Você está na página 1de 14

A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO ÀS

FAMÍLIAS: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA SOCIOEDUCATIVA

Jaíne de Proença
Laís Vila Verde Teixeira
Profª. Drª. Nayara Hakime Dutra Oliveira

RESUMO
O presente artigo traz algumas reflexões acerca do trabalho socioeducativo do Serviço Social
com famílias. Abordaremos numa perspectiva crítica as influências e impactos que a família
burguesa trouxe à família proletária, que, com o passar do tempo, resultou em diversas
configurações familiares, bem como os rebatimentos que o sistema de produção capitalista e a
ideologia dominante provocaram no âmbito econômico, político e social das famílias.
Mostraremos os impactos da atuação do Estado mínimo nas políticas sociais e como o Serviço
Social vai realizar seu trabalho numa perspectiva socioeducativa com as famílias. E por fim
trazemos uma breve apresentação da pesquisa intitulada “A questão da atuação profissional
do Serviço Social junto às famílias: uma análise na perspectiva socioeducativa” que está
sendo realizada com o objetivo de analisar o trabalho socioeducativo desenvolvido pelo
Serviço Social voltado para as famílias, em instituições públicas e privadas.

1. Influências da família burguesa

Falar de família é falar da constituição da humanidade, exercendo importante papel


para a existência humana e a objetivação do ser.
Com o surgimento do sistema capitalista, como modo de produção e reprodução do
trabalho, a família vem sofrendo reflexos desse modo de pensar a organização da vida em
sociedade.
Desde o advento da Revolução Industrial em meados do século XVIII, na Inglaterra, a
família não mais se organizou como nos tempos em que viviam nos campos. Isto aconteceu
devido à ascensão da classe burguesa no cenário político antes predominado por relações de
compadrio e de troca de favores, que, agora, se configura num cenário político caracterizado
pela produção visando à lucratividade e a disseminação da ideologia de mercado, comandado
pela premissa de demanda e oferta. A queda da manufatura como sistema de produção foi
resultado da entrada de máquinas nos espaços de trabalho, as famílias camponesas
necessitaram abandonar suas propriedades rurais em busca uma nova forma de sobrevivência
nas cidades. O capitalismo não só transformou as relações de trabalho, mas também as
relações sociais, bem como o convívio familiar. Nesta época as famílias eram numerosas,
pois, não havia somente um núcleo familiar, mas parentes que a acompanhavam.
Com o passar do tempo essas famílias foram sendo permeadas pelas consequências
desse modo de produção, sendo manifestadas as expressões da questão social no seio familiar
como a miséria, insalubridade, precarização da moradia e do trabalho, falta de assistência
médica, entre outros elementos provocados pelo sistema vigente. Esse tipo de família ficou
conhecido como proletária, pois, elas eram constituídas por vários filhos, já que todos
necessitavam trabalhar para garantir o sustento do todos, e, como usualmente se fala, “quanto
mais para se trabalhar melhor”. Neste período encontramos, portanto, um forte acirramento da
questão social, onde a pobreza tomava grandes proporções em detrimento do capital.
Ao passo do ritmo de trabalho que se dava nas fábricas, foi sendo consolidada a
ideologia dominante, de caráter explorador, onde o lucro é a grande premissa e o trabalhador
se torna escravo de sua própria capacidade de trabalhar, categoria ontológica homem. O
homem diante da produção do produto, se reifica, desconhecendo o que produziu, pois o
trabalho, neste estágio de desenvolvimento do sistema econômico se caracteriza pela
fragmentação e flexibilização do trabalho, ou seja, não se faz o produto por completo, mas
apenas uma parte, não sabendo dessa forma qual será a característica final do produto
construído. Causa-se um estranhamento entre o “criador e a criatura”, no sentido de que o
trabalhador não o reconhece. Dentro da produção mecanicista, a criatividade, a arte e a
totalidade do produto que está sendo ali transformado por ele ficam à mercê da exploração e
do limite do tempo da produção de um produto.
A família burguesa vem instituindo e influenciando o modo de vida das famílias. Um
deles, por exemplo, é o modo de se organizar uma família, que segundo os ditames da
burguesia, se constitui por pai, mãe e filho(s), ao qual damos o nome da família nuclear ou
modelo ideal de família. As famílias proletárias foram fortemente influenciadas a ter esse tipo
de família.

