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Frevo
Frevo
FOTOGRAFIAS
Acervo Técnico Iphan - DAF
Arquivo Casa do Carnaval
Arquivo Clube Carnavalesco Misto
Vassourinhas
Arquivo da Escola Municipal do Frevo
Arquivo de Agremiação e Clubes Carnavalescos
Arquivo Flickr do Paço do Frevo
Anderson Stevens
Clécio Tomaz
Rafael Bandeira
Sócrates Arantes
Arquivo de Karoba Nunes
Arquivo Leandro Dantas Silva
Arquivo de Lindivaldo Oliveira
Arquivo Museu da Cidade do Recife
Alexandre Berzin
Mário de Carvalho
Roberto Cavalcanti
Romildo Carvalho C A PA
Hemetério
Arquivo Maestro Nunes PÁGINA 2
Claudio Versiani
Leilane Nascimento PÁGINA 4
PÁGINA 8
PA S S ISTA S NO C A RNAVA L D E 1 9 5 8 .
FOTO : M Á RIO DE C A RVA L H O - A R QUI VO D O MUS EU
DA C IDA DE DO RE C IFE .
Sumário
dossiê iphan 14 { Frevo } 9
B AI XO
PA S SI STA 1 4 DA SÉRI E IC ONOGRÁFICA “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.
D I REI TA
C ARNAVA LESCOS NA S RUAS.
I LUSTR AÇÃO: W I LTON DE SOUZA, 1979.
Olha o frevo!
Nessa época de expansão da Desfiles de corsos, clubes e blocos e continua sendo o espaço
cidade do Recife, nesse novo de frevo passam a explicar os emblemático dessa manifestação.
espaço público urbanizado, o frevo bairros, ruas e praças da cidade. Frevo-música, frevo-dança...
encontra seu lugar e se desenvolve Primeiro gênero musical criado Uma sugerindo a outra, no caso
como manifestação identificada no Brasil, especialmente para da música, gerada pela inspiração
com os anseios populares em um o Carnaval, o frevo surge como de compositores de música ligeira,
ambiente de trocas, negociações e uma música urbana. distingue-se o fato de ser promotora
tensões entre o poder público e a A partir dos anos 30, a evolução de uma heterogeneidade rítmica,
população, compreendido como do mercado fonográfico e a difusão harmônica e melódica, derivada da
um espaço produtivo das táticas de radiofônica ampliam a visibilidade mescla de gêneros diversos – marcha,
sobrevivência dos grupos pobres do ritmo em todo o país. Ainda dobrado, maxixe, quadrilha, polca.
no contexto da escravidão urbana. assim, o Carnaval continuou Quanto à dança, caracterizada
dossiê iphan 14 { Frevo } 15
D I REI TA
PA S SI STA S 4 E 5 DA SÉRIE ICONOGRÁFIC A
“PAS SI STAS” .
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.
como passo, bailado solista que saudade e seu amor ao Recife. bloco, frevos-canção, intérpretes
assimilou e assimila movimentos A poesia se caracteriza pelo lirismo e compositores de ontem e hoje,
das mais variadas procedências, do tema saudade, a qual é revestida agremiações carnavalescas, clubes
destaca-se a ginga, o vigor e o por um sentimento de perda. de frevo, troças, clubes de bonecos,
improviso, provavelmente um Esse sentimento nostálgico não se clubes de máscaras, clubes de alegorias
legado da presença dos capoeiras no resume apenas aos antigos carnavais, e críticas, blocos anárquicos e blocos
Carnaval de rua, negros que vinham cujas músicas, fantasias, danças e líricos conformam o universo desta
à frente dos desfiles, considerados agremiações se perderam ao longo manifestação cultural ao longo de uma
vadios, desordeiros e temidos por do tempo, como fruto da dinâmica trajetória histórica de reapropriações
todos, proporcionando além do histórico-cultural, mas também à simbólicas que a ressignificaram como
entusiasmo, exatos desafios de luta. dor do autoexílio, à crítica social e ao expressão de luta e resistência popular
protesto político. Esses temas estão e cultural e símbolo identitário do
O frevo evoca imagens de dissenso. presentes nas letras de compositores povo pernambucano e brasileiro.
O frevo ao que tudo indica não é harmônico. de ontem e de hoje, em um discurso Como na sua invenção,
Rápido nos passos, veloz nos arranjos, poético, repleto de imagens que dão o frevo segue mutante e repleto de
quando executado durante as festas vida a um universo telúrico, influências. Na música que ousa;
carnavalescas, o seu sentido denotativo no qual o passado resiste e é evocado na poesia que exalta o passado e ao
se perde e entra em cena o seu sentido a todo o momento em um diálogo mesmo tempo retrata o cotidiano;
conotativo: espaço onde tudo é possível.1 constante com o presente, em que, na dança emblemática pelo improviso
apesar das exigências mercadológicas, e alicerce para outros estilos, tudo
Na poesia cantada do frevo, no a poesia se mantém viva na memória subverte e ao mesmo tempo estabelece
meio da rua, os passistas e brincantes e no cotidiano das pessoas. novas formas de participação, fazendo
do carnaval pernambucano evocam Passos do frevo, grupos de dança, emergir o entusiasmo e a alegria dos
imagens de outros carnavais, de orquestras de frevo de rua e seus brincantes durante as festividades do
um tempo que já passou e declaram maestros, orquestras de frevo de carnaval de rua pernambucano. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 16
D I REI TA
G R AVAÇÃO DO DEP OI M E NTO DO M AE STRO SPOC K,
R E CI F E.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.
A grande teia
R E UN I ÃO DE EQU I P E.
FOTO: ACERVO TÉCN ICO DAF/IPHAN, 2006.
Foram realizadas visitas, nas referências culturais consideradas Que coisa curiosa! Os ingredientes
levantamento fotográfico e e valorizadas por toda a população. do passo estavam presentes em todo o
cartográfico, além de pesquisa Processo que possibilitou, a partir Brasil, ou seja, o capoeira e a banda
em fontes escritas e bibliografia da memória social dos sujeitos marcial. O Rio de Janeiro tinha isso,
específica sobre o frevo entrevistados, a ampliação da leitura a Bahia tinha isso, mas a química
pernambucano. Informações histórica da configuração urbana da só se deu aqui. Curioso isso!
em sincronia foram adotadas cidade do Recife e das Antônio Carlos Nóbrega
como estratégia para execução de relações de classe e étnicas que se
todos os passos, e a divulgação travavam nesse lugar, assim como, Por fim, a apropriação popular
da pesquisa, o primeiro a compreensão do caráter de do frevo como símbolo identitário
encaminhamento proposto. resistência de classe e de raça existentes – associado à pernambucanidade e à
O resultado, além do próprio no período inicial de conformação brasilidade de um povo “lutador”
registro, foi a produção de dessa manifestação cultural. que no presente ressignifica
uma investigação, descrição e Emergiu dessa aproximação o a experiência de resistência
documentação que permitiram reconhecimento do frevo, em todas de grupos populares ocorrida
identificar e registrar a história, as suas dimensões – música, dança e durante o período de ebulição
a trajetória e as transformações poesia – e nas modalidades em que social de fins do século XIX e
dessa forma de expressão. Durante ele se subdivide – frevo de rua, início do século XX, em que o
a pesquisa foram identificados os frevo de bloco e frevo-canção, calor das massas populares e o
sentidos e os valores, as representações como éthos da inventividade rebuliço das multidões nas ruas,
ligadas ao frevo que configuram popular em Pernambuco, onde durante o Carnaval, traduziam,
uma identidade para a população elementos da capoeira e dos quase que inconscientemente,
pernambucana, presentes nas carnavais de rua de meados e o desejo por liberdade do povo
edificações, nos fazeres, nos hábitos, fins do século XIX adquiriram e da cidade. A cidade fervia ou,
nos saberes, nos costumes, enfim, uma configuração única: como dizia o povo, frevia. ¢
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O FREVO,
ORIGENS E IDENTIFICAÇÕES
dossiê iphan 14 { Frevo } 21
DIREITA
CAPOEIRAS “BRABOS DO RECIFE”.
