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COGNIÇÃO: CONCEITO,
OBJETO E ESPÉCIES
Após a análise dos aspectos ligados à teoria geral do D ireito Processual,
passa-se ao estudo das três espécies adm itidas de m ódulo processual, com e­
çando-se pelo m ódulo processual de conhecim ento, ou cognitivo. Esse tipo de
m ódulo processual é assim denom inado por ter, com o atividade preponderan­
te, a cognição, objeto de atenção nesse m o m en to .1
Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, aná­
lise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, form ar juízos
de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las.2 Trata-
-se de atividade com um a todas as categorias de m ódulo processual, em bora se
revele predom inante no m ódulo cognitivo.
Explique-se esse conceito: a finalidade essencial do m ódulo processual
de conhecim ento é a obtenção de um a declaração, consistente em conferir-se
certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirm ado pelo dem andan­

1 É de se notar que a denominação “processo de conhecimento” (ou, como prefiro dizer aqui,
mais genericamente, módulo processual de conhecimento) é típica da linguagem dos proces-
sualistas brasileiros e italianos. Não é, porém, a mais freqüente entre os juristas portugueses,
que preferem designar essa espécie de processo pelo fim básico a que se destina, qual seja, a
declaração da existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante, razão pela qual
se fala, naquele país, em processo declarativo. Assim, por todos, Fernando Luso Soares, Direito
processual civil, p. 211.
2 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 41; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo
civil”, p. 207.
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te em sua petição inicial. Para prolatar o provim ento capaz de perm itir que se
alcance essa finalidade, é preciso que o juiz exam ine e valore as alegações e as
provas produzidas no processo, a fim de em itir seus juízos de valor acerca das
m esm as. A essa técnica de análise e valoração é que se dá o nom e de cognição.
A cognição é elem ento essencial para a adequação do processo às ne­
cessidades do direito m aterial, com o facilm ente se com preenderá quando da
análise das diversas espécies em que a m esm a pode ser dividida.
D iscute-se em d o u trin a qual é o objeto da cognição. N ote-se, antes de mais
nada, que o conceito de objeto da cognição não coincide com o de objeto do
processo, já estudado, sendo certo que este é m ais restrito, e encontra-se con­
tido naquele.3 O que se busca aqui é saber sobre o que incide a atividade cog­
nitiva do juiz, havendo profunda dissensão en tre os au to res que trataram do
tem a em definir os com ponentes desse objeto.
H á q u e se referir, em prim eiro lugar, aos au to res que defendem a ideia
de que o objeto da cognição é um binômio, 4 form ado pelos p ressu p o sto s p ro ­
cessuais e pelas "condições da ação”.5 De o u tro lado, encontram os os defen­
sores da ideia segundo a qual o objeto da cognição judicial é form ado p o r um
trinômio de questões: "condições da ação”, p ressu p o sto s processuais e m érito.6
N ão se pode, ainda, deixar de referir a teo ria segundo a qual o objeto da
cognição seria um quadrinômio: p ressu p o sto processual, su p o sto s processuais,
"condições da ação” e m érito da causa.7
A questão que ora m e ocupa já m e preocupou antes, a p o n to de te r elabo­
rado, a seu respeito, ensaio já aqui referido.8 Reitero, agora, a ideia ali enuncia­
da, de que o objeto da cognição é, sim, form ado por um trinômio de questões, mas
não o trinôm io tradicionalm ente enunciado. Em vez de falar em pressupostos

