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Serra de aço Dialogando com Mondrian, mostra de Richard Serra em Paris reafirma a

modernidade industrial

HAL FOSTER

A existência de um "estilo tardio" - um voltar-se à asperidade vital perto do final de uma vida
de composição, à moda do que fizeram Beethoven ou Yeats - é amplamente reconhecida na
música e na literatura, mas não tanto nas artes visuais, pelo menos em se tratando de
modernistas de destaque.
Uma exceção a essa regra é Matisse, que, nos desenhos para recorte que fez perto do final da
vida, retornou com grande prazer à chamada "pureza de meios" que marcou suas primeiras
pinturas fauvistas. Com uma peça temporária erguida no Grand Palais, combinando simplicidade
e grandeza, Richard Serra já deixa antever um estilo tardio próprio.
Um ano atrás, uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova York, mapeava o
desenvolvimento rigoroso da linguagem escultural de Serra, de engajamento direto com borracha
e chumbo em suas primeiras peças até uma elaborada conversão de chapas de aço em seus
célebres arcos, elipses e espirais das últimas três décadas.

Um dos primeiros exemplos desse idioma posterior, "Clara-Clara", primeiro exposto numa
retrospectiva no Beaubourg, em 1983, agora reapareceu em seu local original, no Jardim das
Tulherias (o diretor do Beaubourg, Alfred Pacquement, curador daquela exposição, é também
curador das peças hoje expostas em Paris). Colocado no grande eixo que vai do Louvre ao Arco
do Triunfo, "Clara-Clara" consiste em duas curvas de aço em posição oposta, cada uma com 33
metros de comprimento e quatro de altura; uma delas se curva em direção à linha central, e, a
outra, na direção contrária.
Colocada perto da Place de la Concorde, na esplanada criada por Le Nôtre para Luís 14, "Clara-
Clara" é barroca à sua própria maneira, brincando ousadamente com a geometria rígida do
grande eixo. Desse modo, ela também marca o início da caminhada até a nova peça erguida no
Grand Palais, que Serra, reconhecendo a sociabilidade ambulatória embutida na pintura
impressionista e o movimento direcionado do espectador através de sua obra, intitulou
"Promenade" [passeio].
Construído para a Exposição Mundial de 1900, o Grand Palais possui fachada de pedra de
estilos mistos, típica da belle époque, mas o salão que se ergue acima dele é expresso de
maneira limpa em aço e vidro - um triunfo de engenharia confiante, também característico de seu
tempo, que, em sua horizontalidade, complementa a verticalidade da torre Eiffel. O espaço
cruciforme do Palais é imenso: a nave, por si só, tem 200 metros de comprimento, 50 metros de
largura e 35 metros de altura, chão de 13,5 mil metros quadrados e volume de 450 mil metros
cúbicos. Confrontado com essa imensidão, Serra, num primeiro momento, pensou em demarcar o
chão com blocos (como os vistos na Tate Gallery em 1992), para comprimir e controlar o volume.

Mas em pouco tempo percebeu que isso não apenas seria fugir do desafio colocado pela nave
como, também, abrir mão de seu maior trunfo - o comprimento de sua altura. Em lugar disso,
optou por chapas verticais. As perguntas então passaram a ser: de que tamanho, quantas e
como seriam dispostas?
As coisas só podem ser predeterminadas até certo ponto; como em Mondrian, a intuição e a
experiência informam as geometrias do trabalho de Serra - e os limites da engenharia, que
ele gosta de expandir. Serra decidiu por chapas de 17 metros de altura e 4 metros de largura.
Absolutamente verticais, elas são ancoradas no chão a pouca profundidade, e nada as apóia na
superfície.
Esse tamanho acabou se revelando uma correspondência excelente entre necessidade [ou
viabilidade?] técnica - as chapas são praticamente as maiores que se pode produzir hoje - e
escala estética: medindo pouco menos de metade da altura da nave, elas se sustentam bem
diante da arquitetura, mas não fazem o espectador sentir-se avassalado (com apenas cerca de
15 centímetros de espessura, parecem quase elegantes). No entanto, essa resolução de
tamanho ainda deixava em aberto a questão do número e do posicionamento das chapas, e não
seria possível fazer nenhum teste. Serra calculou que 30 metros poderiam ser o intervalo
apropriado para criar um ritmo que ao mesmo tempo articulasse a arquitetura e motivasse o
espectador [o que significa isso na prática?]. Mais chapas poderiam atrapalhar a primeira ou
intimidar o segundo, e menos poderiam criar uma sensação de aridez no chão. Essa fórmula
resultou em cinco chapas cobrindo os 200 metros da nave - uma colocada diretamente abaixo
da cúpula, e é nela que consiste "Promenade".