2. O Estado Neoliberal Mínimo e as novas configurações familiares

[...] “não é possível falar de família, mas sim de famílias”, a fim de


incorporar dentro desta concepção os diferentes arranjos familiares
existentes em nossa sociedade. (SILVA, 2005, p. 21)
A pós-modernidade trouxe novas configurações de família, que surgiu das
transformações societárias decorrentes das mudanças nas estruturas econômicas, políticas e
sociais. A introdução do Neoliberalismo, caracterizado pela pouca intervenção do Estado na
economia, com foco no avanço do capital financeiro, a aprovação da lei do divórcio em 1973,
a inserção da mulher no mercado de trabalho, a descoberta dos métodos contraceptivos, a
precarização e flexibilização do trabalho, o acirramento das expressões questão social, o
trabalho infantil e a mercantilização da educação, provocaram um recuo das políticas sociais
que incidem diretamente no modo de organização das famílias. O que antes como função da
família era a procriação, hoje não mais persiste esta ideia.
O Neoliberalismo trouxe consigo a ideologia do Estado mínimo que, segundo Lima,
implica no

[...] corte dos gastos públicos, na ampliação da ação do setor privado, no


desígnio dos gastos estatais aos comprovadamente pobres através de serviços
sociais seletivos, na redução da tributação, no apoio as iniciativas privada e
voluntária enquanto substitutas dos serviços previdenciários estatais. (LIMA,
2004, p.40)

A discussão acerca dos direitos sociais ainda continua, porém com foco nas políticas
sociais restritas, já que o Estado move suas ações para outros setores da sociedade e do
mercado.
Para a família se adaptar às novas formas de sociabilidade e também devido à
atualização das formas de se pensar à família, ela foi optando por maneiras de se organizar em
conformidade com suas condições de sobrevivência, não se prendendo exclusivamente há um
único modo de se organizar. Com relação aos modelos de família, segundo o IBGE, temos:
unipessoal, extensa, monoparental, homoafetiva e nuclear. Ainda hoje não podemos dizer que
aquelas que fogem ao modelo nuclear são totalmente “aceitas” em decorrência de estar
arraigado na sociedade uma ideologia que não foi por demais superada. Segundo Oliveira
(2009) não podemos deixar de considerar as questões históricas porque a família passa
mediante a sua forma de se organizar.

É necessário, ao analisarmos a maneira pela qual as pessoas concebem a


família, considerarmos o sentido e a ideologia que as levaram escolher uma
ou outra forma de organização e constituição familiar, assim como a forma
de relacionamento intrafamiliar. Precisamos considerar a questão histórica,
que não se encontra dissociada das circunstâncias do cotidiano, é preciso
também que compreendamos as escolhas que definem um ou outro rumo no
pensar ou no vivenciar a maneira de ser família na sociedade
contemporânea. A estrutura organizacional familiar, porém, não significa
necessariamente um determinante da forma como se dá a relação. Podemos
encontrar duas famílias com a mesma composição que apresentam modos de
relacionamento completamente diferentes. Nesse contexto, o que se pode
levar em conta são suas histórias e as questões socioculturais. (OLIVEIRA,
2009, p.72)

O Censo 2005 realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)


revela que a inserção da mulher no mercado de trabalho tem contribuído para a diminuição no
numero de filhos e a lei do divórcio para um aumento de famílias chefiadas por mulheres.

