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ESCOLA: DANÇA, TEATRO, APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Débora Barbosa Vendramini COSTA1


Denise Maria Trombert de OLIVEIRA3
Luciana M. Lunardi CAMPOS2
Natália Arias GALASTRI1

Resumo: O projeto “Escola: dança, teatro, aprendizagem e desenvolvimento” foi constituído


por três subprojetos, sendo que dois tiveram como eixo central a dança e o teatro.
Atividades de dança educativa foram planejadas e desenvolvidas, oferecendo
oportunidades ricas de domínio do corpo, desenvolvimento e aprimoramento de
possibilidades de movimentação, descoberta de novos espaços, novas formas,
superação de limites, enfrentamento de novos desafios quantos aos aspectos
motores, sociais, afetivos e cognitivos, responsabilidade, criatividade e
cooperação. O teatro foi desenvolvido como estratégia para o ensino de
conteúdos específicos de Ciências Naturais, mostrando-se motivador para os
alunos e possibilitando a troca de idéias, a participação, a crítica e a criação. Os
processos vivenciados e os resultados indicam-nos a necessidade de que
vivências com dança e com teatro sejam oferecidas em escolas, como estratégias
para favorecer o desenvolvimento cognitivo, inclusive de conteúdos específicos,
afetivo e social de alunos.

Palavras-chave: ensino de ciências; arte; teatro; dança.

INTRODUÇÃO

Ciências e Artes. Será a Arte um meio facilitador do aprendizado dos conteúdos


de Ciências? O teatro, a dança, as artes plásticas, como formas de expressão artística, podem
auxiliar os alunos a se apropriarem de conteúdos específicos?

Estas questões nortearam o desenvolvimento do projeto “Arte na escola: dança,


teatro, aprendizagem e desenvolvimento”, que teve por objetivos: desenvolver atividades
artísticas como estratégia para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, ampliar
experiência com artes de alunos do ensino público, intervir na realidade escolar, apresentando
alternativas para os processos de ensino e de aprendizagem e contribuir para a melhoria do
ensino na área de Ciências Naturais no ensino fundamental.

Este projeto maior foi composto por três subprojetos “Flores e Polinizadores: O
Ensino de Ciências através do Teatro”, “Ciranda da Dança: dançando alegria” e “Criar e
Conhecer: Arte e o Mundo Invisível Dos Microorganismos”

Neste artigo, descreveremos os resultados da implementação dos dois


primeiros subprojetos.

1
Alunas do curso de Ciências Biológicas, modalidade Licenciatura, UNESP – Botucatu; Trabalho de conclusão de curso
apresentado em dezembro de 2006.
2
Professora junto ao Departamento de Educação, Unesp – Botucatu; orientadora.
3
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica, Belo Horizonte;
co-orientadora da aluna Natália Arias Galastri.

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DESENVOLVIMENTO

“Flores e Polinizadores: O Ensino de Ciências através do Teatro”1

Este projeto buscou no teatro um meio de tornar os conteúdos de Ciências


Naturais divertidos, interessantes e instigantes para os alunos, contribuindo para a
conscientização da importância da natureza e de sua preservação.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais (BRASIL,


1997), aspectos do desenvolvimento afetivo, dos valores e das atitudes também merecem
atenção ao se estruturar a área de Ciências Naturais, que deve ser concebida como
oportunidade de encontro entre o aluno, o professor e o mundo, reunindo os repertórios de
vivências dos alunos e oferecendo-lhes imagens, palavras e proposições com significados que
evoluam, na perspectiva de ultrapassar o conhecimento intuitivo e o senso comum.

Reconhece-se, assim, a importância do professor considerar o conhecimento


prévio dos alunos, “incentivar os alunos a pensarem sobre os temas tratados, reconhecer suas
conquistas em seu processo de aprendizagem e no engajamento e determinação de seus
propósitos” (BIZZO,1998, p.32) e gerar desequilíbrios cognitivos.

Para isso, o professor deve utilizar estratégias pedagógicas que considerem a


bagagem de conceitos trazidos pelos alunos e criem “situações-problema” que irão modificar o
que os alunos pensam, aproximando-os dos conhecimentos científicos.

O conhecimento científico é extremamente importante porque fornece


instrumentos para o aluno compreender e se posicionar frente a muitos aspectos contraditórios
do complexo mundo atual, pois “a ciência é um fenômeno social e cultural de incontestável
importância e peso no mundo e, sem dúvida, constitui um aspecto da bagagem cultural que
caracteriza as sociedades” (PUJOL, 2003, p.45).

O conhecimento sobre como a natureza se comporta e a vida se processa


contribui para que o aluno se posicione, com fundamentos, acerca de questões polêmicas e
oriente suas ações de forma consciente (BRASIL, 1997).

Por essa razão, o ensino de Ciências não deve consistir apenas em dar
respostas prontas aos alunos, mas em formular questionamentos que estimularão os alunos a
procurarem pelas respostas.

Nesta perspectiva, considera-se o teatro uma importante estratégia de ensino,


que possibilita que os alunos aprendam a se relacionar, a respeitar a opinião dos outros, a

1
Projeto desenvolvido pela aluna Natália Arias Galastri, sob orientação da Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi Campos e co-
orientação da Profa. Dra. Denise Maria Trombert de Oliveira.

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tentar unir diversas idéias para contentar a todos e a lidar com o individual e com o coletivo, no
momento da interpretação de papéis, da criação da peça, dos ensaios e das críticas.

A educação pelo teatro contribui para o crescimento integrado da criança sob


vários aspectos. No plano individual, desenvolve a capacidade expressiva e artística, adquire
novas formas de expressão e vocabulário, melhora a atenção, a capacidade de observação e
de concentração e promove a perda da timidez, da inibição. No plano coletivo, estimula a
cooperação, o diálogo, o respeito mútuo, o companheirismo e torna as crianças mais flexíveis
para aceitar as diferenças. “As atividades de expressão artística são excelentes recursos para
auxiliar o crescimento, não somente afetivo e psicomotor como também cognitivo do aluno”
(REVERBEL, 2002, p.34).