ILUSTRAÇÃO: NESTOR SIVA. REPRODUÇÃO DIGITAL
DO LIVRO “FREVO, CAPOEIRA E PASSO” DE
VALDEMAR DE OLIVEIRA, 1971.
BLOCO DE M A S C A RA DO S “ O L H A O FRE VO ” .
ILUSTR AÇ ÃO : JO RNA L PE QU E NO , 1 9 0 9 .
ao som das músicas, interferem abastada realizava grandes choros e até árias. Aos poucos,
diretamente na criação do passo, bailes, denominados Mascaradas, entretanto, foram incluindo os
tipo de dança exibida pelo frevo de a princípio em salões e teatros, frevos, com melodias e canções
rua. A repressão policial sobre o depois em desfiles pelas ruas, a que ficavam entre lirismo, saudade
capoeira fez com que seus golpes exemplo dos clubes de Alegorias e reverências a personalidades
fossem disfarçados possibilitando e Críticas e do Corso. representativas da manifestação.
uma coreografia que passou a ter Criado praticamente entre Já os clubes pedestres,
denominações próprias. Dobradiça, o proletariado, o frevo só chega vigas mestras das agremiações
parafuso, tesoura, tramela, alicate... à classe média em meados de carnavalescas, no início eram
Designações conectadas ao universo 1920, com o surgimento do bloco prioritariamente masculinos.
do trabalho que batizam muitos dos Carnavalesco Misto, agremiação A participação feminina se
passos da dança e da mesma forma com uma estrutura assemelhada a incorpora aos poucos, com a
nomeiam os primeiros agrupamentos dos ranchos natalinos e inventada presença de agremiações designadas
de frevo, a exemplo dos clubes a partir da reunião de famílias a partir dos seus ofícios como:
pedestres, hoje, clubes de frevo. da pequena burguesia, com a Quitandeiras, Engomadeiras, Verdureiras,
Tais grupos derivavam geralmente participação mais expressiva das ou por mulheres que não gozavam
do cais do porto, da estiva; eram mulheres, inclusive no coral. de boa reputação e residiam
negros forros, prestadores de As orquestras, diferentemente nas áreas centrais do Recife,
serviço dos bairros de São José dos clubes pedestres, eram a exemplo das Ciganas revoltosas,
e Santo Antônio4, marinheiros, compostas por instrumentos composta por frequentadoras da
prostitutas, gente de pé no chão, com de cordas, sopro e percussão, rua do Fogo, rua da Guia, beco do
objetivos de desanuviar do trabalho, conhecidos como pau e cordas. No Veado e rua das Águas Verdes6.
divertir-se ou mesmo provocar. início, os blocos carnavalescos Outros formatos de
Em contraposição aos mistos5 não tocavam marchas agrupamentos como as troças
aspectos citados, a classe mais no seu repertório, mas tangos, e os clubes de bonecos,
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E SQUE RDA
CARNAVA L DE 1 9 81 .
FOTO : S O C RAT E S A RA NT E S - A RQU IVO DO M U S E U
DA CIDA DE DO RE C IFE .
BAIXO
E STANDA RT E DO BLO C O C A RNAVA L E S C O
“CACH O RRO DO H O M E M DO M IÚ DO ” .
FOTO : S E V E RINO FRAGO S O , 1 9 57.
Territórios
e lugares
do frevo
C ompreender o frevo é,
de certa forma, reconstituir
parte da história das camadas
populares e da própria formação
da cidade do Recife, de fins do
século XIX e início do século XX.
Manifestação que se criou no
meio do povo e afirma-se, depois,
como traço marcante de sua
fisionomia urbana.
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PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA, E STANDA RT E , C A RNAVA L DE 1 9 58.
D E CI MA PARA B AI XO. M OSAIC O C OM FOTOS DO FOTO : AU TO RIA DE S C O NH E C IDA , 1 9 58.
MUSEU DA CI DA DE DO RE CIFE PAS SISTA NO C A RNAVA L DE 1 9 58.
O RNA MENTAÇÃO DE RUA NO C ARNAVAL . FOTO : M Á RIO DE C A RVA L H O , 1 9 58.
FOTO: SEV ER I NO F R AGOSO, 1957. FANTA S IA NO C A RNAVA L DE RUA .
FO LI ÕES NO PA S SO. FOTO : S E V E RINO FRAGO S O , 1 9 57.
FOTO: ALEXAN DRE B ERZ IN, 1948. PAS SO C O L E T IVO FRE VO DE RUA NO RE C IFE , 1 9 48.
B LOCO E ESTAN DA RTE D O C LUBE CARNAVAL E SCO FOTO : AU TO RIA DE S C O NH E C IDA , 1 9 48.
MI STO “ LAVA DEI R AS DE ARE IAS”.
FOTO: ARQU I VO MU SEU CIDAD E DO RE C IFE , D IRE ITA
1 9 50 -1960 . PAS SISTA S 9 E 1 0 DA S É RIE IC O NO GRÁ FIC A
PA S SI STA NO CARNAVAL . “PAS S ISTA S ” .
FOTO: MÁ RI O DE CARVAL HO, 1958. D E SE NH O : L A DJA NE BA NDE IRA , 1 9 51 - 1 9 6 3 .
PA S SI STA S NO CARNAVAL .
FOTO: MÁ RI O DE CARVAL HO, 1958.
Os ensaios dessas agremiações, físico, aos poucos, deixando com o meio urbano recifense,
antes do Carnaval, levavam emergir a onda em busca do seu implicando a compreensão da
multidões às ruas. Era o espaço e lugar, no significado sua representação, percepção
carnaval do povo mais humilde, das ruas recifenses. e vivência, não só no que
das famílias, das agremiações As ruas, as praças e os bairros concerne ao espaço de ação, mas,
tradicionais que no passado das cidades do Recife e de Olinda sobretudo, no que diz respeito
desfilavam para o julgamento serviram aos intensos percursos ao espaço desconhecido.
dos bares, barracas e população. do frevo. Seguindo pelas ruas Nesse território, ao mesmo
A princípio, grandes bailes estreitas ou pelas ladeiras tempo lugar da memória, ocorre
realizados em salões e teatros, históricas, as pessoas e os grupos o desenrolar da vida cotidiana,
denominados Mascaradas, depois, se avolumavam. Além das práticas a partir das divergências e das
nas ruas com os clubes de de trabalho propriamente transgressões, das relações e
Alegorias e Críticas, o desfile ditas, os logradouros eram práticas socioculturais, dos
do Corso, assim, as classes mais também o espaço da vadiagem, múltiplos usos e sentidos
abastadas do Recife celebravam da mendicância, das brigas, de atribuídos aos espaços citadinos.
seu carnaval. Sem a presença prisões e de lazer. Um espaço Nele, ocorrem os jogos e as
do povaréu que se esgueirava, urbano pleno de vida e de relações entre a centralidade e a
aos poucos, reunindo-se para história, carregado de memória, marginalidade das práticas e da
brincar, desanuviar do trabalho símbolos e significados para criação cultural, possibilitando
ou mesmo para provocar. aqueles que o frequentavam. aos brincantes e aos grupos
Não sem choques, proibições Ao analisar o frevo, é de frevo deslocarem-se,
e casos de polícia, ocorre fundamental, desse modo, situarem-se e interagirem
a ocupação do território considerar sua relação imbricada no espaço urbano. ¢
O FREVO, SEUS ELEMENTOS E CARACTERÍSTICAS
dossiê iphan 14 { Frevo } 29
PA S SI STA NA P R ACI N H A.