A Síntese dos Indicadores Sociais revela que, entre 1995 e 2005, na região
Sudeste, o percentual de famílias formadas por casais com filhos caiu de
56,6% para 48,5%. Fatores como o crescimento da participação das
mulheres no mercado de trabalho podem ter ocasionado mudanças na
estrutura das famílias brasileiras: o número das que eram chefiadas por
mulheres cresceu 35%, no período. Esse aumento vem ocorrendo mesmo nas
famílias onde há a presença do cônjuge. A Síntese também revelou que, no
Brasil, em 2005, havia quase seis milhões de pessoas morando sozinhas e
que, de 2004 para 2005, a proporção de mães adolescentes passou de 6,8%
para 7,1%. Em 2005, a região metropolitana de São Paulo concentrava
10,5% da população. Mais de 65 % da população idosa chefiava os
domicílios em que viviam, e havia 5,6 milhões de idosos trabalhando, em
todo o país. (ONLINE, 2012)

O Serviço Social, como profissão investigativa e interventiva, deve entender e


interpretar a família numa análise de totalidade, família e sociedade, e as várias mediações
que permeiam esta instituição, tomando-a não como mero objeto de intervenção, mas como
sujeito social e político. Compreender que é na família que se refletem as mudanças
societárias e que a família possui uma história a ser desvelada. Nesse sentido, não organizar o
trabalho profissional numa relação individuo-problema, culpabilizando a família, mas fazer
uma análise de conjuntura que considera o convívio familiar dentro do convívio social, que é
muito mais amplo, onde encontram as expressões sociais provocadas pelo atual modelo
econômico, ou em outras palavras, para que não haja uma visão estereotipada da família e de
seus papéis, prevalecendo propostas de ação imediatista e centralizada em situações
“pequenas” e não no cotidiano dessas famílias.
Apesar da diversidade de arranjos familiares que temos hoje presente em nossa
sociedade, ainda persiste em se usar o termo “família desestruturada” para aquelas famílias
que não se constituíram como o modelo nuclear. Mioto vem nos falar que o uso desse termo
não é uma questão de semântica, mas
[...] para nomear as famílias que falharam no desempenho das funções de
cuidado e proteção dos seus membros e trazem dentro de si as expressões de
seus fracassos, como alcoolismo, violência e abandonos. Assim, se ratifica a
tendência de soluções residuais aos problemas familiares. (2004, p.54)

A atual política neoliberal, que legitima a atuação mínima do Estado em relação aos
questionamentos e anseios sociais, traz para a realidade um olhar peculiar sobre a mesma. Ao
passo em que o Estado atua de forma incipiente com as famílias, não se mantendo ausente,
portanto, transfere para a família a função de cuidar e proteger os seus membros requisito
básico para o “bom funcionamento” da sociedade. Como destaca Mioto,

As formas de relação que ele assume com as famílias dependem, sobretudo,


da história política e social dos diferentes países. No entanto, é necessário
lembrar que a presença do Estado na Família, através das mais diferentes
formas de intervenção, não possui apenas uma face, ou uma intenção. Pois,
ao mesmo tempo em que defende as crianças da violência doméstica, impõe
à família normas socialmente definidas. Ao defender a família pode
descuidar dos direitos individuais. Enfim, ao fornecer recursos e sustentação
às famílias se colocam em movimento estratégias de controle. (2004, p.50)

As políticas sociais implantadas possuem caráter focalizado e seletivo, criando uma


margem de renda per capita para a inserção das famílias nos programas sociais, sejam eles do
Governo Federal ou do Governo Estadual.

Na maioria das vezes, não são os direitos dos indivíduos que estão em jogo,
e sim as possibilidades familiares que são julgadas. Isto explica a
importância do parâmetro da renda familiar no contexto dos programas
assistenciais. [...] A vulnerabilidade à pobreza está relacionada, além dos
fatores da conjuntura econômica e das qualificações específicas dos
indivíduos, às tipologias ou arranjos familiares e ao ciclo de vida das
famílias. (MIOTO, 2004, p.56)