Ao desenvolver atividades de expressão artística, não se pretende formar


artistas, mas um ser espontâneo, vivo, dinâmico, capaz de exteriorizar seus pensamentos,
sentimentos e sensações e de utilizar diversas formas de linguagem, apto a construir
gradualmente sua própria escala de valores e desenvolver o seu senso estético. “Imitando,
criando ou recriando, o aluno descobre seus dois mundos - o interior e o exterior. É do
encontro desses dois mundos que nasce a expressão” (REVERBEL, 2002, p. 38).

A criança pode, no teatro, transitar por todas as emergências internas integrando


imaginação, percepção, emoção, intuição, memória e raciocínio (BRASIL, 1997).

O teatro na educação pode ser realizado utilizando-se textos já escritos, em que


os alunos só interpretam os personagens e confeccionam o cenário e o figurino. No entanto, a
peça pode ser elaborada pelas próprias crianças que, dessa forma, criam as personagens da
maneira que mais se identificam e escrevem o roteiro colocando aquilo que é mais importante
para elas, que faz parte de suas vivências. Como afirma Vigotsky “O melhor são as obras
compostas pelas crianças (...) pois assim elas compreendem melhor as obras e não ficam só
decorando frases e palavras difíceis” (VIGOTSKY, p. 88, 2003).

O teatro é também um trabalho em grupo, que permite aos alunos organizarem


suas idéias e compará-las às dos colegas. Reais oportunidades de aprendizagem implicam
troca de idéias, conversas e trabalho cooperativo (BIZZO, 1998).

O processo de dramatização exige do homem diversas habilidades: voz,


expressão corporal e facial, riqueza do texto e de sua interpretação. Segundo DOHME (2004),
o corpo é o instrumento de representação e transmite as emoções por meio de posturas,
gestos e voz.

Considerando os aspectos abordados, entendemos que o teatro pode ser


adotado como estratégia para o ensino de Ciências, auxiliando na melhor compreensão do
ambiente e da natureza ao nosso redor, promovendo, assim, um maior respeito, cuidado e
preocupação com o ambiente que nos cerca. Vivenciando os elementos da natureza, os

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alunos podem compreender melhor qual é a sua importância, compreender mais claramente
que cada animal, que cada planta, que nós, seres humanos, que cada elemento da natureza é
igualmente importante; pode-se compreender que a destruição de qualquer um deles promove
desequilíbrios ecológicos que trazem sérias conseqüências para o homem e para o Planeta
Terra.

Nesta perspectiva, desenvolvemos o projeto de teatro para o ensino do tema


“Adaptações florais e polinizadores” propondo que os alunos representassem as plantas, mais
especificamente as flores (conjunto dos órgãos reprodutores das angiospermas), e
interpretassem o papel da abelha, da borboleta, do beija-flor e de outros agentes polinizadores.

O projeto teve por objetivos desenvolver atitudes e valores por meio da criação e
apresentação de um teatro; superar a memorização de definições e de classificações sobre
adaptações florais e polinização, sem qualquer sentido para o aluno; promover o saber prático,
de investigação da natureza; compreender a importância dos agentes polinizadores para a
reprodução das plantas e quais as adaptações das flores que foram selecionadas ao longo da
evolução, de modo a existirem estruturas que atraem os mais diferentes tipos de polinizadores.

A proposta foi desenvolvida em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental,


do município de Botucatu, com alunos de duas 2as séries (C e E). Foram realizados vinte e
quatro encontros de aproximadamente uma hora e meia, no período de 23 de março a 09 de
novembro de 2006. Nesses encontros foram realizados jogos teatrais e dinâmicas, abordados
conteúdos específicos de Ciências Naturais e os alunos desenvolveram as peças teatrais.

Os jogos teatrais e dinâmicas realizados durante todo o período do projeto


consistiram em atividades de expressão, de mímica, de suposição de um acontecimento,
visando desenvolver a representação dramática, estimular a criatividade e as ações
espontâneas dos alunos e a interpretação de cada um de forma natural. Os jogos teatrais
possibilitaram aos alunos aprenderem a improvisar, a criar personagens de acordo com o
contexto estabelecido, a exercitar a representação dramática, a fazer a leitura das cenas de
teatro e promoveram o desenvolvimento da linguagem, da fluência verbal e do senso crítico.

A cada encontro eram realizadas aulas de ciências sobre flores, polinizadores e


adaptações, utilizando-se diversos materiais, métodos e técnicas de ensino, como: aulas
expositivas dialogadas, visita aos jardins e áreas de preservação da Centroflora (ANIDRO do
Brasil), pintura a guache, elaboração de redações, montagem de quebra-cabeça, dinâmica da
polinização, desenhos com giz de cera dentre outros. Além disso, os encontros foram
dinâmicos, pois os alunos colaboravam o tempo inteiro dando idéias, levantando questões,
contando sobre o que já conheciam, com interação muito produtiva e intensa.

Após o desenvolvimento do conteúdo, começamos a elaboração da peça teatral


- cada sala elaborou uma peça. Foi dada liberdade para que os alunos criassem a história,

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escolhessem o nome da peça e os personagens que gostariam de interpretar, escolhessem
qual seria o cenário e os figurinos para que, posteriormente, organizassem esses elementos da
maneira como achassem melhor. Os alunos puderam se expressar da forma como achavam
mais conveniente, foram apenas orientados, auxiliados na construção do teatro, no
posicionamento no palco, com a sonoplastia e quanto ao volume da voz. Foram feitos diversos
ensaios e a cada encontro uma parte do cenário ou do figurino era produzida, de modo que
todos tiveram oportunidades de participar ativamente da construção do teatro.

Durante o desenvolvimento do projeto, consideramos alguns aspectos


relevantes para análise: disciplina, relação entre os alunos e entre esses e o professor, a
motivação dos alunos, a produção e a criatividade.