3 Sobre a distinção entre objeto da cognição e objeto do processo, consulte-se Freitas Câmara,
“O objeto da cognição no processo civil”, p. 222, esp. nota de rodapé n° 30; Dinamarco, “O con­
ceito de mérito em processo civil", Fundamentos do processo civil moderno, p. 204.
4 Entre estes destaca-se, sem sombra de dúvida, a figura maior de Chiovenda, Instituições de
direito processual civil, vol. I, p. 69.
5 Nunca é demais recordar que Chiovenda defendia uma concepção concreta da ação, o que
o levava a considerar que as “condições da ação” eram os requisitos para obtenção de um jul­
gamento favorável, aí incluindo, portanto, a existência do direito substancial afirmado pelo de­
mandante.
6 Essa é, sem dúvida, a doutrina dominante. Assim, entre outros, Buzaid, Do agravo de petição
no sistema do Código de Processo Civil, p. 90; Dinamarco, O conceito de mérito em processo civil, p. 205;
Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 51; Machado Guimarães, Estudos de direito processual civil,
p. 99; Luís Eulálio de Bueno Vidigal, “Pressupostos processuais e condições da ação”, Revista de
direito processual civil, vol. VI, 1967, p. 5-11; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II,
p. 177.
7 Neves, Estrutura fundamental do processo civil, p. 199.
8 Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, passim.
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processuais, "condições da ação” e mérito da causa com o com ponentes do objeto da


cognição, parece-m e m ais acertado falar-se que os com ponentes de tal trinô-
m io são questões preliminares, questões prejudiciais e questões referentes ao mérito da
causa (objeto do processo).9
Em prim eiro lugar, a m eu sentir, devem ser apreciadas as questões preli­
minares. Estas são um a espécie de questão prévia, assim com preendida toda e
qualquer questão que deva ser apreciada antes do m érito da causa. E ntre as
questões prévias encontram -se duas espécies: preliminares e prejudiciais.10 As
prim eiras, com que m e preocupo nesse m om ento, são aquelas questões pré­
vias cuja solução pode im pedir o julgam ento do objeto do processo.11 Assim,
por exem plo, a análise das questões sobre as "condições da ação”, ou das ques­
tões sobre o processo (entre as quais se situam os pressupostos processuais e
os im pedim entos processuais, en tre o u tras), são prelim inares, visto que sua
resolução pode im pedir a apreciação do m érito, extinguindo-se o processo sem
que este seja resolvido.
São prelim inares as questões enunciadas no art. 301 do CPC, cabendo
ao réu alegá-las na contestação, sob pena de responder pelas "custas do re­
tardam ento ”. Registre-se que, no art. 301, são incluídas duas questões que
não se enquadram propriam ente n o conceito apresentado de prelim inares: a
incom petência absoluta e a conexão (aí utilizado o term o em sentido am plo,
abrangendo tan to a conexão stricto sensu com o a continência). Essas duas ques­
tões não chegam jam ais a im pedir a apreciação do m érito da causa, razão pela
qual são denom inadas preliminares impróprias ou dilatórios.12
N ote-se, aqui, q u e a inclusão das "condições da ação” e dos pressupostos
processuais (e dem ais questões sobre o processo) n u m a m esm a categoria não
im plica negar sua diversidade ontológica. Já ficou claro, ao longo da exposição
de m inhas ideias, que "condições da ação” e pressupostos processuais são ca­
tegorias distintas, da m esm a form a com o são distintos os in stitu to s da ação
e do processo. O que pretendo é, tão som ente, a inclusão dessas categorias
ontologicam ente distintas n u m a única categoria q u an to à cognição judicial,
um a vez que am bas têm um elem ento em com um , qual seja, o fato de serem
am bas questões que devem ser apreciadas antes do objeto do processo, e cuja
resolução pode im pedir a apreciação deste.
U ltrapassadas as prelim inares, o que significa dizer que é possível a apre­
ciação do objeto do processo, passa-se à segunda espécie de questão prévia, a

9 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil", p. 208.