Grande tensão Mas ainda precisavam ser decididos os particulares do posicionamento, e nesse
quesito Serra se deixou guiar pelo eixo da nave, ao qual todas as chapas são estritamente
perpendiculares. Espalhar as chapas significaria perder o poder dessa linha forte; por outro lado,
sobrepô-las destruiria o centro de outra maneira. Decidiu posicionar as chapas a um ângulo
muito pequeno (1,69 grau) do eixo: algumas estão posicionadas na linha central, embaixo, e a
50 centímetros no alto, e outras estão a 50 centímetros da linha central na parte inferior e
rentes com ela em sua parte superior [não consegui visualizar nada]. Com meios simples,
esses desvios geram uma tensão grande: o espectador se sente atraído a percorrer a peça como
se fosse um percurso de corrida em ziguezague. No entanto essa energia poderia parecer
forçada se o ritmo fosse apenas um de alternação. Por essa razão, Serra fez outra mistura: do
lado dos Champs Elysées para o Sena, o padrão de inclinação com relação ao centro é para
dentro-para dentro-para fora-para fora-para dentro. Como no caso de "Clara-Clara", o tema do
eixo é tocado com variações, e as aberturas nunca deixam de surpreender, não importa em que
ponto do eixo o espectador se encontre. As vistas laterais também permitem ao espectador ver
as chapas tanto como indivíduos como enquanto grupo. Novamente, como era o caso de
Mondrian, há uma dimensão política desse diálogo entre o um e os vários, a diferença e a
identidade, dimensão também enfatizada pelo aglomerado pacífico de espectadores como
elemento-chave da peça. É característica freqüente de um estilo tardio o fato de um retorno
aos princípios primeiros ser simultaneamente uma busca por novas associações. Aqui Serra
retoma os fundamentos de suas peças "arrimos", dos anos 60, e, ao fazê-lo, reafirma seu
compromisso absoluto com a abstração radical (quando proponho Mondrian, ele responde com
Malevich). Mas também são abertas outras conexões.

Na inauguração de Promenade, Serra reconheceu a dívida que tem com seus precursores [em
que termos?] na escultura, como Brancusi e Giacometti, que também encontraram receptividade
entre os franceses e cuja presença também sentimos aqui. Mas as associações não são limitadas
à abstração, nem mesmo ao modernismo, ou, melhor, as duas categorias são reveladas como
sendo menos presentistas ou amnésicas do que freqüentemente se supõe que sejam. Por
exemplo, Promenade encena um encontro direto entre dois momentos da modernidade
industrial separados por um século. Com seu ornamento vegetal, a estrutura do Grand Palais é
marcada pelo art nouveau, que o filósofo Walter Benjamin certa vez descreveu como "linguagem
linear mediúnica" que busca "reconquistar" as novas formas de construção industrial "para a
arte".
Indústria e arte Boa parte da escultura moderna encena um compromisso correlato entre
indústria e arte. Com Serra, porém (e com alguns de seus pares, como Carl Andre), não existe
tal "reconquistar", apenas um avançar da estrutura industrial como linguagem ampliada da
produção escultural em si. E Promenade deixa isso claro. Construído para abrigar exposições, o
Grand Palais também traz à mente as grandes estações ferroviárias daquela época: a Gare -
hoje museu - d'Orsay, do outro lado do Sena, é sua contemporânea exata. Tais salões e
estações eram vistos como as catedrais do século 19 e freqüentemente levavam adiante a
gramática das colunas, dos arcos e das naves das igrejas. Em sua própria abstração,
Promenade revela essa arqueologia de estruturas históricas [hmm...]. Nós poderíamos
argumentar que ela aponta também para a forma antiga da basílica no palácio. De fato, se a
obra Clara-Clara evoca a história barroca do ambiente em que está colocada, Promenade faz o
mesmo com a história gótica de seu contexto.
Isso é "especificidade de localização [!]" num sentido ampliado, e, embora Promenade talvez
pudesse sentir-se em casa em outro lugar, a França fará bem em conservar uma peça que
contribui tanto para levar adiante as tradições que mais a notabilizam.

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