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CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
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, A REVOLUÇÃO
.INACABADA A REVOLUÇÃO INACABADA
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Em A Revo.'ução Inacabada, Isaac Deuts
;cher procura esclarecer a marcha dos t
acontecimentos sociais e políticos, m. União
Soviética, que vai de 1917 a 1967. São r1
cinqüenta anos de revolução e de ação
construtora do mundo socialista. •.•
Isaac Deutscher é, sem dúvida, um dos
maiores conhecedores da história da re
volução de 17 e dos homens que a con
duziram à vitória e consolidaram o poder
soviético. Gozando de absoluta indepen
dência, sem sujeitar-se a nenhuma orga
nização partidária, pôde entregar-se a um
longo e paciente trabalho de pesquisa, de
exame e de análise que o levou a escrever
algumas das obras históricas mais impor-
tantes de nossa época.
A trilogia sôbre Trotski - O Profeta
Armado, O Profeta Desarmado e O Pro
feta Banido - acompanhada da biografia
· de Stalin e de vários outros trabalhos, cons
tituem uma obra monumental cuja leitura
é de todo imprescindível para o conheci
mento seguro e imparcial, livre de qual
quer falsificação ou de interpretação ten
denciosa, do que se passou, na Rússia,
desde a fundação do Partido Social De
í'
mocrático até a formação do govêrno atual,
após a queda de Kruschev.
Isaac. Deutscher morreu em 1967, su
1
bitamente, quando escrevia a vida de
Lênin que seria o comp'.emento, preen
chendo várias lacunas, de sua obra ante
rior. A biografia de Lênin ao lado das
biografias de Trotski e de Stalin dariam
uma visão completa de um período histó
rico tumultuoso e fascinante.
!1
il
A importância da obra de Isaac Deuts• ,
cher está no fato de ter permanecido fiel ·
à interpretação materialista da história.
Falando sôbre os críticos que o acusavam
de "marxista impenitente", Isaac Deutscher
declarou: "Sou marxista, decerto. . . O
marxismo, para mim, não é uma teoria in
falível. Isto não pode existir. Porém,
como visão do mundo e método de análi
se, o marxismo, em minha opinião, não
está em nenhum aspecto absoluto ou su
perado. Provàvelmente, isto acontecerá
algum dia também com êle, mas ainda es
tamos muito Ionge disso. As pessoas que
falam hoje sôbre 'marxismo anacrônico'
ainda não nos ofereceram nada que lhe
seja intelectual e politicamente superior."
Somente um marxista poderia escrever
a obra que êle escreveu.
A Revolução Inacabada focaliza com ori
ginalidade e segurança alguns problemas
em foco da revolução russa e de nosso
tempo. Problemas ainda não resolvidos
que exigem um exame científico e não <,',
uma explicação emocional ou burocrática.
A revolução iniciada na Rússia permanece
inacabada. Não se pode isolar a Rússia
do resto do mundo.
Isaac Deutscher estuda a correlação entre
a revolução chinesa e a revolução russa,
o papel histó.rico de Mao Tsé-tung, a sig
nificação política da desestalinização rea
lizada por Kruschev, a reação contra ela
e as perspectivas atuais do movimento
operário.
Exercendo uma forte sedução sôbre os
leitores pela luminosidade de seu estilo,
Isaac Deutscher apresenta uma revolução
inacabada, mas que tem sentido perma
nente.
EDMUNDO MONIZ
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A Revolução
Inacabada
(RÚSSIA 1917-1967)
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Tradução de
ÁLVARO CABRAL
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civilização
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Do original em inglês
THE UNFINISHED REVOLUTION
RUSSIA 1917-1967
publicado pela
OXFORD UNIVERSITY PRESS
Ely House, London W.1
Agradecimentos
Desenho de capa:
MARIUS LAURITZEN BERN
1968
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
1 ISAAC DEUTSCHER
Londres
março de 1967
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Índice
1. A PERSPECTIVA HISTÓRICA 1 ü
3. A ESTRUTURA SOCIAL 37
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INDECISÃO NA LUTA DE CLASSES 57/:::J
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6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS 93
I
A Perspectiva Histórica
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Está ainda em marcha. Poderá surpreender-nos por suas vio ram em 1917 foram-se extinguindo; e, certamente, por essa
lentas e súbitas reviravoltas. É capaz de redefinir suas pró altura, seus filhos e netos já disseram adeus às possessões dos
prias perspectivas. O terreno onde ·estamos penetrando é da ancestrais, mesmo em sonhos. As fábricas e minas que seus
queles que os historiadores têm mêdo de Ri§ar ou o fazem pais e avós uma vez possuíram, são uma parcela diminuta _da
amedrontados. · indústria soviética que desde então foi criada e desenvolvida
Para começar, temos o fato, que todos consideramos sob o regime de propriedade pública. A Revoluç.ão parece t :r
ponto assente, de que os homens que atualmente governam _
sobrevivido a todos os possíveis agentes de restauraçao. Nao _
a União Soviética descrevem-se a si próprios como descen só os partidos do antigo regime mas, também, os menchev1-
?ª
dent•es le ítimos do Partido Bolchevista de 1917. Contudo, ques e os revolucionários sociais, que domi�aram o �ena�10
essa circunstância dificilmente evena ser tomaaa por axio põITiico entre fevereiro e outubro de 1917, deixaram mu1�0
mática. Em nenhuma das revolu ões modernas com aráv ·s de existir mesmo no exílio, mesmo como sombras deles ro
com a convulsão na Rússia existe um recedente. enhuma p_tiQs. Sómente o Partido que o teve a vitória na insu�reíção
de as urou me10 século. Nenhuma delas manteve umacon de outubro ainda está aí, com todo o seu poder multiforme,
tinuidade comparável, mesmo relativa, nas instituições polí governando o país e ostentando a bandeira e os símbolos de
ticas, na política econômica, nos atos legislativos •e tradições 1917.
ideológicas. Pense-se apenas no aspecto que a Inglaterra apre Mas s·erá ainda o mesmo Partido? Poderemos realmente
sentava cinqüenta anos depois da execução de Carlos 1. Por falar da continuidade da Revolução? Os ideólogos oficiais so
essa altura, o povo inglês, tendo vivido sob o r•egime da Co viéticos proclamam que a continuidade jamais foi quebrada.
munidade, do Protetorado e da Restauração, e tendo deixa Outros dizem que só foi preservada em sua forma externa,
do para trás a Gloriosa Revolução, estava tentando, sob o como uma concha ideológica ocultando realidades que nada
govêrno de William e Mary, pôr em ordem - ou até. esque têm em comum com as elevadas aspirações de 1917. A ver
cer - tôda •essa rica e tempestuosa experiência. E nos cin dade parece ser, em minha opinião, mais complexa e ambígua
qüenta anos que se seguiram à destruição da Bastilha, os do que o sugerido por essas asserções conflitantes. Mas su
franceses derrubaram sua velha monarquia, viveram sob a ponhamos, por um momento, que a continuidade é mera apa
República Jacobina, o Termidor, o Consulado, o Império; viram rência. T•eremos de perguntar ainda o que fêz com que a
o regresso dos Bourbons e derrubaram-nos de nôvo para co União Soviética se apegasse a ela tão pertinazmente? E como
locar Luís Filipe no trono, cujo reinado burguês, no final da poderá uma forma vazia, não sustentada por um conteúdo
década de 1830, consumira exatamente metade das novas es correspondente, durar tanto tempo? Quando sucessivos líde�
peranças - a revolução de 1848 já assomava na distância. res soviéticos reafirmam sua fidelidade aos propósitos e an
P2f sua própria duração, a Revolução Russa parece tor seios originais da Revolução, não podemos tomar essas de
nar impossível a repetição de algo que se pareça com êsse clarações pelo seu valor superficial; mas também não as po
ciclo histórico clássico. E inconcebível que a Rússia chame demos rejeitar como inteiramente irrelevantes.
a1gum dia de volta os Romanovs, ainda que seja apenas para Também neste caso os precedentes históricos são ins
derrubá-los pela segunda vez. Nem podemos imaginar o re trutivos. Na França., a uma distância idêntica de 1789, não
gresso da aristocracia latifundiária russa, como regressou a ocorreria a nen.hum homem no oder a resentar-se como des
francesa, durante a Restauração, para reclamar as proprieda cendente e arat ou Robespierre. A França já quase esque
des, ou compensações por elas. Os grandes propdetários rurais cera . 0 grande papel criador que o jacobinismo desempenha
franceses estiveram exilados apenas uns vinte anos; contudo, ra em seu destino - recordava apenas o jacobinismo como o
o país para onde regressaram estava tão mudado que se sen monstro ue e tava orãetrás da uilhotina no ·as do Ter�
tiram •estranhos nêle e não puderam recuperar suas glórias ror. õmente alguns outrinários socialistas, homens como
passadas. Os latifundiários e capitalistas russos que se exila- 'Buonarotti ( êle próprio vítima do Terror), trabalharam pela
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reabilitação da tradição jacobina. A Inglaterra há muito fõra de. A herança da Revolução sobrevive, de uma forma ou outra,
empolgada pela sua repulsa contra tudo o que Cromwell e os na estrutura da sociedade e no espírito da nação.
puritanos representavam. G. M. Trevelyan, à dignidade de O tempo é r·elativo, evidentemente, mesmo na História;
cuja obra histórica rendo aqui o meu tributo respeitoso, des meio século poderá significar muito e poderá significar pou
creve como essa "paixão negativa" dominou os esplrltos in quíssimo. Também a continuidade é relativa. Pode ser na
glêses, mesmo ainda no reinado da rainha Anne. Desde o verdade, é - semi-real e semi-ilusória. · Está sõlidamente ali
final da Restauração, escreve êle, o mêdo de Roma renasce cerçada mas é quebradiça. 'f.em suas grandes bênçãos mas
ra; contudo, ·'os acontecimentos de cinqüenta anos antes foram também suas maldições. Em todo o caso, dentro do quadro
responsáveis por um mêdo correspondente do puritanismo, A da continuidade da Revolução, quebras profundas ocorreram,
deposição da Igreja e da aristocracia, a decapitação do rei e e espero examiná-los mais adiante. Mas a estrutura é suficien�
as leis rígidas dos puritanos deixaram uma impressão negati temente maciça e nenhum historiador sério pode destorcê-la,
va, quase tão formidável e permanente quanto a recordação ignorá�la ou permanecer-lhe imune. Não pode encarar os
da Bloody Mary e Jaime II". A fôrça da reação antipuritana acontecimentos dêste meio século como uma das aberrações
manifestou-se, de acôrdo com Trevelyan, no fato de,· no rei da História ou como o produto da maquinação sinistra de um
nado da rainha Anne, "dominar a concepção realista e an punhado de homens perversos. O que temos diante de nós é
glicana da Guerra Civil; os whigs escarneciam dela em par uma gigantesca, vibrante peça de realidade histórica objeti�
ticular mas só ocasionalmente se atreviam a contradizê-la em va, um des·envolvimento orgânico da experiência social do
público". 1 Certo, tories e whígs continuaram discutindo a res homem, u�a rasgada ampliação dos horizontes da nossa época.
peito da "revolução" mas os acontecimentos a que se referiam Refiro-me principalmente, claro, ao trabalho construtivo da
eram os de 1688 e 1689, não os da década de 1640. Dois sé Revolução de Outubro e não me desculpo por isso. A Revo
culos tinham de passar, entrementes, para que os in�ê�q- lução de Fevereiro de 1917 ocupa seu lugar na História
apenas como o prelúdio de Outubro. As pessoas da minha r.
�:çassem a mu�ar de o inião a. res eito da "Gran e Reb -
l l!fil) geração viram muitas dessas "revoluções de fevereiro": vi�
e a falar so re e a com mais res eito - como uma re
ct rrer para que es
!'._oluc;;ão; e ainda mais tempo teria deeco mo�Ias, em 1918, em outros países além da Rússia - na Ale�
a
tátua de Cromwell pudesse ser colocada diante da Câmara manha, Áustria e Polônia, quando os Hohenzollerns e os
dos Comuns. Habsburgos perderam seus r•espectivos tronos. Mas quem fa�
lará ho · e em dia da revolu ão alemã de 1918 como um im�
Os russos ainda se aglomeram diàriamente na Praça Ver portante acontecimento ormativo ·• te secu o. eixou intata
m_Eha, num espírito de quase veneração religiosa, pa� a antiga or em sacia e oi a enas um relúdio para a ascen-
tar o mausoléu de Lênin. Quando repudiaram Stálin e o des são do nazismo. Se a Rússia tivesse para o, o mesmo modo,
pejaram do mausoléu, não lhe despedaçaram o corpo, como na Revolução de Fevereiro e produzisse, em 1917 ou 1918,
os inglêses fizeram ao de Cromwell e os franceses aos des uma variedade russa da República de Weimar que razão
pojos de Marat; voltaram, tranqüila e silenciosamente, a en haveria para supor que nos recordaríamos hoje da Revolução
terrá-lo à sombra da Muralha dos Heróis, junto ao Kremlin. Russa?
E quando os seus sucessores decidiram renegar uma parte de Não obstante, alguns teóric9s e historiadores ainda en�
seu legado, fizeram-no professando que regressavam à origem caram a Revolução de Outubro como um evento quase fortuito.
espiritual da Revolução, os princípios e idéias de Linin. Sem Alguns /;lrgumentaram que a Rússia poderia muito bem ter sido
dúvida, tudo isso faz parte de um bizarro ritualismo oriental poupada à revolução se o tzar fôsse menos obstinado em
mas, subjacente, flui uma poderosa corrente de. continuida- insistir nas suas prerrogativas absolutistas e tivesse chegado
a um acôrdo com a leal oposição liberal. Outros dizem que
1 G. M. Trevelyan, England under Queen Anne, Blenheim, cap. III. os bolcheviques jamais teriam uma oportunidade se a Rússia
4 5
não acabasse envolvida da I Guerra Mundial ou se tlvess,e Não é preciso pressupor que o curso da Revolução Russa
abandonado a tempo a sua participação no conflito, antes da estivesse antecipadamente determinado em todos os seus por
derrota reduzir o país ao caos e ao desespl!ro. Os bolchevi menores ou na seqüência de tôdas as suas principais fases ,e
ques, segundo êsse ponto de vista, triunfaram por causa dos incidentes. Mas a sua direção geral não fôra fixada pelos
erros de cálculo cometidos pelo tzar e seus conselheiros, ou acontecimentos de um par de anos ou meses: fôra preparada
pelos homens que ocuparam o poder imediatamente após n sua pela evolução dos ·eventos de muitas décadas, de várias épo
queda: e pedem-nos que acreditemos terem sido �sRes erros cas. O historiador que se esforça por reduzir a montanha da
de cálculo e êsses equívocos ocorrências fortuitas, acidentes Revolução a um punhado de contingências, coloca-se diante
individuais de julgamento ou decisão. Que o tzar e seus con dela tal qual os líderes políticos que procuraram impedir a
selheiros cometeram muitos erros idiotas é verdade, evidente sua erupção.
mente. Mas só os comet,eram sob a pressão dn burocrncia
tzarista e daqueles elementos, na classe prlvHegladu, que Depois de tôdas as revoluções, os seus inimigos põem
tinham seus interêsses ligados à manutenção da monarquia. sem re em dúvida a sua le itimidade histórica - por vêzes
Os governos do regime de fevereiro, os_,9.overnos do Principe tentam fazê-lo mesmo ois ou três séculos mais tar'éle. Per
Lvov e de Kerens�i, ta_!!!P.Q.1;.l_ço eram age_1_g�J.ly_res. Mantiv,e mitam-me que recorde como Trevelyan respondeu aos histo
ram a Rússia na guerr�orque, tal como osgovernos tzaris riadores que ainda duvidav.am se a Grande R,ebelião fôra real
tãs, de endiam daqu�oderosos centros russos e estran mente necessária: "Era então impossível ao poder parlamen
g:ir�� �o capita1 fin��ceir�� tar ganhar raízes na Inglaterra por menos do que êsse cisma
�- es�a__y��--�frnte�ent,e determi
gY,
na._'g"_Qª-.�é:!...�ª füsse até ao.Tim.um mem.bro beligei·an nacional e apêlo à fôrça ... ? É uma interrogação que nenhu
te da Entente.Õs · erros de cãÍculo" estavam socialmente con- ma pesquisa ou especulação, por mais profunda, pode resol
ver. Os homens eram o que eram. imunes à influência da sa
J dicíOnactÕs. Também é verdade que a guerra expôs e a�a
vou dràsticamente as debilidades fataisdo anti o re I e. as bedoria tardia da posteridade, e assim agiram. Se um melhor
processo poderia ou não ter levado ao mesmo fim, foi à ponta
i ic1 mente se po eria sugerir sequer que õsse a causa de
cisiva dessa fraqueza. A Rússia fôra abalada pelos tremores de espada que o Parlamento realmente conquistou o direito a o
revolucionários antes da· guerra: as ruas de Peters r o o sobreviver como fôrça dominante da Constituição inglêsa" . 2
briram-se de barricadas no verão e 191 . om efeito, a Trevelyan, que neste ponto segue os passos de Macaulay,
eaôsão das hostilidades e a mobilização aralis Õ presta rigorosa justiça à Grande Rebelião, mesmo quando
luç.ão incipiente e retar aram-na por ois anos e m,el9, o que sublinha que deixou a nação "mais pobre e menos digna" du
apenas serviu para, finalmente, carregá-la de maior fôrça ex rant,e algum tempo, o que, infelizmente, num sentido ou noutro,
plosiva. Mes_!!!o gu_?__ Q_Q2�êrno do Principe Lvov ou de K,:e também é verdade sôbre outras revoluções, incluindo a russa.
re!l�f !ivess�_.i:_e.!!.!:�sl.2_2...E.ai�_gúerra:Tê-1ci;;fá' füfo s_q!:?.--con Ao acentuar que a Inglaterra ficou devendo sua Constituição
dis§§ de... uma_ crJse s�ci2-l tã -ei:Ofün.Oã-·e·grãv·e-� .0J:'ªr parlamentar, primordialmente, à Grande Rebelião, Trevelyan
tid2J2olchgyi_�ta__�ié!..Rt9.Y1Y.�-lme�}i véridâo.Làpês-al'. .de _tudo, adota um ponto de vista a longo prazo sôbre o papel dos pu
se,..�?.<?_gw..J.217, algy_rr.1, .t�ffi.PQ g,e_pois. Isto é apenas uma hi ritanos. Foi Cromwell e os puritanos, diz êle, que estabele
pótese, claro: mas a sua plausibilidade está agora reforçada ceram o 'rincípio da supremacia do Parlamento: e embora
pelo fato de que, na China, o _partido de Mao Tsé-tung <;,9n ê es próprios estivessem em esacor o com o prmcípio e pa
6 7
...----------------�-- --·•"•- ·--
Mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer da Revolução Parece-me que os discíeulos . de_ To�qu_ eville cometem
de Outubro. "Os homens agiram da maneira que agiram uma injusflç_a §lS_eE_mes_tre. Embora ·êle �}":Zasse_a_obra
Pº!.9-1:1�E-ã�odlall!-__ f.§:��:-1.� __<j� __Q!!!!'.9__�Q�o". Nuo podie1m criadora_E:,.<?_Eigin_a�--��-J:sçy_QJ.!l.<;.i!?
copiar seus ideais dos modelos de de1TI_Qç_1::aç1a _ parlamentar da _ ,. nãe> _!}_e_g_o\!_}1. S_llé:i nE:c�_ss\�!1-
de ou 1eg1timTciãde. Pelo contrario,_ ao cofoca-la na trad1çao
EurC>J)��tal. Foi à ponta de espada qu,e � btlv crnm p�a francesa, procurou "adotá-la", segundo seus próprios têrmos
os -Conselhos de Representantes dos Operário� e- Cnmponç_s�s . conservadores, e "incorporá-la" na herança nacional. Os seus
- e para o socialismo - "o direito de sobreviverem_como imitadores manifestam maior zêlo em -���0�_1'.��a_r _a. obra
li fôrça dominante" na Constituição soviética. E embora êles criadora-·eOrI_g!narctã._Revolução Russa do que elll ''é1d9tf!-:-la",
próprios reduzissem os Conselhos de Trabalhadores n uma sejam quais forem os têrmos eséõThidos. Mas ex_aminemos o
existência fantasmagórica, êsses Conselhos, os so,victcs, e suas argumento tocquevillesco mais minuciosamente. E óbvio que
aspirações socialistas, continuaram sendo as parcelas mais sig- nenhuma revoluç.ão sai do nada. Tôdas as revoluções operam
--0 11 nificativas da mensagem da Revolução Russa,_
no meio social que as produziu e com os materiais qu�
Quanto à Revolução Francesa, sua necessidade foi posta contram nesse meio. "Estamos construindo a nova ordem com ü
em dúvida ou negada por uma longa estirpe de pensadores os tijolos que a antiga ordem nos deixou",. dizia Lênin. Os
e historiadores, desde Burke, temeroso do contllgio jacobino, métodos tradicionais de govêrno, as aspirações nacionais vi-
até Tocqueville, desconfiado de tôda e qualquer democracia tais, um estilo de vida, hábitos de pensamento e vários fa-
(! moderna, e Taine, horrorizado pela Comuna de Paris, e con- tôres de fôrça e fraqueza acumulados - são êsses os "tijo-
,....... ]l tinuando com Madelin, Bainville e seus discípulos, alguns �os los". O passado reflete-se através da obra inovadora da Re
quais trabalharam depois de 1940, sob os olhares encoraJa volução, por mais audaciosas que as inovações possa_m ser.
dores do Marechal Pétain, no s,entido de Hguidar o espectro Os jacobinos e Napoleão continuaram, com efeito, edificando
da Revolução. Curiosamente, de todos êsses escritores, Toc o Estado unitário e centralizado que o regime antigo, até certo
queville desfrutou recentemente da maior voga nos palses de ponto, promovera. Ninguém enfatizou isso com mais veemên- P
língua inglêsa. Muitos dos nossos ,estudiosos mais esclareci eia do que IGrl Marx, no seu 18th Brumaire, que apareceu
dos tentaram modelar a sua concepç.ão da Rússia contempo alguns anos antes do Ancien Régimie, de Tocqueville. E é
rânea pela obra de Tocqueville, L'Ancien H.égimc ct la H.é igualmente verdade que a Rússia teve a sua arrancada con-
volution. São atraídos pelo seu argumento de que a Revolu creta para a industrialização no reinado dos dois últimos tza-
ção não se afastara radicalmente da tradição política francesa; res, sem o que o rápido ingresso da classe operária no cená-
que se limitara a seguir as tendências básicas que estiveram rio político não seria possível. Ambos os países, portanto, rea
em ação no regime antigo, em especial a tendência para a lizaram no ancien régime alguns progressos em várias dire-
centralização do Estado e a unificação da vida nacional. Do ções. Isto não significa que o progresso continuass•e sempre
mesmo modo, prossegue o argumento, a União Soviética, na de um modo "ordeiro", sem a gigantesca "perturbação" re
medida em que tenha alguma realização progressiva a seu volucionária. Pelo contrário, o que estava destruindo o an-
crédito, deu meramente continuidade à obra de industrializa cien régime era precisamente o progresso realizado sob o
ção e reforma que fôra iniciada pelo r,egime antigo. Se o tza mesmo. Longe de tornar a Revolução supérflua, fê-la ainda
rismo sobrevivesse, ou fôsse substituído por uma república mais necessária. As fôrças do progresso estavam de tal modo
democrática burguesa, essa obra prosseguiria, de qualquer comprimidas no espartilho da antiga ordem que teriam fa
modo; e o progresso seria mais ordenado e racional. A Rússia talmente de explodir. A luta francesa pelo Estado unitário
poderia tornar-se a segunda potência in?ustrial do mundo fõra um conflito crônico com as barreiras criadas pelos parti
sem pagar o terrível preço que os bolchevistas cobraram, sem cularismos de origem feudal. A crescente economia burgu_!-
ter de sofrer as expropriações, o terror, os baixos níveis de
vida e a degradação moral do stalinismo.