10 Sobre as questões prévias como gênero, de que são espécies as preliminares e as prejudiciais.
Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil [de 1939], tomo IV, p. 63.
11 Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, p. 29-30.
12 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil”, p. 209.
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prejudicial. Entra-se, nesse m om ento, no segundo elem ento com ponente do


trinôm io de questões que com põe o objeto da cognição judicial.
Q uestão prejudicial é a segunda espécie de q u estão prévia, e pode ser
definida com o o an teced en te lógico e necessário do ju lg am en to do m érito
(questão prejudicada), e que vincula a solução deste, podendo ser objeto de
dem anda a u tô n o m a.13 Trata-se, com o se verifica facilm ente pela definição
apresentada, de q u estão que deve ser apreciada antes do objeto do processo,
o que justifica su a inclusão com o elem en to d istin to do m érito no objeto da
cognição judicial. A prejudicial é um a q u estão prévia ao m érito e cuja solução
terá forte influência n a resolução do objeto do processo. Exem plo tradicional
é o que se tem na "ação de alim en to s”, em que o au to r alega ser filho do réu, e
este co n testa a preten são do dem andante, negando a filiação. A ntes de julgar
a pretensão do autor, com o facilm ente se deduz, caberá ao juiz verificar se ele
é ou não filho do réu. Essa q u estão não integra o objeto do processo, sendo a
ele an terio r (questão prévia, p o rtan to ). Salta aos olhos, porém , que a solução
que se dê à prejudicial influirá no ju lg am en to da pretensão.
N ote-se que o juiz não julga a questão prejudicial, m as tão som ente dela
conhece. Isso explica por que, p o r exem plo, afirm a o art. 469, III, do CPC que a
resolução da questão prejudicial não é alcançada pela coisa julgada. Essa afir­
mação contida na lei fica m ais clara quando se sabe que só pode ser alcançado
pela coisa julgada aquilo que é julgado, e isso não ocorre com as prejudiciais,
que são apenas conhecidas. O juiz apenas conhece incidenter tantum das prejudi­
ciais, e não principaliter.14
A questão prejudicial pode ser interna (quando surge no m esm o processo
onde será apreciada a questão prejudicada, com o ocorre no exem plo anterior­
m ente aventado, da "ação de alim entos”), ou externa (quando su a apreciação se
dará em ou tro processo, o q u e ocorreria, por exem plo, se a negação de p ater­
nidade do exem plo aventado tivesse ocorrido em "ação negatória de paternida­
d e”). Pode, ainda, ser classificada em homogênea (quando pertence ao m esm o
ram o do D ireito que a questão prejudicada, e m ais um a vez cito o exem plo
referido da "ação de alim entos”, um a vez que a obrigação de alim entar e a fi­
liação pertencem , am bas, ao m esm o ram o d a ciência jurídica: o D ireito Civil) e
heterogênea (quando a prejudicial pertence a ram o do D ireito diverso da questão
prejudicada, o que se dá, por exem plo, quando n u m a dem anda fundada no Di­
reito Civil surge um a prejudicial de inconstitucionalidade de lei).

13 Antônio Scarance Fernandes, Prejudicialidade, p. 53; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no
processo civil”, p. 218.
14 Será visto mais adiante que há uma possibilidade de o juiz conhecer principaliter das ques­
tões prejudiciais, hipótese em que a postulação referente a estas será julgada e, por conseguinte,
alcançada pela autoridade de coisa julgada. É o que se dá quando existe "ação declaratória inci-
dental" (arts. 5o, 325 e 470 do CPC).
Cognição: Conceito, Objeto e Espécies 311