FOTO: ROB ERTO CAVAL CANTI - ARQUIVO M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E, 1955.
D I REI TA
“F R EVO” .
D ESEN HO: W I LTON DE SOUZA, 1979.
É a celebração do Carnaval o
lugar primeiro do frevo. Festa
alegórica do povo brasileiro,
pelos membros dos clubes e troças
são um ponto evidente da ligação
com a religiosidade e às vezes se
as ruas fluentemente, com ou
sem fantasias, acompanhados por
uma orquestra ou instrumentos
híbrida e transgressora, denominam calço, proteção espiritual improvisados. Da mesma
configurada como agente direto praticada com rezas, banhos de forma, as agremiações, umas
da dinâmica cultural em que o ervas, cânticos e defumadores, comprometidas apenas com a festa,
frevo, em todas as suas expressões com a finalidade de propiciar paz e outras, conectadas à programação
é vivenciado, acrescido e sucesso na trajetória da folia. oficial, preestabelecida e
incorporado a universos distintos. Os cuidados espirituais podem ser disponibilizada para a população.
dossiê iphan 14 { Frevo } 30
As agremiações que participam shows diversos. A programação do sociais como: o Bal Masquê, com
da programação oficial têm dias Recife, além desses polos, oferece um grandioso desfile e concurso de
e horários definidos. No Recife, os descentralizados, localizados fantasias, no Clube Internacional;
acontece o concurso das onze em vários bairros da cidade. o Baile dos Artistas, atualmente no
modalidades de agremiações Além da extensa e vigorosa Clube Português, e os bailes das
carnavalescas, dentre essas, os programação de rua, os clubes sociais sedes sociais dos times de futebol.
clubes, troças, clubes de bonecos e oferecem bailes carnavalescos que Ainda mencionam-se os concursos
blocos são representativas do frevo. acontecem pela manhã, à tarde e oficiais em vários espaços públicos
Nos dois sítios trabalhados (Recife à noite. É tradicional a abertura que incluem crianças, adolescentes,
e Olinda) existem polos centrais oficial do carnaval de clube ocorrer jovens e adultos nas várias categorias:
onde a programação oficial organiza com o Baile Municipal. Outros passistas de frevo, porta-estandartes,
e instala os palcos para eventos e são realizados em vários clubes rei momo e rainha do Carnaval.
dossiê iphan 14 { Frevo } 31
D I REI TA , DE CI MA PA RA BAIXO
C O NCU R SO DE PA S SO NO PÁTIO D E SÃO PE D RO.
FOTO: P REF EI TURA DO RE C IFE , 2003.
C L AU DIO NO R GE RM A NO E M A P R ES ENTAÇÃO NO
C A RNAVA L DO RE C IFE .
FOTO : A RQU IVO DA PRE FE IT UR A D O R ECI F E, 2 0 0 7 .
Música
É DE FAZER CHORAR o primeiro é próprio dos clubes de com a situação do encontro de duas
frevo e das troças, enquanto o segundo agremiações durante o Carnaval,
D E CI MA PARA B AI XO
O RQU ESTRÃO DE F REVO, CARNAVAL D E OL INDA.
FOTO: PA S SARI N HO, ARQUIVO PRE FE ITURA D E
O LI N DA, 20 0 6.
INSTRUMENTAÇÃO
De fato, seria inconcebível simplesmente se adicionou uma rua, por um lado, e o frevo
executar a melodia de Vassourinhas letra. Os frevos-canção ainda de bloco, por outro (com o
com a instrumentação oposta, guardam um sabor brejeiro e um frevo-canção representando
com a primeira metade exposta gosto pela síncope melódica que o caso intermediário, embora
pelos saxofones e a segunda os aproximam de seu congênere na verdade, neste ponto, mais
metade, pelos trompetes. instrumental. Afinal, se esses próximo do frevo de rua),
Para o músico, o folião ou o dois tipos se opõem no que se se relaciona com o éthos viril do
simples observador do carnaval refere à presença do canto, eles se primeiro, contraposto ao éthos
pernambucano, o timbre dos irmanam na relação com a dança. lírico do segundo, associados
instrumentos incorporou-se à O passo vale tanto para o frevo de no universo do Carnaval,
própria definição da melodia. rua como para o frevo-canção: respectivamente, aos gêneros
Pode-se interpretar nesse sentido só no caso do frevo de bloco a masculino e feminino.
a afirmação corrente entre dança muda completamente, e As melodias dos frevos de rua
músicos de frevo, segundo a qual seria de espantar se a mudança são tocadas por instrumentos
o compositor de frevo de rua de estilo coreográfico não tivesse de metal, oriundos das bandas
já é, necessariamente, desde o algum reflexo na enunciação militares, e até hoje portados,
início o seu próprio arranjador. musical (ou vice-versa). De no Carnaval, exclusivamente
As melodias dos outros dois fato, as melodias deste último por homens (as exceções
tipos de frevo são basicamente tipo não apresentam o caráter são raras).
diferentes das do primeiro, por brejeiro, provocador – chegando Já as melodias dos frevos de
serem de fato melodias vocais. a ser descrito como agressivo bloco são cantadas por corais
Ao contrário do que acontece por muitos historiadores do de mulheres (e a literatura
com certos choros cantados, carnaval pernambucano. sobre a história do frevo de
os frevos cantados não são A diferença no tipo de bloco insiste sobre o papel dos
frevos instrumentais aos quais melodia entre o frevo de primeiros blocos líricos na
dossiê iphan 14 { Frevo } 38
D I REI TA , DE CI MA PA RA BAIXO
PA S SI STA NO CARNAVAL D O RE C IFE , 1958.
FOTO: ARQU I VO MU SEU DA CIDAD E DO RE C IFE .
PA S SI STA EXECU TAN DO O PAS SO CARPAD O NO
C ARNAVA L DE OLI N DA.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.
D I REI TA E B AI XO
A PRESENTAÇÃO DA ESC OL A M UNIC IPAL D E FRE VO.