3. A atuação profissional do Serviço Social junto às famílias

Desde seu surgimento, até sua atual estrutura as famílias vêm sofrendo processos de
transformação em sua organização e composição, sendo que isso se deve às grandes
mudanças ocorridas na sociedade no âmbito da sua estrutura econômica, dos processos de
trabalho e das relações sociais em geral.
Esse processo de modificação trouxe consigo a imposição de novas tarefas às famílias,
seu empobrecimento, fragilização dos vínculos familiares e inclusive a falta de políticas
sociais que atendessem as mesmas, e por isso sua constante presença nos serviços sociais.
Tais impactos exigiram respostas do Estado, respostas estas que visassem pleno
desenvolvimento da família e dos indivíduos. E neste trabalho, muitos profissionais se fazem
presentes, inclusive o profissional de Serviço Social.
O Serviço Social, tendo por base uma atuação interventiva e educativa, possui
referencial teórico para trabalhar com famílias que se encontram em vulnerabilidade social.
Para tanto, o trabalho do Serviço Social com famílias veio também se modificando e criando
novas formas para uma melhor atuação com as mesmas. Mas infelizmente, se vê programas
de assistência às famílias que são ainda muito retrógrados,

Mioto (2001, p. 93), afirma que “sob a égide de um discurso „homogêneo‟


de justiça e cidadania, os programas de apoio sócio- familiar, trazem
embutidos princípios assistencialistas e normatizadores da vida familiar que
imaginávamos ultrapassados”. Entre os princípios que vêm norteando as
ações desses serviços destacam-se a predominância de concepções
estereotipadas de família e papéis familiares, a prevalência de propostas
residuais e a centralização de ações em situações limites (trabalho infantil,
violência doméstica prostituição) e não em situações cotidianas, dando
sustentabilidade nos momentos críticos de sua existência. (SILVA, 2005, p.
52)

O Serviço Social ao longo de sua história traz em sua atuação a família como objeto de
intervenção, entretanto, ainda não se pode admitir um consenso quanto às explicações e
formas de atuação junto às mesmas, onde ainda se encontram concepções naturalistas,
moralistas, a-históricas de famílias, devido ao não rompimento total com o pensamento
conservador que por muito tempo fundamentou a atuação profissional dos assistentes sociais.
Mesmo não atingindo em grande escala às exigências da profissão quanto ao trato com
famílias, sendo elas “relacionadas à necessidade de consolidação do atual projeto ético-
político da profissão, de qualificação das ações profissionais nessa área, além da afirmação do
espaço do Serviço Social num campo cada vez mais disputado por outras profissões”.
(MIOTO, 2002, p. 2 apud SILVA, 2005, p.55) não há como desconsiderar que os
profissionais de Serviço Social são os únicos que sempre colocam as famílias com
centralidade em suas intervenções.
É importante ainda lembrar-se da grande deficiência que marca as políticas e os
serviços sociais dirigidos às famílias, ou seja, as políticas sociais não são construídas com
finalidade de emancipação das famílias, mas sim para que as mesmas se tornem dependentes
destes programas.
Segundo Mioto (2002), ao abordar a atenção às famílias existem dois eixos
paradigmáticos que direcionam as ações dos profissionais, sendo eles o da
normatividade/estabilidade e o eixo de conflito/transformação. O primeiro está relacionado
aos modelos clássicos de intervenção profissional e o segundo orienta-se as medidas
socioeducativas que visam à defesa de direitos e construção de cidadania.
Portanto, ainda há na profissão um caráter de funcionalidade que permeia a história da
profissão, mas em contraponto há também o desafio colocado à categoria de enfrentamento
das mesmas, na busca de atuações norteadas por perspectivas críticas e por um trabalho
qualificado, principalmente no que tange a atuação junto às famílias. Assim pode-se verificar
que a intervenção do Serviço Social se direciona tanto para as condições materiais e sociais da
população, quanto para uma dimensão que vai além destes, “pois incidem no campo do
conhecimento, dos valores, dos comportamentos, da cultura produzindo efeitos reais na vida
dos sujeitos – uma ação educativa – orientada por diferentes tendências pedagógicas”
(SILVA, 2005, p. 59).

