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William F. Harvey - A Fera de Cinco Dedos
William F. Harvey - A Fera de Cinco Dedos
Tradução
BRAULIO TAVARES "A máscara de prata", "O cartão misterioso",
"A Pele-Vermelha"
CAROLINA CAIRES COELHO "O Homem de Areia", "Amina", "A caveira
de cinco dedos"
que gritava", "O mestre", "A fera
FELIPE ANTUNES "O papel de parede amarelo", "Inexplicável",
"O quarto na torre"
LUIZ GUERRA "Uma aparição"
WILLIAM LAGOS "À profecia"
Revisão da tradução
BRAULIO TAVARES
ANNA LEE
Revisão tipográfica
CRISTIANE PACANOWSKI
Diagramação
PRINTMARK MARKETING EDITORIAL
Produção editorial
NATALIF ARAÚJO LIMA
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE -
SNEL, RJ.
Fg42
Inclui bibliografia
[SBN 9758-85-7734-072-9
Este conto adquiriu certa notoriedade depois de ter sido filmado em 1946 por
Robert Florey, com roteiro de Robert Siodmak, e tendo no elenco Peter Lorre,
e Luís
Robert Alda e Victor Francen. O filme provocou polêmica entre diretor
o
William F. Harvey
Tá
Esta história, creio, começa com Adrian Borlsover, que eu conheci quan-
do era criança e ele, idoso. Meu pai lhe fizera uma visita para pedir que
participasse de uma subscrição, e, antes de sair, o sr. Borlsover pôs uma
das mãos sobre minha cabeça, abençoando-me. Nunca me esquecerei da
surpresa que senti quando olhei para seu rosto e percebi, pela primeira
vez, que os olhos podem ser negros, belos e brilhantes, mesmo que nada
enxerguem.
Adrian Borlsover era cego.
Ele era um homem extraordinário, de descendência excêntrica. Os Borl-
sover, por algum motivo, sempre se casavam com mulheres muito comuns;
o que, talvez, tivesse relação com fato de nenhum Borlsover ter sido um
o
de
gênio e de apenas um deles ter sido louco. Mas eram grandes campeões
pequenas causas, patronos generosos de ciências estranhas,
fundadores de sei-
tas polêmicas, guias confiáveis pelos atalhos da erudição.
Adrian era uma autoridade em fertilização de orquídeas. Vivia com a fa-
mília em Borlsover Conyers, até que um problema congênito dos pulmões
o obrigou a procurar um clima menos severo num lugar úmido no sudoes-
te, onde o conheci. Às vezes ele substituía um ou outro clérigo local. Meu
pai o descrevia como um bom pregador, que fazia longos
e inspiradores
6o William F. Harvey
crisia. Adrian era reticente em relação às coisas que deixara sem fazer; já
Eustace dava a impressão de que as cortinas que ele tomara tanto cuidado
para deixar fechadas escondiam mais do que uma câmera quase vazia.
Dois anos antes de sua morte, Adrian Borlsover desenvolveu, sem saber,
o poder incomum da escrita automática. Eustace descobriu isso por acaso.
Adrian estava sentado na cama, lendo, passando os dedos da mão esquerda
pelas letras em braile, quando seu sobrinho percebeu que
um lápis que 0
velho segurava com a mão direita estava se movendo lentamente na página
oposta. Ele saiu de onde estava, perto da janela, e sentou-se ao
lado da
cama. A mão direita continuava se movendo, e agora ele conseguia ver,
claramente, que letras e palavras estavam sendo formadas.
"Adrian Borlsover", escreveu a mão direita, "Eustace Borlsover, Charles
Borlsover, Francis Borlsover, Sigismund Borlsover, Adrian Borlsover, Eus-
tace Borlsover, Saville Borlsover. B de Borlsover. A honestidade é a melhor
prática. Bela Belinda Borlsover".
Que disparate mais interessante! Eustace disse a si mesmo.