FOTOS: ARQU I VO DA ESC OL A M UNICIPAL D E
F REVO, 20 0 4 -20 0 6.
atuais criou os próprios grupos, De acordo com Adriana, em promovido pela Prefeitura do
como o Guerreiros do Passo e o entrevista realizada em 2006, Recife, pois constitui um item
Grupo de Passistas Adriana do foi também na década de 1980 que de julgamento. Mas a presença
Frevo, mantendo o ensino da as alas de passistas se evidenciaram de passistas em agremiações
forma como aprenderam: gratuito na estrutura dos desfiles das carnavalescas é anterior a esse
e voltado para pessoas de diferentes agremiações, a partir da iniciativa momento. José Ataíde Melo,
procedências e classes sociais. de Nascimento do Passo, quando em Olinda, carnaval e povo, fala
A catalogação dos passos reuniu um grupo de passistas para que em 1927 o folião Benedito
facilitou o desenvolvimento de desfilar no Clube Vassourinhas Bernardino organizou uma seleção
uma metodologia de ensino de Olinda. Atualmente a ala de composta por dois componentes
do frevo, e a criação de várias passistas é obrigatória nas troças de cada entidade carnavalesca para
companhias e grupos de dança. que participam do concurso desfilar no carnaval de Olinda.
dossiê iphan 14 { Frevo } 42
Literatura
e poesia
PÁG I NA AO LADO
V I STA A ÉR EA DO R OTE IRO DE DE SFIL E D O “GALO
DA MADRUG ADA” .
FOTOS: CA SA DO CARNAVAL - PRE FE ITURA DA
C IDADE DO R ECI F E, 1995- 2006.
B AI XO
P RAÇA DA I N DEP EN DÊ NC IA D URANTE O DE SFIL E
D O “ G A LO DA MADRUGADA”.
FOTO: CA SA DO CARNAVAL - PRE FE ITURA DA
C IDADE DO R ECI F E, 1995- 2006.
D I REI TA
D ETA LHE DO F LAB ELO DO BLOCO M ADE IRA
D O ROSARI N HO.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 1990- 2006.
Aspectos
FOTO: REPRODUÇÃO DIGITAL DO LIVRO “METRÓPOLE PÁGINA 47, DA E S QU E RDA PA R A A D I R EI TA
ESTRATÉGICA – REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE”, PO RTA - E STA NDA RT E V E ST I D O À LUI Z XV, D O
visuais
CONDEPE/FIDEM, 2005. C LU BE C . M . VA S S OU RINH A S , CA R NAVA L D E 1 9 5 3 .
FOTO : A RQU IVO DO M U S E U DA CI DA D E D O R ECI F E,
1 9 50 - 1 0 6 0 .
Ou seja, uma boa letra de frevo OLHA QUE EU CONHEÇO A procura do imaginário
necessita ter um alto fulgor de ESSA CARA que representa essa expressão
encenação da linguagem, de cultural, por sua vez, leva à
criatividade, de capacidade de
produzir imagens. E isso,
os textos citados traduzem bem.
A s imagens são importantes
demarcadores de tempos
e de lugares e produzem
construção de uma tipologia
visual. O frevo é uma das fortes
expressões, com seus símbolos
Os temas dos frevos estão no sentidos diferentes de acordo e significados, que identificam
cotidiano das pessoas e traduzem com os contextos históricos e a cultura pernambucana e
em muitas letras crítica social e socioculturais. Elas registram a é hoje reconhecido, vivido
protesto político e, como toda e passagem dos tempos, os fatos, e cultivado pela população,
qualquer expressão artística, os objetos e o próprio povo, com o pela indústria, pelos meios de
é uma forma de questionamento poder de expressar, assemelhar-se e comunicação e pelo Estado.
e transgressão, da inquietude retratar a história humana. Os primeiros suportes visuais
do povo que o compõe e o ouve. Uma investigação visual sobre o foram os estandartes,
Nelson Ferreira, Edgard Moraes, frevo traz informações e enriquece as roupas, as insígnias dos clubes,
Antônio Maria, Luiz Bandeira, a abordagem investigativa sobre os grandes guarda-chuvas,
João Santiago, Capiba, Marcello essa manifestação cultural. os locais onde aconteciam as
Varela, Getúlio Cavalcanti, J. O frevo, assim como outras manifestações (bairros de Santo
Michilis, entre outros, são nomes tantas expressões, está repleto Antônio e São José)
relevantes para o frevo. de imagens que povoam o e os impressos que registraram
A poesia desses artistas evidencia inconsciente coletivo do povo os primórdios do frevo.
uma forte tendência de, por brasileiro e podem ser pesquisadas A proximidade, por exemplo,
meio do frevo, consolidar a na busca de características do frevo com as ordens religiosas é
identidade cultural de uma época, das múltiplas identidades percebida na sua expressão visual.
de um tempo, de um espaço. culturais e seu lugar social. O gosto pelos cortejos,
dossiê iphan 14 { Frevo } 46
PÁG I NA 4 7
REP R EDUÇÃO DE ESTANDARTE S.
que se apresentavam aos olhos Outra grande referência Os primeiros clubes de frevo,
do povo nas ruas, retratava o para o luxo carnavalesco é Caiadores, Vassouras, Lenhadores,
luxo, aspiração presente na Igreja influência da ordem militar: Pás dos Carvoeiros, saíam às ruas
Católica, que foi transposto com símbolos próprios, geralmente
para o Carnaval. Sobre essa Influência dos desfiles militares do século ligados aos seus elementos de
influência, fala a antropóloga passado aparece também nesses grupos. trabalho. Assim, brochas, varas
americana Katarina Real que Na luxuosidade das fantasias, nos ricos e pincéis para o Caiadores,
“A essência do carnaval é despesa bordados, no simbolismo, na presença de vassouras, para o Vassourinhas,
e luxo”9. E complementa: espadas, plumas, capacetes, tricórnios, machados para o Lenhadores.
etc. das figuras masculinas e de cordões Ao serem analisados, pode-se
Vê-se esta influência nos luxuosos de “lanceiros” e “soldados”. Mais ver que os adereços de mão são
estandartes dos clubes com suas pinturas importante ainda é o fato de ter sido das instrumentos que facilmente se
religiosas de santos e de milagres e bandas de música desses desfiles militares transformam em armas. A origem
“reinterpretação” do simbolismo da que surgiu a própria música do frevo.11 do guarda-chuva está relacionada
Igreja Católica. Sente-se esta influência a essa situação. Segundo Valdemar
no gosto dos clubes pela luxuosidade. O estandarte é um dos primeiros de Oliveira12, “este nunca deixou
Ainda mais, quando a Igreja Católica e mais importantes meios de de ter alguma coisa à mão”
não quis mais tolerar certos elementos expressão visual do frevo. Ele é (cacete, bengala, punhal). O
“burlescos” nas procissões das irmandades uma bandeira que identifica as sentido maior do guarda-chuva,
e confrarias – diabos, os “sete pecados agremiações (troça ou clube), conhecido de início como chapéu
mortais”, morcegos, a morte, bobos com seus nomes, cores, ano de de sol, também é citado por
ou palhaços – esses elementos iam se fundação, ano de confecção do vários autores (Duarte, 1968;
integrando nos clubes carnavalescos, estandarte e símbolo. Seus ancestrais Oliveira; 1985) como sendo de
que lhes ofereciam um lar mais remetem às conformações da arma, pois era um instrumento
cômodo e talvez mais apropriado.10 heráldica, desde a Idade Média. perfurante que servia para defesa
dossiê iphan 14 { Frevo } 47
principalmente, capas de discos, em 1954. Até 1964, os discos produto palpável para ser visto,
possibilitando que imagens do eram prioritariamente gravados a qualquer momento, uma imagem e
frevo tivessem maior alcance para em 78 rotações, e as capas tinham uma música que estavam relacionadas
a população. Os novos inventos mais a função de proteção, sendo com frevo. As imagens do frevo,
tecnológicos funcionaram como produzidas em papel tipo kraft nos discos, retratam um universo
mídia para divulgação do frevo. (papel de pão) com um buraco no mais sofisticado da manifestação,
Depois da imprensa, foram as meio para leitura das informações pois elas são registradas por meio
fotografias que registraram as na bolacha, com uma música de do olhar da indústria fonográfica,
primeiras imagens da manifestação. cada lado. É só a partir de 1964, de seus designers e artistas
Em seguida, já na década com a adoção do formato de LP pela plásticos que tinham um olhar
de 1920, tem-se o registro em Rozenblit, que um novo suporte para próprio sobre a manifestação.