4. O trabalho socioeducativo do Serviço Social

“A educação é atemporal, contínua e ininterrupta e o seu processo de aprendizado


envolve situações pedagógicas interpessoais, familiares e comunitárias; é a troca com a
natureza e com o próprio homem, dentro de um mundo social” (ELIAS; OLIVEIRA, 2008, p.
62).
A educação pode ser pensada não somente como instrumento de continuidade do saber
vivido, mas também como instrumento de poder numa sociedade que se divide em classes
sociais. Assim, pensar na ação socioeducativa do Serviço Social é pensar em um processo
educativo que se faz presente na prática profissional e que se fundamenta na questão social,
ou seja, é uma prática social e educativa que emerge da contradição entre capital e o trabalho.
Ao falar de trabalho socioeducativo, o que reflete não são os processos educacionais,
estes estabelecidos em instituições escolares, mas sim processos educativos aonde vão além
de conteúdos específicos dados nestes espaços.
Em sua história, o Serviço Social sempre teve em sua prática, ações educativas, sendo
elas desenvolvidas no momento em que a intervenção profissional passa a afetar as
concepções, comportamentos e representações das pessoas em relação ao Estado, Sociedade e
a si mesmo. Mas nem sempre tais práticas foram condicionadas a emancipação do indivíduo,
ao contrário, por muito tempo as ações dos assistentes sociais foram pautadas em medias
socioeducativas com viés disciplinador, de higienização, psicologização das relações sociais,
onde desempenhava funções pedagógicas as quais não questionavam a realidade.
Também em sua história, o Serviço Social fundamentou sua atuação nas propostas de
Desenvolvimento de comunidade, ou seja, propostas que visavam à integração e promoção
social, sendo elas uma forma de controle da população para que as mesmas não fossem
influenciadas por ideais comunistas e também para que houvesse integração dessas
comunidades na vida nacional visando também, contribuir para com o seu progresso.
Porém, diante dessa realidade vivenciada pela categoria, esse espaço não foi somente
de reprodução e legitimação da classe dominante, mas foi um espaço que abriu caminhos para
o sujeito coletivo.

É descobrindo a incoerência em que caímos que, se realmente humildes e


comprometidos com sermos coerentes, avançamos no sentido de diminuir a
incoerência. Esse exercício de busca e de superação é, em si, já, um
exercício ético. (FREIRE, Paulo, apud ELIAS; OLIVEIRA, 2008, p. 73).

É ainda dentro do desenvolvimento de comunidade que o Serviço Social tem contato


com a educação libertadora de Paulo Freire, o que possibilitou o começo de uma perspectiva
crítica no trato com as medidas socioeducativas. Em paralelo a essas mudanças, também
ocorreu na profissão a efervescência de discussões que deram início a uma autocrítica da
profissão, onde a orientação marxista foi apropriada por muitos profissionais, onde houve a
opção da luta pela classe trabalhadora, desenvolvendo assim uma nova configuração do saber
o do fazer dos profissionais de Serviço Social, passando a adotar perspectivas de
transformação social.
Como reflexos dessa nova forma de atuação dos assistentes sociais, a prática educativa
dos profissionais também se modifica, ou seja, ela passa a ser permeada por ideais de
transformação social em defesa da classe trabalhadora, sendo uma estratégia educativa que
busca a autonomia dos indivíduos.
Discutir sobre o trabalho socioeducativo em consonância com o projeto ético-político
profissional tende a atender as demandas das classes subalternas, muitas vezes sem o
questionamento de como a correlação de forças vem se apresentando na atual conjuntura. Por
isso o profissional deve estar atendo a tais questionamentos para não atuar de forma
fragmentada e individualizada, desconsiderando como esses interesses se manifestam em sua
totalidade.
[...] a “ação de cunho socioeducativo” refere-se a uma ação ampla
junto aos sujeitos e que está inscrita na “dimensão social da profissão,
incidindo no campo do conhecimento, dos valores, dos
comportamentos, da cultura e produzindo efeitos reais na (re)produção
da vida” dos sujeitos apesar dos seus “resultados nem sempre se
corporificarem como coisas materiais”. (IAMAMOTO, 1999, p. 67
apud LIMA, 2006, p. 27)