Após a análise de eventual questão prejudicial que ten h a surgido no


processo, passa-se ao terceiro elem ento do objeto da cognição, qual seja, o
conjunto de questões referentes ao m érito da causa, ou objeto do processo
(o Streitgegenstand da d o u trin a alem ã). Esse conceito já foi analisado anterior­
m ente, sendo de lem brar, apenas, que o m érito da causa nada m ais é do que a
pretensão m anifestada pelo au to r em sua dem anda. Em outras palavras, após
a apreciação das qu estõ es prévias, passa o juiz a apreciar o m érito, ou seja, a
julgar o pedido do au to r.15
Registro, porém , e desde logo, que resolver questões não é julgar, mas
algo que se faz a cam inho do julgam ento. Julgar é concluir, e só se consegue
chegar à conclusão depois de resolvidas todas as questões. É preciso, então,
que o juiz conheça de todas as questões de m érito, e as resolva, para que possa
proferir seu julgam ento sobre a pretensão do dem andante. Essa observação
deve ser feita para que se possa, depois, voltar ao p o n to (quando do estu d o dos
elem entos essenciais da sentença).
Após conceituar a cognição, e depois da exposição de seu objeto, há que
se p assar à classificação da cognição, analisando-se cada u m a de suas espécies.
A inda aqui não há consenso doutrinário, em bora se possa verificar um a certa
uniform idade n o pensam ento da m aioria dos au to res que trato u do tem a.
U m a prim eira ten tativ a de classificação da cognição foi feita por Chioven­
da, que reconhecia a existência de um a cognição ordinária ao lado de outra, su­
mária.16 Para esse au to r h á um a espécie ordinária de cognição, q u e seria "plena
e com pleta”, na qual o juiz teria "por objeto o exame afundo de todas as razões
das partes, ou seja, de todas as condições para a existência do direito e da ação
e de todas as exceções do réu ”.17 Ao lado dessa prim eira espécie, reconhece
Chiovenda u m a cognição sum ária, incom pleta, "quando o exam e das razões das
partes ou não é exaustivo ou é parcial”.18
A cognição sum ária, para este autor, poderia se m anifestar de três formas:

a) na condenação com execução provisória, quando se adm ite que


u m a sentença condenatória, ainda sujeita a recurso, produza o efei­
to de abrir cam inho para a instauração da execução forçada;

15 Note-se que, como julgar o mérito é julgar o pedido do autor, caberá ao juiz, quando da pro­
lação da sentença de mérito, julgar procedente ou improcedente o pedido (e não a ação, como se
vê todos os dias na linguagem forense, e até mesmo na obra de diversos processualistas). Não se
deve falar em “ação procedente” ou em “ação improcedente”, uma vez que não é do julgamento
da existência ou inexistência do poder de ação que se trata aqui. O que está sob julgamento,
quando da apreciação do objeto do processo, é o pedido formulado pelo demandante. Admitir-se
como corretas as expressões aqui criticadas implicaria fazer-se uma concessão inadmissível às
teorias concretas sobre a ação.
16 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 174-236.
17 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175.
18 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175.
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b) na condenação sob reserva, quando se adm ite que o juiz possa p ro ­


ferir sentença condenatória, reservando o exam e de determ inadas
exceções do réu para m om ento posterior; e
c) no procedim ento m onitório, q u ando a lei adm ite que se possa or­
d enar um pagam ento antes de ser ouvido o pretenso devedor.

Ter-se-ia cognição sum ária nos três casos, sendo a cognição não definitiva
(na hipótese sub a), parcial (na hipótese sub b) ou superficial (na hipótese sub
c ).19 N as três espécies de cognição sum ária, ter-se-ia com o objetivo a antecipa­
ção da execução, razão pela qual deu Chiovenda a essas m edidas provenientes
de cognição incom pleta o nom e de "declarações com predom inante função
executiva”.20 Adm itia, ainda, Chiovenda, haver cognição sum ária, em razão da
urgência, para concessão de m edidas provisórias, acauteladoras ou não.21
Essa classificação da cognição, em bora extrem am ente lógica, e tendo
sido defendida pelo m ais influente en tre todos os processualistas, não recebeu
acolhida da m elhor doutrina. É realm ente preferível adotar-se o u tra form a de
classificação, proposta no Brasil pelas vozes m ais autorizadas que trataram do
tem a.22 A ssim é que a cognição deve ser exam inada em dois planos, o horizontal
(da extensão ou am plitude) e o vertical (da profundidade).
N o plano horizontal, em que se verifica a am plitude da cognição judicial,
o que se busca é saber qual a extensão com que são analisados os elem entos
com ponentes do objeto da cognição. Fala-se, assim , em cognição plena (quando
todos os com ponentes do trinôm io são apreciados) e limitada (quando ocorre
algum a restrição na am plitude da cognição). A prim eira espécie é a m ais fre­
qüente no m ódulo processual de conhecim ento, já q u e o princípio da econom ia
processual im põe se busque a existência de um processo capaz de assegurar o
m áxim o de vantagem com o m ínim o de dispêndio. A ssim sendo, na m aioria
dos processos cognitivos o objeto da cognição é inteiram ente analisado pelo
juízo, com o q u e se garante que a sentença resolverá a questão subm etida ao
crivo do judiciário da form a m ais com pleta possível.
Exem plo da segunda espécie, em que a cognição é lim itada no plano
horizontal, restringindo-se assim a análise do objeto da cognição, é o que se
tem nas "ações possessórias”, em que - com o notório - não se pode exam inar
a existência do dom ínio (vedação da "exceção de dom ínio”). A ssim , p o r exem ­
plo, se for proposta um a "ação possessória” em que figure com o réu o p ro ­
prietário do bem , este não poderá alegar em defesa o dom ínio. A cognição é,