Encontramos em Aquino (2000) alguns elementos para reflexão sobre a


indisciplina, que nos possibilitaram compreender que o professor tem de criar situações que
tornem o aluno interessado pelo conteúdo de sua aula e que façam o aluno perceber qual é o
seu papel dentro da sala de aula, só assim haverá respeito entre professor e aluno e a
disciplina acontecerá naturalmente. É evidente que quanto mais envolvido o aluno estiver com
as atividades propostas, maior será o seu rendimento, maior será o prazer em aprendê-las e
melhor será o seu comportamento em sala de aula (AQUINO, 2000). Percebemos que todos os
elementos da indisciplina precisam ser analisados pelo professor que também deve rever seus
posicionamentos, questionar suas atitudes, para que possa agir de forma diferente quanto à
chamada indisciplina. E, sempre, o professor deve se lembrar de que seu papel é o de levar
conhecimento para os alunos e estes têm o direito de aprender. Para isso, um conjunto de
regras, chamado contrato pedagógico, deve ser estabelecido no início do ano e relembrado
sempre que for necessário, para que a relação entre professor e aluno possa ocorrer da forma
mais harmoniosa possível e a relação ensino-aprendizagem possa ser atingida.

Podemos perceber que, apesar de em muitos momentos a indisciplina


predominar e dificultar um pouco o andamento dos encontros, em geral a disciplina prevaleceu.
Ocorreram situações um pouco conflitantes em que os alunos falavam demais, brigavam,
ficavam reclamando, mas estas foram objetos de análise e de atenção. Com clareza de
proposta e interesse pelo aprendizado das crianças, conseguimos também o interesse e a
disciplina dos alunos, o que não significou que ficaram quietos, calados, sentados, sem
expressão, mas que participaram, responderam, perguntaram, silenciaram e contaram histórias
relacionadas ao assunto.

A motivação dos alunos para o projeto também foi objeto de análise, pois
algumas de suas atitudes chamaram a atenção. Quando encontravam a responsável pela
aplicação do projeto no pátio da escola, sempre vinham cumprimentar, dar um abraço e
perguntavam “Você vai ir hoje na nossa sala?” ou “Vai ter teatro hoje, Natália?” ou no
momento de encerramento das atividades, muitos deles sempre diziam “Fica mais um

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pouquinho” ou “A gente pode terminar?” ou ainda “Quando você volta?”. Essas questões
representavam o interesse que as atividades propostas geravam nas crianças e causavam a
impressão de que os alunos estavam sendo motivados de alguma maneira. No dia em que
fomos provar as roupas para o teatro, ao ver o cenário pronto e montado e no momento da
apresentação, os olhos dos alunos “brilharam” intensamente. Essas situações levaram à
busca de elementos para a compreensão da motivação, que passou a ser compreendida como
mola propulsora da aprendizagem (SISTO et al., 2000), a partir de uma perspectiva
cognitivista, que não desconsidera a relevância dos reforços ambientais, mas enfatiza os
chamados motivos intrínsecos para a aprendizagem. Dentre os motivos intrínsecos mais
estudados está a realização. De acordo com Sisto et al. (2000, p.154) “o motivo para a
realização desencadeia ações intencionais praticadas pelo próprio sujeito, que demonstram a
competição com um padrão de excelência”. Essa competição interna existente no aluno faz
com que ele mesmo analise seu desempenho e se esforce para fazer cada vez melhor, cada
vez com mais perfeição. Reconhecemos ainda, a presença da auto-estima nos processos
motivacionais das pessoas e a relevância das experiências vivenciadas para o seu
desenvolvimento. Durante todo o processo, as crianças foram elogiadas sempre que possível e
incentivadas a fazer as atividades. Muitas vezes elas diziam que não estavam conseguindo
fazer e, ao invés de fazermos pelos alunos, dizíamos que conseguiriam, que eram capazes e
criativos. Com o passar do projeto, o número de vezes em que os alunos procuravam para
dizer que não conseguiam, diminuiu, o que pode representar uma alteração interna, um
aumento da auto-estima dos alunos, que possibilitou que acreditassem que seriam capazes de
realizar qualquer atividade, passando a fazê-las sem medo de não conseguir. Entendemos,
assim, que o responsável por favorecer a motivação extrínseca aos alunos é o professor. Ele
deve criar novas situações de aula, deve inovar os recursos utilizados, deve explorar novos
ambientes fora da sala de aula, deve alterar a forma de transmissão de conhecimentos, ou
seja, deve criar situações de motivação externa para chegar à motivação interna dos alunos,
para mudar o caráter maçante de sua aula, tanto para ele quanto para os alunos (SISTO et al.,
2000).

Brigas entre os alunos dentro da classe, a timidez excessiva de algumas


crianças, a confiança no colega foram algumas relações observadas durante o
desenvolvimento do projeto. E entendemos com Fontana (1998) que a criança aprende que
outras pessoas são companhias agradáveis, cuidando dela e proporcionando diversão e
alegria e que, conforme vai se desenvolvendo, vai percebendo que as outras pessoas também
têm direitos e necessidades e, que ela pode prestar atenção nos sentimentos delas e lhes
proporcionar alegrias. O desenvolvimento social, portanto, está intimamente relacionado com a
forma de tratamento que os pais, familiares ou responsáveis tiveram para com as crianças e se
transmitiram segurança ou não. Assim, o professor deve ficar atento ao ambiente familiar em
que seus alunos estão convivendo para compreender diversos comportamentos que possuem

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na sala de aula e para avisar à direção da escola, para que, juntos com a assistência social,
possam alterar situações graves a que as crianças estejam sujeitas (FONTANA, 1998). Ao
longo do projeto, reconhecemos a importância do professor ser sensível à forte influência do
ambiente familiar de uma criança em sua conduta escolar e conhecer a realidade de seus
alunos, a forma como eles se relacionam dentro de suas casas para poder ajudá-los a se
sentirem valorizados, cidadãos, partes indispensáveis da sociedade, importantes e capazes.
Mas ressaltamos a necessidade do professor analisar sua interação com os alunos.