"'ª da França exigia um único mercado nacional, uma classe
C�mJ)onesa livre, o1ivre trânsito de homens e mercadorias; e
8 9
l,ukhcviqucs tinha a fôrça política e a autoridade moral para
o regime antigo só podia satisfazer essas necessidades dentro
dos mais estreitos limites. Como diria um marxista: as fôrças ohtcr da classe trabalhadora os esforços e sacrifícios que a
produtivas da França cresceram muito mais do que as rela Industrialização exigia. Nenhum possuía as perspectivas e
ções feudais de propriedade e já não podiam ser contidas na 111l'ntalidade modernas, a determinação e capacidade que a
1 concha da monarquia Bourbon, que conservava e protegia til refa requeria. ( O Conde Witte, com seus planos ambicio
essas relações. Hos de reforma, foi a exceção que confirmou a regra: e, como
Primeiro Ministro. e Ministro da Fazenda, foi pràticamente
Na Rússia, o problema era semelhante mas mais com boicotado pelo tzar e a burocracia.) Parece inconcebível que
plicado. Os esforços realizados em. tem2:os tzaristas para mo qualquer regime não iner•entemente revolucionário fôsse capaz
dernizar a estrutura ·aa-V1cta·-nâciõnãfJ��!D:-:�1.§_gg�q.cJ.9Üe.lo de erguer uma naç.ão camponesa e semi-analfabeta a algo
denso resíduo de feudal. is�o. o subdesenvolvimento e f�Agi que se aproximasse sequer do nível atual ôe des•envolvimento
licTade da burguesia, �__J:iíl!g��--?U�QC:r_�t_ic:a, C> . sistema arcaico 1•conômico e educação da Rússia soviética. Neste pontó, o
d�vê�,!_!O e.J'.9.!J!.½:!1!.1.2 .!'.!1.ªê .Jl.�9_II].�Il_Qê_!II].p_e>,r.(ã,:ní�, ·a. ·Í;iepen marxista dirá também que as fôrças produtivas da Rússia
dê_!_!C:(�-��<lmka._ ��--Rússia em relação ao capital �strangei- progrediram o bastante, sob o antigo· regime, para estourar
o 1:2: o grande império erà; ·i10 rcinâcto dôS 'iihimOs RQman.QYS, com a antiquada estrutura social e sua superestrutura po
lltica.
meio império e meio colônia. Acionistas ocidentais detinham
"'
•
90% das minas russas, 50% da sua indústria química, mais Contudo, não �.§ig �anismo eco.QQ!!!ifQ...l!U.12�?,!i-
de 40% das indústrias metalúrgicas e 42 % das ações de co que R1.'..Qfi!!za a. desmtegração .final de. uma velha ordem es
bancos. O capital doméstico era escasso. A renda nacional tnbel�ç�_Qfl__QU _garanta O, _êxito_ de... um_a�ã�-Üm ·si�te-
ínfima, em relação às necessidãêles modernãs. rvfais de me ma social obsoleto poêlera estar declinando durante várias dé
tãcief;rovinhiclaTavoura, que era profundamente retrógrada cadas e a maioria da nação não estar sequer cônscia disso. A "
li e pouco contribuía para a acumulação de capital. Dentro de consciência social está sempre em atraso, relativamente ãc;'
· limites, o Estado forneceu, com o dinheiro dos impostos, os 1,er social. As contradições objetivas do antigo regime têm
1 nervos da industrialização; construiu estradas de ferro,. por de traduzir-se em têrmos subjetivos, em idéias, aspirações e
exemplo. Mas, em sua grande maioria, a expansão industrial paixões dos homens que os impulsionem à ação. A essência
dependia do capi@L�anqeirQ.. Contudo, os inv,estidores es 11
trangeiros não tinham um interêsse contínuo em reinvestir seus d�_r�_yolução, disse Trotski é "a intervenção direta das massas
elevados dividendos na indústria russa, especialmente quando nos eventos históricos". Por causa dessa intervenção - um
os caprichos de uma burocracia obstinada •e a agitação social fenômeno tãd' real e tão raro na História - é que o ano de
os dissuadia. A Rússia só pôde iniciar sua "arrancada" indus 1917 foi tão notável e importante. A grande massa do povo
trial, para usar a expressão do Prof. Rostow, amparada nos foi avass_a@da pela mais intensa e premente consciência de
recursos de sua agricultura e graças aos esforços extraordi, d�1:tegração e 9odrecimento na ordem estabelecida. A per
nários de seus próprios trabalhadores. Nenhum dêstes requi cepçao veio súbita. A consciência teve um sobressalto que a
sitos podia ser preenchido sob o antigo regime. Os ovemos colocou a par da existência e· impulsionou a transformação
tzaristas dependiam demasia�o dos financiamentos oci entais desta. Mas também êsse sobressalto, essa mudança súbita na
para que pudessem defender contra o capital alienígena os psi�ologi� das massas, não proveio do nada. Foram pr,ecisas
interêsses nacionais da Rússia; ·e eram por de�udalis m_tntªs decadas de fermento revolucionário e lenta evolução
tas, em suas bases e relações sociais, para libertarem a la das idéias - foi necessário o nascimento e morte de muitos
voÜra das garras paralisantes da aristocracia rural ( de ·cujo partidos e grupos - para ue se roduzissem o clima olíti-
m"éio era oriundo, inclusive, o Primeiro Ministro do primeiro co e moral, os líderes, os partidos e os méto os e ação de
govêrno republicano de 1917). E nenhum dos gov,ernos pré- 1917. Pouco ou nada houve de fortuito em tudo isso. Suben-
]O 11
J5JL
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í'I
tendido neste meio século de Revolução, avulta todo um sé� das. A Lei de Emancipação de 1861 isolou de nôvo. por con- /1
li culo de�forcos revolucionários. seguinte, os radicais e revolucio�s; e, com efeito, prote
'"' A crise social em que a Rússia tzarista se debatia, m� lou a Revolução por mais de meio século. Entretanto, o�
festou�se no contraste violento entre sua posi>ão e importância blema agrário continuou sem solução. Os servos foram eman�
cÕmO-gii.nde otência e a fra ueza arcaica de sua estrutura cipados mas não receberam terras; e tiveram de contrair
s�l, entre os esp endores do império e o escalabro das suas grandes dívidas e d,e sujeitar�se a trabalhos forçados como
instituições. Bsse contraste foi pôsto a descoberto, pela pri� meeiros, para poderem continuar lavrando a terra. O modo
meira vez, com o triunfo da Rússia nas guerras napoleôni� de vida da nação continuava anacrônico. ::€sse estado de
cas. Seus espíritos mais corajosos foram impelidos à ação. cóisas e a opressão autocrática impeliam cada v,ez maiores
Em 1825, os decembristas levantaram�se em armas contra o contingentes de novos intelectuais à revolta, à ventilação de
Tzar. Era uma elite aristocrática, intelectual; mas tinha contra novas idéias e à experimentação de novos métodos de luta
ela a esmagadora maioria da nobreza. Nenhuma classe socia.1 política.
,� na Rússia era capaz d,e promover o progresso da nação. As Cada grupo sucessivo de revolucionários extraía de si
cidades eram poucas e de caráter medieval; as classes médias próprio a sua fôrça combativa; e para cada um dêles havia
urbanas, os comerciantes iletrados e os artesãos, eram politi� um impasse esperando no final do caminho. Os narodniks
camente negligent,es. Os servos�camponeses revoltavam-se es ou populistas, inspirados por Herzen e Bakunin, Chernishe
poràdicamente; mas, depois da derrota d,e Pugachev, não y_skí e Lavrov, eram, objetivamente, a vanguarda dos campo�
houve mais nenhuma ação em larga escala que tivesse por fi neses militant,es.lMãs quando apelaram para os mujiques e
nalidade a emancipação dos servos da gleba. Os decembristas tentaram abrir-lhes os olhos para a fraude da emancipação
O 11 eram revolucionários sem uma classe revolucionaria que os e para os novos processos pelos quais o tzar e os latifundiá�
apoiasse. Foi essa a sua tragédia; e seria a tragédia de tõdas rios os mantinham sujeitos, os ex-servos recusaram-se a le�
as gerações sucessivas de radicais e revolucionários russos, vantar um dedo ou a escutar sequer os seus líderes. Não foi
quase até ao final do século XIX; em diferentes formas, a raro entregarem os .narodniks nas mãos dos gendarmes. Uma
tragédia projetar-se-ia também na época pós�revolucionária. classe social oprimida, com enorme potencialidade revolucio
Recapitulemos sucintamente seus principais atos e moti nária, atraiçoava assim a sua própria elite revolucionária; Os
vos. Antes da metade do século Xlb fizeram sua aparM;;ãP sucessores dos narodniks, os narodnovoltsi, abandonaram a
novos r;idlcãlse- revolucionárJo.31 9.s_ f!!:�.11o_tchint$i. Proy1E_hJ3_m aparentemente inútil busca de uma fôrça popular revolucio- /r
dasclãssesmédias em lento crescimento; muitos ,eram filhos nária na sociedade. Decidiram atuar sozinhos como os man
de servidores públi�os e de padres�· Também erem. r�v_olucio- datários de um povo oprimido e mudo. Seu terrorismo poll�
1 nários em busca . de uma . cla,sse revolucionária. A burguesia ticamente inspirado tomou o lugar do populismo agrário de
. ainéfâ' �r·a negllgénte.
- õs" funcionãdos e padres mostravam-se sêus antecessores. O propagandista ou agitador da era anterior,
aterrorizados com o comportamento de seus filhos rebe]des. que "se dirigia ao povo" ou tentava até viver entre os cam�
A gente do campo era apática e passiva. Apenas um setor poneses, foi substituído pelo conspirador solitário, tacitur
da nobreza favorecia uma certa medida de reformas, nomea no, heróico, com a sugestão de umSuper�homem determina
damente, os senhores rurais, ansiosos por adotarem os méto do a vencer ou morrer, tomando sôbre si a tarefa que a nação
dos modernos de lavoura, por se lançarem na indústria e no era incapaz de r,ealizar. O círculo cujos membros assassina- ,,,
comércio internacional, e que por isso d,esejavam ver abolida ram Alexandre II em 188 f consistia em pouco mais de duas
a servidão, liberalizada a administração do Estado e a edu v1ntenas de homens e mulheres. Seis anos depois, uma dúzia
cação. Quando Alexandre II, cedendo à persuasão daquel,es, de moços, apenas, entre êles o irmão mais velho de Lênin,
Ü aboliu a servidão, obteve para á dinastia, por êsse mot�Y.Qr__a formava o grupo que planejou um atentado contra a vida de
11 �delidade inabalável dos camponeses durante várias déca- Alexandre III. ::€sses grupos diminutos de conspiradores man�
12 13
tiveram o império gigantesco em suspenso e fizeram histó depois. Eram inspirados por uma fé quase mess1anica em
ria. Contudo, se o fracasso dos populistas das décadas de sua missão revolucionária e na da Rússia. Quando, por úl
1860 e 1870 demonstrara a irrealidade da esperança de que timo, os marxistas subiram ao primeiro plano, herdaram uma
se conseguisse a sublevação dos camponeses, o martírio dos grande tradição e uma experiência ímpar; avaliaram ambas
narodnovoltsi da década de 1890 expôs, uma vez mais, a im� criticamente. Mas também herdaram certos problemas e di
portância de uma vanguarda que agia sem o apoio de quais- lemas.
quer classes sociais básicas. Essas ex eriências ne atiy_é!�..J�n Os marxistás começaram, como tinha de ser, pela nega�
'/ sinaram lições inestimáveis aos revo ucionanos as d�fª_qas ção das tradições populistas e terrorist<!§, Rejeitaram o "so
seguintes - e, nesse sentido, não foram infrutiferas. A moral cialismo agrário", a idealização sentimental dos camponese:::,
extraíaa por Plekanov, Zasulich, Lênin., Martov e_§� as versões radicais de eslavofílismo e a idéia quase messiâni
maradas, foi a de que não deviam atuar como UillEl_ vanguªr ca da missão revolucionária ímpar da Rússia. Repudiar am o
da isolada mas procurar o apoio de uma_cl�s��- revolüc:i_oná terrorismo, a autoglorificação do intelectual radical e a elite
ria - e procurá-la mais além� camponeses. :Entrementes. conspiradora e auto�suficiente. O�taram p�a organização de
Õinício da industrialização russa iria resolver-lhes êsse pro m�kamente orientada, o partíêlo e os sindicatos, e pelas
blema. Os propagandistas e <!9:.!�clores 1!8,!Xistas. � geElção modernas formas de ação das massas proletárias. Essa ati�
de Lênin encontraram ... - . entre os ....operários das
sua---audiência tude, "estritament,e" ou mesmo exclusivamente proletária e
1 novas fábri
cas:-·-----·-- descrente dos camponeses, era característica nos primórdios
Devemos notar a dialética transparente dessa prolonga do Partido Social Democrático russo; e manter�se�ia típica
da luta. Temos, primeiro que tudo, a contradi ão entre a ne dos mencheviques, no seu mdhor período. Mas o movimento,
cessidade social e a consciência social. enhuma necessidade ao_E§l� as;ão,..Jl--ª.9 EOderia ,basear:�?...l!_�ga_<i!º.�Ji�tr_ata
ou interêsse poderia ter sido mais elementar do que a fome das tradições revolucionárias nativas tinha de absorver o
dos camponeses e sua ânsia de terra e liberdade; e nenhuma que !'..�-ª!?. Jíavia de vitâl e transcend�jp.s. Foi o bolchevis- ,,
consciência social poderia ter sido mais falsa do que aquela mo que realizou essa tarefa e fê�Io muito antes__4�_l91J. Os
que permitiu aos camponeses contentarem-se, por meio sé bolcheviques herdaram· dos populistas sua sensibilidade em
culo, com uma Lei que, embora os emancipasse da escravidão relação aos camponeses e dos narodnovoltsi sua agressivida�
física, lhes negava terra e liberdade - uma consciência que de concentrada e determinação conspiratória. Sem êsses ele
induziu gerações de mujiques a esperar que o Tzar-Batiush- mentos, o marxismo na Rússia não passaria de uma planta
11 k2 * corrigisse seus erros. Essa discrepância entre neces exótica ou, na melhor das hipóteses, uma excrescência teóri
sidade e consdência estava na raiz das muitas metamorfo ca do socialismo da Europa Ocidental, como foi na brilhan-
ses sofridas pelo movimento revolucionário. A lógica da si te obra d,e Plekanov ou nos escritos da juventude de Lênin.
tuação produziu êsses modelos opostos de organização: a A aclimatação russa do marxismo foi, sobretudo, uma façanha !T
elite conspiradora e auto-suficiente, por uma parte, •e o mo� d�n. :Ble produziu a síntese da dÓutrina c:om -ª.._t_!'ad�� 0
vimento das massas orientadas, por outra; tipos ditatorial e n�insistiu na neces_sidadLdos operários, a fôrça motora
democrático de revolucionários. Convém igualmente nota r 9 da �ão, ganhar•em aliados nos camponeses; e atribuiu aos
ri papel especial, exclusivo e histõricamente efetivo que a intel intelectuais e à elite revolucionária uma pesada função educa�
lige.ntsia desempenhou em tudo isso - em nenhum outro tiva e organizadora do movimento das niãssas-trabalhadoras.
país encontramos algo que se lhe compare. Geração após ge �ss': �íntese foi a epí�e de um século de esfo_rç�u�
ração, atacaram a autocracia tzarista e espatifaram a cabeça c1onarios russos.
contra suas paredes, preparando o caminho para os que viessem • -se-eu parasse aqui, ter-vos�ia dado uma visão unilateral
dos elementos que participaram na feitura da Revolução. Em
" "Paisinho Tzar". - ( N . do T. ) bora seja costume, no Ocidente, tratar o bolchevismo como
14 15
um fenômeno purament·e russo, será difícil exagerar a contri tão excelente consciência de tôdas as formas e teorias dos
buição que a Europa Ocidental lhe deu. Durante todo o sé movimentos revolucionários no mundo como nenhuma outra '
culo XIX, o pensamento e ação revolucionários da Rússia pessoa então possuía".
Em 191 7 e nos anos seguintes, não só os líderes mas
J foram, em todos os seus estágios, decisivament•e influenciados também a grande massa de operários e camponeses russos
pelas idéias e movimentos ocidentais. Os decembristas per
tenceram, não menos do que os carbonários, por ex•emplo, à viram a revolução não como o problema da Rússia, apenas, mas
ressaca européia da Revolução Francesa. Muitos dêles foram, como parte da convulsão social que abrangia tôda a humani
após a queda de Napoleão, jovens oficiais das tropas russas dade. Os bolcheviques consideravam-se os campeões de, pelo
de ocupação, estacionadas em Paris; e o contato com a revo menos, uma revolução européia, cujas batalhas travavam nas
lução, mesmo derrotada, foi suficiente para incendiar-Ilies o fronteiras adentais da Europa. Os próprios mencheviques
espírito. Os Petrashevtsi, Belinski e Herzen, Bakunin e Cher alimentaram essa convicção, e expressaram-na eloqüentemen
nishevski, entre tantos outros, foram formadospelos �Q!!ie te, E não só os russos se viam a essa luz. No comêço do
cimentos de 1830 e 1848, pelo socialismo francês, a Jilºsofia século atual, Karl Kautski, princi ai teórico da Internacional
afomã, especialmente Hegel e Feuer,bach, e pe� E:conomia__Q.9- Socialista, traçou esta perspectiva: ' •epicentro da revolução
lítica britânica. Depois, o marxismo, consüOstan�iando tôd-ªs está se deslocando do Ocidente para o Oriente. Na primeira
essas influências, fêz a sua estupenda_ cônquista intelectual metade do século XIX estava situado na França, por vêzes
dos radicais e mesmo dos liberais russos. Não admira-que os na Inglaterra. Em 1848, a Alemanha ingressou nas fil.eiras
apologistas do tzarismo denunciassem o socialismo e o mar das nações revolucionárias. .. Agora os eslavos ... aderem às
xismo como produtos do ocidente "decadente". Não só Po suas fileiras e o centro de gravidade do pensamento e ação
bedonostsev, o rude pregador do obscurantismo e do pan-es- revolucionários está se transferindo, mais e mais, para a Rús
, \1 lavismo, não só Dostoievski, mas o próprio Tolstói, repudia- sia". "T.end�- a Rússia r•ecebido do Ocidente tanta�ua
ram as idéias do socialismo em tais têrmos. E não estavam iniciativa revolucionária, poderá agora, por sua vez, tornar-se
equivocados, em absoluto: quer o Ocidente deseje recordá-lo uma fonte de energia revolucionária para o Ocidente", co
ou não, investiu uma boa parcela de sua própria herança es mentou Kautski, a respeito do contraste com a situação em
piritual na Revolução Russa, Trotski escreveu certa vez a res 1848, quando a Primavera dos Povos, na Europa Ocidental,
peito do "paradoxo" do fato de que, enquanto a Europa Qci foi tolhida pela "áspera geada da Rússia"; agora, a tempes
dental "exportou a sua mais avançada tecnologia para os Es tade russa poderia ajudar a limpar a atmosfera no Ocidente.
- Kautski_�creveu -��J�.�l�yras aci�E;� � pa�a._él re
tados Unidos ... ª2'-:!ª- m? _��ªvançada ideologia fºi exporta
da para a RQ�.5ia ... " Lênin assinalou omesmo, de um modo vista Iskra, d.�.:êiu.e.Lêni.n.:.:e.ra..C.O:.:edf.fur; e tal impressão cau�
claro e vigoroso, ao dizer: " ... no decurso de quase meio sé saram em Lênin que, quase vinte anos depois, citou-as com
culo, entre as décadas de 1840 e 1890, o pensamento pro irônico deleite contra o seu autor, agora furioso pelo cum
gressista da Rússia procurou àvidamente. .. a correta teoria primento de sua profecia. De fato, a previsão era ainda mais
revolucionária e acompanhou com notável zêlo e meticulosi portentO§�qº qt1E: Ka_ut��i .�l! �!_:tlJn2��C_E!,!:>_�r_füll. Vimõs'como,
dade tôdas as 'últimas palavras' que nos chegavam da Eu em nossa época, o epicentro da revolução deslocou-se ainda
ropa e da América. Com efeito, a Rússia chegou ao marxis mais para Leste., da Rússia para a China. Um historiador
mo.. . através de sofrimentos, angústias e sacrifícios extre cõíitqueda para as -generalizações grandiosas poderia extra
mos ... aprendendo, experimentanâo na prática ... e empe polar a perspectiva esboçada por Kautski e traçar uma linha
nhando-se num estudo comparativo da experiência da Eu mais ampla, ilustrando o avanço da revolução para Leste no
ropa. Em virtude do tzarismo nos ter forçado a levar uma curso de três séculos. A linha poderia começar na Inglaterra
existência de emigrado, a Rússia revolucionária . . . tinha no puritana, cruzar tôda a Europa, atingir a China e, finalmen
seu comando uma tal riqueza de contatos internacionais e uma te, rematar na orla sudeste da Ásia,
16 17
Contudo, semelhante gráfico pode ser enganador: pode
sugerir um curso da História demasiado linear e fortemente
predeterminado. Mas seja qual fôr o grau em que o curso
t_enha sido determinado ou não, é evidente que possui sua
coerência e lógica intrínsecas. Goethe afirmou, certa vez, que
a história do conhecimento é uma grande fuga, em que as
vozes das várias nações aparecem umas após outras. Poder
se-ia dizer o mesmo da história da Revolução. Não é a sin
fonia mundial que alguns dos grandes revolucionários espe
ravam. Nem é a melodia de solos discordantes, a cacofonia
·que os filisteus ouvem. É antes, a grande fuga �I!l-qu�as
vozes das várias nações, cada uma com suas próprias espe 2
ranças e desesperos, pi:rticiparn_su��sivÊ_f!l _e :g__ �.----
Quebras na
Continuidade Revolucionária
20 21
paganda marxista, a recordação ainda fresca da s lutas _de
merciantes da
muitos dos emp resários industriais e grandes co o e a opor 190�, a tradição de um século dee�fu�ços re�
Rússia eram de origem camponesa; e, co m o temp v lu�1onanos e a coerência Sin ular de JJ:rOpósitos dos -boi-) 1
tun idade ou a s circun stância s
favoráveis, os campones·es po �
c ���q e
ues, prepa ra ram os _tr_él�_aJ adores pa ra o seu papel. To
ma c a e de emp resários m uito mais nu
deriam te gerado
r u l ss a�am c?mo ponto assente a finalidade socia li sta da Revo
foi que, em ru
merosa e moderna. A maior ironia de tudo isso o 0���9.a �ª.º· Nao se c_o�tentavam c om al@__que não acarretasse, no
gu� s, nE!! m sm n�mo: a. aboliçao da exp loração capitalista, a s ocia lizaç ão O
1917, nenhum dos partidg�_ b ur e e
desde o princiEio, os a�E_ e � to s so c iali st a s da re v o lg��Q __ � s- ª 1_·mens1·da- o da Rus , sia rural se acotovelava para adquiri r pro-
priedades, enq_uanto os trabalhadores das duas capitais luta
,, pertaram suas suspeitãs, mêOo e hostilictade. vam _por_ ab?l�-la; não só a revolução socialista estava em
nte pela
A revolução socialista f0_ apoiada s incerame peque� conflito 1mp lic1to com a b. urguesa; além disso, estava também
a c n i ía ma
, classe t rabalhadora urbana. Mas est o st tu u
pulação que rep eta de cont radições internas. A Rússia estava e não esta- 1,
na minoria da nação. Totalizava um s,exto da poreclond9.s; e va adura para a r,evolução socialista. M ostrava-se mais apta
s
vivia nas cidades, vinte milhões em numero roletária. O a d� e ro ta r suas _tarefas negativas d o que os p ositivas. Guia-
s, só m ade p d a s r d escrita como p �
dês te et o eri e
imo, em ârca do pelos b0Jç_�ev1ques-2_ p roletariado expropriou o s caQitalis
núcleo da classe trabalhadora consistia, no máx _ tas e transf en u o poder 2ara os S(?Viete� mas não pôde es
11as ingús�
de três milhões de homen s e mulhe�s �mpregado§.
, trias -modernas. Os marxistas calcularaJI! _ q�- º �-� ª lhag_o �a�eiecer uma economia e um modo de vida socialista nem
c dé!_ Q�_ _ça o1 �apaz de �_anter por muito temPQ a sua posi ção p� lítica
res industriais seriam a fôrça ma is � ca d� o ie �
cfa v ç socia}ista. Os dommante.
pitalista, os princip ai s � e n te s_ re olu ão
sob ra es s a es perança. . No in�cio, o caráter duali sta da revolu窰 f oi, como se "'- 0
trâbalhadores rus sos j ustificaram de
Nenhuma classe da sodedade russ a e n enhuma cla sse tr aba�
o, atuou com a ener-
�1sse, a on�em a� sua fôrça. Se uma rev oluç ão Oü rguesa ti�
lhadora, em qualquer ou t ra pa rte d o m u nd \ esse ocorrido mais :edo ( o� se, na época da Emancipação,
or ganização e o
1 gia, a inteligência política, a capacidade de ei:1 _ l 86 ! , os servos libertos tivess em recebido terras em con-
he roísmo com que os oper,ários russo s ag ir am em 1917 e d!çoes J ustas), os camponeses ter-se-iam convertido numa
er a civil. A� c n ânc i�a )nd.ústria f� rça cons_er.vadora; teriam f eito oposiç,ão acérrima à revol u-
depoi s, durante a gu r u st
r. russa moderm�consi stir..!ll\Y!..fH�queno número de__fáb ricélS _g i _ çao proletana, como acontecera na Europa Ocidental, parti
gan,t_�çaS.-,,COllC.,�_:Qíradas 12riJJ.9P.a lm e n t�--- e� -P 1etro g.
s na s duas cap i
r adg __ e cularmente na França' durante o se'culo XIX. o· seu conser-
Moscou, deu aos trabalhadores concentraclo óprios centr_<:>s vadonsm · o poder ia. ter, então,_ inf luenciado os próprios . tra.ba
tais um extraordinário podercte ataque nos p dore s urbanos, mmtos dos quais tinham suas raízes n o cam-
r
�lgf� ô ,
s']Q_ :�__nff .9.ii: egítif é-:- Uua s· - aeca aas de. iíffensivã p�o:-
nevr
23
22
po . U ma or d �m bur � uesa ter�se -i a r·evestido de um pod er
mui tíssimo ma is estabiliz .ado d o �ue O detido p elo re gime se
r
/_
e a bastada pro
d1920 e 1930· e as consequenci as ensomb ra� .
��sJ� cura contemporiz ar, entrar
. em com binações ou pôr t
movimento .revol u êrmo ao
. 1· tudes ao drama são multo conh ec1ºd as. cionário, j ustamente q uand
e
ria soviética . As' v1. c1ss o
béia s, desesperadas por tan s ple
Lênm, · em seus últimos anos, t 'EE: �o����=-=-��T.:��-;:;-;:
t u resolver o dilema pacifi- ta f ome e privaçõ
as ma
es, faz em pres
ssa
livre comércio .
o
Os ple beus d escobr iram
lavoura. Divorciou a revol uç� ao so cial ista da burguesa
==--- - ··� -·mediante então q ue as sua
s conq uistas revo
luciõnárias foram falsifica
1 o""'aríiqu ilamento d�egu � d - �. das, q ue a Libert�a. mer
a liberd ade do tra amente,
Karl M arx e seus d isc1pulos alimentava m esperanças de balhador vender a sua fôr
ça laboral �e
que t
a os a.t
evoluç a
sos propo s
- <;>
it�� 1 t , . fôsse imune às convul so- es febr.
: ��: acessos de irracionalidad e �ue ca
is,
Egalité significava_p�er disc
cado de trabalho, em têrmo
utir com o seu patr
s nominalment·e ig uai
ão, no mer
s . N a Ingla
terra, foi o momen
to em q ue os "cava
racter iz ar � m a r�v� 1uç a - o bur uesa Tinh am em mente, e cla ro, res " d es cobriram
dores" e os "n ivela do
J � o poder da propriedade na
o u ç ao s a "f rma pura "; e partiram do Comunidad e. A
_ desilu são foi cruel. urgi
S ram brech as no
a r 1 e
prmc �1p�10 de q i� :t::co:r1er�a em país•es industriais avan ça dos, c,;ão. Os líderes são dilacera partido da revolu- ,
com um alto m, ve,1 de de senvolvimento econômico e c ultural dos por lealdades conflitan 1
a intensidade da tes. E
paixão e da a ção, que foi,
da sociedade . É f ac1·1 comparar ( mas també m é irrelevante ) s.ão revolucionária, a sua durante a as cen�
fôr ça criadora, converte-s
fôrça destrutiva, no perí
1 Foi essa a atitude f'.redom . a te e nhora a própria classe camponesa o do de estagna ção
e de clínio. Tam-
e numa
m b ,
estivesse dividida em ncos e po res_ ; e uenos grupos de camponeses bém en contramos muito di
sso na RússiaL ime
esclareci'dos tiv essem formado ·cpat19-va e acôrdo próprios coope- u gu �-ª...f!Yil, q uando � diatamente apó s
, , por 1n1 1 . ,, . sse camponesa_fo
rç ou�-º--il-C>.Y:�no
rativas e comunas agncolas, 1ogo a pós a Revolução e nos pnnc1p1os da d e Lên.ip. a_J;u·oclamar_"o re
;,_Qeito pela _p r.opri�dadçp,
década de 1920 ·
o in tiY..ada .....e
°.�.�_?; ir .EJ(Y.LÇ__C::Q.iTIÇ[.çi,o, enq
11.��!.°.._gu:�. �-222.:!i�.fü�.-�
re tr
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25
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r ária �E._Il.C!9.!-.L
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ta�s... :tàdfa?