película cinematográfica do expressão visual do frevo surge, com Tem-se, desse modo, o frevo, em
carnaval pernambucano. Nesses as capas personalizadas para cada seus aspectos visuais, como portador
suportes podem ser reconhecidos disco. Com seis faixas de cada lado, e, ao mesmo tempo, veículo de
as ruas e os locais próprios ao as embalagens de discos perdem informação que traz a inscrição
Carnaval, as roupas simples e as definitivamente o vazado original e o registro de acontecimentos e
fantasias sofisticadas dos foliões, por onde se fazia a leitura das duas transformações socioculturais, fonte
os carros alegóricos, o movimento músicas da bolacha, apresentando na de narrativas artísticas, visuais,
de pessoas e estandartes nas ruas capa as informações necessárias para sonoras e audiovisuais.
e um frequente uso de chapéus a identificação do material interior. Situa-se, assim, como um verdadeiro
e grandes guarda-chuvas. A capa de disco personalizada teve documento visual traduzindo
A promoção do frevo como um papel importante na construção modelos culturais de comportamento
cultura de massa, no disco, se deu do imaginário visual do frevo. Com e capacidade humanos,
com a construção da Fábrica de o surgimento do disco, produto da informando-nos sobre as organizações,
Discos Rozenblit Ltda14, cultura material, passa-se a ter um movimentações, atitudes e técnicas.
dossiê iphan 14 { Frevo } 49
Agremiações
de frevo
SOU FELIZ NAQUILO EM QUE construção da cidadania. É no a sede, haja bingo, rifa, festa
ME RECONHEÇO interior dessas relações que e trabalho duro pra conseguir
emerge o sentimento de pertença “botar o brinquedo na rua”.
bordadeiras, artesãos, marceneiros, ouro, cachês de apresentações, venda e alimenta o processo de construção
figurinistas, coreógrafos, de camisas, CDs e realização de de conhecimento, estabelece relações
maquiadores e todo tipo de apoio). festas, geralmente bailes dançantes, de pertencimento e dá visibilidade
Para a captação de recursos, são promovidas apenas pelas agremiações aos atores anônimos e seus cabedais
muitas as formas utilizadas pelas que possuem sede própria. de cultura e arte. No passado ou no
agremiações: rifas, bingos, sorteios, Muitas são as dimensões presente a força do trabalho coletivo,
piqueniques, eventos culturais explicitadas a partir do poder o compartilhamento de saberes e
(Paixão de Cristo, São João, associativo e identitário fazeres, os mestrados de vida que
apresentações de pastoril), doações das agremiações. A rede de caracterizam esses grupos se impõem
(comerciantes e empresários), ajuda relacionamentos gerada pela e desafiam lógicas e formalismos.
de custo (Prefeitura, Governo do participação no brinquedo Assim, ao compreender a
Estado, patrocinadores), livro de ultrapassa os limites da festa, instiga excelência desses grupos associativos,
dossiê iphan 14 { Frevo } 51
denominados agremiações, percebe-se Quaresma e seus elementos migraram realidade social. Com o passar dos
estar além da festa a relação construtiva para os festejos carnavalescos. Na sua anos, reelaboram suas estruturas,
e organizacional da sociedade; constituição predominava a presença coreografias e incorporam
o intrincado papel constituidor masculina, tendo à frente os grupos novos elementos.
que envolve história e memória: de capoeiras. Chegaram a ser temidos Das organizações anteriores,
efetiva ações e práticas sociais, nega, por esses aspectos e ainda pelo vigor conservam o uso de estandartes,
esquece, se apropria e incorpora, da música e dança. Ao contrário insígnias e símbolos nos adereços de
dando lastros e suportes para dos clubes de Alegorias e Críticas mão. Atualmente apresentam-se com
transformações. Alimentam dinâmicas (formados por altos comerciantes, a seguinte formatação: diretoria;
objetivas e subjetivas nas quais a empregadores, entre outros membros balizas-puxantes; damas de frente;
realidade e a fantasia comunicam, da elite recifense) a exemplo do Clube destaques; cordões; ala dos passistas;
desafiam, articulam e qualificam. Cara Dura (1901), do Clube Nove e porta-estandarte (trajado à Luís XV,
No Recife e em Olinda, Meia do Arrayal (1905), e do Clube com sapato de salto e peruca branca),
é comum distinguir e caracterizar Fantoches do Recife (1912-1919), abrindo o cortejo; orquestra.
as tipologias de agrupamentos os clubes pedestres desenvolveram O bloco de Pau e Corda,
ou agremiações carnavalescas. um modo próprio de comemorar também conhecido como bloco
Entre as modalidades vinculadas os dias de folga. Nada de bailes lírico, apresenta características
diretamente ao frevo, destacam-se e teatros, nem carros e alegorias distintas, tanto na formação do
as que estão descritas a seguir. luxuosas. O povo desenvolveu grupo quanto na orquestração.
O Clube de Frevo, mais antigo o próprio cântico e manobras. Surge nos bairros centrais da
representante dos agrupamentos, tem Substituiu as músicas de salão pelas cidade no início do século XX
sua origem vinculada aos grupos de marchas vibrantes das bandas de e em sua maioria provem da
trabalhadores urbanos, o formato do música responsáveis pela animação pequena burguesia, constituídos
cortejo adotado por essas corporações das festas cívicas procissões e por núcleos familiares. Esses
foi inspirado nas procissões da outros eventos que refletiam a nova blocos são acompanhados por uma
dossiê iphan 14 { Frevo } 52
E S QU E RDA
T RO Ç A C A RNAVA L E S C A IND EP EN D ENT E “NO I S
S O FRE M A IS NO IS GO ZA” , NO PÁT I O D E S ÃO P ED R O .
FOTO : A RQU IVO DA AGRE MI AÇÃO , 1 9 5 0 -1 9 8 0 .
BA IXO
DE S FIL E DO C LU BE DE A L E G O R I A S E CR Í T I CA S
“ O H O M E M DA M E IA NO IT E”.
FOTO : PA S S A RINH O , 20 0 6 . A R QUI VO DA
PRE FE IT U RA DE O L INDA , 2 0 0 6 .