-
-
-
Não irei muito longe e, quando voltar, posso ler para você aqueles artigos
da Nature sobre os quais estávamos falando.
Foi caminhar, mas parou no primeiro abrigo que encontrou e, sentan-
do-se no canto mais bem protegido pelo vento, examinou o livro com aten-
ção. Quase todas as páginas estavam repletas de rabiscos feitos a lápis, filei-
ras de letras maiúsculas, palavras curtas, palavras longas, frases completas,
Quando o verei?
"Quando o pobre e velho Adrian morrer."
-
Onde eu o verei?
"Onde não me verá?"
Em vez de formular a próxima pergunta, Eustace a escreveu: "Que horas
são?"
Os dedos soltaram lápis e se moveram três ou quatro vezes pelo papel.
o
62 William F. Harvey
Um ataque de tosse interrompeu o que ele estava dizendo. Mas Eustace
vu que a mão ainda estava escrevendo. Ele conseguiu, sem ser notado, afas-
tar o livro.
-
Vou acender o gás ele disse e fazer um chá. Do outro lado da cama
- - -
Borlsover?"
No dia seguinte, Eustace partiu. Achou que seu tio não estava bem na des-
pedida, e o velho falou com desânimo do fracasso que tinha sido sua vida.
Bobagem, tio disse o sobrinho. Você conseguiu vencer suas dificul-
- -
-
dades de uma maneira que cem mil pessoas não conseguiriam. Todos ficam
maravilhados com sua esplêndida perseverança em ensinar sua mão a assu-
mir o lugar de sua visão perdida. Para mim, tem sido uma revelação acerca
das possibilidades de educação.
-
Educação -
tio repetiu vagamente, como se a palavra iniciasse um
o
para quem para que você a oferece. Mas com os tipos inferiores de homens,
e
com os espíritos mais baixos e mais sórdidos, tenho sérias dúvidas acerca de
seus resultados. Bem, adeus, Eustace, talvez não o veja novamente. Você é
um verdadeiro Borlsover, com todos os defeitos dos Borlsover. Case-se, Eus-
tace. Case-se com uma moça boa e sensata. E se por acaso eu não vir o
de novo, meu testamento está com meu advogado. Não lhe deixo nenhum
legado, pois sei que você tem bastante dinheiro, mas achei que você gostaria
de ficar com meus livros. Oh, e há apenas mais uma coisa. Você sabe, antes
do fim, as pessoas geralmente perdem o controle de si mesmas e fazem pe-
didos absurdos. Não dê atenção eles, Eustace. Adeus! e soltou a mão do
a
-
-
Como está o mundo, Saunders? Por que veste essas roupas? Ele mesmo
-
estava vestindo uma jaqueta de caça. Não acreditava em luto, como dissera a
seu tio em sua última visita; e, apesar de usar gravatas de cores sóbrias, estava
com uma gravata vermelha naquela noite, na tentativa de chocar Morton, o
mordomo, e para fazer com que os servos discutissem entre si a questão do
luto em sua área reservada. Eustace era um autêntico Borlsover.
-
O mundo respondeu Saunders está como sempre, lento e confuso.
- -
-
Há um problema com carro, por isso pedi a Jackson que me leve de
o
-
Já olhei a maioria. Há algumas cartas particulares que não abri. Há também
uma caixa com uma ratazana ou algo assim que chegou pelo correio à noite.
Provavelmente é a criatura de seis dedos que Terry estava para nos enviar para ser
cruzada com a albina de quatro dedos. Não olhei porque não quis sujar minha
roupa, mas posso dizer, pela maneira com que está pulando, que está faminta.
Oh, cuidarei dela disse Eustace enquanto você e o capitão disputam
- -
-
64 William F. Harvey
Depois do jantar e da partida de Saunders, Eustace entrou na biblioteca.
Apesar de lareira estar acesa, o cômodo não estava aconchegante.
a
-
Manteremos todas as luzes acesas, sempre ele disse, ao acionar os bo-
-
tões. E, Morton ele disse, quando o mordomo lhe trouxe o café -, traga-
- -
me uma chave de fenda ou algo parecido para que eu possa abrir esta caixa.