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.
o o uma ra .
d · -':...rn-----···-· · t·- .içã-. . --
o ao soc al s social num mod o de produçã o q ue não é inerentemente social,
e tão incongruente e anacrônico q uanto a manutençã o do con
t -
en contrava or trôle pr ivado ou se cional sô bre um processo produtivo que é
ID..�-�o_01a-� p uro em 2E-.�que a-Revoluçã o Russa setambém apanha- social .
e por que í f i
nou-se ainda ma1,:' gr.av °u�l quer revolução social o
is Na Rússia, essa condição prévia e b ásica do socialismo
a s o
faltou tal como deve faltar em q ualq uer outro p aís subdesen
1 oes
, su bdesenvo1v1·do . Ma
ta q u: ocorr e 1:u1? pais
ala
e amadurece .P.º-...Y�!l.tE��a volvido . A lavoura, em q ue mais de três quartos da pop ula
Q.Çill hsmo q ue c re sce
ia d ssia, a re- ção ganhava a vida, foi pulverizada entre 23_ ou_24 mi lhões de
de_r-se-i. a d'zer que na Rú
e s
11 s ociedade burguesa. P oveio u� a I fase m�ito prematur a da
e mbr o
p�uenos ro ri etári9 s, c�Jados pelas fôrças ,espontâneas
a inter
volução soci alist � t r tempo de amadurecer
. d��o . A in ústria nacionalizada era um pequen o en clave
gravidez, mui�o an.tes do rp , nessa primitiva e anár q uica economi a. Isto significava q ue �
1 o;:�• m: s t ampouco foi
O resultado nao fo1 um na::
um co o
Rússia não possu!a um outro requisit��� cial.. do socia!is
viável de socialismo . e rroguem so -bre O q ue os mar - mo : uma aOundância d,e ben s e ..§.�Y-iç_<;>s q ue a sociedade .sl�ve
Talvez os l,eitores se int co m essa met'afora· A q ues- ter _s_�_gyis�r....sat.is.fo�_e.r - nun.1�!�y§_ciQ....!J:í_yel __d_e._ çiy_m�élS:ªº
ente
xistas q uerem d.i zer exatam ª o nosso tema ,e - incidental- --··,.·a··--·-·--·. ·--·-"···- ····-·--··-- ......., ........... ., ·-·"·····--· ·- ..�-
- as n ecessidades dos seus membros de um modo o mais nró-
nt l v nt e P
tão é cer t m �t 0 .1 dade ocidental, também . xim o 'possíve1 a igua!dade. Ainda nã o há muito tempo, a in-
a e e re e a
mente - par a os p : : ��derna. tendo substituído dústria russa não estava capacitada para p roduzir os artigos
roble1:11d
ú st i
M arx descreve como ª mã o-de-ob ra de q ue q ualq uer nação moderna requer para o seu fun ci onamen-
os artesã os e f aze
nde.irosm.mdependentes pelaro cesso pelo q ual to normal . C ontudo, o socialismo nã o pode ser fundado sôbre 1•
ou dessa mane.i ra t
odo p
assalari ados, alter . da O pr ocesso de produção trans - carên ci as e p obrez a . C ontra isso, tôdas as suas aspirações re
o
o h omem su ste nt v
a ' d.e atividades ind
ividuais � des- s uTtarã o impotentes. A escassez acarreta, inexoràvelmente, 2
a sua 1
formando-o, de uma mass etiv a e agr egada a cargo o e um desigualdade. Onde nã o houver alimentos em q uantidade su
vidade col
conexas n,uma ati C�m a divisão do ficiente, vestuár io e casa p ara todos, uma minoria apanhará
ores associ· ados·
grande numero e produt d
, i co as nos sas fôrças p
rodutl- . o q ue puder; o resto p assará fome, vestirá. andraj os e a glo
trabalho e o progresso tecn:!�; interdependentes; e acabam merar-se-á em favelas. Tudo isto i ria acontecer fatalmente
v as tornam-se cada vez g� ad as, ou tendem a ficá-lo , numa na Rússia.
por ficar socialmente inte mterna . 1 g isso precisamente Além disso, o verdadeiro ponto de partida foi um com
escala n acional ..ou
mesmo d��f: · _·0 ,erií'br1ãõcfô so pleto desastre. Depois dos anos de guerra mundial......g�a
.. çã d pr pro
i iz �tt· :Bsse tipo �o- civ:�!__e intervençã o estrangeira, �9.!!en a indústri��--ª
oce 0
al a o o
.Z
co
vado, mesmo c?mo os móve is p_ara aquecer a casa . triezenas de mi lhões de cam
1v � desorg aniza um
nimas da atualidade: d��d d , o q ual necessita
ser concret a e poneses foram at�id os PE:!ª . fome· e vA,gueavam __p elo__ Qgís
e mtegr
ci al essenci alment em Eusca de conilOa . Os p oucos mi lhões de op erári os q ue
a o
racionalmente integrad_o. contra o capitalismo assenta, so- ocuparamasbarr icadas de 1917 andavam di spersos e de ixa
A acusaça- o marxista o. O
não ex�1�s1v . amente nesse argumento de ram de existir como fôrça social coesa. Os mais bravos pe
bretudo, embor a . � xi t vê n p len r eceram na guerra civil; muitos assumiram postos na nova
mesmo é aplicável ao_ soc soei�
o
prin
a
nd ministraçã o, no exército e na polícia; grandes contingentes
r s
.� . do processo produtivo a , o
iahs o o m
27
26
naram-se declassés e f
oram t ragados pelo m
ercad o ne g ro.
r perigos do poder na socieda de pós-capitalista - não foi sem
t
mat iv altu ra em que motivos �u e s onharam com a •eliminação do Estado . Eu, pelo
F oram estas as circ unstâncias f or de 1920 est vam t ntan
as na
d � : menos, nao conheç o livro algum que m ais aprofunde as raízes
o da dé ca a
os bolcheviqu es, no iníci
1
idá- lo . A o fa ze-lo , nao pu da corrupção pelo poder do que o State and Revolution de
do d ar forma ao regim e e con sol
consideravam a vanguar
Lêni� ( es�rito de um modo algo escolástico e dogmáti�o ).
deram confiar na classe de q ue se a senhora do nô o E s ' Havia, p0 1s, um elemento trágico na arriscada aventura bol
:v
d a , a classe que , supostamente ,
era
mocr a�ia, º, �gente 1mp�es c� eviq� e : t�da a sua pro fun da e agu da consciência do pe
t ado, 0 esteio principal da nova de sum1r
cindível do socialismo. Essa class ção bu�gu sa, a_p_esar
mente . Assim, enquanto que a rev
e
olu
a, f1s1ca e politica
� .
1ve1s d� .Y1-3
·â':1 ngo na:> ev:tª".ª q ue o corressem; e tôda a sua repulsa pela
co rrupçao nao 1mped1a .
que a ela sucumbissem.
Como partido revolucionário, os bolcheviques não tinham
m n p a í s , so bre vivi a na s realid ades tang
f o e o
?_UJ? f a n tas ma susp� por onde escolher, a menos que abdicassem e se despoj assem
rural. a re vo lução socialista e� do poder, entregando-o, com efeito, aos inimigos q ue aca
,, no vazio. chamad a degene- bav�m d: ser d:rrotados na guerra civil . S antos ou idiotas po
�am essas as origens autê nticas da tâncias , "ditaclu a den am te-lo feito, mas os bolcheviques não eram um a coisa
gim . N c i r c uns �
'! rescência burguesa do r e e as ..
c ontrôl e p� ole� a ne m outra . Encontra�am-se , inesp erada��!}_te, numa posiçã o
", "d m o c ra ci a so vié t i ca ", .
do proJ.etar iado e . m que, mutatzs mutandzs, era , comparável à dos decembri st as
rio da indústria ", eram quase
slogans vazios , nos quais n
úd . A i� éi a d e d emocra populistas � narodnovoltsi, no século XIX, isto é1 a po�içã�
guém podia insuf lar qualque r con te o
_ de um a elite revolucion_áda sem uma classe re volucio nári a 1
Buk arm <!_!!XP�·
1
cia soviética, como Lênin, Trotski e se tr balhadora .ª-tiv e a respaldá-la. Mas a elite er a agorn o govêrno, na posse de
�
pressuE�n�él__<!__e.!istência d{ uma clas N so �
c r a o anczen uma fortale za sitiada que fôra precàriamente salva mas aind a
firm d o - se n ao ont
e ternamente vigilant e, a _
an
era preciso d e f en der, erguer das ruínas e converter na b ase
uer nova bu rocracia q
ue
régime m as também cont ra qualq de _ um a n?va ord em social . É muito difícil que um a fortale za
usurpasse . Com o a � la s se tra ? �
lha
_
abusasse do pod er ou o d ec1 d1ram s1t1ada seJ a alguma ve z g overnada de maneira democrática. " ....,
n t e , os b ol ch e v i q ues
dora estava f1sicamente ause u a vida se �� vencedores de . uma guerra civil raramente podem permi-
nte ·e procu rad or até q :
agir como seu lugar- tene isse . Entre t1r-se conce�er liberd ade de e xpressão e organizaçãoãosven
classe trabalh a d ora su rg
norm al izasse e u ma nova .. t C! dos, especia�mente quan do êstes estão amparados por na-
r x c r m a di ª9t1r� o_ � s est rangeiras poderosas . Por via de r gra, uma
mentes consideraram seu dev e e er e e
ç?� �rra
proletariado ine �_!_stent �quase e e
letária': •em nome d e um civil resulta no m on�ólio do poder pelos vencedores. 3 sis-
a dura bl!�<:>�r-ª�n. 2
ine xistente. Assim se estabeleceu él 4i!.Eoder. t�ma de partido único converteu-se numa necessidade inevi-
peT
poder sem contrôle e a corruJ:?çã o o ., .
. tavel para os bolcheviques. S ua própria sobrevivência e sem
m o pengo. D1facil�
Não é que os bolcheviques ignorasseç de Lorde Acton dúvida, a da Re vol ução, dependiam disso. Não visava� t al
mente ficariam perple xos com a e Além disso, omp r_ee�
s nten a
m edida com pr�meditação. Estabeleceram-na com apreensão,
sôb re o poder . 2
C o nc or d a ria m c o m êle. �
d A n ·e seus di scípulos nao
atmg1 - �orn o um exl?ed1_ente t·emporário. O sistema de partido único u ''
deram al g o q u e L or e cto
a®, 1� contra as mclmaçõ e§, a lógica e as idéias d e Lênin , Tro ts-
também é J:º�er, pod er
con c entr
ram: que a_p roprie dad e d rpo ki . Kamenev. Bukárin, Lunacharski, _B.i'kov e tantos outros .
m onopohst1ca d as g ran es co
e q ue a pr oprie d ad e quase fici n m ent e
que atua a i n d a m a i s e e te
11 A Guerra Civil Americana parece ser uma exceção. Contudo tratou
rações é poder absoluto
_de uma d e� ocr � par ac i
quando embrulhado nas roupagens os
s1, de uma guerra civil que não dividiu a nação como um tddo nem
tmham per f eita noç ao d mlocou uma class� contra outra em tôda a extensão dos Estados Unidos.
lamentar. O s .bolcheviques também O No,:te estava virtualm.ente unido em sua determinação de impedir a
H<•cessao dos Esta?os suhs!_as; sua superiorida�e e preponderância nunca
2 "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absoluta u�tiveram em pengo; e nao houve mtervençao armada estrangeira.
mente ."
29
28
Mas a lógica da situação impôs-se e fêz tábua rasa de suas bureau, apontando também_ para Stálin, jogou-lhe no rosto
estas pafavras: "Coveiro da Revolução!" E em 1928 foi esta
idéias e escrúpulos. O�xpedi-ente temporário converteu-se_��
11 � O sistema de partido único adquiriu uma perman
ên- a aterrorizada premonição de Bukárin: "Ele é o nôvo Gengis
s. Por um process o semelh ante à se Khan.. . êle nos abaterá a todos . .. afogará em sangue os ,,
cia e um ímpeto próprio
leção natural , a hierarq uia do Partido encontr ou o s· e u líder, levantamentos de camp�es". E não se tratava de comen
tários ocasionais de um punhado de líderes. Atrás dêsses ho
após a morte de Lênin, em Stálin, o qual, em virtude de uma
mens novas OJ)Osições se erguiam, desejando fazer com que
habilidade e talento notáveis, aliados a um temperamento des
pótico e profunda ausência de escrúpulos, era o mais ade o Partido regressasse às suas tradições democrático-revolu
ci� e aos seus compromissos socialistas. Foi isso o ue a
quado para deter em suas mãos o monopólio do poder. Exa
minaremos mais adiante o uso que êle fêz dêsse poder, ao Oposição dos Trabalhadores e os Centralistas emocráticos
tentaram fazer em 1921 e 1922, o que os trotskistas fizeram
transformar a estrutura social da União Soviética, e veremos ',
de 1923 em diante, os zinovievistasde 1925 a 1927: os buka
como essa mesma transformação, que manteve constantemen
seu r�nistas em 1928 e 1929, e outros grupos menores e menosa.r-
te a sociedade num tremendo fluxo, ajudou a perpetuar o
Stálin se conside rava o procura dor-ger al tlculados, até stalinistas, em várias ocasiões. /
poder. Contudo, até
riado, o tutor da �evolu ção. Krusch ev, na sua e _ x Não posso alongar-me aqui na história dessas lutas e ex
do proleta _ purgos, que já relatei alhures. Evidentemente,. à medida que
posição de 1956 sôbre os cri�es· e desum.anidade de St�h�, os sucessivos cismas eram suprimido� o monopólio do poder
disse: "Stálin estava convencido de q���º-._e!_é!__llecessario tornava-as mais intolerante e riglcfo. No comêço, o partido
para a de1esa 4:>J>)nterêsses da classe trabalhadora... En
único ainda consentia liberdade de expressão ·e de iniciativa
carava tudo isso do ponto de vista. . . do interêsse do povo
política, pelo menos, aos seus próprios membros. Depois, a oli
trabalhador ... do socialismo e do comunismo. Não podemos
dizer que êsses fôssem atos de um dés ota irres onsável. .
. �arquia go�ern� n�e privou�os dessa liberdade; e o monopó
bolchev iques se lio do partido umco converteu-se, de fato, no monopólio de
11 Nisso reside tôda a tragédia". ontu o, s•e os
uma facção única - a facção stalinista. Na segunda década
sentiram, no princípio, com direito a agir como fiéis deposit�
so da Revolução, ganhou forma o totalitarismo monolítico. Fi
rios da Revolução e dos interêsses da classe trabalhadora, nalmente, o govêrno da facção única tornou-se o govêrno
mente durante o interregno da dispersão e virtual ausênc ia
autocrá tico, com todo o seu pessoal do seu chefe. O fato de Stálin só ter podido estabe
da mesma, Stálin reteve o poder lecer a sua autocracia sôbre o cadáver da grande maioria dos
vigor muito �ois dessa situaçao ter cessado, em face de líderes originais da Revolução e de seus adeptos, e de ter es
u�lasse traalhadora de nôvo reunida e em rápido cresci
calado o poder apoiado nos corpos sem vida até de bons sta
mento; e utilizou todos os recursos do terr� •e do embuste
para imp"eair que os trabalhadores, o povo, de u� �º?ºgeral, linistas, dá-nos uma medida da profundidade e do vigor da
seus direito s e sua heranç a revolu cionar ia. resistência que teve de quebrar.
11 reclam assem
As metamorfoses políticas do regime foram acompanha- 1
- A consciência do Partido �s�a'g, •em 9,erpét_uo conflito
com essas realidades do monopoho do po er. Ja em 1922,
• das_ ºr uma degradação das idéias de 1917. Ao povo foi en
smaao que o socialismo não requeria meramente a proprie
Lênin, apontando de seu leito mortuário para Stálin, advertia dade e planejamento nacionais, a rápida industrialização, co
Grande
o Partido contra o "embusteiro", o dzierzhimorda, o letivização e educação popular, mas que, de certo moldo, o
Russo chauvinista que estava de volta para oprimir os fracos
arados ; e confes sou que se sentia "profu ndame nte chamado culto do indivíduo, o privilégio nu e cru, o veemen
e os desamp te antiigualitarismo e a onipotência da polícia, faziam parte
ússia" ,. pÕriiãÕoo!e r
c�pado, J>erante os trabalhadores da �
anos depois , Kamen ev tentou _ _, integrante da nova sociedade. O marxismo, a mais crítica e
a vertido mais cedo. Três em
irreverente das doutrinas, foi esvãziado do seu conteúdo e re
s
vão recordar a um tempestuoso Congresso do PartidQ.._Q_.Je
sessão d o Polit- duzido a um conjunto de sõiismas e cânones quase eclesiás-
tàíiiento de Lênin. Em 1926,. Trotski, numa
30 31
ticos, destinado a justificar cada u m dos decretos de Stálin e em 1921; a derrota de Trotski, em 1923, e a sua exp ulsão em
tôdas as su as extravagâncias pseu doteóricas. Os efeitos de 1927; as depurações da década de 1930; as revelações de
vastadores que tudo isso teve na ciência, arte e literatu ra so Krusch�v. sôbre Stálin, em 1956, para mencionar apenas estas,
viéticas ·e no clima moral do país são bem conhecidos. E C2!!!9 Os sectanos argu mentarão interminàvelmente a respeito dessas
o stalinismo foi, du rante mais de três décadas, a do u trina qu ebras na continuidade e apontarão aquelas em que a Re
o1icial de u ma organização mu ndial, � degradação do �ocia volu ção foi "finalmente" traída e derrotada. ( Cu riosamen
lismo e do marxismo também teve graves rep�rcussõ_��o te, o próprio T�, nos anos de seu último exílio, tentou
campo internacional, especialmente no movimento trabalhis persu adir algu ns de Se_!!S adeptos excessivamente -·zelosos de
tã ocidental; e pretendo examiná-las nu m diferente contexto. q ue a �evolução p.�o--; cheg� Bin com a su� de2ortação).
A Revolu ção Russa tinha alguns traços de irracionalic!a Ess�s dispu tas sectanas possu em se u significado próprio, es
de em comu m com as revolu ções bu rg uesas de q ue ela foi a pecialmente para os historiadores que poderão extrair delas
tiltima. Isso representava, ll!:f_m certo se!_!_tid_o, o el,emento algu mas partículas de verdade. Os historiadores franceses, os
bu rguês em seu caráter. Como mestre das -�e.E_ttraçõ�s, StáITn n:elhores de?.tre �les, estão até hoje divididos em pró-jaco
foi o descendente de_ Cromwell e Robespierre. O seu terror bmos e antl)acobmos, dantonistas, robespierristas, hebertis
foi mu itíssimo mais cruel e repulsivo do qu e o de seus ante tas, defensores da Comu na, termidoristas e antitermidoristas,
cessores, pois exerceu o poder du rant•e mu ito mais tempo, em bonapartistas e antibonapartistas; e su as controvérsias sempre
circu nstâncias mais deprimentes e nu m país habituado desde tiveram u ma relação íntima com as preocu pações políticas cor
remotas eras à brutalidade bárbara de se us governantes. rentes do cidadão francês. Estou convencido de qu e os his
Stálin, convém recordar, era também o descendente de Ivã, toriadores soviéticos também se dividirão du rante mu itas ge
o Terrível, Pedro, o Grande, Nicolau I e Alexandre III. Com rações, tal como nós, participantes do movimento comunista
efeito, o stalinismo pode ser descrito como um amálgama de das décadas de 1920 e 1930, nos dividimos em trotskistas
marxismo com o atraso primordial e selvático da Rússia. Em stalinistas, bukarinistas, z-inovievistas, decemistas, etc.; e es�
todo o caso, na Rússia, as aspirações da Revolu ção e as suas pero q�e algu ns dêles sejam também capazes de apresentar,
realidades encontravam-se mais profundamente separadas do sem medo nem embaraços, j ustificações para os menchevi
que em qu alqu er ou tra parte; por isso foi necessário mu ito ques e revolucionários sociais.
mais sangue e mu ito rp.ais hipocrisia para tapar a terrível dis . Mas � gu es§_uôb����A�v<ilit5.ão
fica resolvida com �.S./fü�Q.!§.1}.J.!tas, pois as transcende. Tem,,,,1:_1_ª0
crepância. de
Então, perguntar-se-á, onde reside a continu idade da ser:--eé.-1Ufgã0ãpor ou tros e mãis an:ij;iOs--êrffêrios. Não é
Revolução? De que realidade se reveste, após tôdas essas me preciso reportarmo-nos a Clemenceau , qu e certa vez disse: "A
tamorfoses políticas e ideológicas? Depois de tantas eru pções revolu ção é u m bloco sólido do qu al nada pode ser su btraído".
de terror e ou tros cataclismos? Interrogações semelhantes su r Mas algo se poderá dizer de acôrdo com o critério de Cle
giram a respeito de ou tras revolu ções. Onde e qu ando, por menceau, mesmo que o "bloco" seja u ma liga com uma gran
exemplo, a Revolu ção Francesa chegou a se u têrmo? Foi qu an de percentagem de metal básico.
do os jacol5inos se •entregaram à su pressão da Comu na e dos Um modo de abordar nosso problema é dizer qu e os con
Enragés? O u quando Robespierre su biu os degraus da gui temporâneos dE:.�.J'n'QJ�ãQ.,_f�.C9Jlh�çem. a sua continuida
lhotina? No momento da coroação de Napoleão? O u no seu
e CC:m�t1I_!_!!.rrt9s. -.,;
ÇÍ,��-:í?2f���a�
de .���r�!lt.�ª!:� q!:f�.}�:SS_u me, m pe!_é:ll,��- �Í�etri�es
flSSim procedem também no nosso tempo. A
destronamento? A maior parte dêsses acontecimentos, apesar
do seu caráter drástico, está envôlta em ambigüidades; s.9- grandelinha divisória de 1917 ainda avulta, com a mesma mI:'
mente a qu eda de_Napoleão assinala, inequlvocamente, o fim tictez de sempre, na consciêncfã da hu manidade. Para os nos
do ciclo históricQ, Na -mssia, u ma ambigüidade semelhante sos1deóJogos e estadistas, e mesmo para o povo comum, os
cerca�tecimentos tais como o levantamento de Kronstadt, probJ.emas então equ acionados ainda estão por resolver. E o
32 33
fato dos governantes e líderes da União Soviética nunca terem tos. Mas isso foi bastante para influenciar decisivamente a
deixado de invocar suas origens revolucionárias também tem evolução da União Soviética e inculcar uma certa unidade ao
sua lógica e conseqüências. Todos êles, incluindo Stálin, processo de sua transformação social.
Kruschev e os sucessores dêste, tiveram de cultivar no espí Mencionei a incongruência da tentativa para estabele
rito de seu povo o sentido da continuidade da Revolução. Ti cer o �ontrô1e social sô.bre um processo produtivo que não é
veram de reiterar os compromissos de 1917, enquanto êles .
de car.ater social e também a impossibilidade de um socialis
próprios os transgrediam; e de reafirmar, com insistência, a mo fundado na carência e na escassez. A história da União
fidelidade da União Soviética ao socialismo, E.sses votos e Soviética nestes cinqüenta anos foi tôda ela uma luta, em
fidelidades tinham de ser inculcados em cada nova geração
e grupo de idades, na •escola e na f.ábrica. A_t!'�c:Jjção da Re parte vitori°-
_ .��---e •em p�glória, para vencer ��inco�
volução dominou o sistema soviético de educação. Só por si. gruência e superar a carência e a escassez. Isso significou,
isso já constitui um poderoso fatõrêfêcõ-ntinüldade. É ce,rto em primeiro lugar, uma intensiva industrialização como um
que o padrão educacional está organizado de modo a ocultar meio para atingir um fim, nãb um fim em si mesmo. As re
as quebras de continuidade, a falsificar a História e a elimi lações de pr�priedade feudais ou mesmo burguesas podem
ser compative1s com a estagnaçao _
nar suas contradições e irracionalidades. Apesar de tudo, econômica ou um ritmo in
porém, o sistema educacional ,reavivou _ con-sfaiúemente _ na dolente de crescimento. A propriedade nacional não o é es
m��-�<3- 4õ."iSJ�Qi_cQn._Sdência de.seu patrimônio r•evolucion�_rio. pecialmente quando foi •estabelecida num país subdesenv�lvi
Subentendida nesses fenômenos ideológicos e políticos do, por meio de uma revolução proletária. O sistema com
está a continuidade real de um sistema baseado na abo!isffio porta em si um impulso ir.resistível para o rápido progresso
dçi gropriedade_�ivada e na completa nacionaliz�5.füu!ªJ.n a necessidade de lutar esforçadamente pela abundância e �
dústria e dos banéõs.'rõéías as mudanças· cfegovêrno, lide ur�ência em desenvolver aquêle processo social produtivo que
rança partÍ<lãria e orientação política não afetaram essa bá- exige o contrôle social racional. No curso de seu progresso
1 sica e inviolável "conquista de outubro", É essa a roc�a q�e, para a Rússia, foi mais difícil do que precisava ser, em
onde a continuidade ideológica assenta. As relações de �[9- virtud� ?ªs guerras, corridas armamentistas e desperdícios
priedade ou as formas de propriedade não constit�ui burocratlcos, novas contradições foram surgindo; os meios e
fator passivo ou indiferente no desenvolvimento da socieda os fins er�m perpetuamente confundidos. A medida que a ri
de. Sabemos com que profundidade a mudança das formas queza nacional era acumulada,_ a massa de consumidores, que
de propriedades feudais para as burguesias alterou o mo do também são os produtores, estava exposta a uma contínua, e
de vida e a configuração da sociedade ocidental. Ora, uma até agravada, carência e pobreza: e o contrôle burocrático
propriedade nacional p1ena e total dos meios de produção sôbre todo e qualquer aspecto cJ.a vida nacional substituiu-se
acarreta uma transformação a longo prazo ainda mais fun ao contrôle e responsabilidade sociais. A ordem de priorida
damental e multilateral. Seria errôneo pensar que existe apenas des como que fôra invertida. As formas de socialismo foram
uma diferença quantitativa entre a nacionalização de, diga forjadas ant·es de existir o conteúdo, a substância econômi
mos, 25% da indústria e li00% de propriedade pública. A ca e cultural:_ e, à medida que o conteúdo era produzido, as
diferença é qualitativa. Numa sociedade industrial moderna, formas deterioravam-se ou eram destorcidas. No início as
a propriedade pública total está fatalmente destinada a criar ins�ituiç�es político-sociais criadas pela Revolução erguia�-se
um ambiente essencialmente nôvo para a atividade produti mmto acima do nível real da existência material e cultural da
va e as ambições culturais do homem. Como a Rússia pós-re n�ção;_ depo�s, quando êsse nível subiu, a ordem político-so
volucionária não ·era uma sociedade industrial moderna, a cial foi ,rebaixada pelo pêso da burocracia e do stalinismo. A
p.ropriedade nacional não podia, por si só, criar êsse ambien ?rópria finalidade_ foi abatida pelo nível dos meios: a imagem
te qualitativamente nôvo mas apenas alguns de seus elemen- ideal de uma soC1edade sem classes foi aviltada pelas misé-
34 35
rias dêsse período de transição e pelas nec•essidades mais
c�uª _§_de _ul!l,a_-ªgt_lllu!açã�Jim_itiva de .!' i__�u-��a.