D I REI TA
PA S SI STA 1 2 DA SÉRI E ICONOGRÁFIC A “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.
nome e está associada a marcas Para muitos, valoriza as diversas A música e a dança também
de cerveja e de refrigerante que expressões associadas ao frevo se vinculam aos concursos. No
são rapidamente identificadas (dança, música, porta-estandarte e primeiro caso, tradição nas rádios
como próprias do Estado de agremiações), promove visibilidade brasileiras e em Pernambuco a
Pernambuco. Tanto na marca da ao trabalho, gera emprego e renda, partir da Rádio Jornal e da Rádio
cerveja, quanto na do refrigerante, mobiliza os setores do turismo, Clube responsáveis por lançar
visualiza-se o uso da sombrinha. da mídia e o comércio, seja ele grandes intérpretes de frevo
No universo de permanências formal ou informal; para outros, como Claudionor Germano,
e transformações, os concursos de podem ser percebidos como Expedito Baracho, entre outros.
agremiações, sobressaindo-se os influentes na rigidez do processo Festivais como o Frevança,
oficiais, podem ser ajuizados de criativo e na dependência do poder o Recifrevo e o Recife Frevoé
maneiras distintas e contraditórias. público quanto às subvenções. geravam produtos finais de
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E SQU ERDA
F REV I OCA NO CARNAVAL D O RE C IFE .
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE , 2006.
D I REI TA
D I ÓG ENA CARLA , PA S S ISTA DA E SCOL A M UNIC IPAL
D E F R EVO.
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE , 2006.
D I REI TA
PA S SI STA 1 4 DA SÉRI E IC ONOGRÁFICA “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.
DE S FIL E DO S BO NE C O S GIGANT ES EM O LI N DA .
FOTO : PA S S A RINH O - A RQU IVO DA P R EF EI T UR A DA
C IDA DE DE O L INDA , 20 0 6 .
Objeto de aceitação e negação novos artistas, grupos e métodos, mudança, tradição e invenção,
ao longo de sua existência, o frevo reafirmando sua capacidade de de imensa riqueza simbólica,
tornou-se um forte catalisador gerar novas composições, criações estética e cultural. Uma entidade
de transformações das relações e representações. transgeracional, fundada numa
étnicas, sociais, culturais e Atualmente, o frevo matéria viva, com forte ressonância
religiosas, fornecendo conteúdos encontra-se, mais do que nunca, social, cultural e política.
que fazem de “nós” algo específico disseminado e arraigado no Por tudo isso, identificam-se
no resultado do Brasil como imaginário popular e nas relações sentidos e valores vivos, marcos de
um todo culturalmente. Síntese sociais, em sua prática cotidiana. vivências e experiências, ou seja,
da transformação e associação Como Patrimônio Cultural representações ligadas ao frevo
de várias culturas, tradutor de Imaterial, apresenta-se que se configuram uma identidade
ideários e reinvindicações, o na forma de uma manifestação para a população pernambucana,
frevo passou de manifestação cultural musical, coreográfica, presentes nas edificações, nos
condenável e perseguida a símbolo poética e artística de caráter fazeres, nos hábitos, nos saberes,
de identidade nacional. individual e coletivo, nos costumes, enfim, verdadeiras
Sua força, inclusive, está, além absolutamente particular. referências culturais consideradas
da singularidade, na capacidade Condensa, num processo e valorizadas por toda população.
de reinvenção de suas tradições dinâmico de diálogo entre várias O frevo permite entrelaçar
e expressões que, ano após tradições, uma diversidade de as relações do tangível e
ano, vêm atualizando-se num linguagens, símbolos e memórias, intangível, revelando os valores,
processo contínuo de renovação. vivificando a identidade cultural e representações, fatos e realidades
Vivificam-se e dinamizam-se a história de um povo. culturais, seus meios, técnicas,
na experimentação das diversas Um repertório vasto e denso, ao necessidades e lógicas, enfim,
formas de representação, nas mesmo tempo, fundindo unidade o universo, sagrado e profano,
novas de sentir e produzir, nos e diversidade, permanência e ritualístico e artístico. ¢
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Recomendações de Salvaguarda
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D I REI TA
PA S SI STA 1 6 DA SÉRI E ICONOGRÁFIC A “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.
INTEGRA NT E DO C O RA L FE M ININO DO
“BLO C O DA S FLO RE S ” , RE C IFE .
FOTO : C A RO L A RAÚ JO , 20 0 6 .
atividades e as ações, com papéis pela construção de um novo atores antes subestimados. Nesse
complementares, fundamentais modelo de gestão (jurídico, sentido, a patrimonialização
para a viabilização desse processo político, técnico e administrativo) desempenha papel essencial para
de estímulo e preservação do frevo. que fornece novos parâmetros para legitimar narrativas individuais e
Constitui-se, portanto, um o fomento do patrimônio imaterial. coletivas e favorecer a emergência
instrumento difusor de alcance Enfim, um processo democrático de um compartilhamento.
local e suprarregional de ações de controle, incorporando na É importante ressaltar que a
de valorização, reconhecimento sociedade a cultura da participação própria continuidade da tradição
e estímulo ao patrimônio, na gestão das políticas e dos de um grupo social se dá pela
tendo como protagonistas as investimentos públicos. transferência do patrimônio a
comunidades, os grupos e os Acredita-se, desse modo, partir das práticas sociais atribuídas
indivíduos que criam, mantêm que o registro do frevo a ele. Essa apropriação coletiva e/ou
e transmitem esse patrimônio, como Patrimônio Cultural individual do patrimônio alimenta
associando-os ativamente à sua Imaterial do Brasil, associado os sentimentos de identificação
gestão. Assim, músicos, maestros, à formatação de orientações de e de atribuição de valor ao bem.
compositores, arranjadores, salvaguarda, repercute positiva e Assim, a brincadeira é vivida de
cantores, passistas, dançarinos, eficientemente, promovendo um forma muito mais orgânica em
produtores e integrantes das processo ativo de conscientização seus afazeres, valores, normas,
agremiações têm a função no plano local e nacional, em comportamentos. É por meio dela
de acompanhar, fiscalizar, especial e entre as novas gerações, que a identidade vai se construindo
elaborar um instrumento de acerca da sua importância e e se reconfigurando ao longo do
monitoramento e participar da preservação. Incide, assim, processo histórico; é nela que os
execução do plano, propiciando sobre a própria afirmação sujeitos vão se conhecendo, nos
condições de planejamento, gestão, de identidades locais, ao dar sucessivos encontros e desencontros
compartilhando responsabilidades visibilidade à presença social de das diferentes histórias de vidas. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 72
Notas
memória, o Paço do Frevo é um espaço emanadas da Secretaria de Cultura e da fomento e formação. Nesse sentido, estão
onde brincantes, músicos, passistas se Fundação de Cultura da Prefeitura do previstas atividades como identificação e
encontram, além de pesquisadores, Recife. Os contatos são catalogação dos documentos, a produção
entidades representativas, como o <www.pacodofrevo.org.br/>; de cópias numeradas e catálogos
Comitê Gestor de Salvaguarda do Frevo <www.facebook.com/pacodofrevo/>; consultáveis na internet, publicar e distribuir
e instituições afins. É o local de reflexão e (81) 3355-9500. No eixo livros, reeditar obras raras, CDs, DVDs
sobre os rumos desse patrimônio cultural. “Documentação”, são propostas ações que e outros produtos de maneira ampla.