19 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 236-237.


20 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 237.
21 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 275.
22 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 83-91; Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória,
p. 21-27.
Cognição: Conceito, Objeto e Espécies 313

portanto, lim itada, restringindo-se à análise da posse. Fica aberta, obviam ente,
a via da "ação p etitó ria” para que aquele que se considere proprietário possa
fazer valer esse direito em juízo.
N o plano vertical, em que se busca saber a profundidade da análise dos
elem entos a serem apreciados pelo juiz, têm -se três espécies de cognição: exau-
riente, sumária e superficial.
A prim eira espécie é aquela em q u e a decisão judicial será proferida
com base em juízo de certeza. Cabe, aqui, um a explicação. É que to d o juízo
de certeza é, em verdade, um juízo de verossim ilhança.23 Tal se dá p orque o
juiz atua, em relação aos fatos da causa, com o o h isto riad o r em relação aos
fatos históricos, buscando reconstruí-los. A ssim é q u e o juiz, em sua ativida­
de cognitiva, afirm a que dado fato é verdadeiro q u ando alcança aquele grau
de convencim ento que lhe é outorgado p o r u m a m áxim a verossim ilhança. A
certeza a que se refere aqui, p o rtan to , não é u m a certeza psicológica, m as um a
certeza jurídica.24
A cognição exauriente, portanto, perm ite a prolação de um a decisão ba­
seada em juízo de certeza (jurídica), o que justifica a form ação da coisa julgada,
m anto que reveste de im utabilidade e indiscutibilidade o conteúdo dessa de­
cisão. Em outros term os, a cognição exauriente perm ite a resolução definitiva
da questão trazida ao crivo do judiciário, im pedindo, assim , o surgim ento de
processo posterior que ten h a o m esm o objeto.
As principais características da cognição exauriente são a existência de
um contraditório antecedente ao provim ento jurisdicional (eis que o juiz só
poderá form ar o juízo de certeza após ouvir as razões de am bas as partes), o
qual deverá se realizar nos term o s predeterm inados por lei, e n a possibilidade
de o provim ento assim proferido ser alcançado pela im utabilidade e indiscuti­
bilidade da coisa julgada substancial.25
A cognição exauriente, com o facilm ente se verifica, é freqüente nos m ó­
dulos processuais de conhecim ento, um a vez que a finalidade essencial destes
é, precisam ente, a obtenção de certeza jurídica q u an to à existência ou inexis­
tência do direito substancial afirm ado pelo dem andante.
A segunda m odalidade de cognição no plano vertical é a cognição sumária.
E sta se caracteriza p o r levar o juiz a em itir um provim ento baseado em juízo de
probabilidade. Cabe, aqui, o u tra rápida digressão. Os conceitos de possibilidade,