Essa inversão de prioridades, essa confusão de fins e de
meios e a desarmonia resultante entre as formas e o cont•eúdo
da vida nacional. são as causas mais profundas das crises,
fermentações e agitação da •era pós-stalinista. O contrôl_�_b_u
rocrático, que substituiu o contrôle social, converteu-se num
freio para novos progressos; e a nação está ansiosa por admi
nistrar a sua própria riqueza e ser a s•enhora de seus próprios
destinos. Ignora-se como dar voz a essas aspirações ou o que
3
fazer a seu respeito. Várias décadas de govêrno totalitário e
de disciplina monolítica roubaram ao povo a sua .capacidade
de expressão própria, de ação espontânea e de organização.
Os grupos governantes improvisam e remendam reformas eco
nômicas, perdem seu ascendente sôbre o espírito da nação
mas continuam fazendo tudo o que podem para manter o A Estrutura Social
povo inarticulado e passivo. São êsses os limites da deses
talinização oficial, por detrás da qual se vislumbra uma deses
talinização não-oficial, uma •expectativa generalizada de trans
formações de alto a baixo. Tanto a política oficial como o es
tado de espírito não-oficial alimentam ou reanimam as recorda
ções não dissipadas do heróico período inicial da Revolução,
com sua muito maior liberdade, racionalidade e humanidade.
:8sse evidente
• retôrno ao passado, com a incessante peregrina
ção ao túmulo de Lênin, provàvelmente encobre uma embara
çosa pausa entre a era de Stálin e um renascimento no pensa
mento criador e ação histórica da União Soviética. Seja qual
EXAMINEMOS AGORA, em têrmos gerais, as transfo
fôr a verdade, o mal-estar, os exames de consciência e os agru _ rma-
pamentos da era pós-Stálin testemunham, à sua maneira, a çoes que ocorreram na estrutura social da URSS _
um tal
exame poderá apresentar algo como um balanço socioló
continuidade da época revolucionária. gico
prov1sorio dêsses cinqüenta anos.
_ Ao discutir antes a questão da continuidade da Revolu
�
çao, sub linhei
_ .. ? .s�g�ificado da .�ircunstância de que O Esta
do e �o a m1ciat1va privada ou a grande emprês
'. � ã'capi
tahsta--L _e o n onsave l pela industr ializaç ão e modern
, ��� �o 1,
d� Umao Sov1etica. :8ste fato determinou a dinâmica do cres
c� ento :co ôm1co so iét_i_fo t! O carãte_r datransformaç
. 7: _ � ão
social. Nao e necessano alongarmo-nos aqui sôbre o aspec
_
to estritamente econômico do problema. Todos nós
sabemos
que a União Soviética guindou-se da posição da mais
atra
sada das grandes nações européias para a categoria
' de se-
37
gunda potência industrial do mwndo; as conseqüências inter�
naci ona is da sua ascensão s ão acompan hadas por todos nó s tumulto dêsse meio século, pelo
que, em s
durante estas últimas décadas. Devo confessar, entr-etanto, o�an�os e perdas a onstrução e a de eu desenvolvimento,
: struição, foram inse�
como uma das pessoa s que testemunharam de perto as iases parave�s ; e a co mbma '.
çao de esfôrço produtivo, trabalho im�
in iciais dessa ascensão e as estarr ecedo ra s dif iculdades que produtivo e devastaç.ão afetou tanto a
clima espir itual da URSS. vida material como 0
as acom pan haram , que ainda n ão me habituei a confiar axio�
màticamente no result ado. Não acr editaria, digamos, !!m 1930,
nem mes mo em 191-9., q��_él__gn_ião SovTéüca progr·ediria tão
A primeira e mais impressionante carac
terística da cena
transformada é a ur ban
r apidamente @?nto O _fêz egue. em 1967 estaria produzindo ização maciça da União Soviética .
_:-para dar apenas uma indicação - 1'00 milhões de tonela� Depois da Revolução, a população urb
ana cresceu em mãis
das de aço por ano. Isso é mais do que a Grã�Bretanha, a d: .100 milhões d pessoas. Também n est
: e ponto se faz neces�
República Federal Alemã, a França e a Itália produze� s ana _ uma corr eçao na e
scala de tempo. A primeir
a década,
juntas, e apenas 20 milhões de toneladas menos do que foi depois de 1917, foi marcada por u
m despovoamento das ci�
p roduzido pelas siderurgias dos Estados Unidos. Tal. fato dades e um movimento inverso lento.
constitui a base de uma in dústria de engenharia e uma produ� Guerra Mundial foi i�ênt co, pelo . menos O efeito da Segunda
ção de bensessenciaisdi...ff�!!sfcir1_11aç�o �ndustrial �pr�xi�a� -� en _ ! : na Rússia européia.
damente tª-.�9r.�_nde__ quanto a norte�amencana: A� mdustnas �� ���{fde urbam za,çél_2_ �!-�s1v_él foi:_alll e1_1tr� os anos de
.......L.... , e__�:gt_r�_l95Q e . .1965. Cêrca de 800
de bensde consumo estão, evide ntemente, mmt1_ ss1mo atrasa � �randes e médias proporções e mais de 2. 000 pequenos con
cidades dé
das em relação àquela . Mas, deixando de lado mais •estatísti� JU�t�s urbanos foram construídos. Em �
1926 havia apenas 26
cas econômicas, passarei a analisar agora, de preferência, as milhoe s de habitantes ci
tadin os. Em 196
concomitâncias e conseqüências soc10lóg icas do progresso d�tes em cida des atingia os 125 mi 6, 0 número de resi�
e.conômico. qu!nz e. ano�, a população urbana aum lhões. Só nos Ultlmos
ent
Antes de prosseguirmos, talvez fôsse conveniente reco,� l�oes, isto e, tanto quanto a população ou em 53 a 54 mi�
dar que êstes _<;_i�gyenta anos nffeo . constituíraII1 um _p�r_íodo mcas N? espaço de u a geração, a pe total das Ilhas Britâ�
: 31 rcentagem de habitan�
unitáriQ..�__ i11i!!_t�ri::�2to....ck.ç:r�çitI1gl}t.Q_e desenvolvime.l!t? S�_!e t s c1 tadmos, em relaçao
: à população total, passou de 15 para
o ou oito do s cinqüenta anos fo ram ocupados por host1.lidades
arm adas que_ r.esultaram e m gi::àve s r etroeoe sso s e d str ui õe s
cerca de 55'(a e está subindo ràpidame
nte para os 60%. No s
: � Estados Umd�s - tomando o registro
em vasta escala, sem paralelo em qualquer outro pais behge� - foram pvec1sos 160 anos para a popuprévio nesse do mínio
lação urbana aumen�
1 rante:rvtafs do ze ôí.i" treze º anos forâm co nsumidos em reparar tar em .100 milhões; ou, s
e fizermos a comparação percen�
e-sU.bstituir as _Qerd"ãs sofridas. Os períodos efetivos de _cr�s� tual mais relevante, fo i nece
ss á io um
Ir cimento abrangeÍri-:Õs··anos·cre 1928 a _1941e de 1950 em djagte, 1 �50 a 1950, para que a proporça� o de re século completo, de
sidentes ur,banos su�
cêrca de trinta anos no total. E, durante ê sse tempo uma pro� b1sse de 15 a 60%. Durante êsses ce
m anos o fe nomenal
porçao extraordinàriamente elevada dos recursos soviétic_os, cre�cimento das cidades e outras povo
ações ;m er icanas foi
cêrca de um quarto· da renda nacional, em média, foi a bsorvida estimulado e facilitado pela imigração
na cor ri da armam entista que precedeu e se seguiu à Segunda d� capital e té_c� ica estrangeiros e a imuenm massa O influxo
idade à i�vasáo ini�
Cfoerra Mundial. Se pudéssemos calcular o progresso em uni� miga e destr u1çao de guerra
, para n ão fal
dacfes ideais de anos verdadeiramente pacífico s, co ncluiría� los propí_5'.ios do clima . A urbanização sovarmos dos estímu�
mos que a Un ião Soviética logrou o seu P!ogress e m vinte
� e:� nao tem paralelo nª_J-fi§t9_!Hi. Sem iética , em ritmo e Ir
elh
ou, no máximo, vinte e cinco anos. Isto deve ser tido na de� ça� na estrutura social, se tivesse ocorrido ante trarislorma�
vida conta quando se procura avaliar o co metimento. Mas, mais favo ráve is, teria gera
em circunstâncias
do gigantescos ·e desconcertantes
é claro, a sociedade soviética atual é o produto da agitação e p_roblem!s ?e hab_i:a_ção, instalações, sa
úde
circunstancias sov1et1cas era co mo se tive e educação; .e as
ssem sido proposita�
38
39
'
damente arquitetadas para intensificar ·e ampliar, desmesura� da áspera natureza russa, a mourejar de sol a sol durante o
damente, a confusão e os choques. verão e a cochichar perto da lareira a maior part·e: do inverno.
Só uma diminuta .E��rção da expansão foi devida �o Eram forçados e condicionados agora a uma rotina de traba�
cr�.?cimeriFonãturãíou �--l11JB�él<;_à.g-�__ciilii!.d&9,s1 provenien� lho inteiramente nova. Resistiram, trabalharam apática e de�
tes de outras cidades. A massa dos novos habitantes urbanos sajeitadamente, quebraram ou danificaram ferramentas, e an�
era composta Oe camponeses, transferidos de suas aldeias, daram, turbulentos e descontentes, de fábrica em fábrica, de
1, ano após ano, e dirigidos para o trabalho industrial. T�J_como mina em mina. O ovêrno teve de impor a disciplina por meio
as antigas nações��is_ayémçiilclas_clo_ OcidenteL él União So� de códigos de tra�alho severos, ameaças de deportação e de
viétic:2 encontrou a��ipal _reserva _ de _mão�<ie:obrél Lndus� portações concretas para os campos de trabalho forcado. A
trial_.E:�__gente do c_ª]P.J?O. Nos estágios iniciais, o crescimen� escassez de habitações e a aguda carência de bens de consu�
to Oa emprêsa capitalista ocidental foi acompanhado, fregüen� mo, devida em grande parte às medidas deliberadas de uma
temente, da expropriação obrigatória de agricultores - na política anticonsumidora ( o govêrno estava empenhado em
Grã�Bretanha, das enclosures* - e de uma legislação obter a máxima produção de bens de transformação indus�
trabalhista draconiana. Mais tarde o Ocidente contou, prin� triai e munições) agravaram ainda mais as agruras e a tur�
cipalmente, com o trabalho espontâneo do mercado de mão� bulência. Era comum nas cidades, ainda em tempos recentes,
de�obra, com suas leis de of.erta e procura, para atrair o con� várias famílias compartilharem de um único quarto e cozinha:
tingente humano requerido pela indústria. ,:Êste eufemismo e, nas áreas industriais, massas de operários viveram duran�
significa que no decorrer de muitas décadas, se não de sé� te muitos anos arrebanhadas em casernas. O crime impera�
culos, a superpopulação rural e, por vêz•es, a fome, atraíram va, desenfreado. Simultâneamente, porém, muitos milhões de
r grandes massas de mão�de�obra ociosa para o mercado de homens e mulheres recebiam educação primária ou mesmo se�
trabalho. NéLlJnião Soviética, o Estado assegurou o supri� cundária, eram treinados ·em profissões industriais especializa�
11 mento de mão�de�obra por meio de planejamento e direção. das e estabilizavam em novos meios de vida.
Sua posição econômica dominante foi o fator d-ecisivo; se:m Com o pass_é!_r��--,!��p<:>, a fri��E__s�ci�Le os coIJJlitos
êle, dificilmente seria possível executar uma transformação engendrados pela convulsão político�social Ioram�se atenuan�
tão gigantesca, num prazo tão curto. do. Desde a II Guerra Mundial, os feitos da indústria e das
A transferência da população rural teve início, de um armas soviéticas parecem justificar a violência, o sofrimento,
modo efetivo, nos primeiros anos da década de 1930, e -es� o sangue e as lágrimas. Mas pode�se sustentar, como sus�
tava intimamente ligada à coletivização da lavoura, o que ha� tentei durant,e tôdas essas décadas, que sem a violência, o
bilitou as agências governamentais a lançarem mão aos exce� sangue e as lágrimas, a grande obra de construção poderia
dentes de mão�de�obra e a deslocarem�na para a indústria. ter sido realizada muito mais eficientemente e com muito mais
O�primórdios dêsse Erocesso foram extremamente difíceis e salutares conseqüências sociais, políticas e morais. Seja como
/ envolveram o emp�go de mmta fôrça e violênciç.. Os liábi� fôr, a transformação da •estrutura social continua; e continua
tos da vida industrial organizada e r·egulada pela sirena da sem essa estimulação forçada. Ano após anC>,_aJ?Opulação ur�
fábrica, que noutros países foram inculcados aos trabalhado� ba�él _e,xpande�se nél I!l_esma escala de antes; e o processo, em�
res, de geração em geração, pela necessidade econômica e pela hora planejado e regulado, obedece ao s•eu próprio ritmo. Na
legislação, eram inexistentes na Rússia. Os camponeses acos� década de 1930, o,, govêrno teve de arrastar para as cidades
tumaram�se a trabalhar em sua gleba de acôrdo com o ritmo uma sombria e renitente massa de camponeses; na década
atua1,-·ou -uin poucó mais, o govêrno defronta�se com um fluxo
" Parcelas de terreno comunitário que, por fôrça de uma lei, o Enclosure constante e espontâneo de gente do campo para as cidades; e
Act, passaram à propriedade privada. Equivalente aproximado de coutada tem de esforçar�se para tornar a vida rural um pouco mais
ou terra defesa. - (N. do T. ) atraente, a fim de manter nas granjas a mão�de�obra jovem.
40 41
tos e salários em v1gencia. Evidentement•e, na União Soviéti
Mas a atual tendência da população ainda continuará, provà ca nada existe que se pareça à nossa desiguaiaade "normal"
velmente, por algum tempo; e em mais dez ou quinze anos, entre rendas que fora m ganhas legitimamente ,e rendas ime
é muito possível que três quartos da população vivam em ci recidas. A desigualdade é apenas nas rendas auferidas no
dades. trabalho legítimo. Contudo, expor sua verdadeira extensão
Os trabalhadores industriais, a P'equena minoria de 1917, s·eria evidentemente uma iniciativa demasiado arriscada e pe
formam agora a mais numerosa classe social. O Estado em- rigosa para o govêrno soviético. As discrepâncias nos venci
11 prega cêrca de 78 milhões de pessoas em oficinas e escritó mentos dos trabalhadores parecem ser semelhantes às que se
rios; empregava 27 milhões no final da II Guerra Mundial. encontram na maior parte dos países; e são muito res
Mais de 50 milhões de pessoas trabalham em indústrias pri tringidas pelo maior valor e alcance dos serviços sociais na
márias e manufaturadoras, na construção civil, transportes, União Soviética. Em anos recentes, a estrutura salarial foi
comunicações e granjas do Estado. O resto ganha a vida em repetidamente revista. O primeiro período de desestaliniza
vários serviços: 13 milhões nél Saúde, Educação e Pesqui ção acarretou uma reduç,ão evidente das desigualdades, cuja
sa Científica. Não é fácil distinguir com precisão o número exte1:são é difícil avaliar. Subseqüentemente, a nova política
de trabalhadores manuais ,e técnicos, por uma parte, e de tra salarial defrontou-se com uma resistência crescente por parte
balhadores de escritório, por outra, visto que as estatísticas dos gerent•es e da aristocracia trabalhista. Contudo, numa
soviéticas os reúnem todos - o significado sociológico dessa economia em expansão contínua e rápida, a elevada mobili
orientação será examinado mais adiante. O número de ope dade social não permite que a estratificação se torne incon
rários, prõpriamente ditos, deve oscilar entre 50 e 55 milhões. venientemente rígida. Grandes_ massa� de trabalhadores são
A classe trabalhadora encontra-se altamente estratifica c?n�tantemente_ tr�im1c:41s_paFa o d�sempenho de ta"re1_ã.s·e�pe
c1ahzadas e_tr_����am de,__ 9!.UJJ(>,S de __re:ri_da inf:erior para su-
da. A política trabalhista de Stáfuugavitava_:�m.JôrnQ daus
calas a1ferenciais de vencim�!JJºê. �-�él)�i;jps, erguend.9 a aris perior. ·
tocracia operária muito acima da massa de trabalhadores se -·· A_, estratificação social e cultural da classe trabalhadora
mi-es ecializados e não-es ecializados mal rem a. Até � por vêzes, ainda mais importante do que a econômica. Eis
certo ponto, isso era justi icado pela necessidade de oferecer um tema que não se presta a uma descrição ou análise socio
incentivos à especialização e eficiência; mas as discrepâncias lógica nítida; tudo o que podemos t•entar aqui é transmitir
salariais iam muito mais além. Sua extensão real era e ainda uma idéia geral e indicar a complexidade do problema. O
é rodeada por um extraordinário sigilo. Desde a década de crescimento prodigioso da classe trabalhadora redundou em
1 �O gue o govêrno não publica os dados pertinentes à es muitas incongruências e discrepâncias sociais, refletindo as
trutura salarial do país e os estudiosos têm ae contentar-se suc·essivas fases da industrialização e sua sobreposição. Cada
com informações fragmentárias. Durante a era staliniana de fase deu origem a uma camada diferente da classe trabalha
senrolou-se uma feroz caça às bruxas contra os niveladores dora e produziu divisões significativas. A grande maioria da
- ou os "igualitaristas pequeno-burgueses"; mas foi menos classe operária está fortemente marcada por suas origens cam
eficaz do que par•ecia e muito menos, por certo, do que as ponesas. São muito raras as famílias operárias que estivessem
caçadas políticas. estãbefecidas em cidades desde antes da Revolução e que ti
A supressão de dados sôbre a estrutura de vencimentos ve!sem qualquer espécie de tradição ou recordações da luta
e salários indica com que consciência culpada os grupos go de classes ré-revolucionária. Com efeito, a mais antiga ca
vernantes, sob o regime de Stálin e depois dêle, pross·egui ma a e trabalha ores urbanos é a que formou a si própria
ram em sua política não-igualitária. Essa mesma consciên durante o período de reconstrução da década de 1920. A sua
cia culpada n.ão impede os nossos capitães de indústria de adaptação ao ritmo da vida industrial foi relativamente fácil
darem publicidade aos seus lucros nem inibe os nossos go - êsses trabalhadores ingressaram nas fábricas por sua pró-
vernos de revelarem os fatos sô.bre as escalas de vencimen-
43
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pria iniciativa e ainda não estavam sujeitos à regimentação seus novos lugares um ambiente mais capacitado para absor
rigorosa. Seus filhos são elementos mais ambientados e distin ver e assimilar os recém-chegados do que as cidades e esta
tamente urbanos da população industrial. De suas fileiras belecimentos fabris da década de 30. O processo de adapta
saíram os vidvizhe:ntsi, os elementos diretivos, os gerentes e a ção foi menos doloroso. Tornou-se mais fácil ainda para as
11 aristocracia operária das décadas de 1930 e 1910. Os que se levas seguintes de r·ecrutas que chegaram nas fá.bricas duran
conservaram nas fileiras eram os últimos trabalhadores so te os anos pós�Stálin, quando os velhos códigos de trabalho
viéticos que se dedicavam livremente, ao abrigo da Nova foram abolidos, e que se instalaram· em suas ocupações numa
Política Econômica, às atividades trabalhistas, mesmo às gre relativa liberdade de mêdo e necessidades. Os grupos mais
ves, e gozavam de uma certa liberdade de expressão política. jovens, os imigrantes mais recentes, e os filhos criados nas
O contraste entre essa camada e a segl!.inte é extrem� cidades dos trabalhadores que chegaram primeiro, entravam
mente marcado. Cêrca de vinte milhões de camponeses fora_w nas oficinas com uma confiança em si próprios que faltara
transferidos ara as ciaades, na década de 1930. Sua adapta aos antigos; e desempenharam um importante papel na re
çao oi penosa e ata a oa a. Por muito tempo, continuaram forma das antiquadas rotinas de trabalho e na transformação
aldeões desarraigados, cidadãos contra sua própria vontage, do clima reinante na vida das fábricas soviéticas. Quase todos
desesperados, anárquicos, nostálgicos e desam rados. Os possuem educação secundária ("completa ou incompleta") e
hábitos da fãbdca prostravam-nos e eram manti �r8 os sob con muitos seguem cursos acadêmicos em suas horas livres. :São
trôle por um treino e disciplina implacáveis. Fo_ram êles que freqüentes os choques entre êles e os seus capatazes e geren�
de.r<Jm .às...Q_g.§l_ci� soviéticas o .as1:ecto sombrio, Iilis�ráye1. se tes menos eficientes e menos civilizados. Trata-se, sem dúvi
�bárbaro, qu� t�<.L!Ê�q{!:���Iile�_!e__e�anta os. vjsitan!es es da, do grupo mais progressivo da classe trabalhadora sovié
tran9eir9s.1raf!.SJ)2��E�P1.. P?ra a indústr�<3: Q. in!fjy!gyaljs1110 tica, abrangendo os construtores das usinas nucleares, com
pri�_it�voj?�-�!�l!�S. A po[ítica.?fi_c:l�l 1<?1191!.. cgp:1_ i�êQ,._in putadores e naves espaciais, trabalhadores tão produtivos
citanêio. os recrutas industriais a. competirem. �ntre si para a quanto seus congêneres americanos, embora a produtividaq.e
conquisfã ÔeÕÔnus, pr�aj�C>S e percentagens SÔbr,e a fabricação média soviética por homem�hora ainda seja apenas 40% ou
de peça·s·exfiâs. o oi;ierário ª'ª· assim, jogado ,contra o op�rá talvez menos da produtividade norte�americana. A baixa
rionãsEãncâdas das fábrica�; e os pretextos de "competi�ão média é devida, evidentemente, à grande diversidade da mão
"1
socialista" foram usados para impedir a formação e manifes de-obra industrial soviética, às muitas diferenças e desigual�
tação de qualquer solidariedade de classe. O terror da déca dades nos níveis de cultura e de eficiência, como há pouco
da de 1930 deixou uma indelével marca nos homens dessa tentei descrever. Mesmo assim, a Erodutividade média sovié
categoria. A maioria dêles, hoje na casa dos cinqüenta anos, tica está à frente da Europa Ocidental; e vale a pena lembrar
é provàvelmente - e não por sua culpa - o elemento mais que, na decada de 1920, quando a produtividade americana
retrógrado entre todos os trabalhadores soviéticos: sem edu era aproximadamente um têrço do que é no presente, a pro
cação, gananciosos e servis. Sómente em sua segunda geração dução soviética por homem-hora atingia apenas um décimo
essa camada da classe trabalhadora poderá superar o choque da americana. 1
inicial da urbanização. Esta descrição, muito esquemática, dá�nos sõmente uma
Os campone,�f!�L'ltte__ c_h,�garam às fábricas na ressaca ela idéia geral da extraordinária heterogeneidade social e cultu
Segunda Guerra Munctial ainda e�erimentaram as penos3;1s ral da classe trabalhadora soviética. O processo de trans
condições de vida, a Iãlta vTrtuãrae um iar. a severa disci plantação ,e expansão foi demasiado rápido e tempestuoso
pllna de trãEãllíõ e o terror. Mas a sua maioria chegava às para permitir uma assimilação mútua das diversas camadas,
cidades voluntàriamente, ansiosa por livrar-se das aldeias de a formação de uma concepção geral e o desenvolvimento da
vastadas e famintas. Foram preparados para a disciplina in solidariedade de classe. Vimos como, poucos anos após a Re�
dustrial por vá.rios anos de vida militar e encontraram em volução, a retração e desintegração da classe trabalhadora
44 45
/
./
permitiram que a burocracia se estabelecesse como fôrç/ so� tüo estupenda vitória em 1917 mas a que, por tanto tempo,
cial dominante. O que aconteceu depois propiciou�lhe cbnso� não foi capaz de dar continuidade.
l idar a sua posição. A maneira como os novos trabal hadores
industriais eram recrutados e o furioso rit:õ:iõâecrescimento
fu���i:é;t�!i:!�f�������J�;�f
un1ê!ade, e de ·e�_ç_�:q_trnr •.
c��:!tu� c�:��:,·n=�t�!.
s e
··sõcio:.p°.füfca. Os
O reverso da •expansão na .classe operaria é a contração
da classe camponesa. Há quarenta anos, os pequenos proprie
tários rurais constituíam mais de três quartos da nação; atual , .'
-1:1.1?�1ª.§'qOacre
trabalhadores eram manietact s pe[C?_ ..P.!§Jlrig___�l].JlJ:.9,,.S.SrnTo mente, os agricul tores coletivizados somam apenas um quarto.
.
,!