A dinâmica desse patrimônio imaterial facilitem a preservação do patrimônio 18. Dossiê de candidatura do Frevo.
vai determinar a atualização permanente documental contido nos acervos 19. ANDRÈS, Luiz Phelipe. Parecer
do espaço, seja pela ação dos atores particulares, nas sedes das agremiações sobre o “Terreiro Casa das Minas, de São
diretamente envolvidos na manifestação, (Espaços de memória do frevo), assim Luís, Estado do Maranhão”. Processo
seja pelas políticas públicas específicas como a tomada de medidas práticas de n. 1464-T-00, em 17 ago. 2002.
dossiê iphan 14 { Frevo } 74
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PA S S ISTA S 1 7 E 1 9 DA S É RIE IC O NO G R Á F I CA
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dossiê iphan 14 { Frevo } 77
Anexo 1
Parecer do
relator
uma auspiciosa visão de mudanças dois outros nomes que honram de seus conteúdos após o registro,
e conquistas que apontam para e dignificam a intelectualidade colocando-os didaticamente
uma nova fase do IPHAN, de Pernambuco, Marcos Villaça ao alcance da sociedade e dos
que assim parece aproximar-se e Joaquim Falcão, que atuaram meios acadêmicos, como forma
cada vez mais da percepção decisivamente ao lado de Thomas de socialização das informações
holística e integral de cultura. Farkas e Eduardo Portella para organizadas, tão ricas e caras e tão
Esta visão de patrimônio por alcançar a realidade do decreto duramente amealhadas e reunidas.
sua vez foi expressa de forma 3.551 que em 04 de Agosto de Assim é que, ao examinar
premonitória e pioneira ainda no 2000, instituiu o registro de Bens os autos deste processo, pude
início da década de 30 do século Culturais de Natureza Imaterial. constatar que o mesmo está
passado, no projeto de Mário Observe-se que o Departamento muito bem instruído e atende às
de Andrade, um dos grandes de Patrimônio Imaterial, tão normas exaradas pelo IPHAN. Irei
responsáveis pela criação desta casa recentemente criado, em 07 destacar as peças mais relevantes:
e que foi secundado pelo ilustre de Abril de 2004, como um 1- O processo se origina
e saudoso pernambucano Aloísio coroamento de toda esta trajetória, com a solicitação formal para
Magalhães nos anos 70, que por vem adotando procedimentos as providencias de registro, que
sua vez criou e dirigiu o CNRC exemplares na metodologia de neste caso é o ofício nº 085 de
e a Fundação Nacional Pró- salvaguarda dos bens sob sua 20 de fevereiro de 2006, dirigido
Memória, dando grande prioridade alçada. Não só no que se refere à ao Ministro Gilberto Gil, tendo
aos esforços de preservação dos metodologia consolidada para a como proponente a Prefeitura do
conhecimentos tradicionais. Já no realização dos estudos e pesquisas Recife e assinado pelo Prefeito
final dos anos 90 foi finalmente aplicados na composição dos João Paulo Lima e Silva.
constituída a comissão que realizou dossiês como também, no ato No Anexo II do dossiê
a regulamentação do Patrimônio contínuo de preparar excelente pode-se encontrar uma vasta
Imaterial e da qual faziam parte material de divulgação e difusão “Programação do Centenário do
dossiê iphan 14 { Frevo } 80
“queremos enfatizar que foram reunidos É de se destacar que neste caso, Em pouco tempo eles reuniram
pela pesquisa, e estão densamente a ação meritória da Secretaria centenas de depoimentos
apresentados no presente processo, Municipal de Cultura do Recife, cuidadosamente registrados nos
todos os aspectos culturalmente que assumiu as tarefas de instrução modelos de ficha do INRC,
relevantes para a compreensão do do processo, sob a supervisão da e mais de 32.000 assinaturas de
Frevo pernambucano: suas origens, 5ª Superintendência Regional e anuência ao pedido de Registro
transformações e continuidade do Departamento do Patrimônio e foram ao encontro da história
histórica; suas diferentes modalidades Imaterial do IPHAN, que desta cultura. Aquela história
musicais, instrumentais, rítmicas; forneceram a metodologia do que brota da infinidade de vozes,
seus emblemas e iconografias; seus INRC, assim como o treinamento e dos testemunhos apaixonados
compositores, músicos e poetas; suas acompanhamento de sua aplicação. de maestros, compositores,
bandas e orquestras; seus dançarinos, O que se pode observar dos brincantes, dançarinos, músicos,
coreógrafos e brincantes; seus passos, resultados, é que um verdadeiro intérpretes, coreógrafos, do que
gestos, danças, coreografias; os sentidos batalhão de pesquisadores, está gravado nas letras de música,
atribuídos pelos sujeitos, apreciadores especialistas e funcionários das nas capas de disco, nos livros e
e estudiosos do frevo às suas diferentes instituições de cultura envolvidas, textos já escritos sobre o assunto.
expressões; os conflitos e tensões que se colocou em campo com método Contada e cantada em prosa
também constituem o frevo, e/ou são e dedicação, diríamos que no ritmo e verso, com entusiasmo, com
constituídos por ele; seus lugares de acelerado do Frevo. Entre créditos vibração, com alegria contagiante,
preparação e ocorrência, os roteiros institucionais e da equipe técnica passada de pai para filho, de
dos cortejos e desfiles, as retretas, as conferimos nada menos do que geração em geração, ou nas rodas
ruas e praças de Recife e Olinda; os 138 profissionais envolvidos o que de amigos, nos bairros tradicionais,
clubes, blocos e troças que fazem do torna impossível mencioná-los aqui nos coretos, nas bandas, orquestras
carnaval frevente a expressão mais um a um e seria talvez injusto com de rua, nos blocos carnavalescos,
significativa de sua identidade cultural”. os demais destacar alguns nomes. nas retretas, nas ruas da cidade,
dossiê iphan 14 { Frevo } 83
nas praças, nas rádios e televisões, o repertório do Clube Carnavalesco o nordestino e que é o brasileiro.
nas mesas de um bar, é sem Empalhadores do Feitosa. Entre Ela está i-materializada no
dúvida uma história com a força as peças a serem apresentadas imaginário popular. E o resultado
e legitimidade imanente da “vox pela orquestra estava a marcha desta colheita é emocionante por
populi” e das verdades eternas. O frevo. Mas tudo indica que a mais “científico” que seja o analista.
Dizem todos que a palavra Frevo palavra, corruptela do verbo ferver, Não há como ficar impassível perante
vem desta efervescência que assalta dita popularmente frever, já era a emoção que brota desta arte.
a turba no calor do carnaval, que empregada antes disso pelo povo. E não obstante a palavra Frevo
vem de “ferver” pronunciado no A analogia entre o Frevo e tenha sido registrada pela primeira
jargão popular como “frever”. algo que “ferve”, e o calor das vez há exatos 100 anos as informações
Ou como nos conta Elaine massas populares, em especial no levantadas neste inventário dão
em trecho de seu parecer Carnaval, a própria metáfora do conta das origens do Frevo ainda
que agora transcrevo: Frevo brotando inconscientemente nos meados do século XIX, quando
como uma tradução do desejo por capoeiristas eram utilizados para
“Em sua origem, a palavra frevo “estava liberdade do povo e da cidade, sair na frente das bandas musicais
muito mais relacionada à efervescência assim como a água que ferve na com intuito beligerante e aguerrido,
e ao rebuliço das multidões nas ruas chaleira, são recursos textuais capaz de proteger seus integrantes
(vinculadas à conjuntura social e cultural utilizados no dossiê e no vídeo de de agressões de bandas rivais.
da cidade), do que à música, que na época candidatura para falar das origens e Segundo o depoimento de
era chamada de marcha carnavalesca”18. da apropriação popular deste bem. Ariano Suassuna registrado
Esta é pois uma história que não no vídeo de candidatura,
O termo foi registrado pela deixa dúvidas, que se confirma em
primeira vez “em letra de forma” cada prosa, em cada esquina, que “o “passo” que é a dança que acompanha
em 9 de fevereiro de 1907, no se funde e se mistura com a história o Frevo surgiu do jogo da capoeira.
