Você está na página 1de 2

Stalin, Lenin e o marxismo-leninismo – Valentino Gerratama.

“Sobre o papel desempenhado por Stalin na construção daquele momento da história do


marxismo, que recebeu o nome de marxismo-leninismo, não subsistem dúvidas: trata-se,
certamente, de um papel relevante, se não mesmo exclusivo. Opiniões diferentes existem, ao
contrário, sobre a contribuição que pode ter provindo diretamente de Lenin, fora da mediação
staliniana, na seleção de métodos e conteúdos da tradição marxista-leninista”. (P.221)

“A uma tal diversidade de opiniões, pode ser também remetida a questão de saber se se deve ou
não reconhecer uma relação de homologia entre o modo pelo qual Stalin se liga ao pensamento de
Lenin e o modo pelo qual Lenin se liga ao pensamento de Marx”. (P.221)

“Em primeiro lugar, o fato de que a expressão lembrada revela uma relação emocional com o
marxismo. Com isso, não se quer dizer que, no primeiro e no segundo caso, trata-se
necessariamente da mesma coisa: uma situação emocional está na base de toda dimensão ética,
mas também do particular aspecto degenerativo da ética religiosa que é o fanatismo
supersticioso” (P.222).

“Por outro lado, é verdade que também Lenin – apesar de sua firmeza na luta teórica contra o
fideísmo e na recusa da sacralização da ciência – parecia disposto a uma certa indulgência, em
homenagem a necessária flexibilidade da tática, diante do uso de metáforas linguísticas tendentes
a sacralizar o socialismo em função das exigências de divulgação popular. Falar do socialismo como
de uma religião representa em todo caso, segundo Lenin, um “distanciamento do marxismo”: mas
uma coisa, acrescentava e se quem fala assim é “um agitador” que quer se fazer entender pela
massa, e outra coisa é se quem faz é “um escritor” que teoriza sobre o socialismo: o que é lícito
para um, não o é para outro. A mesma tese (“o socialismo é uma religião”) poderia, portanto,
apresentar-se de forma divergente: “para uns, como uma forma de transição da religião ao
socialismo; para outros, do socialismo à religião”. A resolução desta divergência em uma espiral
que, da religião, leva ao socialismo, retorna à ligação (ainda que a religião secularizada do
marxismo-leninismo), tal resolução faz parte do quadro de referência da experiência staliniana.” (P.
223)

1. A polêmica sobre o “Que fazer?”

Da religião ao socialismo é, literalmente, o percusso político cultural do Josip Djugashvili – mais


tarde conhecido pelo nome de Stalin – na última década do século passado. A rígida educação
religiosa imposta em uma atmosfera de conformismo autoritário, como a respirada pelo jovem
aluno na escola paroquial de Gori (1888-1894) e no seminário de Tífilis (1894-1899), podia se
tornar um ótimo caldo de cultura para a rápida maturação da mais radical rebeldia. (P.224)

Para Stalin, todavia, o que será determinante na especificação do seu papel histórico é,
indubitavelmente, sua relação com Lenin. De resto, é exatamente a partir do início de tal relação
que se pode dispor de precisas fontes documentais para avaliar o pensamento staliniano fora das
cômodas reconstruções das diversas lendas de partido ou das testemunhas orais de dúbias
credibilidade (sobretudo quando se trata de testemunhos dados com grande distância de tempo).
(P.224)
Na realidade, Lenin explicará mais tarde – em 1907 – por que não considera oportuno, naquele
momento, replicar às críticas de Plekhanov ao Que Fazer?, mas sua explicação irá exatamente na
direção oposta pretendida por Stalin. Já no II Congresso do Partido, diante das acirradas
contestações às teses do Que Fazer?, Lenin tinha se recusado a defendê-las detalhadamente, na
letra de cada afirmação singular, e tinha recorrido pela primeira vez à fórmula da “curvatura do
bastão”. E agora, em 1907, reconhecendo explicitamente que certas expressões do seu opúsculo
eram “formuladas de modo não inteiramente feliz ou não inteiramente preciso”, esclarecia que o
significado do Que fazer? Não ia além da polêmica com o economicismo, a qual fora partilhada
pelo próprio Plekhanov. A fórmula da “curvatura do bastão”, portanto, era retomada e reforçada, a
fim de advertir contra qualquer mal entendimento de suas posições:

No Que Fazer?, tenta-se acertar o bastão curvado pelos economistas, disseu eu (…); e, exatamente,
porque consertamos com energia a curvatura, nosso “bastão” será sempre o mais reto. O sentido
das palavras é claro: o Que Fazer? Corrige polemicamente o economicismo, e considerar o seu
conteúdo fora da tarefa a que ele se propunha é errado. (P.226)

Ao contrário do axioma leniniano – ponto de partida do Que Fazer? - segundo o qual “sem teoria
revolucionária não pode existir movimento revolucionário”, para Plekhanov o movimento operário
é em si revolucionário, razão pela qual não poderia de chegar ao socialismo, ainda que sem a
direção da teoria revolucionária, cuja tarefa consiste apenas em acelerar o movimento e tornar-lhe
mais rápido o caminho.

Você também pode gostar