1
.' -
• .� 1
consrallte ae sua�_J11e1�as. A 6urocracia fêz tudo o que pôde Com que dese· sp-êro os camponeses resistiram a essa tendên
para mantê-los nesse estado. ""N,ão só jogava uns contra outros cia, que furiosa violência foi desencadeada contra êles, como
nas fábricas como instigava suas antipatias e antagonismos foram obrigados a contribuir para o fortalecimento da indus
mútuos. Negou-.lhes o direito de formularem exigências e de trialização e com que ressentimento e renitência, com que de
se defenderem através de sindicatos. Mas êsses dispositivos sinterêsse e apatia, trabalharam a terra, sob o vegime coleti
e o terror não seriam tão eficazes quanto foram se a classe vista - tudo isso é conhecido. Mas, como o Prof, Butterfield
trabalhadora não estivesse dilacerada por suas próprias fôrças diz num contexto algo diferente: "A tend-ência dos contem
centrífugas. O que tornava as coisas piores era a constante porâneos é para avaliarem a revolução, de um modo demasia
promoção de operários brilhantes e dinâmkos aos postos d� damente exclusivo, P'elas suas atrocidades, enquanto que a
gerência, assim privando as fileiras de porta-vozes e líder�s posteridade parece sempre errar, dada a sua incapacidade
p�s. Embora a educação fôsse escassa entre os traba para levá-las em conta ou avaliá-las nitidamente " . 1 Como al
lhadores a cujo cargo estavam as tarefas mais pesadas e não guém que testemunhou a coietivização nos primeiros anos da
especializadas, essa drenagem intelectual te ve importantes década de 1930 e criticou severamente seus métodos violen
conseqüências: a. mobilidade social que beneficiava alguns tos, gostaria de formular aqui algumas reflexões sôbre o trá
dos trabalhadores, condenav8 os restantes à debilidade social gico destino dos camponeses russos. Sob o ancien régime, o
eyolítica. cam o russo era eriõdicament e devastado ela fome, como
Se esta análise estiver certa, •então as perspectivas para acontecia no campo chinês e ain a suce · e na índia. Nosiri:
o futuro talve z sejam mais promissoras. Um processo objetivo tervalos entre as crises de fome, incontáveis ( estatisticamente
de consolidação e integração tem lugar na classe trabalhadora, ignorados) milhões de camponeses e filhos de camponeses
morriam de desnutrição e doenças, como acontece ainda hoje
acompanhado de uma crescente consdência social. Isto -
em tantos países subdesenvolvidos.2 O antigo sistema dificil
assim como os requisitos do progresso tecnológico - obrigou mente poderia considerar-se menos cruel para com os campo-
o grupo governante a eliminar a velha disciplina fabril, con
cedendo ao operariado muito maior liberdade do que na era 1 H. Butterfield, Christianity and History (Londres, 1949), pág. 143.
de Stá.lin. Há ainda um longo caminho a percorrer entre o 2 Foi isso, por exemplo, o que o correspondente de The Times em Delhi
que existe agora e a plena liberdade de expressão, a partici escreveu em 3 de fevereiro de 1967, sob o título "Os aldeões de Bihar são
pação autêntica do trabalhador no contrôle da indústria. En agora lentamente dizimados pela fome": "Notícias chegadas dos distritos
piormente afetados sugerem que a lenta inanição já marcou as paupérrimas
tretanto, à medida que a classe trabalhadora vai subindo de comunidades aldeãs". Com efeito, "talvez 20 milhões de trabalhadores ru
nível de educação, homog·eneidade e confiança em si mesma, rais sem terras, nas áreas vitimadas do Uttar Pradesh oriental e de Bihar,
as suas aspirações concentrar-se-ão cada vez mais nessas exi estão ameaçados de fome, a menos que a administração os abasteça até ao
gências. E se isso acontecer, poderá reingressar na cena po outono. O horror foi agravado pela ameaça simultânea de falta de água";
"... assim que os poços das aldeias secam, o povo imediatamente se põe
lítica como um fator independente, pronta a desafiar a buro
em marcha, em busca de água. Enormes multidões em movimento, em sua
cracia e a reatar a luta pela emancipação em que registrou aflitiva busca de água, têm forçosamente de complicar ainda mais a tarefa
46 47
neses do que o regime de Stálin, só que a sua crueldade pa e muitas outras coisas: as pavorosas tensões geradas nas re
recia fazer parte da ordem natural das coisas, o que até a lações familiares, na vida sexual e educação rural; e a apatia,
consciência sensível dos moralistas está inclinada a aceitar a inércia, num grau muito acima do normal, que caracteri
como ponto assente. Isto não pode desculpar nem mitigar os zavam a vida do campo.
crimes da política stalinista; mas poderá colocar o problema
em sua perspectiva correta. Aquêl·es que argumentam que A_ infl:t!ência �. ca,IIIp<>nê�. na vida social e política da
_
tudo iria bem se os mujiques fôssem deixados em paz, os idea n!"lçao éfeêlinou vertkaTmente,
--
e_IP. consegüê!lQ_a...d�t.QdQi�§§es
lizadores do velho modo de vida rural e do individualismo a�1menlç·s.·A sifí.i'áçãodâ lavoura continuou um pro.ble�a
dos camponeses, estão alimentando um idílio que não passa causador de graves preocupações, pois afeta o nível de vida
de um produto de sua imaginação. As diminutas proprieda e o moral da população urbana. Uma colheita fraca é ainda
des primitivas, em todo o caso, eram demasiado arcaicas ara um acontecimento crítico, politicamente; e uma sucessão de
que udessem sobreviver numa é oca e in ustri liza .ão. Não má_ê__.�9.lheij:�ê.__C()E!r!�1Ü1:!J)ªrª. ª-..4Jtefla _c;le . Kiuschey
_ em 1964.
so reviveram na Rússia, como não sobreviveram nos Estados A gent,e do campo também não foi verdadeiramente integrada
Unidos; e até na França, a pátria tradicional dos pequenos na nova estrutura industrial da sociedade. Muita da antiga
agricultores, assistimos em anos recentes a uma redução dra lavoura individualista, do tipo mais rudimentar e arcaico, ainda
mática da classe camponesa. Na Rússia, a pequena proprie prossegue - atrás da fachada do colcós. A�f'.OS. metros
d�de era um formidável obstáculo ao progr•essoêta nação: era de,, emprêsas. _ au1omatizadas _ e dirigidas . por computadores,
incapaz de fornecer alimento para a crescente população ur ª!nê!°?�exi�!�e êle�ito�_bazaEE!S órié�tais apinhados de nego
bana; não era sequer capaz de alimentar as crianças numa Clantes rura1s.-Contuêlo, já passou há muito o· tempo em que
vasta área rural superpovoada. A única alternativa razoável osbolchevistas receavam que os camponeses pudessem ser os
à coJ.etivização forçada residia numa forma de ã agentes de uma restauração capitalista. É verdade que existem
ou cooperação asea a no consentimento dos am oneses. Até colcoses ricos e pobres; e, aqui e além, um mujique esperta
que ponto essa a ternativa seria realista para a União Sovié lhão consegue contornar tôdas as J.eis e regulamentos, arren
tica ninguém poderá dizer agora com segurança. O que é dar terras, empregar sub-reptlciamente mão-de-obra assala
certo, porém, é que a coletivização forçada deixoq um J.egado riada e ganhar bom dinheiro. Todavia, essas sobrevivências
de ineficácia agrícola e de anta onismo entre a cidade e o do__§.Qitªlisrp..9_primitivo_!l�<?.. Qass�m de um fenõm:eii_o·__W:ár
camp.p que a União Soviética ain a não ogrou e iminar. g�l. Se a atual tendência da população - ã-mTgração do
Essas calamidades foram agravadas por ainda um outro campo para a cidade - prosseguir, a classe camponesa con
golpe sofrido pelos camponeses, um golpe que ultrapassou tinuará diminuindo; e, provàvelmente, haverá uma transfor
de longe tôdas as atrocidades da coletivização. A grande mação maciça das granjas coletivas em granjas estatais. Fi
maioria dos 20 milhões de homens que a União Soviética nalmente, pode-se esperar que a lavoura seja "americaniza
perdeu nos cam os de batalha da II Guerra Mundial era e da", empregando apenas uma diminuta fração da mão-de
o camponeses. ão gigantesca era a carência de mão-de-obra obra nacional.
rural que, nos últimos anos da década de 1940 e durante a Entrementes, se bem ue a classe cam onesa este'a de
década de 1950, na maioria das aldeias, só se viam mulheres, clinando, a tradição mujique ain a avulta na vida russa, nos
crianças, mutilados e velhos trabalhando nos campos. Isso ex costumes e hábitos, na língua, na literatura e na arte. Embo
plica, em certa medida, a situação de estagnação da lavoura ra a maioria dos russos já viva na cidade, uma grande parte
dos romances russos, talvez quatro em cada cinco, ainda toma
de lhes dar de comer". Simultâneamente, Le Monde noticiava que 50% das a vida da aldeia como seu tema e o mujique é o personagem
crianças do Senegal estavam morrendo antes dos cinco anos de idade, por central. Mesmo em seu declínio, projeta· uma longa e melan
desnutrição e doença. l!:sses fatos foram noticiados, num único dia, como cólica sombra sôbre a nova Rússia.
meras notícias em poucas linhas .
48 49
E chegamos agora ao que, em qualquer·descrição socioló
gica da URSS, constitui o mais complexo e intrigante pro longe de •esclarecer o assunto, ainda mais o obscurece. A po
blema: o da burocracia, os grupos dirigente_ê', os es ecialistas sição do� grupo�yil��.9'_?Sna sociedade.S(?Viitiç_aé;mais
e a intelligentsia. Sya quantidade -1;:_,nês9 especí ico crescer'ClJn ambígua ão que. um ou outro EP.M<?. l:l!JiJ�fe. .Sles cons�Ju�m
enormemente. Entre 11 e 1 �i)hões<le __especiafo,tas_� ·ªdl;lli um_e]eaj�t1�1fo; -s���k-�Q.JJ.ma.•ç:Jil�§é7"-Põssuem
nistraaõressão em;eregados.na economia_nadonaL comparados certas características em comum com as classes exploradoras
com-apenas meio milhão na década de 1920 e menos de de outras sociedades; e faltam-lhes algumas das característi�
200. 000, antes da Revolução. A êsse contingente devemos cas essenciais das últimas, Gozam de-���télg_E:ns" mateda_is e
acrescentar dois e três mi.lhões . de membros . regulares . das outras que defendemJ?,!:!,llP.a}eJirµfãfm.�JJ,lf;. Neste ponto de�
hierarquias políticas e do e�!_�.!.E:S:!E?:.�!!!.() �ilitar. Numeri��� veniõittãiiiofm-precaver-nos contra generalizações destruti�
vas. Cêrca de 1:L!!J.=J-�.J:ÇO.�Qil..D.(tw.ero t()tal d� especiafüitas são
:�.[��ifu��·e1���{*a6; iã��u�s��c:�;*
ª
pro�Õr$j�i�t[c!J_ç_c;.1:!m�1:�J�_Qé!9ºs; a imprensa soviética fêz-se
quanto o total de camponeses coletivizados ( os colcoses têm ecó, recentemente, de muitas reclamações sôbre as condições
apenas 17 milhões de membros). Seu pêso social é, evidente de·vida do magistério. O mesmo acontece com a maioria. do
mente, muitíssimo maior. Contudo, .não devemos juntar toaos meio milhão de médicos existentes.'"'Mí.iifoscfôs-dois milhões
êsses grupos e classificá-los como a burocracia ou classe di cfe eng'eiíneirõs;'""ãgrônomos e econometristas ganham menos
rigente. Uma distinção clara deve ser feita entre os especia� do que o salário de um operário altament·e especializado. Seus
listas e os administradores com educação superior, por uma padrões de vida são comparáveis aos da nossa baixa classe
parte, e os que apenas possuem educação secundária, por média. .Ss�íveI._.P:2rém,.está reconhecidame1_1Je..muito..aciJna
outra parte. Os elementos dirigentes são, de fato, da pri do padrã��d�.!'i�ª-..Clgs, Ji:abéllgagor�s .. não. �espec.iªlgª-?.Os ..ou
meira categoria, embora não preencham a sua totalidade. Os sêiiiI�especia1izados. Mas seria fraca soci0Iog1a, marxista ou
especialistas com educação superior formam cêrca de 40% do não, condená:r-essa modesta prosperidade como baseada na
total. isto é, mais de 4,5 milhões de pessoas, ou talvez 5,5 mi exploração do trabalho. Sàmen!E:..� c�rn,ad�_�u,ee�ior da. bu_ro
lhões se incluirmos os quadros do Partido e o pessoal militar. crada, da hierarq_uia d(). J?.q,rticto, cios e:ru os .ctif!aentes__gas
Será, então, a burocracia privilegiada que Trotski apontou, a
empresá_s_e:__4ç_9,�sso�Lmil_i �ar,__ ".i!�_e1;1.. con=içõe
certa vez co va inimi a dos trabalhadores? Ou é a , �. c��ª1:fh�eis
àsêlõsricos e dos novos-ricos na309edade ca�l!,sta. E 1m�
ova Classe de Djilas? ( r� como o leitor talvez recor possível definir as dimensões dêsses grupos - permitam-me
de, não aceitou o ponto de vista de qtfe a burocracia era que repita serem cuidadosamente ocultados os dados es(sitís
/luma nova classe.) Devo admitir que: hesito em responder a ticos sôbre os seus números e vencimentos. O que êsses gru•
essas interrogações de um modo demasiadamente cate pos têm em comum com qualquer classe exploradora - estou
górico. Não posso abordar aqui a semântica do problema usando o têrmo na acepção marxista - é que suas rendas ,....
e discutir uma definição de classe. Direi apenas isto: faço uma derivam, pelo menos em parte, da "mais valia" produzida pelos
distinção entre desigualdade econômica e social. de um lado, trã6alhador�s.Além dissO:- dominam a sociedade soviética
•e antagonismo de classes, de outro lado. A diferença entre ,econômica, política e culturálmente.
trabalhadores especializados e altamente remunerados e os Mas o que falta a essa chamada nova classe é a proprie
não-especializados, é um exemplo de desigualdade que não dade. Não possui meios de produção nem terras próp:r.ias.
equivale nem corresponde a um antagonismo de classes; é
uma diferença que exis te dentro da mesma classe social. Em
seus privilégios materiais estão confinados à esfera do con
sumo. Ao invés dos elementos dirigentes na nossa sodedade,
meu entender, a concepção de Djilas sôbre uma "nova �não odem converter qualquer parcela de suas rendas
classe de exploradores" e idéias semelhantes sôbre a "so f
em capitª : não podem poupar, investir e acumular riqueza
ciedade de gerentes" soviética, são uma simplificação que, ná forma durável •e expansiva de ações industriais ou grandes
ativos financeiros. Não podem transmitir riqueza a seus des-
50
51
cendentes: quer veis. Estão no comando da indústria, tal como os nossos g,e
cJasse, 3 Trotski rentes de emprêsa estão; e exercem o comando de um modo
-" =:,:.. ..: 2 ..,:
-:-
ca Iutaria -aü- 1 a'' a__._e""'l'o-d.:ire'-i�to e..:tr:.::a:!.nm=
.
. =1s: t· ir::::.....:s::.u=a=-s=:.:o:.:s::s!:!es.....::::a:::..:..s�e:::::us absoluto. Mas, por detrás dos nossos gerentes empresariais
descen entes e que talvez tentasse expropriar o Estado, tor estão os acionistas, especialmente os grandes. Os gerentes so
nando-se dona ou acionista de emprêsas e trustes. Essa pre viéticos têm não só de reconhecer que tôdas as ações perten- ·
v1sao, feita há mais de trinta anos, ainda não se realizou até cem à nação mas, além disso, declaram agir em nome da
hoje. Os maoistas afirmam que o capitalismo já está senq,o nação e, em especial, em nome da classe trabalhadora. Se
restaurado na União Soviética; presumivelmente, referem-se estão aptos ou não a manterem-se fiéis a essa pretensão, de
à atual descentralização do contrôle do Estado sôbre as in pende exclusivamente das circunstâncias políticas. Os traba
dústrias. As provas para demonstrar a veracidade dessas afir balhadores poderão consentir em que êles a respeitem ou não.
mações são muito frágeis, por enquanto. Teoricamente, é� Poderão, tal como um grupo inepto ou indiferente de acionis
sível ue a atual rea ão contra o contrôle econômico su er tas, permitir maus gerentes; ou demiti-los. Por outras pala
centra iza o sta mista estimu e tendências neocapita istas vras, o domínio burocrático assenta apenas na estabilidade de
entre os gerentes industriais. Penso que sintomas de� uma situação de equilíbrio político. Isto é, a longo prazo, uma
tureza podem ser encontrados na Iugoslávia - eu não iria base muitíssimo mais frágil para o domínio social do que
além disso. Contudo, é improvável que tais tendências che qualquer estrutura estabelecida de relações de propriedade,
guem a predominar na URSS, que mais não seja pelo fato de santificadas pela lei, religião e tradição. Falou-se muito, re
que o abandono do planejamento econômico central seria um centemente, a respeito do antagonismo, na União Soviética e
golpe demolidor para o interêsse nacional e para a sua po na Europa Oriental, entre as hierarquias políticas e os tecno
sição no mundo. cratas; e alguns jovens teóricos tratam êsses dois grupos como
Pondo de lado as especulações, o fato da burocracia so classes sociais opostas, falando de sua "luta de classes" de
viética não ter ainda obtido para si própria a posse dos meios um modo muito parecido ao que costumávamos usar qu-ando
de produção explica uma certa precariedade e vulnerabili se falava da luta entr•e latifundiários e capitalistas. Os tecno
dade de seu domínio social. A propriedade sempre foi o ali cratas, assim nos dizem, com quem os trabalhadores podem
cerce de uai uer su remada de classe. A coesão e unidade aliar-se, almejam a derrubada da "hierarquia política central",
de uma c,lasse epende dela. propfi.edade é, para a classe que usurpou o poder depois da Revolução. Entretanto, se a
que a detém, um fator de formação do seu caráter. iE também "nova classe" que governou a União Soviética durante estas
o élemento positivo para cuja defesa a classe se une. O grit9 décadas, consistia unicamente numa "hierarquia política cen
de batalha de qual uer classe .com osses é a "santidad e da tral", então a sua identidade é deveras impalpável. Sua com
propriedade", a sua invio a 1 i a e, e não apenas o direito posição foi repetida e arrasadoramente alterada, de •expurgo
de explorar os outros. Os grupos privilegiados da sociedade em expurgo, durante a vida de Stálin e depois dêle. Com efeito
soviética não estão unidos por quaisquer vínculos compará- essa "nova classe" tem todo o aspecto de uma invenção so
ciológica sem fundamento sério.
3 Podem, contudo, depositar dinheiro nas caixas econômicas, a uma Na verdade,_ a burocracia soviética tem exercido um
taxa de juro muito baixa. Em 1963, cêrca de 14 milhões de pessoas poder superior ao manipulado por qualquer classe detentora
tinham contas dêsse gênero; e o depósito médio era de 260 rublos. A de bens próprios, nos tempos modernos; mas a sua posição
média esconde as discrepâncias entre as somas de dinheiro depositadas é mais frágil e vulnerável do que a mantida, normalmente,
P?r vários indivíduos. Mas como é provável que poucas pessoas se
deem ao trabalho de depositar num banco economias inferiores a 260 por qualquer outra classe. O_ seu poder é excepcional porque
rublos, as discrepâncias não devem ser, presumo, socialmente impor é econômico, p�ico e cultural, ao mesmo t•empo. Paradoxal
tantes. Na URSS, as pessoas com rendas elevadas preferem inves mente, porém, cada um dêsses elementos de poder teve sua
tir em bens duráveis de consumo, como automóveis e. datchas, em vez origem num ato de libertação. As prerrogativas econômicas
de manterem contas em bancos controlados pelo govêmo.
52 53
moralidade subjacente e, ao mesmo tempo, algo da vitalldade
da burocracia derivaram da abolição da proeri-edade privada e fôrça impulsora da tradição revolucionária.
nã indústria e na finança; as politicas, da vitória total dos Além disso, os Jones soviéticos sobem em massa. São
trabalhadores industriais e agrícolas sôbre o antigo regime; educados em massa. Sempre que a estratificação social se
e as culturais, do fato do Estado ter assumido plena respon baseia exclusivamente na renda e função, e não na propde
sabilidade pela educação do povo e pelo desenvolvimento dade, o progresso da educação em massa é uma poderosa e
cultural da nação. Em virtud,e da inépcia dos trabalhadores estruturalmente irresistível fôrça, no sentido da igualdade.
.,.-, em manterem a sup1:,_emac1a que detinbam em 1917, cada um Vimos que o número de especialistas soviéticos com educa...
dêsses atos de libertação converteu,..se no seu oposto. A bu... ção secundária e superior subiu, num período relativamente
rocracia assenhoreou ...se de uma economia s•em senhores; e es,.. curto, d,e meio milhão para 12 milhões. E o progresso conti...
tabeleceu uma tutela política e cultural sôbre a nação. M�o nua. Numa sociedade que se expande tão ràpidamente e em
conflito entre as origens do poder e o seu caráter, entre os escala tão vasta, os grupos privilegiados têm de absorver
usos libertadores que era intuito atribuir-lhe e os usos que constantemente novos elementos plebeus e proletários, a quem
lhe foram realmente dados, g·erou uma alta tensão política se torna cada vez mais difícil assimilar, o que também impede
perpétua e depurações repetidas que demonstraram uma e que a "nova classe" se consolide social e pollticamente.4
outra vez a falta de coesão social na .burocracia. Os grupos Referi... me à drenagem intelectual que, durante um longo
privilegiados não se consolidaram numa nova classe. Não eli período, reduziu a classe trabalhadora soviética a uma massa
minaram do espírito popular os atos de libertação donde êles inerte e resignada, Agora está ocorrendo o processo inverso:
derivaram seu poder nem foram capazes de convencer as a educação das massas está se desenvolvendo mais d·epressa
massas - ou até êles próprios de que estavam usando o do que a expansão dos grupos privilegiados, mais depressa
poder de um modo compatível com êsses atos. Por outras pa até do que o requerido pelas necessidades da industrializa
lavras, a "nova classe" não conseguiu para si própria a sanção ção. Com efeito, vai correndo adiante dos recursos econômi
da legítimidade social. Deve ocultar .constantemente sua pró cos do país. De acôrdo com as pesquisas educacionais recen,..
pria identidade, o que a burguesia e os latifundiários nunca tes, 80% dos alunos das escolas secundárias soviéticas, em
precisaram fazer. Tem o sentido de ser uma bastarda da His sua maioria filhos de trabalhadores, solicitam a admissão em
tória. universidades. As universidades não podem aceitá...los. A ex...
Já mencionei a consciência culpada que compele os gru- pansão da educação superior não pode acompanhar o ritmo
1 de expans,ão do ensino secundário; e a indústria precisa de
pos dominantes a reunirem "operários" e ",empregados" num
braços. E, assim, contingentes imensos de jovens estão sendo
só total estatístico e a fazerem da estrutura salarial e distri
buição da renda nacional um segrêdo de Estado. Assim, a d�sviadosdosportões das universidades para os das fábri�
"nova classe" desaparece submersa na gigantesca massa cin...
zenta de "operários e empregados", Esconde o .rosto e oculta 4 Em 1966, 68 milhões de estudantes receberam instrução em escolas
de todos os níveis de ensino, comparado com 10 a 11 milhões, antes
o seu quinhão no bõlo nacional. Depois de tantas "caças às da Revolução. Por razões demográficas ( o baixo índice de natalidade
feiticeiras" contra os niveladores, não se atreve a defrontar durante os anos de guerra), o número de estudantes estêve estacionário,
o igualitarismo das massas. Como um observador ocidental . ! em 46-48 milhões, nas décadas de 1940 e 1950. Contudo, nos últimos
sete anos, registrou-se um salto de 22 milhões. 47 milhões freqüenta
escreveu claramente: "Ao passo que em nossas classes mé,.. vam as escolas primárias e secundárias; 3,6 milhões as universidades;
dias a regra é cada um esforçar...se para snbir e andar na com... 3,3 milhões os institutos técnicos; 13 milhões recebiam instrução em
panhia dos Jones, na União Soviética as pessoas privilegia... classes de educação de adultos, entre êles cêrca de 2 milhões de tra
das têm de recordar...se sempre de que devem descer para balhadores e técnicos que faziam cursos universitários sem interrompe
andar na companhia dós Jones". Isto nos recorda algo que rem seu trabalho normal. Depois de 1950, o número de estudantes uni
versitários triplicou.