Entendemos que a preocupação do professor para com seus alunos deve


se manifestar na competência didática, ou seja, na preparação de aulas dinâmicas, criativas e
com excelentes conteúdos para seus alunos. A preocupação e carinho devem estar no
compromisso em ensinar e em facilitar a aprendizagem. Para que a relação professor-aluno
seja favorecida, deve ser utilizada uma comunicação apropriada à idade, ao grau de
escolaridade e nível social de cada aluno e às oportunidades que os estudantes tiveram até
então. A falta de sintonia da linguagem entre professores e alunos pode ser uma das causas
dos conflitos em sala de aula, da falta de aprendizado e interesse dos alunos. Deve haver,
ainda, um “distanciamento” estratégico para que fique clara a distinção dos lugares de
professor e aluno. Essa distinção baseia-se basicamente pelo tempo de iniciação em
determinado campo de conhecimento e, conseqüentemente, pelo grau de complexidade
discursiva acerca desse campo. Poderíamos, com isso, afirmar que a relação existente entre
professor e aluno é uma relação de assimetria (AQUINO, 2000). Durante o projeto, procuramos
construir uma relação assimétrica com os alunos e nunca deixamos que esta fosse perdida ou
esquecida. Não deixávamos que se esquecessem de que havia um objetivo para o
desenvolvimento do projeto, a aprendizagem. Embora assimétrica, a relação não foi em um
sentido único, pois, ao ensinar aos alunos, também aprendemos com eles, em uma relação de
reciprocidade de aprendizagem. Procuramos construir uma liderança democrática, pois
ouvimos os alunos, pedíamos para que elaborassem as atividades, deixando-os extremamente
à vontade para criarem, mas organizamos o espaço, o tempo e as regras (AQUINO, 2000).
Consideramos que a autonomia e a autoridade foram construídas e mantidas.

Foram realizadas várias atividades que envolveram criatividade, entusiasmo e


dedicação dos alunos antes da elaboração da peça teatral propriamente dita. Os alunos
fizeram pinturas a guache, com giz de cera, elaboraram redações, brincaram com um jogo da
memória sobre o conteúdo abordado e fizeram algumas dinâmicas, como a das flores de
papelão, pois consideramos que “quando a criança desenha, faz uma escultura ou dramatiza
uma situação, transmite com isso uma parte de si mesma: nos mostra como sente, como pensa
e como vê” (REVERBEL, 2002, p.21).

O teatro teve como objetivo principal ensinar ciências, mas esperava mudanças
nas crianças, tanto no plano individual quanto no plano coletivo. Todas as atividades possíveis

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de serem realizadas em grupos foram assim desenvolvidas, pois pela expressão coletiva o
aluno adquire uma dimensão social. Eles puderam opinar, dar idéias, participar, discordar,
criticar e criar.

Desse processo, entre muitos resultados, obtivemos as duas peças elaboradas


pelos alunos. Elas foram intituladas “Amizade” (2ª série E) e “Bichinhos nas flores” (2ª série C).
A apresentação das mesmas ocorreu na escola, no mês de novembro de 2006, com a
presença dos pais e dos alunos da escola do período da tarde. Os alunos mostraram-se
bastante à vontade, foram espontâneos e conseguiram falar alto, uma das principais exigências
durante todo o projeto, pois senão o público não ouviria e, por conseguinte, não compreenderia
a história.

Ao final do projeto, os alunos assistiram ao teatro para que pudessem fazer


críticas ao trabalho que realizaram. Não é fácil julgar a atuação dos colegas e de si próprio,
mas com o desenvolvimento do teatro, os alunos passaram a criticar seus colegas e seu
próprio trabalho de forma mais espontânea e consistente. Entendemos que “Atuar, observar e
criticar são ações fundamentais para a formação da personalidade do aluno, o qual adquire ao
mesmo tempo domínio da linguagem gestual e verbal” (REVERBEL, 2002, p.31).

Após os espetáculos, no último encontro do projeto, fizemos uma avaliação


sobre o processo vivenciado, por meio de um questionário para as professoras e da
distribuição de uma folha pautada e uma folha A4, para os alunos; solicitamos que redigissem
uma pequena redação dizendo se haviam gostado ou não e o que haviam aprendido durante
todos os encontros e desenhassem, na folha A4, o que eles haviam gostado e aprendido
durante o projeto. Os materiais foram coletados e analisados.

As professoras consideraram o projeto excelente. Elas indicaram que o teatro


havia influenciado no desenvolvimento de suas aulas, porque os alunos esperavam com
interesse e carinho pelo dia de realização dos encontros do projeto, porque o projeto
complementou o conteúdo sobre plantas e por ter melhorado o rendimento dos alunos em
outras áreas. Disseram que o teatro deveria ser uma metodologia para o ensino de ciências,
pois a criança aprende muito mais com atividades lúdicas. Quanto a ter ocorrido alguma
mudança na relação entre os alunos com o desenvolvimento do projeto, as professoras
responderam que houve mudança sim e que foi possível trabalhar coletivamente outras
atividades, como a construção do livro de poesias e trabalhos de matemática. Foi relatado
também um aumento considerável da motivação dos alunos. Outro aspecto indicado pelas
professoras foi o fato dos pais terem gostado muito do projeto, pois vieram assistir à peça e
fizeram vários elogios. As professoras consideraram ótima a repercussão do projeto entre os
alunos.