A dimensão socioeducativa não é terapêutica, mas pode ser visto como uma transição
do nível informacional/reflexivo para o nível participativo/organizativo. A atividade em grupo
deve ultrapassar valores pessoais e expressar interesses coletivos, num processo de construção
social, visando à formação do sujeito coletivo. Por isso é importante que os profissionais e os
usuários tenham sempre relações horizontais, tendo clara a questão de que os programas
sociais brasileiros não superarem as exclusões e privações, para que não aconteça de
culpabilizarem os profissionais.
Para tanto, as ações socioeducativas realizadas pelos assistentes sociais, para que
obtenham sucesso, deveriam ser desenvolvidas por:

[...] uma pedagogia libertadora tal como definida por Paulo Freire, na
qual a educação é entendida como a possibilidade de despertar a
consciência crítica dos sujeitos, procurando desenvolver a conquista
pela cidadania e desencadear o processo de transformação social
(GUIMARÃES, 1990, apud LIMA ,2006, p. 18).

4.1. Atuação do Serviço Social junto às famílias numa perspectiva socioeducativa


O profissional de Serviço Social, sendo ele capacitado para realizar uma atuação
interventiva e educativa, é habilitado para o trato com famílias que se encontram em
vulnerabilidade social, por possuir referencial teórico que possibilita um trabalho através de
medidas socioeducativas.
O trabalho socioeducativo com famílias é desenvolvido pelo Serviço Social com a
intenção de levar às famílias a sua emancipação, a qual deveria ser uma emancipação humana,
mas que por impossibilidades colocadas pelo sistema vigente de produção se faz somente
como uma emancipação política.

[...] as ações socioeducativas dos assistentes sociais com famílias são


entendidas como processo contínuo e permanente, nos quais os usuários do
serviço social constroem uma consciência crítica sobre si mesmo e sobre a
realidade, para nela atuarem de forma transformadora. (SILVA, 2005. P. 6)

O Serviço Social no trato com famílias vem modificando sua forma de atuação,
diferente daquela na qual exercia um papel de educador opressor/repressor, onde o Estado
regia suas ações sem haver o questionamento do mesmo. Com a perspectiva socioeducativa,
as ações do assistente social com famílias, busca a autonomia política através do
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, do pensamento crítico gestando assim
um sujeito coletivo.
Para tanto, é indispensável que o profissional tenha em mente a nova configuração do
trabalho socioeducativo, o qual tem uma proposta de rompimento com as perspectivas
conservadoras em consonância com o código de Ética Profissional, pois ainda se encontra
ações com caráter de repasse de informações, individualista, sem visão de totalidade, sendo
que esta postura não consegue suprir a proposta de democratização e de consciência crítica
proposta no trabalho socioeducativo.
Assim, como diz Iamamoto (1997 apud LIMA, 2006, p. 16):

[...] o caráter socioeducativo da intervenção profissional dos assistentes


sociais pode ser revestido tanto por tendências conservadoras advindas do
paradigma do “consenso/coerção”, como por tendências pautadas no
pensamento crítico-dialético orientadoras do atual projeto ético-político
profissional.

Atuando com famílias, o trabalho na perspectiva socioeducativa atua na ótica dos


direitos sociais das mesmas, onde objetiva-se a incidência de sujeitos de direitos, e também o
tratamento de suas fragilidades, qualidade de vida, fortalecimento das relações internas,
visando sempre à emancipação da família e desenvolvimento da mesma junto à
comunidade/sociedade, etc. Este trabalho tem como objetivo também a proteção das famílias,
considerando sempre sua diversidade e particularidade.