é característico da ética da sociedade soviética, algo da sua
( 55
54
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época das guerras mundiais e das revoluções. O fato de tantos lado o capitalismo, Lênin não alimentava nem sombra da
esforços revolucionários terem sido frustrados ou serem com ilusão de Lafargue. :8Ie e seus camaradas sabiam que a eman...
provadamente prematuros não invalida a premissa em cuja cipação dos trabalhadores só poderia resultar do esfôrço con...
base agiram. Os homens em enhados na luta não contam junto de muitas nações: e que, se a nação-Estado fornecia
com a derrota antes da batalha ser trava a: é no próprio com... uma estrutura demasiado estreita, mesmo para o capitalismo
1 bate que o desfecho da luta se decide. Lênin e os seus cama... moderno, o socialismo era inteiramente inviável dent ssa
radas, por via de regra, não provocaram arbitràriamente a estrutura. ssa convicção impregnou o pensamento e ativida.... o
batalha; foi mais freqüente ser-lhes imposta uma prova de de bolcheviques, até ao final da era de Lênin.
fôrça. E os r,evolucionários podem aceitar o ponto de vista. Então, em meados da década de 1920, o fato da Russia
tradicionalmente mantido pelos soldados britânicos, de que é estar isolada no mundo acabou por causar uma profunda im
possível perderem tôdas as batalhas menos a última e, entre: pressão, como um ato de vingança: Stálin e Bukárin destaca
mentes, terão de travar os combates que lhes compete perder. ram-se ao expor a idéia de Socialismo Num Só País. Os bol
Lênin e seus adeptos sustentaram a universalidade da cheviques foram obrigados a reconhecer a amarga necessida
revolução ainda por um outro motivo. Viram poucas ou ne de da Rússia "prosse uir sozinha" enquanto pudesse; foi êsse
nliuma esperanças de realização do socialismo na Rússia, iso- o núcleo raciona a nova doutrina que cativou tantos interr
11 ladamente. A Rússia não seria capaz, ou não poderia por nacionalistas e da qual nem \Trotski,_ Zinoviev ou Kamenev
muito tempo, isolada dos países industriais avançados e re discordaram.
duzida a seus próprios recursos, superar a escassez econômi� Mas o significado especial da nova doutrina reside num
ca, o .baixo nível de sua civilização ou a fraqueza da sua outro fato: da necessidade fêz uma virtude e representou
classe trabalhadora: não poderia, sozinha, impedir a asc,ensão uma reação contra a concepção universalista da r,evo!ução.
da burocracia. ToÉos os bolcheviques - e aqui se inclui o Argumentando a partir d o isolamento da União Soviética.
próprio Stálin - es2eravam, no princípio, que a Rússia ade... Stálin e Bukárin formularam a palavra de ordem para uma
riria a uma comunidade socialista euro éia em que a Alema e1>pécie de isolacionismo ideológico. Proclamaram que a Rússia,
n a, rança ou ln !aterra assumiria a i erança e a ·u aria desamparada e desajudada por outras nações, podia e devia
a ússia a camin ar para o soda ismo e um mo o racional não só avançar para o socialismo, o que era axiomático para
e civilizado, sem nada que se parecesse com os sacrifícios, a todos os bokµeviques, mas que devia por si mesma realizar o
violência e a desigualdade social que acompanhariam a indus socialismo integral - uma sociedade sem classes, livre do
tria1izaç.ão de uma União Soviética isolada. Já em 1914 a pa domínio do homem pelo homem, o que era, na melhor das
lavra de ordem de Lênin era: Os Estados Unidos da Euro hipóteses, uma esperança ilusória. Di_:;;seraJ:rt�s. com efeito,
pa Socialista - embora mais tarde alimentasse suas dúvidas, que, salvo a guerra, Q_Q_est!_no da nova socied�q�__ J:]_QYiétiJ;;.a
não quanto à idéia em si mas sôbre se ela seria corretamente era compktamente independenteôoqüe se pãssav;Lno_.resto
entendida. Depois, em 1918, afirmou que o wcialismo "já é do mu_ndo; e que o soéíãlísmo podia ser e iria ser um sistema
uma realidade nos nossos dias; mas suas duas metades é como nacionalmente autorsuficiente, fechado e autárquico. Parafrar
se tivessem sido despedaçadas: uma metade, as condições po seando Engels, fizeram da "emãncipação do roletariado" um
líticas para o socialismo - o govêrno do proletariado ex-er eyento puramente russo e, essa maneira, tomaram impossír
cido através dos sovietes - foram criadas na Rússia; enquan vel essa emancipação. As implicações ráticas cedo se evir
to que a outra metade, os pré-requisitos industriais e cultu denciariam. Por mais de tres éca as. o ocia ismo Num Só
rais, existem na Alemanha". Para se realizar o socialismo, País foi Õ cânon oficial e o do ma central do stalinismo, im
e�s "duas metades" têm de ser reunidas. Se Engels arg� pos os de um modo quase eclesiástico ao Partido e ao Estado.
mentou contra Lafargue que tanto os franceses como os ale Duvidar da sua verdade era blasfêmia e, porque duvidaram,
mães "não podiam ter tôda a glória para êles" ao ser aniqui- incontáveis multidões de membros do Partido e outros cidar
62 63
dãos foram punidos com a excomunhão, o cárcer,e e a morte.
guês entendeu-o perfeitamente, ainda que cogitasse se deve•
Até ao presente, embora o socialismo se propagasse, ao que
ria ou não tomá-lo a sério. Durante o grande duelo entre
se supõe, a mais uma dúzia de países, o Socialismo Num Só
Stálin e Trotski, a maioria dos nossos estadistas e líderes da
País ainda não foi, entrementes, despojado de sua canonici
OJ>inião pública sustentou que os interêsses do Ocidente seriam
dade. melhor servidos se Stálin vencesse. Ele era favorável à mo- /
Subentendida na idéia de um socialismo russo auto-sufi deração e à coexistência pacífica.
ciente havia a aceitai;ão tácita do ponto de vista de que as
Contudo, o stalinismo não podia fàcilmente desembara
perspectivas de revolução no Ocidente tinham desaparecido
çar-se das lutas de classes e conflitos sociais no mundo à sua
para sem e. Isso 1:'efletia, sem dúvida, um estado de e pírito volta. Carregava consigo uma herança revolucionária que não
popular. 1A:pos
_
mmtos anos de fome, lutas e frustraço �
es, o podia alijar nem abandonar. A sede da Internacional Co�u
povo estava desesperadamente cansado e indiferente à s ha nista era em Moscou; e a Internacional era a consubstancia
bituais promessas do Partido de que a revolução int·ernacional,
ção da fidelidade bolchevista primitiva à revolução universal.
a grande fôrça libertadora do proletariado ocidental, em breve
Durante muito tem o tálin não foi capaz de desmantelar o
acorreria em sua ajuda. A nova doutrina sustentava uma di
Comintern: só em 1943 e atreveu a es erir o oi e. ntre
ferente perspectiva: assegurava ao povo que, mesmo se a Re
mentes, fêz o que po e para a aptá-lo aos seus propósitos.
volução Russa tivesse de permanecer isolada para sempre,
Domesticou-o. Converteu-o num auxiliar da sua di lomacia
mesmo assim cumpriria a sua promessa de socialismo e es
ou, · como 'firotski isse certa vez,. transformou os parti os
tabeleceria uma so.ciedade sem classes dentro de suas fron
ã;'munistas ,estran eiros de "van uardas da revolu ão mun
teiras. "l:t uma doutrina de consolação", confessou em parti
d ia em acifistas e uardas fronteiri os da União Sovié
cular EuÇTene Va�a, um dos seus eminentes articuladores.
tica. s partidos comunistas consentiram, de fato, em servir
Era tamEêm, poderíamos acrescentar, uma doutrina de exação,
osinterêsses diplomáticos e o egoísmo nacional do "pri�eiro
vis�o que em nome do Socialismo �um Só Pa s, <:..,E_OVO era Estado dos trabalhadores" porque êle fôra o primeiro Esta
. �
solicitad o agora a abandonar suas liberdades civis e a supor do dos trabalhadores. Não tiveram coragem em insistir em
tar esados sacrifícios e privações intermináveis. Os homens
sua própria independência, apesar de que se o fiz•essem, sal
do grupo dominante e a urocracia em geral tinham, além
variam sua dignidade política e eficácia revolucionária: l!!!Lª
disso, seus motivos próprios de Realpolitik e ra1ison d'État. O
Internacional o erando, merament•e, como a ente do Socia
pensamento de uai uer burocracia está vinculado à na ão-Es
lismo um Só País, era uma contra ição atética em têrmos.
tado • modela o or êste e suas 1m1tações são as mesmas.
A busca stalinista e segurança nacional, dentro o
A .burocracia bo c ev1sta escia agora as a turas do período
quadro do status quo internacional, poderia ter feito algum
heróico da Revolução para as profundidades da nação-Es
sentido se o status quo fôsse inerentemente estável. Mas não
tado; ,e Stálin guiou a descida. Ansiavam por segurança para
foi êsse o caso. Nada poderia haver de 'mais precário do que
êles próprios e para a Rússia dêles. Esforçaram-se por salva
guardar o status quo nacional e, sobretudo, o internacional, e
o e uilíbrio sociale o e uilíbrio internacioanl de fôrças nas
éca as entre as duas uerras. O equilíbrio sooa oi catas
por encontrar um modus vivendi estável com as grandes po
trõficament•e desfeito é�o rande cola so de 1929. Ó equilí
tências capitalistas. Estavam convencidos de que o poderiam
brio m1 1tar e ip omático foi interrompido pela recuperação da
encontrar numa espéde de isolacionismo ideológico e mostra
Alemanha da derrota de 1918 e sua determinação de derrubar
vam-se ansiosos por desvincular a União Soviética das lutas
o sistema baseado no Tratado de Versailles. A Rússia não
de classe e conflitos sociais que lavravam no resto do mundo.
podia isolar-se dos choques que êsses acontecimentos produ
-
Ao proclamar o Socialismo Num Só País, Stálin disse, com
ziram. Entretanto, o que Stálin, a sua diplomacia e seu dócil
efeito, ao Ocidente burguês, que não estava vitalmente int� ais e im edir até êsses
Comintern fizeram foi tenta · lar
réssado ,em socialismo nos outros países. E o Ocidente bur- ou mitigando os conflitos estrangeiros em
dioques
--=-' sustan o
64 65
tar o poder. Ora, o triunfo de Hitler em 1933 foi realmente
que a Rússia pudesse ver-se envolvida. O grande e implacá inevitável? Houve ci�cunstâncias º?j,etivas que ass!m ': deter- J /
v,el ditador, o suposto mestre de Realpolitik, foi, de fato, o , _ .
minaram? Ou o movimento operano alemao podena te-lo im
Rei Canuto do nosso século, intimando as vagas da revolu pedido? Antes de procurarmos responder a essas interroga-
ção, contra-revolução e guerra e ficarem quietas. Em virtu ções, temos de considerar que, •em 1933, êsse movimento en- /v
de da tremenda autoridade gue Stálin exercia sôbre o comu tregou, sem luta, tôdas as suas osi ões a Hitler. Isto é ver-
nismo mundial. uma autoridade apoiada por todo o poder e da e no tocante aos partidos, o Social-Democrata, que con
prestígio da União Soviética, a sua atitude e orientação eo trolava os sindicatos e tinha um corpo ·eleitoral de mais de
lítica muito influíram, é claro, na forma assumida pela His oito milhões de pessoas, e o Comunista, com mais de cinco
tória Mundial numa época decisiva. Ninguém pode dizer qual milhões de membros. Os elementos mais vigorosos e militan-
seria o aspecto do Ocident•e - ou do Mundo, em geral - tes do movimento operário pertencia m ao Partido Comunis-
na atualidade, se o movimento trabalhista fora da União So ta. Em virtude do seu próprio pêso político •e da influência
viética tivesse seguido seus próprios interêsses e tradições e
que a sua conduta exercia na massa mais inerte dos sociais
não tivesse consentido que uma influência externa, stalinista
democratas, o comportamento do Partido Comunista era a
ou não,_ interferisse no ritmo e direção de seu desenvolvimen máxima importância. ontudo, minimizou deliberada e siste
to. Talvez as nações avançadas do Ocidente já tivessem rea
lizado suas respectivas revoluções socialistas; ou talvez es màticamente o perigo nazista, afirmando aos trabalhadores
que os sociais-democratas, ou "sócio-fascistas", não os nazistas,
tivessem mais próximas da revolução do que atualmente se eram o verdadeiro inimigo, sôbre o qual deviam "concentrar
encontram. todo o fogo". Os líderes de ambos os �rtidos, o Social-De
Não creio que as derrotas da revolução e do socialismo mocrata e o Comunista, recusaram mesmo considerar a idéia
no Ocidente fôssem tão inevitáveis quanto hoje nos parecem. de uma ação comum contra o nazismo. Não havia qualquer
_
Nao penso que tenham sido tôdas causadas por circunstân raz,ão objetiva pe:la qual se comportassem dessa maneira. Sua
cias objetivas, isto é, pela "solidez" inerente à sociedade oci capitulação não era inevitável. A vitória fácil de Hitler, em
dental. Pelo menos, alguns dos maiores reveses do socialis 1933, não era inevitável. E Stálin, assim como o Partido sovié-
mo foram devidos a fatôres subjetivos, pela inconsistência da tico, não tinham interêsse algum em patrocinar a política de
política promovida por homens e part-idos que se supunha capitulação e nela persistir. Essa apatia e indif.erença, perante
serem os campeões do socialismo. As previsões marxistas sô o nazismo em ascensão, resultou exclusivamente do tem era
bre a luta de classes no capitalismo não estavam tão longe do mento iso acionista e tá in e o seu esejo de manter a
alvo quanto hoje parece, se excetuarmos o fato de que Marx, União Soviética estranha a qualquer complicação que a obri-
Engels e Lênin não contaram com o stalinismo e suas conse gasse a intervir num conflito fora de suas fronteiras. Empe
qüências internaciona'is. nhado na segurança, Stálin recusou todo e qualquer movimen-
Podemos dar um exemplo de vulto, a título ilustrativo, to comunista na Alemanha que pudesse conduzir a um con
entre tantos que poderiam ser citados. Qualquer estudioso da fronto e, ossivelmente, à uerra civil entre a es uerda alemã
História contem orânea ficará impressionado e, talvez, er e o nazismo. erseguindo a miragem da segurança, dentro do
p exo e a tota assivi ade e in i erença com que, no início status quo internacional, a miragem do Socialismo Num Só
a década de 1930, oscou encarou a ascensao · o nazismo. País, o stalinismo rovocou a derrota do socialismo em mui s -o
Stálin, seus conselheiros e seus propagandistas, não revela outros países e expô,s � mao oviética a um pe:igo mortal.
ram nessa altura a menor idéia do que estava para acontecer. Alguns dentre nós r umentamos nesses anos mmt ntes de
Não pressentiram a fôrça que se acumulava e o dinamismo 19 , que um ovêrno nazista si nificava a uerra mundial e a
0
destrutivo do movimento nazista. De 1929 a I 933, instigar�m invasão a União Soviética; que era dever da esquerda alemã
o -Pa ido Comunista Alemão a cometer uma longa série de barrar o caminho de Hitler, em sua arrancada para o poder;
erros fatais, que tornaram muito mais ac1 a it er congui§-
67
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que tínhamos uma boa possibilidade de o conseguir; e que, ropa do domínio nazista - podia ser "unicamente um evento
mesmo se fracassássemos, era preferível cair lutando do que internacional''. Não foram só os exércitos das grandes po•
aceitar passivamente a perspectiva de aniquilamento da es tências que fizeram a guerra. Guerrilhas,_ parvisans e resis
,,, querda pelos nazistas. Fomos vilipendiados em Moscou como tentes de muitas nações também a travaram. Uma guerra civil
internacional, com tremendas otencia.lidades sociais revolu
/ 1 fautor,es de ânico, belicistas e inimi os do roletariado ai -
mão e da União cionárias, de&enro ou�se entro a própria guerra. O stali
nismo, porém, continuou amarrado à segurança convencional,
A ca itulação de 1933 foi a derrota mais esma adora
à razão de Estado e ao sagrado egoísmo nacional. Entrou
jamais so ri a pe o marxismo, uma derrota que iria apro un
numa "Guerra pela Pátria", outro 1812, não numa guerra
dar-se ainda mais em conse üência dos acontecimentos ulte
civil européia. Não defrontaria o nazismo com a idéia de so
riores e a po ítica stalinista que se lhe seguiv: uma derrota, cialismo internacional e revolução. Stálin não acreditava que
111 enfim, de que os movimentos operários alemão e •europeu
a idéia inspirasse os seus ,exércitos na luta ou que iEso pu•
• • • 11 ainda não se restabeleceram. Se a esquerda alemã e, sobretu- desse contagiar e desintegrar os exércitos do inimigo, como
dõ, o Partido Comunista Alemão, não consentissem em que
acontecera nas guerras de intervenÇ,ão. Além disso, in�
os instigassem à capitulação, se possuíssem o bom senso de com os v,ários movimentos de resistência na Europa para q1
lutar pela própria existência, talvez nunn tive3re ef istido um ;e
lutassem exclusivamente pela libertação nacional, não pe o
Terceiro Reich nem havido uma Segunda Guerra Mundial.
socialismo. Em parte, foi impelido pelo desejo de preservar a
À União Soviética não perderia 20 milhões de mortos nos Grande Aliança; supôs corretamente_ que se a guerra amea�
campos de batalha. A fumaça das câmaras de gás de Ausch�
çasse convert·er�se numa revolu ão euro éia, Churchill e
witz talvez não escurecesse os anais da nossa civilização. E,
Roosevelt a an onariam a a iança na mesma hora. Em parte,
entrementes, a Alemanha talvez se convertesse num Estado
põrem, temia a agitação revolucionária que poderia abalar o
\ proietário.
equilíbrio político-social precário em que a sua autocracia se
Poderíamos dar outros exemplos de como a obsessão sta baseava, dentro da própria União Soviética. Stálin estava de�
linista da segurança acabou por conduzir à insegurança ca t•erminado a sair da i antesc onvulsão com o Socialismo
tastrófica, e como o isolacionismo ideológico agravou, inva um Só País e a sua autocracia intatos. ontudo, a lógica
riàvelmente, o isolamento da União Soviética, o que, é claro, dá guerra contrariou a sua ideologia isolacionista. Teve de
impeliu a política soviética para um isolacionismo cada vez enviar exércitos a uma dúzia de países estrangeiro3; e, em
mais profundo. O círculo vicioso é reproduzido ,em quase todos bora marchassem à sombra das bandeiras da Pátria, eram
os estágios da diplomacia stalinista e pós-stalinista, sempre ainda Exércitos Vermelhos, que não seriam fàci.lmente persua
que a razão de Estado soviética se impunha à política cfeum didos de que a sua vitória, paga por tão alto preço, termina
importante setor do movimento ooerário ocidental. F01 êsse ria na restauração do capitalismo em tôdas as terras que êles
� o caso da Frente Popular, na França; da Guerra Civil Es- libertavam da ocupação nazista. As conseqüências revolucio
1 panhola e das r•epercussões do Pacto Nazi-Soviético de 1939- nárias da guerra aí estavam. Como mantê�las sob contrõle e
. 41. Em todos êsses exemplos, não foi tanto a fôrça inerente como reduzi�las a um mínimo foi, •em Teerã e Yalta, a preo�
do capitalismo ocidental quanto o egoísmo nacional da políti cupação comum de Stálin, Roosevelt e Churchill. Enfrenta
ca de Stálin ue infli iu derrota a ós der.rota às fôr as so� ram os problemas da aliança no espírito da diplomacia con�
eia istas do Oci ente; e cada uma dessas derrotas eram tam� - vehcional, distribuindo e delineando as respectivas esferas de
bêm um roetrocesso para a1lnião SoviétiÇil. influência.
A II Guerra Mundial e a invasão nazista forçaram a É o.cioso entrarmos agora no exame dos complicados con
União Soviética a sair do seu isolamento. De nôvo a eman flitos subseqüentes, mesmo antes do final das hostilidades e
cípação dos trabalhadores - e, é claro, a libertaç.ão da Eu- do início da guerra fria. Basta dizer que, apesar da União
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Soviética estar envolvida como nunca nas questões de tantos completamente controlada. Os iugoslavos desafiaram a lid�
países, e de Stálin ter de garantir os frutos da vitória - a rança russa: e a Revolução Chinesa vitoriosa fêz-lhe frente,
hegemonia da União Soviética na Europa Oriental, por mé� implicitamente, com um gigantesco desafio. Não obstante, nem
todos quase revolucionários o stalinismo, no entan'.o, man mesmo a expansãõ da revolução curou a política stalinista do
teV1e-se fiel à sua mesquinhez nacional. A revolução na Eu seu egoísmo nacional e do isolacionismo; e, dêsses males, a
ro a Oriental não seria "o evento internacional rovocado política dos sucessores de Stálin ainda é a herdeira. Se bem
P'e os es or os con·untos do roletariado de muitas na ões". que o conceito de Socialismo Num Só País tenha oerdido tôda
Foi imposta e cima para baixo pela otência ocu nte e seus a reievância, a mentalidade, o modo de oensar e o estilo de
ag_ente§_, E as chamadas Democracias opu ares destinavam-se a�o política inspirados por êle sobreviverai.v.
a representar, simplesmente, a esplanada def.ensiva, antes de
atingidas as muralhas do Socialismo Num Só País. Na Eu Ainda um outro aspecto do impacto da União Soviética
ropa Ocidental, o domínio bur uês desmantelado e desacre sôbre a vida social e política do Ocidente poderá ser agora
ditado, foi restaura o e acôrdo com os pactos de Yalta e sucintamente examinado. Nos primeiros anos que se seguiram
Teerã; e 2s partidos comunistas ajudaram à restauração, �r a 1917, a mensag·em da Revolução de Outubro provocou uma
tici ando nos overnos do ós- uerra de De Gaulle e de reação profunda no movimento trabalhista ocidental. Em 1920,
0 '.1.1. Gasperi, co a oran o ara desarmar a esistência e re rimin
por exemplo, os Congressos dos Partidos Socialistas francês
do o ra ica ismo indócil das classes trabalhadoras. Desta ma e italiano e o do Partido Socialista Independente alemão,
neira, as potencialidades revolucionárias do período pós-guer então o mais influente corpo político da esquerda aJ.emã, vo
ra foram realizadas, mas desvirtuadas em sua realização, .::m taram, em grande maioria, pela adesão à Internacional c�
tôda a Europa Oriental; e foram anuladas na Europa Oci munista. Mesmo na Inglaterra conservadora os portuários de
dental. Assim, o stalinismo trabalhou de modo a roduzir um Londres, liderados por Ernest Bevin, expressarain sua simpa
� resultado indeciso, um empate, na uta e classes, habilitan tia pela nova Rússia ao recusarem-se a carregar munições des.
0 · do a sua diplomacia a garantir a "coexistência pacífica dos tinadas aos exércitos poloneses que combatiam contra os so
sistemas sociais opostos''. Uma vez mais, Stálin procurou obter viéticos. Parecia que o movimento trabalhista ocidental se
a segurança nacional na .base do status quo internacional, isto erguera, sob a inspiração da Revolução Russa, do marasmo
é, a divisão de zonas acordada em Teerã e Yalta. Contudo, a em que mergulhara em 1914. Também na II Guerra Mundial
diplõmacia não podia remover todos os pomos de discórdia a batalha de Stalingrado ergueria a Europa ocupada pelos ll'a
que os senhores de Teerã e Yalta disseminaram ao longo das zistas dos abismos de desespêro, inspirando a R·esistência com
fronteiras de suas zonas: nem estava em condições de enfren a confiança na vitória e renovadas esperanças socialistas. Mas,
tar os perigos desconhecidos da era nuclear. E assim foi que tudo ponderado, o exemplo da União Soviética, neste meio
se deixou o mundo tiritando sob as rajadas desoladoras so século, longe de estimular os movimentos trabalhistas no Oci
pradas pela guerra fria, que nada mais foi senão uma forma dente, dissuadiu-os de lutarem por suas aspirações socialistas. l
depravada da luta de classes empreendida pelas grandes po
tências. Uma vez mais nos vem à lembrança a advertência de Paradoxalmente, a razão principal foi o fato dos traba
Engels: "A lideran a francesa exclusiva da revolução bur lhadores verem a Revolução Russa como o primeiro grande
guesa levou - sa e aon e. - a apoleão, às conquistas e,.à teste histórico do socialismo. Não tinham conhecimento das
iny_asão pela Santa Alian�a". Mais de uma vez, a liderança dificuldades trágicas com que a União Soviética estava so
russa exclusiva da revolução socialista and u sinistram nte brecarregada. Dissessem os teóricos marxistas o que dissess·em
perto e pro uzir os mesmos resultados. sô6re essas dificuldades, por mais lógicamente que argumen
- Contudo, a época de liderança russa exclusiva estav tassem não poder uma sociedade livre e sem classes surgir
c�gando ao fim. ressaca revo ucionária a guerra não fôr� de um país assolado pela pobreza e ainda semibárbaro, para
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a massa dos nossos trabalhadores eS'.'as coisas não passavam volução não leva a parte alguma". Muitos mergulharam na
de sutilezas da teoria abstrata. Para êles, o sociafismo na apatia política; e muitos outros reconciliaram-se com o status
Rússia não era uma questão de especulações teóricas mas de quo no Ocidente, que os booms ,do pós-gu�r�a e o .Estado
experiência prática. Evidentemente, não interesrnva à União Previdente tornaram mais toleravel. Os m.electuais, que
Soviética encorajar esperanças exageradas. Os líderes sovié� acreditaram no socialismo soviético, acabaram denunciando o
ticos, cientes de suas responsabilidades, teriam consciencio� "o Deus gue os traíra". O mito de Socialismo Num_ Só País
sarnente explicado a posição, como Lênin costumava fazer; e alimentou, assim, um mito ainda mais falso - um mito colos
teriam esclarecido que as realizações da União Soviética, ainda sal - sôbre o fracasso do socialismo. Essa dupla mistifica
as maiores, eram e só podiam ser preliminares do sodalismo, ção passou a dominar grande parte do pensamento olítico
não o verdadeiro conteúdo do socialismo. Poderiam assim oci enta e contri uiu imenso ara o im ass,e i eo ó ico em
evitar que se acalentassem ilusões e impedir que sobrevies que o mun o ainda vive, meio século depois de 1917.
sem as subseqüentes desilusões; e poderiam ter incutido no
movimento trabalhista do Ocidente a noção de sua co-respon� Contudo, o Ocidente não tem razão alguma para encarar
sabilidade elo isolamento e os a uros da União Soviética. êsse resultado com orgulho. Pois quando um russo observa a
Contu o, tá in e seus associados estavam muitíssimo preo crônica do Ocidente, em suas relações com a Rússia, que vê
cupados com o orgulho nacional e o prestígio burocrático êle? A extorsionária Paz de Brest-Litovsk, a intervenção ar
para agirem dessa maneira. Ofereceram sua "doutrina de con mada dos aliados contra os sovietes, o bloqueio, o cordon
solação", seu mito de Socialismo Num Só PaísL aos .trabalha sanitaire, os prolongados boicotes •econômicos e diplomáticos;
dores não só da Rússia mas do mundo. e, depois, a invasão de Hitler, os horrores da ocupação nazista
Um efeito da propagação dêsse mito foi converter os as dilações engenhosas por meio das quais os aliados da
comunistas e socialistas ocidentais em m<cros espectadores. Rússia iam prorrogando a abertura de uma segunda frente
Como os russos diziam que eram perfeitamente capazes de contra Hitler, enquanto os exércitos soviéticos se imolavam
realizar ( ou já tinham realizado) o socialismo sem ajuda de nos campos de batalha; e, depois de 1945, a rápida inversão
quem quer que fôsse, par•ecia nada mais restar, aos povos do das alianças, a chantagem nuclear e o frenesi anticomunista
Ocidente, senão observar como é que os russos davam conta da guerra fria. Que crônica!
s
do recado. Durante trinta anos, a propaganda Etalinista falou Um marxista deve perguntar por que motivo as classe
dos mila res ue o socialismo estava o erando na URSS. e os seus partidos permit iram tanta
trabalhadoras do Ocidente
n
Os mais ar entes e os mais ingênuos acre itaram. A grande liberdade de iniciativa e ação a governos e estabelecime
o'
semelh ant· e crô•
maioria dos trabalhadores oCJdentais teve suas dúvidas, deixou tos que entre êles, eram os responsáveis por
um juízo em suspenso ou formou opiniões negativas. Relatos nica. historiador tem de sondar as circunstâncias obje:ivas
s
sôbre a pobreza, a fome e o terror soviéticos alimen�avarnõ que podem impedir o socialismo ocidental, no c�rso dess�
obnga r o Oci•
cepticismo. As grandes depurações e o culto de Stálin, zelo cinqüenta anos, de intervir radicalmente e de
ta
sãmente defendido por todos os partidos comunistas. provo dente a encarar a Revolução Russa de um modo comple
cavam repugnância. Então,_ multidões de soldados americanos, mente diferente. Tem també m de levar em conta os efeitos
britânicos e franceses entraram em contato com os seus aliados negativos da prolongada e exclusiva _liderança r�ssa da revo•
soviéticos na Alemanha e Áustria ocupadas; e extraíram suas luç,ão socialista. Mas, tendo considerado cmda �o�amente
conclusões. Finalmente em 1956 houve o cho ue das reve tôdas as circunstâncias objetivas e feitos os necessanos des
o
ções de Kruschev. Muitos milhões de traba adores ociden� contos como resumirá êle suas conclusões? Engels, faland
tais ponderaram sõbre essas experiências, com o passar dos a resp�ito da liderança francesa exclusi va da revo )ução bur
sem
anos, e concluíram que "o socialismo não funciona" e "a re� guesa e suas conseqfrências nefastas, e tendo analisado,
72 73
dúvida, com todo o cuidado, as circunstâncias objetivas da
época, resumiu sua opinião nestas francas e sugestivas pala
vras: "Tudo isso se tornou inevitável or causa da estu idez
e covardia as outras nações . Um futuro ngels terá de
lavrar a mesma sentença sôbre a nossa época?