Nas redações elaboradas pelos alunos, verificamos que todos haviam gostado
do projeto. Alguns gostaram porque trabalharam em grupo, outros gostaram de participar do
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teatro, outros de fazer as roupas, as asas dos animais e o cenário, outros ainda gostaram do
momento da apresentação. Muitos disseram que adoraram o seu personagem, adoraram a
história e os ensaios do teatro. Alguns responderam que gostaram das aulas anteriores ao
teatro, pois aprenderam uma “porção de coisas”. As falas da peça também foram muito citadas,
os alunos descreveram o que haviam falado e disseram que haviam gostado muito e um aluno
disse que gostara do passeio à Centroflora (ANIDRO do Brasil). A maioria dos alunos citou
conteúdos que foram desenvolvidos nos encontros, dentre eles estavam: as partes que
constituem as flores; a existência de animais polinizadores e quais eram eles; que os besouros
e os morcegos visitam as flores brancas, os beija-flores visitam flores de variadas cores e as
borboletas preferem as flores vermelhas e amarelas; que a polinização é quando o pólen vai de
uma flor para outra; que não se pode maltratar os animais nem as flores; que os besouros não
enxergam bem, mas têm um olfato muito bom; que as flores tem sépalas, pétalas, a parte
masculina e a parte feminina onde se encontram os óvulos; que a abelha enxerga o ultravioleta
como luz visível; que os beija-flores têm o bico comprido “para alcançar” o néctar presente nas
flores e que a natureza é nossa amiga.

Quanto aos desenhos, eles retratavam principalmente o momento da


apresentação do teatro. Desenharam os personagens falando, identificaram seus colegas nos
personagens ilustrados, desenharam o público assistindo, o cenário, a caixa de som e
ilustraram também a disposição dos personagens no palco.

Por meio das avaliações, percebemos o quão significativos haviam sido os


encontros anteriores ao teatro propriamente dito, o aprendizado dos alunos e o interesse pelo
conteúdo abordado e pelas atividades propostas. Consideramos o resultado da avaliação
extremamente positiva e motivadora para que outros projetos com teatro sejam desenvolvidos
no ensino de Ciências Naturais.

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“Ciranda da dança” 2

Podemos considerar a dança como uma das manifestações artísticas mais


antigas, utilizada até mesmo antes dos desenhos pré-históricos e da palavra. A dança, através
dos tempos, foi prática contida de valor e foi instrumento de satisfação da necessidade
humana, expressando sentimentos e possibilitando realizações. Assim, existem inúmeros
motivos que justificam a presença marcante da dança na constituição do homem e da história.

Segundo Dantas (1999), a dança é a experiência do corpo em movimento, é a


expressão da motricidade humana, é manifestação artística, que se realiza no corpo,
transformando os movimentos em arte. Ela está inserida no contexto das artes, sendo até
mesmo considerada como a pioneira das manifestações artísticas. Para Sachs: “A dança é a
mãe das artes. A música e a poesia existem no tempo: a pintura e a escultura no espaço.
Porém a dança vive no tempo e no espaço. O criador e a criação, o artista e sua obra, são (na
dança), uma coisa única e idêntica” (Sachs apud Dantas, 1999, p.23).

A dança, ao utilizar as dimensões de tempo, espaço e movimento, interfere nas


capacidades físicas, afetivas e cognitivas do homem, pois ao dançar, o corpo entra em
atividade, favorecendo a comunicação de pensamentos e emoções (BERTONI, 1992). A partir
da dela, pode-se movimentar o corpo todo, tem-se a possibilidade de descarga de tensões; do
ponto de vista social, pode-se unir um grupo de indivíduos que num mesmo momento se
dedicam de forma total a uma atividade. Pode-se expressar uma idéia, um anseio, denunciar.
Cada movimento na dança, como cada palavra em poesia, é uma conjunção sintetizada de
emoções, idéias, sensações e estados de espírito. O agrupamento de palavras em frases vai
criando desenhos harmônicos, tal como o agrupamento de sons em música e de movimentos
em seqüências dançadas (OSSONA, 1988). Através da motricidade que se tem a relação
sujeito/mundo e tal relação gera resultados satisfatórios por meio das ações corporais que
frutifiquem em evoluções motoras, intelectuais e sociais (MELO, 1997). A dança então surge
como forma de aproveitar este potencial de forma prazerosa, a fim de modificar estados e
construir relações.

Segundo Dantas (1999) a dança permite a realização de movimentos que não


possuem, aparentemente, nenhuma utilidade ou função prática, mas que possuem sentido e
significado em si mesmos, e são recriados e vividos a cada momento. Ao dançar, homens e
mulheres não apenas reinventam movimentos, tempo e espaço, mas transformam-se em
personagens, pois a dança torna visível no corpo e nos movimentos todo um universo de ações
e significados diversos do cotidiano. Movimentos e gestos em dança permitem formular
impressões, conceber e representar experiências, projetar valores, sentidos e significados,

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Projeto desenvolvido pela aluna Débora Barbosa Vendramini Costa , sob orientação da Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi
Campos

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revelar sentimentos, sensações e emoções. Segundo Laban, (1990) “Quando criamos e nos
expressamos por meio da dança, interpretamos seus ritmos e formas, aprendemos a relacionar
o mundo interior com exterior” (apud MORANDI, 2006, p.72). A dança contribui nesse sentido,
gerando indivíduos capazes de criar com o corpo, interpretá-lo, utilizá-lo como forma de
comunicação e expressão.

Segundo Fux 1983 (apud SANTOS, 2005, p. 5) “dançar faz fluir sensações de
alegria provenientes da forma lúdica de movimentar-se livremente”.

Com tantos benefícios, dançar deveria fazer parte da vida das pessoas desde a
infância, havendo estímulo para que a criança a pratique ou contemple.

A criança é um ser em constante mobilidade e utiliza-se dela para buscar


conhecimento de si mesma e daquilo que a rodeia, relacionando-se com objetos e pessoas. A
ação física é necessária para que a criança harmonize de maneira integradora as
potencialidades motoras, afetivas e cognitivas. Desta forma, ações comuns a ela, como correr,
pular, girar e subir nos objetos são algumas das atividades dinâmicas que estão ligadas à sua
necessidade de experimentar o corpo não só para seu domínio, mas na construção de sua
autonomia (BRASIL, 1997). Neste sentido, a partir da imagem corporal a criança configurará
seu funcionamento motor, verbal e cognitivo (LEVIN, 2001), ou seja, a ação física é essencial
para que a criança construa sua própria personalidade.