Seja qual for o animal da caixa, está dando muitos pulos. O que foi? Por que
ainda está aí?
-
Com licença, senhor, mas quando o carteiro o trouxe, disse que no cor-
reio as pessoas tinham feito furos na tampa. Não havia meio de o animal
respirar, e não queriam que ele morresse, senhor. Isso é tudo.
-
Foi um grande descuido do homem, seja quem for Eustace disse,
-
conseguiu ver nada. Seu avô colocara um pequeno portão no topo da escada,
para que as crianças pudessem correr pela galeria sem o risco de se acidentar.
"Houve um pedido que certamente foi uma grande surpresa para mim.
Como você sabe, o sr. Adrian Borlsover deixou instruções claras de que
seu corpo deveria ser enterrado da maneira mais simples possível em
Eastbourne. Ele expressou o desejo de que não houvesse coroas de flo-
res nem flores de qualquer tipo, e esperava que seus amigos e parentes
não julgassem necessário usar luto. Um dia antes de sua morte, recebe-
mos uma carta cancelando tais instruções. Ele queria que seu corpo fosse
embalsamado (deu-nos o endereço do homem que deveríamos chamar
-
Pennifer, Ludgate Hill), com ordens de que sua mão direita fosse envia-
da a você, afirmando que era um pedido especial de sua parte. Os outros
-
Santo Deus! Eustace disse. O que o homem estava pretendendo? E
- -
Alguém estava na galeria. Alguém tinha puxado o cordão de uma das per-
sianas, porque ela foi enrolada para cima com rapidez e um estalo final. Al-
guém devia estar na galeria, pois logo outra persiana também foi aberta.
Alguém deveria estar caminhando pela galeria, pois uma persiana após a
outra começou se abrir, deixando entrar a luz da lua.
a
-
Ainda não decifrei esse mistério -
Eustace disse -, mas vou conseguir,
66 William F. Harvey
antes que seja muito tarde e apressou-se, subindo a escada em espiral. Assim
-
que chegou ao piso superior, as luzes se apagaram de novo, e mais uma vez
ouviu o rastejar no chão. Rapidamente seguiu, na ponta dos pés, sob a fraca
huz da lua, na direção do barulho, procurando, enquanto caminhava, um dos
botões. Por fim, seus dedos tocaram a superfície de metal e ele acendeu luz. a
Cerca de dez metros diante dele, rastejando pelo chão, estava uma mão de
homem. Eustace olhou para ela surpreso. Movia-se rapidamente, como uma
lagarta, com os dedos se encurvando para cima e depois se achatando para
baixo; o polegar parecia dar ao conjunto um movimento parecido ao de um
caranguejo. Enquanto ele observava, surpreso demais para se mexer, a mão
desapareceu em um canto. Eustace correu na direção dela. Não conseguiu
mais vê-la, mas pôde escutá-la, enquanto ela se escondia atrás dos livros de
uma das estantes. Um grande livro havia sido retirado. Havia um espaço na
prateleira de livros, onde ela estava. Com medo de que escapasse, ele pegou
o primeiro livro que viu e colocou-o no espaço. Em seguida, esvaziou duas
estantes, pegou as prateleiras e as colocou na frente, para reforçar a barreira.
-
Gostaria que Saunders estivesse aqui ele disse. Não se pode lidar com
- -
esse tipo de coisa sozinho. Já passava das onze, e havia pouca probabilidade
-
mordomo, costumava passar por ali às onze para checar se as janelas estavam
fechadas, mas podia ser que não viesse. Eustace estava completamente aba-
lado. Por fim, escutou os passos vindos de baixo.
-
Morton! -
gritou.
-
Morton!
-
Senhor?
-
O Saunders já retornou?
sr.
-
Ainda não, senhor.
-
mente na estante...
Morton nunca tinha visto Borlsover tão falante quanto naquela noite.