[...] o trabalho socioeducativo tem como diretriz aquelas famílias que se


encontram em situação de risco, [...], também famílias com dificuldades de
inclusão nos serviços oferecidos (educação, saúde, dentre outros), com o
intuito de incentivar a participação junto à sociedade, desenvolver
habilidades para esta participação. (GONÇALVES; SOUSA; FILHO, 2011,
p.11)

Qualquer trabalho com famílias necessita ser contínuo, processual e sistemático, ou


seja, ele deve ser desenvolvido com preparação, onde o profissional deve estabelecer um
compromisso com os participantes, lembrando que a perspectiva socioeducativa do trabalho
com famílias requer também a interdisciplinaridade, ou seja, a participação de profissionais de
outras áreas que tenham objetivos em comum de transformação.
4.2. Desvelamento da realidade: A pesquisa
A fim de desvelarmos a realidade da atuação profissional do Serviço Social com
famílias e se tal atuação tem um caráter socioeducativo, sentimos a necessidade de conhecer
as nuances desta questão através de uma pesquisa de campo, com o propósito de conhecer e
descobrir as mediações presentes neste trabalho. Para tanto iniciamos uma pesquisa intitulada
“A questão da atuação profissional do Serviço Social junto às famílias: uma análise da
perspectiva socioeducativa”. Para o desenvolvimento desta pesquisa, há o apoio da agência de
fomento CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que
oferece duas bolsas na modalidade PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica).
A pesquisa está sendo desenvolvida em instituições públicas e privadas da cidade de
Franca/SP que realizam o trabalho com famílias, escolhemos tais instituições para que seja
possível analisar e comparar os dados do cotidiano profissional em diferentes áreas, podendo
assim verificar se a perspectiva socioeducativa permeia o trabalho profissional nos vários
campos profissionais existentes. O requisito proposto para a escolha das instituições foi o de
possuir trabalho social com famílias.
O formulário de questões para as entrevistas foi elaborado com intenção de desvelar o
que está oculto, podendo assim trazer à luz aquilo que está implícito. Desta forma, decidimos
optar pela pesquisa qualitativa, já que a mesma se adequa aos objetivos de uma ação
profissional que ambiciona alcançar a transformação social e para isso, faz-se necessário que
conheçamos como é o modo de vida dos sujeitos, ouvir o que eles têm a dizer a respeito, e a
partir daí não descolar o sujeito da realidade, para assim, como diz Martinelli (1999), buscar
entender os fatos a partir da interpretação que os mesmos fazem de sua vivência cotidiana.
Usaremos também da pesquisa quantitativa, esta que não é incipiente quando
complementada pela pesquisa qualitativa, sendo que é a partir dos dados estatísticos que
organizamos os instrumentais de nossa ação profissional e consequentemente abrimos um
espaço fecundo para a mesma. Seguindo esta forma de pensar, Martinelli nos diz que temos
que,

[...] buscar novas metodologias de pesquisa que, mais do que buscar


índices, modas medianas, buscassem significados, mais do que buscar
descrições, buscassem interpretações, mais do que buscar coleta de
informações, buscassem sujeitos e suas histórias. Certamente, isso
pressupõe um outro modo de fazer pesquisa, no qual não deixa de ser
importante a informação quantitativa, mas sem que se excluam os
dados qualitativos. Esses dados ganham vida com as informações
outras, com os depoimentos, com as narrativas que os sujeitos nos
trazem. (1999, p.21)

É nesta perspectiva que a pesquisa “A questão da atuação profissional do Serviço


Social junto às famílias: uma análise da perspectiva socioeducativa” está sendo realizada com
o objetivo de analisar os trabalhos socioeducativos desenvolvidos pelo Serviço Social
direcionados as famílias.