23 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, Opere giuridiche, vol. V,
p. 616.
24 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile", p. 617.
25 Essas as características apontadas para o que chama cognizione piena, e que corresponde ao
que aqui venho chamando cognição exauriente, Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile,
p. 601.
314 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

verossimilhança e probabilidade são, em verdade, m u ito próxim os, sendo m esm o


com um que sejam em pregados com o sinônim os. N ão parece, porém , que essa
seja a m elhor form a de se in terp retar esses term os. A ssim é que opto por dar
a esses três conceitos o sentido que lhes dá Calamandrei, em obra clássica já
referida: possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a
aparência de verdade; por fim, provável é aquilo que se pode considerar com o
razoável, ou seja, aquilo que d em o n stra grandes m otivos para fazer crer que
corresponde à verdade.26 A presentam -se, pois, esses três term os com o um a
escala em direção à certeza: a m ais tên u e das três figuras é a m era possibilidade
(capaz de excluir, apenas, os fatos im possíveis de terem ocorrido). U m pouco
mais forte é a verossimilhança (que se afigura com o aparência de que o fato ocor­
reu) e, por fim, a probabilidade, algo com o um a “quase-certeza”.
N a cognição sum ária, busca-se um juízo de probabilidade, devendo o
provim ento a ser proferido afirmar, apenas e tão som ente, que é provável a
existência do direito, ou seja, q u e h á fortes indícios no sentido de sua existên­
cia, convergindo para tal conclusão a m aioria dos fatores postos sob o exame
do juiz. Tal provim ento, obviam ente, não poderá jam ais ser tido p o r im utável
e indiscutível, já que não é capaz de afirm ar a existência do direito, sendo,
portanto, incapaz de ser alcançado pela im utabilidade e indiscutibilidade de­
correntes da autoridade de coisa julgada substancial.27
São diversas as h ip ó teses em q u e o ju iz é cham ado a em itir provim en­
tos com base em cognição sum ária, en tre eles se d estacan d o as m edidas cau-
telares e a tu te la antecipada.28 A cognição sum ária é u m a técnica d estinada
a asseg u rar três escopos principais: econom ia processual, evitar o ab u so do
d ireito de defesa e busca de efetividade da tu te la q u an d o e s ta seja co m pro­
m etida pelo tem p o .29

26 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621.


27 Não concordando com o que vai no texto, afirmando a possibilidade de um provimento ba­
seado em cognição sumária alcançar a coisa julgada material, Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela
da evidência, p. 8-9. Registro, aqui, que o ordenamento pode estabelecer casos em que a decisão
proferida com base em cognição sumária, em razão de algum fato posterior, passa a se equiparar
a decisões baseadas em cognição exauriente. É o que se tem, por exemplo, no procedimento mo-
nitório, em que o provimento liminar, baseado em juízo de probabilidade, somado à contumácia
do demandado, permite a formação da coisa julgada material.
28 Sobre a natureza sumária da cognição em sede de tutela cautelar, para não multiplicar des­
necessariamente as citações, basta referir a principal obra já escrita sobre o tema: Piero Cala­
mandrei, "Introduzione alio studio sistemático dei prowedimenti cautelari”, Opere giuridiche, vol. IX,
p. 201. Sobre a índole sumária da cognição na tutela antecipada, é farta a literatura no Brasil.
Consulte-se, entre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113; Nery Júnior,
Atualidades sobre o processo civil, p. 61; Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145;
Marinoni, A antecipação da tutela na reforma do processo civil, p. 22-24; Freitas Câmara, Lineamentos
do novo processo civil, p. 62.
29 Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, p. 603.
Cognição: Conceito, Objeto e Espécies 315