-
gure estas tábuas para mim, Morton. Aquele animal da caixa fugiu, e estou
à procura dele.
bolsos. Parecia ter se divertido a noite toda. Estava muito satisfeito, consigo
mesmo e com os vinhos do capitão Lockwood. -
sa.Então este é "o pó acumulado dos séculos", não é? Ele tirou o casaco,
-
um caranguejo. Ah! Não, não faça isso! Ele tirou a mão rapidamente. Pe
-
_ _
um
Alguma coisa que queria muito me pegar. Senti algo parecido com
-
-
E se nsarmos uma rede?
Não adianta. Ela seria mais rápida. Eu lhe garanto, Saunders, ela per-
-
corre o chão com mais rapidez do que eu caminho. Mas acho que sei o que
vão até a
podemos fazer. Os dois livros nas pontas das estantes são grandes, e
parede. Os outros são menores.
Tirarei um por vez, e você empurra o restan-
te, até a deixarmos imprensada entre os dois livros maiores.
De fato, parecia ser o melhor plano. Ao tirarem os livros um por um, 0
espaço atrás ficou cada vez menor. Havia algo ali que estava muito
vivo.
Finalmente
Logo eles avistaram dedos procurando uma maneira de escapar.
conseguiram deixá-la presa entre os dois grandes livros.
68 William F. Harvey
Há músculos nela, mesmo que não haja carne e sangue quentes disse
- -
Saunders, ao que pressionava os livros. Parece ser uma mão direita. Acho
-
que a caixa em minha escrivaninha velha. Não há nada ali que eu queira.
Aqui está a chave. Graças a Deus não há problema algum com fechadu- a
ra.
-
-
O que quer que seja -
Eustace disse a Saunders na manhã do dia
seguinte proponho que esqueçamos o assunto. Não há nada que nos
prenda aqui pelos próximos dez dias. Vamos para os Lagos fazer um pouco
de escalada.
Para não encontrar ninguém durante o dia e ficarmos sentados, sozi-
-
nhos e entediados, todas as noites? Isso não é para mim, obrigado. Por que
não corremos para a cidade? Correr é a palavra exata neste caso, não é?
Estamos com sorte. Refaça-se, Eustace, e vamos ver a mão mais uma vez.
-
Como quiser Eustace disse. Aqui está a chave.
- -
-
Estou esperando que você se disponha a abrir tampa. Mas, como a
você parece estar indeciso, deixe-me fazer isso. Provavelmente não teremos
nenhum distúrbio esta manhã. Ele abriu a tampa e pegou a mão.
-
Se, no dia seguinte, eles não tinham esquecido tudo, é verdade que, no
fim da semana, tiveram uma ótima história de fantasmas para contar no jan-
tar que Eustace ofereceu no Dia das Bruxas.
-
O senhor não espera que acreditemos nisso, sr. Borlsover? Que terrível!
-
Eu juro, e Saunders também, não é, amigo?
-
magra, e me segurou.
-
Não me diga isso, sr. Saunders. Não. É horrível. Conte-nos outra! Mas
uma realmente assustadora, por favor.
Aqui está um problema! Eustace disse a Saunders no dia seguinte, ao
-
-
jogar uma carta sobre a mesa. Mas é um problema seu. À sra. Merrit,
-
se eu
ções, deixando as outras garotas assustadas, a ponto de terem medo de sair dos
quartos sozinhas ou descer as escadas com medo de pisar em sapos ou ouvi-
los passando pelos corredores à noite, tudo que posso dizer é o que este lugar
não é o certo para mim. Por isso, peço ao senhor, sr. Borlsover, que encontre
outra governanta, que não se oponha a viver em uma casa grande
vazia, que
e
70 William F. Harvey
Ps -
Por favor, dê minhas lembranças ao sr. Saunders. Espero que ele não
-
SaundersEustace disse -, você sempre teve um jeito muito bom para
-
bdar com os empregados. Não pode deixar a pobre sra. Merrit partir.