A ação física é a primeira forma de aprendizagem da criança, estando a


motricidade ligada à atividade mental. Ela se movimenta não só em função de respostas
funcionais (como ocorre com a maioria dos adultos), mas pelo prazer do exercício, para
explorar o meio ambiente, adquirir melhor mobilidade e se expressar com liberdade. Possui,
nesta etapa de sua vida, um vocabulário gestual fluente e expressivo (BRASIL, 1997).

Sendo assim, compartilha-se da idéia de Melo (1997) de que a gênese da


consciência corporal é um aspecto que deve ser discutido em nível do próprio processo de
desenvolvimento da criança, afinal o corpo, desde as primeiras etapas de desenvolvimento é o
instrumento mais utilizado pela criança para sua comunicação.

Wallon diz que na infância é muito pronunciado o papel do movimento na


percepção. A criança reage corporalmente aos estímulos exteriores adotando atitudes
conforme as sensações experimentadas em cada situação (GALVÃO, 1995). Essas
considerações permitem reconhecer a importância do movimento para o desenvolvimento da
criança, pois ele é o elo que permite sua comunicação com o mundo, que acrescentará fatores
que auxiliarão nesse desenvolvimento.

Se a motricidade se faz presente para a criança de forma a ser uma


necessidade, é de se esperar que a dança possa se inserir neste contexto, fazendo parte do
cotidiano da criança. Segundo Fux (apud SANTOS, 2005), a dança na infância produz efeitos

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terapêuticos que proporcionam formas de expressar alegria, tristeza e euforia, permitindo que a
criança lide com seus problemas, aumentando seu repertório e possibilitando identificar e
nomear seus próprios sentimentos e pensamentos.

Para Laban (apud MORANDI, 2006, p.80), a criança tem o impulso inato de
realizar movimentos similares aos da dança, sendo ela uma forma natural de expressão. Cabe
à escola levá-la a adquirir consciência dos princípios do movimento, preservando sua
espontaneidade e desenvolvendo a expressão criativa.

A escola é a instituição de educação (depois do lar) na qual a criança passa o


maior tempo de sua infância. É de se esperar, portanto, que muitos dos aprendizados
adquiridos por ela sejam provenientes da escola.

Para Giardinetto (2006), a escola é uma instituição própria para a formação


cultural dos indivíduos. É onde existe a união entre o saber cotidiano (costumes, linguagens) e
o não cotidiano (ciências, filosofia), cabendo a ela também promover a sensibilidade artística,
postura filosófica e análise política.

Segundo Saviani (1984) a existência da escola se justifica pela sistematização


do conhecimento produzido pelo gênero humano, o que não é possível em outras instâncias da
vida social fora da escola.

Sendo a escola, então, uma necessidade para a formação plena do homem,


seria de se esperar que a dança, um importante instrumento para o desenvolvimento da
criança, estivesse inserida na escola há algum tempo, já que é um dos principais núcleos
educativos. Segundo Morandi (2006) historicamente a dança esteve pouco presente nas
escolas e principalmente no ensino de arte. A dança tem pouca participação na história do
ensino de arte no Brasil, sendo sua presença frequentemente relacionada às festividades
escolares ou como atividade recreativa e lúdica, sem intuito de promover o seu ensino. O
reconhecimento de sua importância é recente, carregando ainda consigo vestígios e preceitos
negativos que historicamente impediram sua inserção nas escolas como área de conhecimento
específica e autônoma. É claro que as apresentações de dança têm papel importante no
ensino e aprendizagem de dança, mas desde que sejam resultados de todo o processo
ocorrido durante as aulas de dança, pois o propósito da dança como forma de arte e expressão
é propiciar ao corpo que dança possibilidades diferenciadas de percepção, o que não ocorre
com o corpo em uma dança onde não houve o preparo prévio.

Hoje em dia, a dança ainda é muito relacionada à Educação Física. Segundo


Hayes (apud MORANDI, 2006, p. 95) a associação da dança com a Educação Física é
negativa devido ao fato de a dança ser vista como outra atividade física, não sendo valorizada
como Arte. Para Miranda (apud MORANDI, 2006, p. 96), a dança e a educação física têm
pouco em comum, sendo áreas diferentes, com objetivos próprios, onde o movimento é

100
utilizado por razões diferentes, não havendo razões, portanto, para que sejam associadas
somente porque se referem ao movimento humano. De fato, a dança não caracteriza o corpo
como um apanhado de alavancas e articulações, nem possui caráter competitivo, como ocorre
na educação física. A dança busca mais que o desenvolvimento das capacidades motoras da
criança; ela instiga as capacidades imaginativas e criativas, busca as emoções. Assim, à
medida que a dança estimula também a criatividade, a relação entre corpo e mente, a livre
expressão e a socialização, ela se encontra inserida no contexto da arte não estando, portanto,
no contexto da educação física.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394/96 inclui a arte como disciplina


obrigatória na educação básica. “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório,
nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
alunos” (art. 26, § 2o) (BRASIL, 1997, p. 25). Para Silva e Gonçalves (2003), a introdução da
arte no espaço institucional da escola colabora para o crescimento e igualdade dos níveis
cognitivos, afetivos e perceptivos, pois mobiliza o domínio cognitivo ampliando e aprofundando
o conhecimento e, ainda, favorece o desenvolvimento da qualidade imaginativa, que é um
elemento importante para apreensão dos conteúdos, bem como para efetivação da
aprendizagem, pois pela imaginação é possível perceber as estratégias individuais na
construção do conhecimento.

Assim, considerando que a dança é de extrema importância para o


desenvolvimento físico, criativo, cognitivo e social da criança e que ela assume uma
importância contida nela mesma, como forma de conhecimento tão importante quanto a de
outras áreas, elaboramos uma proposta que teve por objetivo desenvolver o gosto pela prática
e/ou observação da arte da dança ainda favorecer a consciência corporal, a criatividade, a
cooperação, a responsabilidade em crianças de uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental
de uma escola municipal de Botucatu, por meio de aulas semanais de dança.

As aulas de dança foram realizadas no período da tarde, todas as segundas-


feiras, de março a novembro, das 13h30min às 14h30min, com cerca de vinte crianças.

