela divisão do trabalho e suas consequências, parece terem os
indígenas legado a seus sucessores. 2
207
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
essa corrupção não foi pela negra que se realizou, mas pela escrava.
Onde não se realizou através da africana, realizou-se através da escrava
índia.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
208
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
do período colonial, com raras citações aos reinos africanos e, mesmo quando
presentes, interligadas ao tema da escravidão, pondo de lado o estudo da história
da África e dos africanos, como preconiza a Lei nº 11.645, de 10 março de 2008.
É preciso que nossos dirigentes e educadores entendam que tal lei nos faz
reconhecer que negros e índios não surgiram sob a face da Terra a partir de 22 de
abril de 1500 e que suas histórias antes de tal data se desenvolveram, à parte, na
história dos portugueses no Brasil. Também o ensino da religião e cultura afro-
indígenas poderia ser abordado de maneira um pouco mais contundente, sem se
limitar ao já tão explorado universo do sincretismo religioso e da musicalidade dos
ritmos. Diante do exposto, torna-se necessário:
209
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você estudou que:
• Entre os anos 1920 e 1950, muitos antropólogos envolvidos com temas voltados
para a educação travaram discussões com as abordagens de Freud e Piaget.
• O professor não deve levar ao aluno uma interpretação fechada, mas sim os
relatos, os dados pertinentes para o conhecimento de uma situação de forma tão
flexível quanto possível.
• Ser neutro é uma posição política também. Por isso é que o espírito crítico
necessita estar presente também na crítica do educador.
210
AUTOATIVIDADE
1) Será que, na escola, estamos atentos à questão racial, a partir da primeira
leitura do texto da professora Nilma Lino Gomes? Será que incorporamos essa
realidade de maneira séria e responsável quando discutimos, nos processos de
formação de professores, sobre a importância da diversidade cultural?
211
212
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