-
É claro que ela não pode partir Saunders disse. Está provavelmente
- -
tentando aumentar o salário. Vou escrever para ela ainda esta manhã.
-
Não. Não há nada melhor do que um encontro frente frente. Já estoua
farto desta cidade. Voltaremos amanhã, e você poderá cuidar melhor de sua
de semanas
gripe. Não se esqueça de que ela foi para o peito, e você precisará
de alimentação e cuidados.
-
Tudo bem. Acredito que posso lidar com sra. Merrit.
a
Mas a sra. Merrit estava mais determinada do que ele pensara. Ficou mui-
to chateada ao saber da piora do sr. Saunders, e de como ele passava as noites
em Londres acordado, tossindo; sentia muito mesmo. Trocou a roupa de
cama dele com satisfação, limpou o quarto e perguntou se ele gostaria
de tomar leite quente com pão antes de dormir. Mas teria de partir no tim
do mês.
-
Tente convencê-la com um aumento de salário -
foi o conselho de
Eustace.
Não resolveu. A sra. Merrit estava decidida, mas conhecia uma mulher,
chamada sra. Goddard, que havia trabalhado como governanta do lorde Gar-
grave, talvez ela aceitasse o salário proposto.
-
O
que houve com os empregados, Morton? Eustace perguntou naque-
-
la noite, quando o mordomo levou o café à biblioteca. Por que sra. Merrit
-
a
quer ir embora?
-
Com licença, senhor, eu ia mesmo lhe dizer. Preciso fazer uma confis-
são, senhor. Quando encontrei seu bilhete, pedindo que eu abrisse a escri-
vaninha e tirasse de lá a caixa com ratazana, quebrei a fechadura, como
a
o senhor pediu, e fiquei satisfeito com isso, pois conseguia escutar o animal
dentro da caixa fazendo muito barulho, e pensei que ele quisesse comer. Por
isso, tirei da caixa, senhor, peguei uma gaiola e estava prestes a transferilo
O
Que animal?
-
O animal de dentro da caixa, senhor.
-
Como ele era?
-
Bem, senhor, não sei dizer Morton respondeu, nervoso.
- -
Eu estava de
costas e ele estava saindo da sala quando eu vi. o
-
Oh, não, senhor, era um branco cinzento. Ele se movia de modo estra-
nho, senhor. Acredito que não tinha rabo.
-
O que você fez depois?
-
Tentei pegá-lo, mas não adiantou. Por isso, armei as ratoeiras e deixei a
biblioteca fechada. E então, aquela moça, Emma Laidlaw, deixou a porta
aberta quando estava fazendo a faxina e ele escapou.
E você acredita que é o animal que tem assustado as empregadas?
-
-
Bem, não, senhor. Elas disseram que viram peço desculpas, senhor
-
-
uma mão. Emma viu uma vez no começo da escada. Ela pensou se tratar
a
72 William F. Harvey
as cortinas à noite, quase sempre parece que alguém chegou antes de nós.
Mas. como eu digo à sra. Merrit, um jovem macaco pode fazer coisas sur-
reendentes, e todos sabemos que o sr. Borlsover já teve alguns animais
estranhos por aqui.
-
Muito bem, Morton, já é o bastante.
-
O que você acha disso? Saunders perguntou, quando os dois ficaram
-
ozinhos. Estou me referindo à carta que ele disse que você escreveu.
-
-
Oh, isso é bem simples -
Eustace respondeu. -
Viu o papel em que
foi escrito? Deixei de usar aquele tipo de papel há anos, mas havia algumas
folhas e envelopes soltos na escrivaninha velha. Não prendemos a tampa da
caixa quando a trancamos lá. À mão saiu, encontrou um lápis, escreveu um
bilhete e o jogou no chão pela abertura, onde Morton o encontrou. Isso é
claro como o dia.
-
Masmão não poderia escrever!
a
-
Não poderia? Você não viu as coisas que eu vi. -
E então contou a Saun-
ders o que tinha acontecido em Eastbourne.