5. Considerações finais

A partir das reflexões apresentadas, pode-se afirmar a relevância que o trabalho


socioeducativo do Serviço Social com famílias possui. Por ser uma instituição que recebe os
reflexos de toda a contradição da sociedade, e, portanto, vulnerável aos males trazidos pela
pós-modernidade, a família necessita de um olhar privilegiado tanto da sociedade, quanto do
Estado o qual é incumbido de oferecer proteção integral à mesma.
Considerando esta necessidade apresentada, o Serviço Social se mostra como uma
categoria profissional, que possui competência suficiente para realização de um trabalho no
qual vise o bem estar das famílias na ótica da garantia de direitos, já que o mesmo é habilitado
para o trato com famílias que se encontram em vulnerabilidade social por possuir referencial
teórico que possibilita este trabalho através de medidas socioeducativas.
A fim de obter sucesso no trato com famílias, as medidas socioeducativas devem
permear toda a atuação profissional, tendo como norte os pressupostos contidos no projeto
ético-político do Serviço Social, objetivando a incidência de sujeitos de direitos, da
emancipação das famílias, do seu desenvolvimento e proteção, e também, assim como Paulo
Freire nos coloca, buscar despertar a consciência crítica dos sujeitos, na luta pela conquista da
cidadania, o qual desencadeia no processo de transformação social.
Portanto, através da realização da pesquisa “A questão da atuação profissional do
Serviço Social junto às famílias: uma análise da perspectiva socioeducativa”, tem-se uma
busca de aprofundar a temática Família e o trabalho socioeducativo do Serviço Social, aonde
virá a contribuir para com o arsenal teórico-metodológico da profissão, promovendo um
debate acerca do mesmo.
REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado : nota sobre os aparelhos


ideológicos de Estado; tradução Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de Castro ;
introdução crítica de J. A. Guilhon Albuquerque. - Rio de Janeiro : Graal, 2001. 127 p.

ALVES, Andria Cléia; FELICIANO, Cristina Maria. A priorização do atendimento à


família nos setores público e privado. Franca, 1996. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado a Faculdade de História, Direito e Serviço Social para obtenção do título de
bacharel em Serviço Social. Orientador: Profº Drº Pe. Mário José Filho. 102p.

ELIAS, Wiataiana de Freitas; OLIVEIRA, Cirlene Aparecida Hilário Silva de. As diferentes
configurações da dimensão socioeducativa do Serviço Social brasileiro na sua trajetória
histórica profissional. Revista Serviço Social & Realidade, Franca, v.17, n.2, p.61-83, 2008.

GONÇALVES, Lucélia Cardoso; SOUSA, Maria Aparecida Leandro de.; FILHO, Prof° Dr°
Mário José. O Trabalho com Famílias na Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
2011.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Comunicação Social, 2006. Disponível


em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticiavisualiza.php?id_noticia=774Acesso
em 16 de abr de 2012.

JESUS, Cristiane da Silva de. O Serviço Social e as ações sócio-educativas com famílias:
um estudo sobre as publicações dos assistentes sociais. 2005. 164f. Dissertação de Mestrado
em Serviço Social. Florianópolis: UFSC/CSE/PGSS, 2005. Orientadora: Regina Célia
Tamaso Mioto.

LIMA, Telma Cristiane Sasso de. A intervenção profissional do Serviço Social no contexto
da cidadania e dos direitos: pensando as ações socioeducativas. Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa
Catarina para obtenção do título de bacharel em Serviço Social, 82p. Orientado pela Profª Drª
Regina Célia Tamaso Mioto. Florianópolis: 2004.

__________. Telma Cristiane Sasso de. As ações sócio-educativas e o projeto ético-político


do Serviço Social: tendências da produção bibliográfica, 2006, 172f. Orientadora: Profª Drª
Regina Célia Tamaso Mioto. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Florianópolis:
UFSC/CSE/PGSS, 2006.

MARTINELLI, Maria Lúcia (org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo.
Veras: 1999.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME. Política


Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004). Disponível em <
http://www.mds.gov.br/assistenciasocial > Acesso 2012.
OLIVEIRA, Nayara Hakime Dutra. Recomeçar: família, filhos e desafios. São Paulo. Cultura
Acadêmica: 2009.

SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurilio Castro de.; LEAL, Maria Cristina (org).
Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no contexto de programas de
orientação e apoio sociofamiliar. In: Política Social, Família e Juventude: uma questão de
direitos. 2.ed. São Paulo: Cortez, p 43- 60, 2006.

Você também pode gostar