É de se notar, p o r fim, que, em razão da diversidade conceptual anterior­


m ente apon tad a en tre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece cor­
reto afirm ar que a cognição sum ária perm ite um "juízo de verossim ilhança”.30
Este, com o se verá adiante, é o que se form a na cognição superficial, terceira e
últim a espécie de cognição no aspecto vertical.
A probabilidade, exigida na cognição sum ária, corresponde a um a "qua-
se-certeza”, razão pela qual se exige, nesse campo, a existência de algum a p ro ­
dução probatória.31 E à luz dessas provas, insuficientes para produzir um juízo
de certeza, m as capazes de convencer o juiz da probabilidade de existência do
direito afirm ado, que se p rolatará o provim ento judicial decorrente de cogni­
ção sum ária.
Afirme-se, para encerrar essa rápida exposição do conceito e das carac­
terísticas da cognição sum ária, que estou convencido de que a probabilidade
de existência do direito exigida para a prolação de um provim ento cautelar é
a m esm a que se exige para a antecipação da tu te la jurisdicional satisfativa.32
A terceira e ú ltim a das m odalidades de cognição qu an to à profundidade
é a cognição superficial ou rarefeita. E sta se caracteriza por levar o juiz a um juízo
de possibilidade (ou, pode-se dizer, a um ju ízo de verossim ilhança). É de se
n o tar que é aqui, na cognição superficial, e não na cognição sum ária, que ha­
verá verdadeiro juízo de verossim ilhança. A utilização indevida dessa palavra
no caput do art. 273 do CPC pode induzir o in térp rete em erro, um a vez que a
hipótese ali versada, tu te la antecipada, é exem plo típico de cognição sum ária.
V erossim ilhança, com o se sabe, é a aparência de verdade, sendo con­
ceito m ais rarefeito que o de probabilidade. O juízo de verossim ilhança, é de
se deixar claro, não é um juízo a ser exercido sobre os fatos, m as sobre as
afirm ações.33 O juízo de verossim ilhança, portanto, característico da cognição
superficial, se dá n u m prim eiro m om ento, o das alegações, antes de se iniciar
o procedim ento probatório. Trata-se de um juízo que se produz sobre um a
m áxim a de experiência, decorrente da verificação da frequência com que se
produz o fato alegado pela parte.34 O ju ízo de verossim ilhança, pois, difere do

30 Vários autores, porém, fazem essa equiparação entre probabilidade e verossimilhança, que
me parece errônea. Por todos, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113.
31 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24-25.
32 Já afirmei isso anteriorm ente, em Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 68.
No mesmo sentido, Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24, esp. nota de rodapé n°
30. Em sentido contrário, afirmando haver diferença de profundidade entre a cognição para
a tutela antecipada e para a tutela cautelar, entendendo ser a exigência para a tutela cautelar
mais tênue, Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145.
33 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621-622.
34 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 622-623.
316 Lições de Direito Processual Civil • Câmara

juízo de probabilidade, típico da cognição sum ária, pois este se realiza após a
produção de algum as provas.
A cognição superficial é típica das decisões lim inares em processo cau­
telar (m as não em todas as lim inares, visto que algum as são deferidas com
base em cognição sum ária, com o no caso do m andado de segurança) .35 Pode-
-se, pois, afirm ar que a decisão lim inar será deferida com base n u m a cognição
que, no plano vertical, encontra-se um "degrau” acim a daquela exigida para o
provim ento final do processo onde a m esm a é prolatada. Assim , por exemplo,
no processo de conhecim ento de rito ordinário, o provim ento final - a sen ten ­
ça - é proferido com base em cognição exauriente. C onseqüência disso é que
a lim inar antecipatória dos efeitos da sentença deverá ser deferida com base
em cognição sum ária (um "degrau” acim a). Já no processo cautelar, em que o
provim ento final é de cognição sum ária, a lim inar deverá ser proferida à luz de
um juízo de m era verossim ilhança, ou seja, cognição superficial.
Afirme-se, por fim, que as diversas m odalidades de cognição podem ser
com binadas n u m m esm o processo, sendo possível adm itir-se a existência de
processos com cognição plena e exauriente, plena e sum ária, lim itada e exau­
riente, e todas as outras com binações que se revelem possíveis en tre a am pli­
tu d e (plano horizontal) e a profundidade (plano vertical) da cognição.36

35 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 26.


36 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 85-86; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no
processo civil", p. 224-225.

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