A União Soviética
e a Revolução Chinesa
76 77
considerando as perspectivas de socialismo aí existentes, Lênin pessoas orwellianas, mas tôda uma classe social - o proleta
insistira em afirmar que a naç,ão-Estado formava uma base riado industrial chinês da década de 1920 - foi apagada da
demasiado estreita ara a trans - História e convertida numa não-classe. Veremos agora por
u ocialista. A.!_ê �
to os os gran es mani estos da lntern'acional Comunista cul que foi que isso aconteceu.
minavam num apêlo para os Estados Unidos da Europa So A sorte da revolução da década de 1920 foi bastante
calista. No Oriente, porém, a situação era muito diferente. trágica. Não só foi derrotada mas, ainda antes da derrota, já
as;eus povos viviam numB; época pré-industrial e mesmo fôra empurrada de volta ao impasse da revolução puramente
pré-burguesa, fragmentados por particularismos quase feu burguesa, para o qual o leninismo acabara d-e iniciar a única
dais, patriarcalismos tribais, sistemas de castas e caudilhis saída. Stálin, seus a ani uados e a entes na China, fizeram-na
mo militar. Se, para o Ocidente, a nação-Estado, a grande retroce �r. Nós, no Ocident·e, não precisamos fiar-nos nas "re
conquista do passado, já constituía um obstáculo ao progres visões" stalinistas ou maoístas da História; suponho, por isso,
so, para os povos do Oriente essa realização ainda se situav que os leitores conhecem os acontecimentos em suas linhas
no uturo e era uma con 1çao essencia e progresso. Mas gerais; e recordarei, apenas, que a fuolítica de Stálin centra
se, no Ocidente, a moderna nação-Estado fôra o produto va-se na idéia de que a revolução c inesa devia ter objetivos
de revolução burguesa, o Oriente tinha de ir além dessa re puramente burgueses e basear-se no chamado "bloco de quçt
volução para atingir a mesma finalidade. Foi essa a nova e tro classes''. Com efeito, Moscou forçou os relutantes comu
grande lição !=jUe Moscou divulgou no início da década de nistas chineses e submeterem-se incondicionalmente à dire . , t.. ,! ,-
1920. Apesar disso, não concebeu a revolução chinesa ou ção e disciplina do Kuomintang; a aceitarem o general Chiang
qualquer outra revolução no Oriente como uma luta pura Kai-chek como o líder e herói nacional; a absterem-se de en
mente nacional, mas como parte de um processo internacio corajar revoltas agrárias; e, finalmente, em 1927, a desarma
nal; e ainda atribuía à revolução socialista proletária do Oci rem os trabalhadores insurretos nas cidades. Dessa maneira
dente o papel dominante na luta mundia"I. O bolchevismo fÕi. suprimida a primeira grande e vitoriosa rebelião roletá
pro·etava a sua pró ria ex eriência no cenário mundial. Na riãda Ásia, é!. Comuna e Xangai, seguindo-se o massaq:e
ússia, a evo ução tivera lugar na ci a e ,e no campo; mas cte comunistas ·e trabalhadores insurretos e,- finalmente, a der, 1
a iniciativa condutora, a inteligência e a vontade partiram rocada da revolução.
da cidade; e isso, pensavam os bolcheviques, repetir-se-ia T,em-se argumentado que, independentemente da políti-
numa escala global, em que o Ocidente industrial era a "ci ca de Stálin, a revolução de 1925-27 estava condenada, de
dade", ao passo que o Oriente subdesenvolvido era o "campo". qualquer modo, por causa de sua inerente "imaturidade", O
historiador não pode, num exame post mortem, destrinçar as
A revolução chinesa seguinte, que ocorreu em 1925-27, causas objetivas de um acontecimento como êsse das causas
parecia confirmar essa esperan� A Gra-Bretanha foi, nessa subjetivas, da política e ações dos homens; não pode afirmar
época, abalada pelas maiores lutas de classes da sua Histó qual foi, entre todos êsses fatôres, o que decidiu o resultado da
ria, a mais longa e pertinaz greve de mine1ros registrada até luta. O fato é que, fôsse a derrota da revolução inevitáv,el ou
hü!e e a Greve Geral de 1926. Na China, o alinhamento das não em 1927, o stalinismo fêz tudo o ue lhe era ossível 11
fôrças sociais assemelhava-se, em têrmos gerais, ao padrão para que assim ôssse. No riente, não menos do que no
russo: o país rural ardia na revolta agrária mas os trabalha Ocidente, a política stalinista foi acionada pelo mêdo de des
dores urbanos eram a fôrça impulsiora da revolução. '.É ne truir ou perturbar o status quo, e pelo desejo de evitar en
cessário recordar êsse importante fato, agora esquecido ou volvimentos profundos em conflitos sociais graves no estran
ignorado. Grande parte da história chinesa recente foi, inf_e geiro, que pudessem redundar em "complicações internacio
li!mente, escrita de nôvo por maoístas e stalinistas; e não só nais". No Oriente, não menos ue no Ocidente, o stalinismo
muitas personalidades históricas foram convertidas em im- agiu no senti o empat,e na luta de class�s.
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82 83
gozavam do apoio camponês, os maoístas não eram uma elite blocos. Nessas circunstâncias, a· segurança da China resi
revolucionária isolada, sem qualquer classe social atrás dêles. dianuma •estreita aliança com a União Soviética e na ajuda
Mas os camponeses, seu individualismo focalizado na econo econômica soviética; e isso re eria o ajustamento da sua e:,•
mia rural, eram, na melhor das hipóteses, indif.erentes ao trutura social e política ã da Ünião Soviétiq1.
que acontecia na cidade. Não era fácil para a nova China. realizar uma estreita
Ao irem muito além do horizonte camponês, os maoistas aliança com a URSS. As relações entre as duas potências
foram impulsionados por três motivos, pelo menos: (a) os comunistas eram tensas e, desde o início, cercadas de ambi
compromissos ideológicos que aceitaram nos primeiros anos güidades. O egoísmo nacional do govêrno de Stálin era a
formativos; ( b) considerações de interêsse nacional; e ( c) principal causa das tensões. Ainda que Mao e seus camara-
\lllperativos de segurança internacional. EEJ: seus anos de mo das estivessem dispostos a esquecer como Stálin os usara na
cidade, en__g_uanto sofr��!'lm _ a_ influência _da __escol!!)E:!linista de década de 1920, como tratara então os guerrilheiros e obs
pensamento, absorv�!._él_!!?.__ -ª.�-jqêjç:1_� 4Q -�9.<::iéll!s_xn_o prnktAri.o. truíra suas tentativas de conquista do poder, não podiam
Ditrãrite-as·dEêâôas- de sua imersão na China rural, tais idéias fàcilmente reconciliar-se com a posição mantida pela Rússia
eram de pouco ou nenhuma utilidãde e êles - identHlcarâ�_,..�e 110 Extremo Oriente, desde a derrota do Japão. Os russos
então com o individualismo c�onês. Mas, reentrando nas restabeleceram seu predomínio na Manchúria; conservavam
ciàaâes como governantes cta China, não podiam permitir-se em seu poder a Far Eastern Railway e Pôrto Arthur; e des
ser unicamente guiados por êsse individualismo, o qual, tradu mantelaram e transportaram para a Rússia, como "prêsa de
zido em têrmos urbanos, significava iniciativa privada na in guerra", o parque industrial da Manchúrra - a província que
dústria e no comércio. Lutavam por unificar a nação, criar um era então a única .base industrial da China e da qual o seu
govêrno centralizado e edificar um moderno Estado-nação. desenvolvimento econômico dependia. Tampouco Moscou mos
Não podiam basear-se num enfezado capitalismo nativo, vul trava quaisquer sinais de estar disposta a abandonar s•eu do
nerável às pressões ocidentais. A indústria e os bancos nacio mínio na Mongólia Soviética, embora todos os líderes, no
nalizados forn•eciam um alicerce muito mais seguro para a passado, formulassem promessas repetidas e solenes de que
independência nacional e um Estado unitário, para a indus um dia, quando a revolução triunfasse na China, tôda a Mon-
trialização e o ressurgimento da China como grande potência. gólia se uniria numa só república, federada com a China. Em
Embora, em teoria, êsses objetivos fôssem compatíveis com tudo isso •estavam os germes de um conflito muito mais grave
uma revolução puramente burguesa, uma nação semicolonial em que Stálin e Tito haviam há pouco mer lhado, u�-
não podia, no século atual, atingi-los por meios burgueses. l{
ílfto tão grave quanto 0 que iria colocar ruschev e Mao
(Caracteristicamente, Mao não expropriou os capitalistas sem 1
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socialismo num país subdesenvolvido. Circunstâncias seme lução, as relações sociais e políticas, especialmente entre a
lhantes produzem resultados semelhantes. Daí, apesar de suas cidade ,e o campo, eram menos tensas na China do que o
diferenças, a afinidade entre o maoísmo e o stalinismo. Ambos foram na Rússia.
agiram dentro do sistema de partido único, como detentores Nada parecia entravar o caminho de uma associação
de um monopólio do poder e como fiéis depositários e pro ainda mais estreita entre as duas potências, especialmente
curadores do interêsse socialista, embora Mao, não possuin quando, após a morte de Stálin, os seus suces�ores dissolve
do a experiência real de um sistema multipartidário, nem tendo ram as companhias de ca ital con ·unto, renunciaram ao con
atrás de si a tradição do marxismo europ,eu, desempenhasse trô e ireto e evantaram a maioria das condi ões humilhan
seu papel com muito menos culpa e muito mais à vontade do tes que ta m vmcu ara à aju a sov�ética. Com efeito, a época
que Stálin. E o maoísmo, tal como o stalinismo, refletia o parecia auspiciosa para o estabelecimento de algo como, u�a
atraso do seu meio nativo, que a revolução levaria muito comunidade socialista estendendo-se desde os mares da Chma
tempo para digerir e superar. ao Elba. Numa tal comunidade, um têrço da humanidade
A aliança, apesar de tôda a ambigüidade, acarretou .bene teria planejado em conjunto o seu desenvolvimento social e
fícios vitais para ambos os parceiros. Stálin obtivera não só econômico, na .base de uma vasta divisão racional do traba
a anuência chinesa ao princípio de liderança soviética exclusi lho e de uma intensa troca de bens e serviços. O socialismo
va no campo socialista; também ganhou, através de compa poderia. finalmente. começar a converter-se num evento m
nhias sino-soviéticas de capital conjunto, uma influência dire ternacional".
ta na condução dos assuntos econômicos e políticos chineses. Um empveendimento tão ambicioso teria, sem dúvida, e�
Essas companhias mistas só podiam ferir as susceptibilidades frentado uma multidão de dificuldades, decorrentes das gi
de muitos chineses, para quem pareciam novas versões das gantescas discrepâncias entre as estruturas econômicas e pa
concessões ocidentais antigas. Não obstante, graças à ajuda drões de vida, entre os níveis de civilização e tradições na
soviética, a nova China não se encontrava tão isolada no cionais das principais nações participantes. As brechas entre
mundo quanto a Rússia bolchevique nos anos que se segui- os ricos e os pobres, a parte mais onerosa do le ado ue
1 ram a 1917. O bloqueio ocidental não podia impor à China revolução socialista her a o passa o, ar-se-iam sentir, em
as agruras e privações que foram impostas à Rússia. A China qualquer caso. Os pobres, os chineses em primeiro l�ga�,
nao se encontrava veduzida, desde o princípio, aos seus pró fariam pressão, fatalmente, por um nivelamento dos mveis
prios recursos, desesperadoramente inadequados. A engenha econômicos e padrões de vida, dentro da comunidade; e suas
ria e a administração científica soviéticas, através de seus exigências chocar-se-iam, por certo, com as crescentes expec
C<?_��-!�eiro�_e _t_�ct1ic_:_Qs1 e_ º_Jreino russo de •especialistas e ope tativas de consumo da União Soviética, Tchecoslováquia e
rários _chineses, . facilitaram desde o comêço a industrializa Alemanha Oriental. Mas êsses obstáculos não s•eriam insupe
ção da_Qii!!?, aliviaram-lhe o fardo da acumulação priniith;a ráveis para uma séria tentativa socialista de transcender eco
e aceleraram o seu "arranco". Por conseqüência, a China não nómicamente o Estado-nação. Uma ampla divisão do trabalho
teve de pagar o elevado pveço do pioneirismo, na estrada do e intercâmbio intensivo por certo produziriam consideráveis
socialismo, que a Rússia pagou, embora os chineses partissem vantagens a todos os membros da comunidade,. economizan
cte níveis muitíssimo inferiores de desenvolvimento econômi do vecursos, poupando energias e criando novas margens de
co e cultural. O govêrno de Mao não t·eve de cortar, tão ra riqueza e novos espaços econômicos para todos.
dicalmente quanto Stálin, a renda dos camponeses, a fim de
írfstalar as bases nevrálgicas da industrialização; nem teve de Nada se erguia no caminho de um tal projeto, a não ser
manter os consumidores urbanos com rações tão •exíguas. a inércia da auto-suficiência nacional e a arrogância burocrá
Essas circunstâncias ( e outras que não posso pormenorizar !'icn. Ao descrever como o pensamento de qualquer burocra
aqui) explicam o fato de que, na primeira década da Revo- dél está vinculado à naç.ão-Estado, como por esta é modelado
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e condicionado, ·eu disse anteriormente que nem mesmo a pro Os maoístas pagaram aos russos na mesma moeda, a
pagação revolucionária poderia curar a política stalinista do moeda do egoísmo nacional. O que desde então passamos a
seu egoísmo nacional e isolacionismo ideológico; e que, quanto ouvir, proveniente da China, foi cada vez menos a argumen
a êsses males, a política dos seus sucessores continuava a her tação racional numa controvérsia sôbre os meios e os fins do
deira legítima. Mesmo que o conceito de Socialismo Num Só socialismo e cada vez mais o clamor do orgulho nacional
País tivesse há muito perdido a sua relevância, a mentalida• ofendido e enraivecido, o clamor dos insultados e humilha
de, o modo de pensar e o estilo de ação política por êle ins• dos. O choque traumático de 1960 agitou e extravasou dos
pirados sobreviveu. Em nenhum outro setor isso se mostrou maoístas todos os seus ressentimentos contra os russos
mais impressionantemente do que nas relações russo-chine por tanto tempo acumulados e suprimidos. Também libertou
sas. Mencionarei aqui apenas um acontecimento, nessa esfe- nêles alguns traços negativos do seu caráter, especialmente
/"\ ra: o súbito cancelamento pelo govêrno de Kruschev em ju- sua inveterada presunção oriental e sua hostilidade para com
\ lho de 1960, de tôda a ajuda econômica à China e a chama o Ocidente, do qual a União Soviética passou a ser vista
da de todos os especialistas, técnicos e •engenheiros soviéti como parte integrante.
cos que estavam em serviço naquele país. O golpe desferido No âmago do conflito res. idem as atitudes diferentes das
foi provàvelmente mais cruel do que, digamos, o breve e vio duas potências em relação ao status quo internacional. Os
lento impacto da intervenção armada soviética na Hungria. russos prosseguiram, durante todos êsses anos, sua velha busca
Como os es ecialistas e engenheiros foram instruídos ar de segurança nacional, dentro de um status quo internacio
retirar aos chineses to os os planos e projetos soviéticos de nal. Foi suficientemente demonstrado, creio eu, que essa orien
construções em curso, ao mesmo tempo que eram canceladas tação política não constituiu uma inovação dos sucessores de
as patentes ,e licenças respectivas, um grande número de em Stálin. O que os maoistas denunciam não é o feito do "revi•
preendimentos mdustriais chineses viu-se, de um golpe, ati sionismo kruschevista". O revisionismo é stalinista em sua
rado para um ponto morto. Os chineses investiram substan ori em; remonta à década de 1920 e ao Socialismo Num ó
cialmente nas fábricas e usinas em construção; êsses investi aís. Desde então, a lítica ·amais deixou de recurar evitar,
mentos foram congelados. Massas de edifícios semi-acabados ãTodo o custo, qualquer envolvimento pro un o e arrisca o
'. ,. ( e de máquinas semi-instaladas foram entregues à ferrug·em e nas lutas de classes e nos conflitos sociais e políticos do
ao apodrecimento. Para uma nação açoitada pela pobreza, mundo, fora de suas fronteiras. Foi essa, entre todos os seus
que apenas começava a equipar-se, foi uma perda ruinosa variados motivos e variadas circunstâncias do tempo, a sua
e paralisante. A industrialização da China estêve sus ensa preocupação constante. E a ela. durante mais de vinte anos,
durante cinco anos e a 1mmmçao o ritmo urou muito mais. subordinou Stálin a estraté ia e a tática do Comintern; depois,
Milhões __de operários foram condenados à ociosidade e às pri no período entre 43 e 1 . to os os interesses dos arti
vaç���L t.��-º. _4� r_E!fa2:_E:_r p-�a:11,1in11o p�ra a_s suas aldeias mima dos comunistas. m relação à ina, Stãlin bate todos os
época em que estas ·eram asso 1 adas por inundações, sêc:ªs e recordes de "revisionismo • primeiro em 1927 •e- depois em //
colheitas péssimas. Não.posso evitar, neste contexto, relem 1_21.8. Na sua preocupação de segurança, tentou, como norma,
brar a extraordinária premonição com que, em 1922, em um preservar e mesmo estabilizar qualquer equilíbrio internacio
de seus últimos escritos, Lênin se preocupou com o efeito que nal de fôrças existentes. Como agiu numa época de violentos
as açõe:s do "dzerzhimorda - o grande chauvinista russo e em deslocamentos e mudanças, teve de ajustar a sua política a
busteiro burocrático", poderiam ter um dia "entre aquelas uma situação em permanente renovação; e fê-lo repetidamen
te, de um modo essencialmente conservador, Na década de
centenas de milhões de pessoas que, na Ãsia, movimentar-se-ão 1930, ada tau sua clítica e a das frentes o ulares à defesa
--
num próximo futuro para o primeiro plano do cenário his do sistema de ersai es, quando êste oi ameaça o pelo na
tórico". zismo. Entr·e 1939 e 1941, "ajustou-se" ao predomínio do
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1,'crceiro Reich na Eu_ropa. E, finalmente, dirigiu a sua polí na classe trabalhadora ou em qualquer tradição autênticamente
tica 2-ara a preservaçao do status quo criado pelos pactos de marxista, tudo isso os dispõe para uma estreiteza de vistas
�ta e Potsdam. Ê êsse status quo, ou o que dêle sobrou, nacional e um sagrado egoísmo, tão intenso quanto o stali
que os sucessores de Stálin procuram agüentar, servindo-lhes nista; e por isso se inclinam também a subordinar os interês
de ·escora contra as fôrças que o desintegram interiormente. ses dos movimentos .comunistas ou revolucionários estrangei
ros à sua própria raison d'État e à sua própria política de
Contudo, para a nova China, êsse status quo é necessà poder. Até a ima em de socialismo dos maoístas •exibe o cunho
ria �ente inaceitável. Datando de muito antes .da Revolução stalinista: é a imagem de um um Só País, cer
Chmesa, baseava-se no reconhecimento implícito do predomí cado pela Grande Muralha.2
nio norte-americano na ãrea do Pacífico. Não levara em
co1:_ta, portanto, a Revolução Chinesa e suas conseqüências. Com que ferocidade o maoísmo é dilacerado oor suas
É esse o status quo pelo qual a China continua sendo uma próprias contradições e até que ponto o conflito com -a União
nação proscrita da diplomacia int•ernacional; pelo qual está Soviética levou suas tensões internas a um nível explosivo, são
excluída das Nações Unidas, bloqueada pelas fôrças navais coisas evidentes atualmente. O "·epicentro da revolução" chi,,
e aér·eas americanas e sujeita a boicote econômico. Moscou, in nesa está emitindo novos tremores que abalam tôda a socieda-
vocando os perigos de guerra nuclear, está ansiosa por esta de chinesa, atingem a União Soviética e afetam o resto do
bilizar essa situação, se necessário fôr, impondo uma trégua mundo. Qual será o resultado dêsses tremores? Um regime
r tácita na luta de classes e nas "guerras de libertação" antiim que, como os inspiradores dos chamados Guardas Vermelhos
perialistas. A China tem todos os motivos para encorajar, prometeram, será mais igualitário, menos burocrático, mais di
dentro de limites, aquelas fôrças que na Ásia e noutras re retamente controlado pela massa do povo, numa palavra, um
giões se mostram hostis ao estado de coisas . Não tem inte regime mais socialista do que aquêle em que vive a União So
rêss� algum em impor uma pausa na luta de classes e_guerras viética? Uma revolução renascente e purificada? Ou o colossal
de hberta ão. Daí � incon_i atibilidade básica das politicas tumulto que testemunhamos em 1965-66 foi apenas uma da
russa e c ?i·mesa. Dai, tam em, a voo erante riga, em par e quelas convulsões irracionais, típicas da revolução burguesa, // ':
real mas em parte espúria, em tôrno do revisionismo. Daí, quando os homens e os partidos são impotentes para contro-
ainda, a acusação de que os russos, quando desejam uma lar as violentas oscilações do pêndulo político? Foram os
acom?dação com o Ocidente, alinham com o imperialismo Guardas Vermelhos, aglomerados durante meses e meses nas
a�encan� contra a Revolu ão Chinesa e contra os povos praças e ruas das cidades chinesas, os novos Enragés ou os
am a oprimidos pelo imperialismo. aí, finalmente, o esa io "Cavadores" e "Niveladores" do nosso século? Vencerão êles
chinês à liderança russa do "campo socialista" e a pretensão por fim? Ou, quando o longo paroxismo de fervor utópico �
maoísta a essa liderança. de atividade cessar, cairão exaustos e deixarão o palco para
o alto e poderoso salvador da lei e da ordem? Ou, talvez,
Contudo, d,!:!._as almas parecem coabitar no maoísmo: uma, todos os nossos precedentes históricos serão irrelevantes para
internacionalista; �utra. notóriamente repleta de presunção êsse drama? Seja qual fôr a resposta, o conflito entre os as
onental. A oposição ao status quo e à política russa de poder pectos burgueses e socialistas da revolução ainda não foi re-
mduzm .
os maoístas a assumirem uma posição radical e a pro
ferirem contra Moscou as palavras de ordem e os slogans do 2 Foi por isso que Mao, cultivando uma amizade diplomática com o
internacionalismo proletário-revolucionário. Mas seus próprios govêrno do general Sukarno durante muitos anos, encorajou o Partido
antecedentes e experiência, sua imersão profunda no atraso Comunista Indonésio a aceitar a liderança de Sukarno e a renunciar a
tôda a ação revolucionária independente, em favor de uma coalizão
do meio nacional, seu recém-adquirido - e, entretanto, tão com a "burguesia nacional". O papel de Mao em face do comunismo
antigo - orgulho em sua nação-Estado, o troféu por êlés i�donésio f?i, portanto, muito semelhante ao de Stálin, face ao comu
.
conquistado em sua luta épica, sua falta de raízes profundas msmo chmes de 1920; e os resultados foram ainda mais desastrosos.
90 91
11 solvido; é muito mais profundo do que na Rússia. Primeiro, �.
elemento burguês avulta wbstancialmente na China, reere
seritado como está pela classe camponesa, a qual ainda cons
titui quatro quintos da nação, e pelos numerosos e influentes
r.obreviventes do capitalismo urbano. Segundo, o ímpeto an
tiburocrático e igualitário da tendência socialista também mi
rece ser maior do que foi na Rússia durante muito tempo.
Os antagonismos e as colisões, com imensas massas de povo
em jôgo, desenvolveram-se por algum tempo com uma espon
taneidade tempestuosa como a União Soviética não voltou a
conhecer desde os seus primeiros dias de existência - uma 6
espontaneidade que nos recorda as turbulentas multidões de
Paris, em 1794, no período das lutas jacobinas de mútuo ex
Conclusões e Perspectivas
termínio. Seja como fôr que êsse terrível espetáculo venha a
terminar e para que novas ·encruzilhadas venha a impelir tanto
a União Soviética como a China, uma lição dêsses aconteci
mentos parece-nos clara: a abolição do domínio do homem
pelo homem não pode ser um evento puramente chinês, assim
como não podia ser um evento purament·e russ,o. Só poderá
ocorrer, se chegar alguma vez a ocorrer, como um evento ver
dadeiramente internaçional, çomo um fato da História Uni
versal.