-
Bem Saunders disse -, nesse caso, temos pelo menos uma explicação
-
sobre o testamento. Foi a mão que escreveu, sem que seu tio soubesse, aquela
carta ao advogado, na qual pedia para ser entregue a você. Seu tio nada teve
a ver com aquele pedido. Na verdade, me parece que ele desconhava dessa
escrita automática e a temia.
Então, se não é meu tio, o que é?
-
entrou na sala certa tarde, quase noite, com uma escada. Deixe Peter em
-
paz. Faça-o ficar com fome até se entregar, sra. Merrit, e não deixe bananas e
sementes à vista para ele comer quando quiser. A senhora é muito bondosa.
Bem, senhor, vejo que ele está fora do alcance agora naquele quadro;
-
74 William F. Harvey
-
É mais provável que eu torça seu pescoço, se colocar minhas mãos em
você. Ele olhou para o quadro, e ali estava a mão, segurando-se em um
-
do papagaio com
ancho com três dedos, e coçando devagarinho a cabeça
o quarto. Eustace correu até a sineta e a tocou com firmeza, em seguida,
orreu até a janela, fechando-a com força. Assustada com barulho, a ave
o
tendê-lo. -
má-la. Tentou lançá-la às chamas, mas suas mãos, como que obedecendo a
uma reação primitiva, não permitiram. E assim Saunders o encontrou, páli-
do e transtornado, com a mão ainda presa entre os dedos.
Consegui pegá-la ele disse, triunfante.
- -
-
Ótimo, vamos dar uma olhada.
-
Não agora, pois está solta. Dê-me alguns pregos e um martelo, além de
uma tábua qualquer.
-
Você consegue segurá-la?
-
Sim, está bastante mole, cansada pela briga que teve com Peter.
-
E agora? perguntou Saunders quando retornou com as coisas.
-
-
O
que
vamos fazer?
-
Cravar um prego nela antes de mais nada, para que não fuja. Em segui-
da, poderemos analisá-la com calma.
Faça isso você mesmo disse Saunders. Não me incomodo de ajudá-lo
- -
-
envolveu a tábua com ela. Agora, tire as chaves de meu bolso e abra o cofre.
-
Tire as coisas de lá. Oh, senhor, ela está se debatendo! Abra logo! Ele jogou -
disse. Bem, não tenho pressa de que um evento como esse aconteça. Eu
-
o conheço muito bem para que a futura sra. Borlsover goste de mim. Será a
mesma velha história de novo: uma longa amizade lentamente amadureci-
da... um casamento... e uma longa amizade esquecida rapidamente.
Mas Eustace não seguiu o conselho do tio para que se casasse. Os velhos
hábitos prevaleceram e impediram a nova experiência. Tornou-se, de certa
forma, menos indolente, e demonstrou uma inclinação maior para a vida
social no campo.
E então aconteceu o assalto. Os homens, conforme foi dito, arrombaram a
casa pela estufa. Foi quase apenas uma tentativa, pois conseguiram levar so-
mente alguns pratos da despensa. O cofre no escritório foi encontrado aberto
evazio, mas, como sr. Borlsover informou ao inspetor de polícia, ele não
o
deu. Mas, pela maneira como agiram, posso afirmar que eram experientes.
-
76 William F. Harvey
maneira como entraram e arrombaram cofre deixa isso claro. Mas há mais
o
ema coisa que me intriga. Um deles teve o descuido de não usar luvas, não
onsigo entender o que ele estava tentando fazer. Encontrei suas impressões
digitais em toda a extensão do verniz recém-passado na madcira das janelas,
em todas as salas do piso inferior. São bem visíveis.
-
Dedos da mão esquerda, da direita ou das duas?
-
Oh, sempre da direita. Isso é o mais intrigante. Ele deve ser bem corajoso,
e acredito que foi ele quem escreveu este bilhete. Tirou um pedaço de papel
-
do bolso. -
Ele escreveu as seguintes palavras, senhor: "Eu fugi, Eustace Borl-
sover, mas logo estarei de volta". Deve ser um detento recém-fugido da prisão.