Ao contrário do que ocorre na maioria das escolas, o ballet clássico não foi a
modalidade desenvolvida, por ser uma “técnica corporal codificada”, segundo Scarpato (2001),
que exige repetição mecânica, não dando espaço para os alunos pensarem sobre suas ações.
Pensando em trabalhar a criatividade destas crianças, privilegiar movimentos por elas criados,
escolhemos a dança educativa/criativa, tema que hoje é muito discutido como proposta de
inserção da dança na educação.

A proposta da dança educativa é interessante, pois contribui no desenvolvimento


de muitos aspectos, tais como: aprendizagem, compromisso, cidadania, responsabilidade,
interesse, senso crítico, criatividade, envolvimento, socialização, comunicação, livre expressão,
respeito, autonomia e cooperação (SCARPATO, 2001).
101
Assim, em todos os encontros foram focalizados aspectos como interação,
cooperação, responsabilidade e consciência corporal.

A aula foi organizada em quatro partes: “hora das novidades”, “hora da dança
sentada”, “hora da dança em pé” e “hora das brincadeiras”, procurando, em cada um desses
momentos, o desenvolvimento de aspectos como: compromisso, responsabilidade,
comunicação, cooperação, entre outros já citados. Essa organização foi decorrente de
experiências próprias como professora de dança e das difundidas pela dança educativa.

A hora das novidades é o momento no qual as crianças contavam o que fizeram


durante a semana e trocavam experiências. Esse momento favoreceu a interação entre
professor e alunos.

A hora da dança sentada era o momento de preparo do corpo para a dança,


aquecimento e alongamento, com a preocupação de se trabalhar a consciência corporal e os
limites individuais. Nesses momentos os exercícios eram sempre acompanhados de músicas e
histórias, para que ficassem ainda mais interessantes para os alunos. E eles cantavam alto, se
esforçando cada vez mais e mais, sendo cada avanço motivo de gritos de felicidade. Era o
momento de dizer-lhes que somos diferentes, que cada um tem seu corpo, com suas
limitações, mas que poderíamos vencer nossos limites de forma saudável.

Vayer (apud MELO, 1997) diz que o desenvolvimento da criança é resultado das
relações e comunicações que se estabelecem entre seu corpo, as outras pessoas e a realidade
das coisas. Desta forma, a consciência corporal se torna essencial para seu desenvolvimento.
Segundo Le Boulch (apud MELO, 1997) a criança de sete a doze anos já possui consciência
de seu corpo, é capaz de verbalizar suas experiências tônicas e motoras e assim reconhecer
suas capacidades. De fato, as crianças durante os exercícios respeitavam seus limites, sempre
me falando “não consigo mais que isso” ou “ainda posso mais, não está doendo!”.

Na hora da dança em pé foi realizada a aplicação dos exercícios sentados; os


movimentos foram executados segundo um ritmo, existindo espaço para criatividade,
interpretação e exteriorização de emoções. A princípio, todos os movimentos realizados em pé
eram dirigidos por mim, a fim de desenvolver neles o equilíbrio, a memória, a coordenação.
Como já explicado, não foi objetivo do projeto desenvolver o ballet clássico, porém, neste
momento, vários exercícios desta técnica foram utilizados, pois muitos deles são ótimos para o
desenvolvimento do equilíbrio e coordenação, além de promoverem o aquecimento da
musculatura. As crianças gostavam muito desses exercícios, queriam sempre repeti-los, ser
corrigidos. O comportamento delas diante dos exercícios novos foi muito interessante, parecia
para elas como um desafio. Wallon diz que a criança a partir dos seis anos dirige sua atenção
para o conhecimento do novo, para a conquista do mundo exterior havendo preponderância,
neste caso, do aspecto cognitivo (GALVÃO, 1995). A música esteve muito presente nos
exercícios realizados “em pé”. Com isso surgiu a oportunidade de trabalhar contagens e ritmos,
102
o que foi muito importante, pois a noção de tempo e ritmo é de difícil compreensão, sendo
essencial para que se execute as seqüências que compõem a dança. Para tanto, várias
atividades foram propostas, envolvendo músicas de diferentes ritmos, abordando a mudança
de velocidade, as sensações causadas por cada música, de forma que eles se preocuparam
em ouvir a música e senti-la. Segundo Verderi (2000), na música o ritmo é determinado pela
melodia, podendo ser lendo, moderado ou acelerado. Para podermos dançar ou cantar
segundo a música, é necessário compreender as variações rítmicas que podem ocorrer.

Na hora da brincadeira, os alunos se divertiam, sempre estando atentos à


cooperação e ao respeito. É um momento importante, pois como diz Tezani (2004) o lúdico
corresponde a uma profunda exigência do organismo e ocupa um lugar de extraordinária
importância no desenvolvimento infantil, estimulando o desenvolvimento, a coordenação
muscular, as faculdades intelectuais, estimulando o conhecimento das pessoas e das coisas do
ambiente em que vive.

Além das aulas, foi proposta a organização de dois trabalhos coreográficos. O


primeiro trabalho foi em sua maior parte coreografado por mim, mas conteve as idéias dadas
pelas crianças. O fato de ter que aprender uma coreografia ensaiá-la e apresentá-la para um
público as estimulou de forma que se mostraram cada vez mais empenhadas. O segundo
trabalho coreográfico foi totalmente organizado pelos alunos, desde a criação do roteiro,
escolha das músicas até a montagem das coreografias. Esse fato contribuiu ainda mais para o
desenvolvimento da responsabilidade, organização e cooperação. Fontana (1995) diz que é
necessário oferecer oportunidades para o exercício da responsabilidade, pois mostra às
crianças que elas possuem a confiança do professor. Além disso, Freinet (FERREIRA, 1996)
diz que a criança sente prazer em comunicar seus pensamentos e que, portanto, deve-se
permitir que ela expresse seus sentimentos e idéias.