95
A vida espiritual e política da União Soviética também rando por Godot". Mas também neste aspecto as compara
é afetada em vários graus pelas grandezas e misérias dêste ções entre fenômenos semelhantes na União Soviética e no
meio século. Comparada com o reino de mêdo e terror de, di Ocidente podem suscitar equívocos. O desespêro que impreg
gamos, quinze anos atrás, a União Soviética de hoje é quase na muitas obras recentes da literatura soviética raramente é
uma terra da liberdade. Desapareceram os antigos campos de inspirado por qualquer sentido metafísico do "absurdo da con
concentração, cujos reclusos morriam como mõscas, sem saber dição humana". Expressa, muito mais freqüentement·e, de um
por que eram punidos. Acabou o mêdo generalizado que pul modo alusivo ou qualquer outro, uma espécie de cólera abafa
verizara a nação inteira, fazendo com que cada homem e mu da a respeito das ultrajantes anomalias da vida política so
lher receasse falar até com um amigo ou parente e tornando viética, em especial, as ambigüidades da desestalinização ofi
a União Soviética um país virtualmente inacessível ao estran cial. O espírito dêsses escritos é mais ativo, satírico e militan
geiro. A nação está recuperando a consdênda e a fala. O te do que aquêle que produziu variações ocidentais recentes
processo é lento. Nem é fácil às pessoas abandonarem hábitos sôbre o velho tema da vanitas vanitatum et vanitas omnia.
que formaram durante várias décadas de disciplina monolíti O malôgro da desestalinização .constitui o núcleo dêsse
ca. De qualquer modo, a mudança é notável. Os jornais so mal-estar. Já decor mais de uma década desde ue, no XX
viéticos agitam-se, hoje em dia, com espetaculares .controvér Congresso, Krusche v expôs as ma eitorias e tá in. .E:sse
sias embora freqüentemente abafadas. E a gente comum ato só faria sentido se fôsse o prelúdio para um esclarecimento
não é grandemente inibida em expressar seus sentimentos e autêntico das questões por êle suscitadas e um franco debate
em escala nacional, sôbre o legado da era de Stálin. Mas não
idéias políticas, com sinceridade, a pessoas estranhas , mesmo foi o que aconteceu. Kl};lschev e o grupo dominante mostra
turistas de paises hostis cuja curiosidade nem sempre é inó ram-se ansiosos não por abrir o debate mas por impedi-lo. A
cua. Contudo, o cidadão soviético irrita-se freqüentemente
sua intenção foi ue o rólo o constituísse também o e ílo O
com a tutela burocrática relativamente branda, sob a gúal vive
a esestalinização. Houve circunstâncias que os obrigaram
agora, como jamais se atreveu a impacientar-se com o des a iniciar o processo: êste tornara-se uma necessidade impera
potismo de Stálin. Sente que a sua liberdade espiritual tam tiva da vida nacional. Como os protagonistas e até os segui
bém está limitada a algo parecido com os seus cinco ou seis dores de tôdas as oposições anti�stalinistas foram extermi
metros quadrados de moradia. ;8 um dos traços sublimes do nãaos, só sobravam os o círculo de Stálin ara inau
caráter humano que os homens jamais se satisfaçam com o
que realizaram, especialmente quando suas conquistas são du ��ar a desestalinização. fV!_as a tare a era-lhes antipática;
1a contra a essência de seus hábitos mentais ,e interêsses. Só
vidosas ou consistem em meios-ganhos. Tal descontentamen poderiam levá-la a cabo um tanto a contragosto, sem grande
to é a fôrça motriz do progresso. Mas também pode resultar, convicção e de um modo perfunctório. Levantaram uma ponta
como acontece às vêzes na União Soviética, numa fonte de do véu que encobria a era de Stálin, mas não podiam desta�
frustração e até de cinismo estéril. pá-la completamente. E, assim, a crise moral provocada pelas
Em sua vida política, também os russos sentem freqüen revelações de Kruschev continua por resolver. Suas denúncias
temente que correram depressa demais para ficar no mesmo causaram alívio e choque, confusão e vergonha, perplexidade
lugar. A semiliberdade que a União Soviética obteve, depois e cinismo. Foi um alívio para a nação ver-s·e livre do fantas
da era de Stálin, pode, na verdade, ser ainda mais torturante ma do stalinismo; mas foi um choque compreender até que
do que uma completa e hermética tirania. Recentes escritos ponto o fantasma prostrara o corpo político do país. Eviden
soviéticos, a.lguns publicados na URSS, outros no estran temente, numerosas famílias sofreram com o terror stalinista
geiro, expressaram a mortificação que promana dêsse estado e conheceram-no em pormenor: mas só agora lhes era consen
de coisas, o soturno pessimismo que por vêzes alimenta e até tido fazer uma idéia, pela primeira vez, das verdadeiras di
algo semelhante ao estado de espírito de quem está "Espe- mensões nacionais dêsse terror. Contudo, essa idéia de relan-
96 97
ce também ·era suficiente para confundir os espíritos. E cons eia, se um conhecimento •esclarecido do passado contribuirá
tituiu uma humilhação_ dolorosa _recordar-se_do modo_ im_eo ou não para a sabedoria dos estadistas e para a inteligência
tente como a nação sucumbira ao ter.ror e dàcilmente o su- política das pessoas comuns. Alguns acreditam que sim;
. - �ra_.- ___
port ··p-i!]-_a__!!_l.�!H�,__§{>...JJ.�rnt�;!
·r;···-·--.,·---···"··-···-- déi_...d...�.............
.... e cinismo.. podedam
·--·------- re-
......... . outros aceitam a opinião que Heine expressou, certa vez, no
sultar do fato das reve]-ªS.,q_��tôdas. serem feitásJ>eÍOs ..c(Ú:ÍJ.� aforismo de que a história nos ensina que não nos ensina
pfi_<:���-.:!>!12.2-!_�Q__u!�_fuAlin, os quais mostrandQ_ 1.!_�. J:>9J!CO coisa alguma. Na sociedade de classes, o pensamento políti
da �upa suja que guar�ava� em __casa, ".oltaram_ a bater_ a co, governado pelo interêsse da classe ou grupo, sàmente se
_ _
porLa e nao se fãloii mais msso.
-·�-·-·--·-----,_...........,..,.,_7,c., _.._••-.-...__......,, ... __ ,,., beneficia do estudo do passado dentro dos limites requeridos
A questão foi demasiado grave e funesta parà··ser tra ou permitidos pelo interêsse. As próprias opiniões do histo
tada assim, especialmente se atendermos à sua importância riador estão condicionadas pelas bases sociais e circunstân
para a política corr·ente. A desestalinização oficial criou novas cias políticas. Normalmente, "as idéias da classe dominante"
, brechas e agravou as antigas. Os comunistas "liberais" e "ra teclem para ser "as idéias dominantes de uma época". Em
dicais", da "ala direita" e da "ala esquerda" só podiam fazer certas épocas, essas idéias favorecem um estudo mais ou menos
pressão para que se promovesse uma liquidação de contas, objetivo da História e o pensamento político ganha com isso;
sem inibições e em escala nacional, com a era d,e Stálin, aca em outras, atuam como poderosos fatôres de inibição. Seja
bando completamente com ela. Os cripto-stalinistas, entrin qual fôr o caso, não há grupo ou sociedade, mesmo que s•eja
cheirados na burocracia, estavam ansiosos por salvar o má apenas um pouco mais do que semicivilizado, que possa fun
ximo possível do método stalinista de govêrno e da lenda de cionar sem possuir uma certa forma de consciência histórica
Stálin. Fora da burocracia, especialment,e entre os operários, satisfatória para si próprio, sem uma consciência que confira
muitas pessoas sentiram-se tão repugnadas pela hipocrisia da à maioria dos membros do grupo dominante, e da sociedade
desestalinização oficial que por pouco não se converteram ao em geral, a convicção de que a sua noção do passado, espe
culto de Stálin, ou não quiseram mais saber do caso e prefe cialmente do passado recente, não é apenas um tecido de fal
riam ver tôda a questão enterrada de uma vez para sempre. sidades mas corresponde, pelo contrário, a fatos e ocorrências
Subentendido nas divisões está o fato da sociedade so reais. Nenhum grupo dominante pode viver só p,elo cinismo.
viética não se conhecer a si mesma e ter disso uma consciên Estadistas, líderes e pessoas comuns necessitam todos possuir
cia intensa. A história dêste méio século é um livro fechado, um sentimento subjetivo de que aquilo que representam ou
mesmo para a intelligentsia soviéti�. Como alguém que ti por que lutam está moralmente certo; e o que está moralmen
vesse sido há muito vítima de um ataque de amnésia e só agora te certo não pode assentar em distorções ou falsificações his
começasse a convalescer, a na ão, i norante do seu assado tóricas. E, embora as distorções e mesmo as contrafações mais
recente, não compreende o presente. éca as e falsificação descaradas façam parte do pensamento de tôda e qualquer
stalinista induziram a amnésia coletiva: e as meias-verdades nação, sua eficácia depende do fato da nação em causa as
com que o XX Congresso iniciou o processo de recuperação aceitar ou não como verdades.
estão impedindo o seu progresso. Mas, mais tarde ou mais Na União Soviética, a crise moral dos anos pós-Stálin
cedo, a União Soviética fará um inventário dêste meio sé consiste numa ·erturbação rofunda da consciência histórica e
culo, se quiser que sua consciência política se desenvolva e se po ítica da nação. Depois o Congresso, o povo tomou
cristalize em formas novas e positivas. consciência das falsificações e mitos que compunham muito
Trata-se d,e uma situação de especial interêsse para his daquilo em que êle acreditara. "Quer saber tôda a verdade mas
toriadores e teóricos políticos: oferece um raro, talvez único é-lhe negado acesso a ela. Os governantes disseram-lhe que,
exemplo da estreita interdependência da história, política e virtualmente, todo o registro histórico da Revolução fôra fal
consciência social. Os historiadores indagam, com freqüên- sificado; mas não lhe mostraram o registro verdadeiro, colo-
98 99
- -��- -------,
º
poder da propdedade, sàmente o Estado, isto é, a burocracia trô e po ítico sô re o Esta o. Ao lutar por isso, o povo so
/) domina a sociedade; e seu domínio baseia-se exclusivamente viético não está apenas ressuscitando uma das velhas .bata
na supressão da liberdade do povo para criticar e opor-se. lhas que o liberalismo burguês travou contra o absolutismo;
capitalismo pôde ermitir-se a concessão do direito de voto estará, sobretudo, dando seguimento à sua própria e grande
às c asses tra a a oras porque con ia em seu mecanismo eco luta de 1917.
nômico para mantê-las sujeitas; a burguesia mantém a sua O desfecho, evidentemente, dependerá imenso dos acon
preponderância social mesmo que não exerça o poder políti tecimentos nos demais países. A tr•emenda e ainda obscura
co. Na sociedade pós-capitalista nenhum mecanismo econô convulsão chinesa também deve afetar a União Soviética. Na
�i_co automático mantém as massas em sujeição; é a fôrça po medida em que afrouxar ou derrubar uma estrutura burocrá
htica pura que o faz. Certo, a burocracia deriva uma parte tico-monolítica pós-revolucionária, libertando as fôrças popu
de sua fôrça da posição de comando, livre de contrôles, que lares que s·e ergam das profundezas da sociedade para uma
ocupa na economia; mas também a ocupa por meio da fôrça ação política espontânea, o exemplo chinês poderá estimular
política. Sem essa fôrça não pode manter a supremacia social; processos semelhantes do outro lado da fronteira soviética. ln
e qualquer forma de contrôle democrático priva-a de sua dubitàvelmente, a China é mais progressiva do que a União
fôrça. Daí o nôvo significado e função da liberdade de ex Soviética em alguns aspectos, que mais não seja por ter po
pressão e associação. Por outras palavras, o capitalismo tem dido aprender com a experiência russa e evitar alguns erros e
_
sido ca az de lutar contra os seus inimi os de classe, a arti hesitações soviéticos; e tem sido menos afetada pela ossifi
de numerosas in as de defesa econômica, po ítica e cultural. caç.ão burocrática.· Por outra parte, a sua estrutura eco-
102 103
nômica e social é primitiva e retrógrada. Por consequen da "convergência de estrutura em países com uma organiza
cia, as lições que pretende ensinar ao mundo têm, freqüente ção industrial avançada" e examina os principais pontos de
mente, pouca ou nenhuma relevância para os problemas das convergência na sociedade americana. Existe a supremacia
sociedades superiormente desenvolvidas; e mesmo quando o dos elementos administrativos das emprêsas: o divórcio entre
maoísmo tem algo de positivo a oferecer, fá-lo quase sempre a gerência ou direção empresarial e os donos das emprêsas; a
de um modo tão rigidamente ortodoxo e em formas tão ar contínua concentração do poder indus.trial e a ampliação da
caicas que o conteúdo positivo é fàcilmente ignorado. E quan escala de operações: o definhamento do laisse·z fa ire e do
do os maoístas tentam galvanizar o culto stalinista, apenas mercado; o crescente papel econômico do Estado: e, conse
conseguem chocar e antagonizar os elementos progressistas qüentemente, a inevitável necessidade de planejamento, que
da URSS. Mas talvez o conflito sino-soviético acarrete uma é necessário não só para evitar baixas repentinas e depres
lição importante, a saber: das arrogantes oligarquias burocrá sões, mas para manter também a eficiência social normal. Diz
ticas, incorrigíveis em sua mediocridade e ,egoísmo nacionais, o Prof. Galbraith: "Vimos que a tecnologia industrial tem
não se pode esperar qualquer solução racional dêsse ou de
um imperativo. que transcende a ideologia". Rebatendo con
qualquer outro conflito; muito menos podem criar os alicerces
estáveis para uma comunidade socialista dos povos. cepções errôneas correntes no Ocidente sôbre "o renascimen
to da economia de mercado na URSS", o Prof. Galbraith
Os acont,ecimentos no Ocidente contribuirão ainda mais
comenta: "Não há qualquer tendência nos sist,emas soviéti
decisivamente, para o bem ou para o mal, na evolução inter
co e ocidental para uma convergência por meio do regresso
na futura da União Soviética. Poderemos deixar de lado os
freqüentemente discutidos e mais óbvios aspectos diplomáticos da União Soviética ao mercado. Ambos os sistemas ultrapas
e militares do problema; é bastant,e evidente que severas res saram essa fase. O que existe é uma perceptível e muito im
trições a guerra fria e a corrida internacional dos armamentos portant·e convergência para a mesma forma de planejamento
podem acarretar para o àesenvolvimento do bem-estar e a sob a crescente autoridade da firma comercial". Nesta apre
ampliação das liberdades na URSS. Mais fundamental e di sentação, a "convergência" parece ocorrer não tanto a meio
fícil é o probJ.ema da indecisão na luta de classes. cujas ori caminho entre os dois sistemas mas, sobretudo, dentro das
gens foram anteriormente examinadas. Irá perdurar êsse im próprias fronteiras do socialismo, e o quadro não é tanto o
passe? Ou é apenas um momento transitório de equilíbrio? A de uma indecisão ou impasse mas, pelo contrário, uma diago
opinião de que vai durar muito ganhou muitos adeptos, re nal resultante do paralelogramo das pressões capitalista e so
centemente, entre os teóricos políticos e historiadores ociden cialista.1
tais; muitos estão inclinados a considerá-lo o resultado final
do duelo entre o capitalismo e o socialismo. ( Sem dúvida, Os historiadores encontram um precedente para essa si
essa opinião também tem seus adep tos na União Soviética e tuação na luta entre a Reforma e a Contra-Reforma. O Prof.
na Europa Oriental.) O argumento é conduzido em vários Butterfield, um dos primeiros expoentes dessa analogia, acen
níveis econômico-sociais e históricos. tua que, no início do conflito, tanto o protestantismo como o
As estruturas sociais da URSS e dos Estados Unidos catolicismo aspiravam à vitória total: mas, tendo chegado a
da América, acentua-se, tendo evoluído desde pontos de par um beco sem saída, foram ambos compelidos a procurar uma
tida opostos, encaminham-se uma para a outra, aproximam-se acomodação mútua, a "coexistir pacificamente" e a contenta
tanto e cada vez mais, que as suas diferenças vão se tornan rem-se· com as respectivas "zonas de influência" no cristia-
do irrelevant·es e as suas semelhanças são decisivas. Entre
outros, o Prof. John Kenneth Galbraith expôs essa idéia nas 1 As citações são das Conferências Reith do Prof. Galbraith, tal como
suas Conferências Reith. Fala-nos enfàticamente a respeito foram publicadas em The Li�ener (15 de dezembro de 1966) .
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?i��o oc�dental. Entrementes, o seu antagonismo ideológico dois sistemas sociais e a um equilíbrio temporário entre am- / 1
1mc1al fo1 atenuado por um processo de assimilação mútua: a bõs. Quando o duelo entre os sistemas de vida feudal e bur
Igreja . de Roma revigora-se absorvendo elementos do pro guês prosseguiu, assumiu novas formas ideológicas. A cons
�
testantismo, enquanto este, tornando-se mais dogmático e sec ciência burguesa mais amadurecida do século XVIII expres
tário, perde muita de sua atração e acaba por parecer-se com sou-se não em ideologias religiosas mas secularistas, filosó
o adversário. A indecisão da luta foi, portanto, indissolúvel ficas e políticas. O empate entre o protestantismo e o catoli
e final; o mesmo ocorre ao impasse verificado entre as ideo cismo foi perpetuado como que à margem da História; para
logias opostas do nosso t•empo. Neste ponto, os argumentos tôdas as razões históricas de ordem prática, na ação social e
dos nossos historiadores e teóricos políticos ou econômicos política efetiva, êsse empate fôra transcendido, Não só o con
convergem. flito social não foi congelado pelas divisões religiosas mas
A analogia histórica, embora convincente em alguns continuou sendo travado até ao fim. No fim de contas, o ca
pontos, tem seus defeitos e falhas. Como sucede muitas pitalismo obteve a vitória total na Eurgpa. E conseguiu-a
vêzes, negligencia as diferenças básicas entre épocas histó através de uma variedade de meios e métodos, por revolu
ricas. Na época da Reforma, a sociedade ocidental estava ções de baixo para cima e de cima para baixo, e depois de
fragmentada numa multidão de principados feudais, semifeu muitos impasses temporários e derrotas parciais. Assim, nos
dais, pós-feudais, pré-capitalistas e capitalistas incipientes. A têrmos dessa analogia, parece pelo menos prematuro concluir
consdência protestante desempenhou um papel predominante que a present•e indecisão ideológica no duelo entre o Ociden-
na formação do Estado-nação; mas êste fixou os seus limites te e o Oriente pôs têrmo à confrontação histórica entre capi
externos às tendências unificadoras. A reunificação do cris talismo e socialismo. As formas e expressões ideológicas do
tianismo ocidental sob a égide de uma só Igreja era uma im antagonismo podem e devem variar; mas não se deduz daí que
poss1fültdade histórica. Em contraste com essa situação, a o ímpeto do conflito tenha diminuído ou esteja at•enuado. Inci
base tecnológica da sociedade moderna, sua estrutura e seus dentalmente, a história da Reforma oferece-nos muitas adver
conflitos, são internacionais ou mesmo universais em s,eu ca tências contra as conclusões apressadas sôbre os impasses
ideológicos. íQuando se diz que cento e vinte anos decorreram
desde o Manifesto Comunista, sem uma única revolução so- li
ráter; tendem para soluções internacionais ou universais. E
existem agora perigos sem precedentes, ameaçando a nossa
existência biológica. :E:stes, sobretudo, pressionam no sentido cialista vitoriosa no Ocidente, pensa-se logo, quer se queira
de. uma unificação da humanidade, que não pode ser conse ou não, nas muitas arrancadas "prematuras" da Reforma e na
gmda sem um princípio integrador de organização social. maneira demorada como a sua ideologia e movimento foram
ganhando forma. Mais de um século separa Hus de Lutero;
. O protestantismo e o catolicismo defrontaram-se, primor e ainda outro século decorreu entre Lutero e a Revolução
dialmente, em têrmos ideológicos; mas, no fundo, havia o
Puritana.
grande conflito entroe o capitalismo nascente e o feudalismo Mas a análise marxista da sociedade e as aspirações uni
decadente. Êsse conflito não foi, de maneira alguma, levado
a um ponto morto pelo impasse ideológico-religioso. A divi versais da Revolução Russa não terão sido invalidadas pela
assimilação mútua dos sistemas sociais opostos? É inegável
são das esferas de influência entre a Reforma e a Contrã:Re um certo grau de assimilação; e é devido ao impacto nivela
forma correspondeu, de um modo geral, a uma divisão entre
dor supranacional da tecnologia moderna, assim como à lógica
de qualquer confronto importante que imponha métodos idên
2 J:I., Butt�rfield, lnternational Co flict in the Twentieth Century, A
;" ticos ou semelhantes de ação aos antagonistas. As transfor
Ch7:istian View (Londres, 1960), pags. 61-78. A minha crítica à ana
logia do Prof. Butterfield não diminui a solidez de seus apelos cornjo mações na estrutura da sociedade ocidental, especialmente na
sos em favor de uma détente internacional' que dirigiu às audiências norte-americana, são deveras impressionantes. Mas quando
americanas na década de 1950. as examinamos de perto, o que vemos? O divórcio cada vez
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mais profundo entre a gerência e a propriedade, a importância a análise e prognóstico marxistas. Pouco depois, contudo, a
dos ele_mentos de administração empresarial, a concentração economia foi abalada por convulsões mais violentas do que
de capital, a cada vez mais •elaborada divisão do trabalho nunca e a humanidade foi arrastada para uma época de
den�r� de qualquer das gigantescas emprêsas e entre estas; o guerras mundiais e revoluções.
decli:110 do mercado e do laissez fa ire; o incremento do pêso
. Nada poderia ser melhor acolhido, especialmente pelos
economico
_ do. Estado; e a necessidade tecnológica e econô
marxistas, do que o reconhecimento de que as relações ca
mica do plane1amento - tudo isso é, de fato, uma manifesta
pitalistas de propriedade tinham se tornado tão irrelevantes
ção múltipla daquela socialização dos processos produtivos
na sociedade ocidental que não mais impediam a organiza
que, de acôrdo com o marxismo,· se desenvolve no capitalis
ção racional de suas fôrças produtivas e podêres criadores.
mo. Com efeito, a socialização foi imensamente aceierada. Na
Contudo, o teste para isso é apurarmos se a nossa sociedade
�escriç�� do processo que Marx nos oferece em Q Capital, poderá controlar e dirigir os seus recursos e energias para
ele_ vaticinou claramente essa evolução e as tendências que
ho!e par_ecem uma novidade revolucionária para os analistas fins construtivos e para o seu próprio bem-estar geral; e se
_
ocidentais. Nao nos descreveu o Prof. Galbraith algo com poderá organizá-los e planejá-los tanto internacional como
que estamos, ou devíamos estar, familiarizados - isto é 0 nacionalmente. Até ao presente, a nossa sociedade fracassou
nesse teste. Nossos governos impediram as depressões eco
/ ráp�do. cr·e��imento do_�·em.brião de socialismo no ventre 'do nômicas planejando para a destruição e a morte, não para a
capitalismo ? O embnao está ficando, evidentemente, cada
vez _ maior. Deveremos concluir, então, que já não existe ne vida e o bem-estar. Por alguma razão nossos economistas,
cessidade de parto? O marxista refletirá sôbre o paradoxo peritos financeiros e especuladores interrogam-se, sombria
de que, enquanto na Rússia a parteira da Revolução interveio mente, sô.bre o que aconteceria à economia ocidental se, por
antes do embrião ter tido tempo de amadurecer, no Ocidente exemplo, o govêrno norte-americano não gastasse cêrca de
o •embrião poderá muito bem ter amadurecido demais; e as 80 bilhões de dólares por ano em armamento. Entre tôdas as
conseqü�ncias poderão tornar-se extremamente perigosas para imagens sombrias do capitalismo declinante, descritas pelos
o orgamsmo social.
_ marxistas, nenhuma é mais negra e apocalíptica do que a li
O. fato é que, independentemente de tôdas as ioavaçQ.es imagem apresentada pela realidade. Embora, há sessenta 11
key_ne�ianas, nosso processo produtivo, tão magnificam-ente anos, Rosa Luxemburgo vaticinasse gue, um dia, o militaris
_
socializado em mmtos as ectos, ainda não está socialmente mo converter-se-ia na fôrça impulsora da economia capita
controlado. A pr rie a e, por muito que esteja divorciada lista, até essa previsão empalidece diante dos fatos.
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da gerência ou aministração empresarial, ainda controla a É por isso que a mensagem de 1917 permanece válida
economia. O lucro do acionista ainda é seu motivo re ulador para o mundo em geral. O presente impasse ideológico e o
sujeito apenas às necessidades o mi itarismo e da uta mun� status quo social dificilmente podem servir de base para a
\ dia! contra o comunismo. Em todo o caso, nossa economia e solução dos problemas da nossa época ou para a sobrevivên•
existência social permanecem anárquicas e irracionais. A anar cia da própria humanidade. Evidentemente, seria o desastre
qu�a poder� 1;1ão se manifestar em depressões periódicas e final se as superpotências nucleares tratassem o estado de
�aixas :7er�ica�s, embora, numa visão mais ampla, nem mesmo coisas .como um brinquedo e tentassem alterá-lo pela fôrça
isso SeJa mteiramente certo. O capitalismo europeu, dentro das armas. Nesse sentido, a coexistência pacífica do Ocidente
de seu âmb_ito mais limitado, conhec•eu, depois da guerra e do Oriente é uma suprema necessidade histórica. Mas a
franco-prussiana de 1870, uma prosperidade semelhante e até situação social não pode ser perpetuada. Karl Marx, falan
mais prolongada, sem ser afetada por depressões ou baixas do a respeito de indecisões no resultado de passadas lutas
v�olen�as; e isso le':ou Edward Bernst-ein e seus colegas re
. de classes observa ue elas terminam, usualmente, "na ruína
visiomstas a conclmrem que os acontecimentos desmentiram comum das classes conten oras . m impasse in
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mente prolongado e garantido pelo equilíbrio perpétuo dos
dissuasores nucleares, certamente levará as classes e nações
contendoras à sua ruína comum e final. A humanidade ne�
cessita de unidade para a sua sobrevivência, pura e simples;
onde a poderá encontrar, senão no socialismo? E por muito
que as revoluções Russa e Chinesa avultem na perspectiva
do nosso século, a iniciativa do Ocidente ainda é um fator
essencial para o avanço do socialismo.
Hegel observou, certa vez, que "a História do mundo
desloca�se do Oriente para o Ocidente" e que a "Europa re�
presenta o final da História Universal", ao passo que a Ásia
foi apenas o início. Esta opinião arrogante foi inspirada pela
convicção de Hegel de que a Reforma e o Estado Prussiano
eram o apogeu do desenvolvimento espiritual da humanida�
de; contudo, muitas pessoas no Ocidente, que não prestam
culto ao Estado nem à Igreja, acreditavam até há bem pouco
tempo que a História do mundo tivera, de fato, sua morada ESTA OBRA FOI EXECUTADA NAS OFICINAS
final no Ocidente, e que o Oriente, nada tendo de significa� DA COMPANlflA GRÁFICA LUX, RUA FREI
tivo com que contribuir, só poderia ser o seu objeto. Mas nós CANECA, 224 - Rio DE JANEIRO, PARA A
EDITÔRA Civ:ILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
estamos melhor informados. Vimos com que vigor a Histó�
1 ria retrocedeu para o Oriente. Contudo, não será preciso
supor que vai terminar aí e que o Ocidente continuará para
sempre falando com sua atual voz conservadora, contribuin�
do para os anais do socialismo com mais algumas páginas em
branco, apenas. Q socialismo tem ainda alguns atos revolu�
cionários decisivos a desem enhar tanto no Ocidente como
no riente; e em arte nen uma a História che ará a seu
têrmo. O Oriente oi o primeiro a ar efeito ao grande prin�
cípio de uma nova organização social, o princípio original�
mente concebido no Ocidente. Cinqüenta anos de história so�
viética dizem�nos que progresso estupendo uma nação atra�
sada realizou aplicando aquêle princípio, mesmo nas condições
mais adversas. Só por isso êsses anos apontam para os novos
horizontes ilimitados que a sociedade ocidental pode abrir
para si própria e para o mundo se se libertar de seus fetiches
conservadores. Neste sentido, a Revolução Russa ainda en�
frenta o Ocidente com um grave e desafiador tua res agitur.
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