Assim, será mais fácil encontrá-lo. O senhor reconhece caligrafia? a
-
Não -
Eustace disse. -
Não é
ninguém que eu conheça.
a letra de
-
Não ficarei aqui por muito tempo Eustace disse a Saunders, durante
-
o almoço. Consegui viver bem nos últimos seis meses, mas não vou cor-
-
rer o risco de ver aquela coisa de novo. Irei para a cidade esta tarde. Peça a
Morton que arrume minhas coisas e que me leve de carro a Brighton depois
de amanhã. E traga as provas daqueles dois papéis com você. Nós os ana-
-
lisaremos juntos.
-
Saunders chegou perto das sete horas, estava com muito frio, mal-humo-
rado e sujo.
-
Acenderemos lareira na sala de jantar Eustace disse e pediremos a
a
- -
mo casaco com forro de pele como este. Você está bem agasalhado, de modo
geral. Veja essas luvas, por exemplo. Quem sentiria frio usando-as?
Mas elas são grossas demais para dirigir. Vista-as e verá e ele as jogou
- -
ajudar. Saunders empunhando uma vela acesa, olhou por sobre a borda da
banheira. Ali estava ela, velha e mutilada, muda e cega, com um buraco
dilacerado no meio, rastejando, tentando subir pelos lados escorregadios,
mas voltando a cair.
-
Fique aí -
Esvaziarei uma caixa ou algo assim, e a co-
Saunders disse. -
a parede. Não, sua praga, sua praga nojenta, não faça isso! Volte, Saunders;
-
ela está escapando de mim. Não consigo segurá-la. Está escorregadia. Maldi-
tas unhas! Feche a janela, idiota! Ela saiu! Ouviu-se o som de algo caindo
-
78 William F. Harvey
-
Não se preocupe com isso, amigo. Esse tipo de coisa não pode durar
para sempre. Você sabe que a vi dessa vez, assim
como você. Ela não estava
tão ativa quanto antes. Não viverá muito, principalmente depois da queda.
Eu a ouvi bater no chão. Assim que você estiver um pouco mais forte, sai-
remos deste lugar, não com toda a bagagem, mas apenas com as roupas do
orpo, para que ela não consiga se esconder em nenhum lugar. Escaparemos
dela assim. Não deixaremos endereço e não receberemos entregas. Alegre-se,
Eustace! Você estará bem daqui a um ou dois dias. O médico disse que cu
posso levá-lo para fora em uma cadeira de rodas amanhã.
-
O que eu fiz? Eustace perguntou. Por que ela vem atrás de mim?
- -
Não sou pior do que os outros homens. Não sou pior do que você, Saunders,
você sabe que não sou. Você é que estava por trás daquele negócio sujo em
San Diego, e isso aconteceu há 15 anos!
-
Não tem nada a ver com aquilo, é claro Saunders disse. Estamos no
- -
bem aberta, mas foi fechada uma hora antes do escurecer. Há muito tempo
a sra. Prince deixara de estranhar os hábitos incomuns dos cavalheiros do
de tirar as
primeiro andar. Assim que eles chegaram, ela recebeu a ordem
ficar mais
pesadas cortinas dos dois quartos, e a cada dia os quartos pareciam
vazios. Nada ficou dentro deles.
-
O sr. Borlsover não gosta de que haja espaços em que a poeira pode se
cumular Saunders dissera, como desculpa. Ele gosta de ter à vista todos
-
-
os cantos do quarto.
-
Não posso abrir a janela, só um pouco? ele perguntou
-
a Eustace na-
-
É para mim Saunders disse. Não há resposta, sra. Prince. E colocou
- - -
o papel no bolso.
-
Uma carta de um alfaiate; acredito que ele soube de nossa partida.
Foi uma boa desculpa, e Eustace não fez mais perguntas. Continuaram
o Jogo.