Esses trabalhos foram apresentados para o público da escola e para o público


em geral em dois eventos ocorridos na cidade e os dias de apresentação foram especiais para
os alunos, que puderam mostrar os resultados de muita dedicação e responsabilidade. A
emoção foi evidente no olhar e no sorriso de cada aluno, mostrando que o palco e o processo
vivenciado proporcionou-lhes muito prazer.

Durante todos os encontros, um aspecto muito focalizado foi a criatividade. Uma


das propostas do projeto consistia em desenvolver a criatividade, mediante leitura de histórias
e propostas de interpretação das mesmas ou criação de novas histórias. Em vários encontros,
histórias foram contadas, solicitando-se que as crianças as interpretassem ou que
interpretassem os desenhos que faziam. Gostavam muito dessas atividades, sempre as
executando com muita empolgação, preocupando-se com todos os detalhes, como se tudo
estivesse ocorrendo de verdade. A coletividade e o respeito eram evidentes. Essas atividades
possibilitaram o desenvolvimento da criatividade, da coletividade, da desinibição e da noção de

103
organização. Para Vygotsky (2000), a capacidade criativa, juntamente com as demais
capacidades mentais, próprias do ser humano, é constituída graças à interação entre o
indivíduo e o meio social (apud ZANLUCHI; PALANGANA, 2003).

Smirnov (1969) define capacidade criativa como sendo a imaginação criadora,


ou seja, a capacidade de uma pessoa produzir, dar vida a algo que não existia até então, ou
usar algo existente para um fim até então inexplorado; é, pois, a capacidade de ultrapassar o
limite do conhecido, do pré-formado; de imaginar e executar algo novo (apud ZANLUCHI;
PALANGANA, 2003). Desta forma, as atividades que privilegiam a criatividade são de grande
valia para a criança, pois constituem um processo complexo em que elas reúnem diversos
elementos de sua experiência para formar um novo e significativo todo. A criança proporciona
mais do que uma experiência expressiva; proporciona parte de si própria: como pensa, como
sente e como vê (STORI, 2003). Tais atividades também exigem cooperação e socialização,
uma vez que, em geral, são realizadas em grupos.

Segundo Freinet (apud ELIAS, 1997) o trabalho cooperativo que exige


autodisciplina, desperta o interesse dos alunos. A classe se torna uma verdadeira comunidade
de indivíduos que participam da elaboração de regras para alcançar o melhor desenvolvimento
em seus projetos e atividades. Piaget (2002) diz que a criança, depois dos sete anos, torna-se
capaz de cooperar, por que não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros,
dissociando-os mesmo para coordená-los. A linguagem “egocêntrica” desaparece. De fato
percebi que as crianças não tiveram dificuldade de trabalhar em grupo. Elas mesmas se
organizavam, definiam regras, dialogavam, propunham idéias.

Vygotski atribui enorme importância ao papel da interação social no


desenvolvimento do ser humano. Segundo ele, todas as experiências fornecidas para a criança
através da cultura, da linguagem, da fala com outro auxiliam na organização dos processos
mentais (REGO, 1995).

Em relação ao comportamento das crianças, desde o primeiro encontro elas


falavam alto e pareciam felizes. Em todas as aulas, eles foram receptivos, afetuosos e
acolhedores (abraços, beijos, flores e presentes). Na visão de Wallon (GALVÂO, 1995),
afetividade é interação e a afetividade surge antes da inteligência, logo ao nascimento. Cada
estágio do desenvolvimento tem sua forma característica de interação e, portanto de expressar
afetividade, de acordo com os interesses e a maturidade. Na escola, a afetividade se faz
presente nas interações entre grupos e entre professor e aluno, uma vez que a transmissão de
conhecimentos implica necessariamente uma interação entre pessoas (ALMEIDA, 1999).

Consideramos que por meio da dança, os alunos tiveram oportunidades ricas de


domínio de seu corpo, desenvolvimento e aprimoramento de suas possibilidades de
movimentação, descoberta de novos espaços, novas formas, superação de limites,

104
enfrentamento de novos desafios quantos aos aspectos motores, sociais, afetivos e cognitivos,
responsabilidade, criatividade e cooperação.

Talvez nem todas as crianças queiram continuar a dançar, mas o que importa é
que de alguma forma a dança modificou suas vidas, inserindo conceitos que são primordiais
para o convívio social e para o desenvolvimento pessoal.

E assim...

... A dança se tornou ainda mais bela, a música ainda mais harmoniosa e o
corpo ainda mais leve para dançar!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que os projetos desenvolvidos atingiram seus objetivos


plenamente, mostrando que através do teatro e da dança pode-se transmitir mensagens,
conhecimentos, viver alegrias, compartilhar emoções.

Concordamos com LOWENFELD que:

“A Arte desempenha um papel potencialmente vital na educação das


crianças. Desenhar, pintar ou construir constituem um processo complexo em
que a criança reúne diversos elementos de sua experiência, para formar um
novo e significativo todo. Para ela, a arte é atividade dinâmica e unificadora”
(LOWENFELD & BRITTAIN, 1977, p.13).

A apreensão e a reelaboração da realidade relacionam-se à arte, que pode ser


considerada como expressão do universo cognitivo e afetivo de cada um, por meio da qual são
revelados sentimentos e pensamento. Ela é , assim, mediadora do aprendizado sobre o
mundo interno e o mundo externo, em suas diferentes formas artísticas.

Neste sentido, ressaltamos a necessidade de pensarmos a arte na escola para


além do desenho ou da pintura. Outras linguagens, como a dança e o teatro não podem ser
sinônimos de festividade apenas. Elas são estratégias para que os alunos se apropriem do
conhecimento de forma significativa, para que desenvolvam a criatividade, a coletividade, o
respeito, o autoconhecimento e contribuem para a formação do ser sensível, crítico e reflexivo,
que se expressa e se comunica.

A criança pode ser considerada, por natureza, um artista, pois cria


reorganizando e combinando o que conhece, formando o novo e relacionando-o com a vida,
como se fosse um faz-de-conta (SANS, 1995).

Cabe à escola despertá-la para manifestações de sua criatividade, confiando no


potencial transformador da arte.

105
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