Lá fora, Saunders conseguia ouvir o relógio da sala sussurrando os segun-
tempo ouviu-se uma leve batida à porta; parecia vir da parte mais baixa.
-
Quem é? Eustace perguntou.
-
Não foram as folhas, idiota. Era alguém batendo à porta disse Eustace, e
-
-
do William F. Harvey
Um canivete. Ela vai tentar abrir a janela puxando trinco com lâmina.
-
o a
-
Bem, deixe que ela tente Eustace disse. Esses trincos são virados
- -
para baixo. Não podem ser abertos desse jeito. De qualquer maneira, vamos
fechar as persianas. É sua vez, Saunders. Já joguei.
Mas Saunders não conseguiu concentrar-se no jogo. Não conseguia
compreender Eustace que, repentinamente, parecia ter perdido o medo.
O que me diz de bebermos um pouco de vinho? ele perguntou.
- -
-
Você parece estar levando essas coisas sem problemas, mas não consigo
deixar de dizer que estou me sentindo amedrontado.
-
Não há o que temer. Não há nada de sobrenatural sobre essa mão,
Saunders. Quero dizer, ela parece ser governada pelas leis do tempo e do
espaço. Não é o tipo de coisa que se esvai no ar ou que atravessa portas.
E uma vez que é assim, eu a desaho a entrar aqui. Deixaremos este lugar
pela manhã. Eu, de uma vez por todas, me livrei dos medos. Encha seu
copo, homem! As janelas estão todas fechadas, a porta também está fe-
chada e trancada. Perdoe-me, meu tio Adrian! Beba, homem! O que está
esperando?
Saunders estava em pé com seu copo meio erguido.
Ela pode entrar ele disse, assustado. Ela pode entrar! Nós nos es-
- - -
quecemos. Há uma lareira em meu quarto. Ela vai descer pela chaminé.
-
Rápido! -
disse Eustace, correndo para o outro quarto. -
Não temos
tempo a perder. O que podemos fazer? Acenda a lareira, Saunders. Dê-me
um fósforo. Rápido!
Eles devem estar no outro quarto. Vou pegá-los.
-
óleo daquela velha lamparina este algodão. Agora o fósforo, rápido! Tire
e
mas com um cobertor. Não adianta! Não consigo! Você deve abrir a porta,
-
naquele momento pensou ter visto algo negro e carbonizado saindo vaga-
rosamente das chamas, em direção a Eustace Borlsover. Por um momento
ele pensou em voltar para junto de seu amigo, mas o barulho o cheiro de
e
banheiro ele deveria ter pensado nisso antes para pegar água. Ào entrar
-
-
preender bem, pois tinha de encobrir não apenas os próprios erros, mas,
também, os erros de um amigo morto. Da tragédia final ele, a princípio,
não queria falar; foi apenas aos poucos que eu consegui juntar os pedaços
da narrativa mostrada nas páginas anteriores. Saunders relutou em tirar
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porque o rapaz não conseguiu ajudá-lo a viver para ajustar umas contas
quaisquer com Borlsover".
Do ponto de vista da evidência contemporânea direta, a história de Saun-
ders é praticamente impossível de ser comprovada. Todas as cartas men-
cionadas na narrativa foram destruídas, com exceção do último recado
que
Eustace recebeu, ou melhor, que ele deveria ter recebido, mas que foi in-
terceptada por Saunders. Eu mesmo vi. A caligrafia cra fina c trêmula, a
o
Olá, Morton -
ele disse, dando-lhe um tapinha nas costas. -
Como a
vida o está tratando?
-
Muito mal, sr. Saunders -
Não, senhor, ainda não, mas encontrarei um dia. Eu sempre disse a eles
-
-
Um animal com cinco dedos Saunders disse. Esta tarde, como está
- -
no viveiro dos répteis, acredito que será um réptil com uma mão. Na próxima
semana, será um macaco praticamente sem corpo. O pobre velhote é mate-
nalista de nascença.