Jornal Pequeno, onde se publicou sofrida do povo pernambucano que é No início do XIX, bandas de música
dossiê iphan 14 { Frevo } 84
tinham caráter político e sendo ligadas como estratégia de sobrevivência é tamanha força e notoriedade por se
a partidos adversos, cada uma delas hora de registrar que o frevo hoje constituir em movimento coletivo
contratava capoeiras para irem dançando não só se revela como repositório e popular de massa, mas também
na frente para defender seus integrantes de conceitos sociais, antropológicos pelo desempenho individual de
de eventuais ataques.... e destes passos disponíveis ao melhor entendimento dezenas de seus compositores,
dos capoeiristas nasceu o tipo de passo de nossa cultura urbana, mas intérpretes e maestros, muitas vezes
que é a dança que acompanha o frevo.” como arquivo vivo, onde os anônimos, mas dentre os quais
estudiosos podem ler os signos que encontramos um destaque especial
E como bem observa Elaine traduzem as origens culturais de para compositores como Capiba,
Muller em seu parecer: nosso povo e da imensa parcela de Edgar Moraes, Nelson Ferreira,
contribuição que coube aos negros Antônio Maria, Levino Ferreira,
“Também questões de gênero – os africanos na construção do país. João Santiago, Marcelo Varella,
diferentes ethos dos diferentes tipos de Como reforça Elaine Getúlio Cavalcanti, J.Michilles, por
frevo, a participação diferenciada das em seu texto: suas obras antológicas e imortais,
mulheres nos diferentes blocos – são considerados como verdadeiros
apontados no dossiê, que se apresenta, “Quando nos detemos um pouco clássicos do gênero. Mas também
assim, como uma obra de referência sobre na história do frevo descobrimos pelo relevante papel exercido pelos
o Frevo, que vai além de uma compilação a relação estreita, quando na maestros dentre os quais o dossiê
de dados para um fim administrativo”. sua origem, com os “capoeiras”, menciona os maestros Constantino,
negros escravos recém-libertos que Bartolomeu Noronha, Geraldo Silva,
E não posso deixar escapar a trabalhavam no espaço urbano” Nunes e Duda, e ainda dentre aqueles
oportunidade de lembrar também que atuam hoje no sentido renovador
que se o papel do negro no contexto Entre todos os especialistas que da forma de expressão se destacam
desta forma de expressão teve que a estudaram, já existe o consenso o Maestro Spock e o artista Antônio
ser disfarçado ao longo do tempo de que esta manifestação alcançou Carlos Nóbrega, notáveis pela
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criatividade, talento inato, capacidade destas cidades de Pernambuco. fins do século XIX. Eram estas bandas
de liderança e entusiasmo na Nem de longe penetrar na que animavam os eventos públicos e as
forma de compartilhar e transmitir diversidade musicográfica festividades, explorando sua mobilidade
ensinamentos sobre o frevo. carregada de múltiplas expressões e alcance numa época em que não
O papel dos intérpretes e das como “Frevo de rua”, “frevo de existia a reprodução de música e as
agremiações não foi esquecido, mas bloco”, “frevo-canção” ou ainda apresentações eram todas ao vivo”.
é tão profusa a lista que se torna de descrever porque o frevo
também arriscado citá-los para não de rua se subdivide em mais Consideramos oportuno
incorrer em injustiças por omissão. três tipos, o “frevo-coqueiro”, reiterar o reconhecimento de
Assim é que a pesquisa desta “frevo-ventania” e “frevo de que o estudo de manifestações
forma de expressão, o decifrar de abafo”. Estes aspectos já foram da cultura popular como o
seus rituais, modos e tradições, brilhantemente abordados pelos Frevo tem permitido melhor
também nos permitem cada especialistas em seus respectivos entendimento sobre a formação
vez mais aprofundar os estudos depoimentos e textos que constam do povo brasileiro. De fato, além
na busca de compreensão do dos autos deste processo. das pesquisas antropológicas e
fenômeno de constituição da nação Gostaria apenas de etnográficas já realizadas, temos
brasileira e de seu comportamento compartilhar mais um excerto todo um campo aberto à sociologia
ao longo dos séculos, ampliando do brilhante parecer de Elaine urbana que pode ser traçada a
conhecimentos sobre a gênese Muller onde se lê que: partir da trajetória do FREVO,
da sociedade contemporânea. em decorrência de sua grande
Não cabe aqui nenhuma “A música do frevo tem sua origem vascularização e presença em
pretensão de analisar o mérito da na fusão de gêneros diversos, como a todas as camadas da sociedade.
questão do riquíssimo patrimônio polca, a mazurca e o dobrado, e seu Assim é que a pesquisa destas
musical e coreográfico que através encontro com as bandas de música, expressões, o decifrar de seus rituais,
do Frevo, pulsa vivo no cotidiano militares e civis, muito em voga em modos e tradições, permitem cada
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vez mais aprofundar os estudos carnavalescas ou ainda dos Clubes propósito de defesa e sobrevivência
na busca de compreensão do de Frevo. Há no dossiê uma vasta os integrantes das tais “corporações
fenômeno de constituição da nação e muito bem detalhada cartografia de ofícios” e “companhias de negros”
brasileira e de seu comportamento evidenciando estes aspectos. que posteriormente deram origem às
ao longo dos séculos, ampliando Os estudos do Frevo e a busca de agremiações carnavalescas e clubes de
conhecimentos sobre a influência suas origens permitem-nos também frevo acabavam por se reunir sob o
das diversas culturas na gênese lançar um outro olhar sobre a manto de irmandades religiosas como
da sociedade contemporânea. evolução social de Pernambuco que alternativa utilizada para aglutinar
No caso particular de Recife por sua vez é representativa de várias suas forças e resistir em condições
e Olinda é possível, através da épocas. É o retrato e o resultado de mínimas de vida e trabalho.
observação do posicionamento dos um modelo de economia baseado na Assim venho renovar aqui a
pontos de Frevo no mapa atual, mão de obra escrava, no latifúndio e minha profissão de fé no ofício que
ampliar a compreensão acerca na exportação em massa de produtos desempenhamos neste Conselho,
dos caminhos que determinaram agrícolas e seus derivados que se e fazendo uma adequação ao que
sua evolução a partir do núcleo reproduziu de norte a sul do país tenho afirmado anteriormente
original localizado nas áreas nos tempos da colônia e império sobre o ato de tombamento de bens
primordiais do assentamento originando a concentração da materiais gostaria de lembrar que
que hoje são reconhecidas como riqueza e produzindo as grandes também neste caso de registro de
“centros históricos”. Pode-se levas de excluídos. Aspectos que bens de natureza dita imaterial:
acompanhar seu desenvolvimento até hoje afligem e depreciam a
urbano e a consolidação dos bairros imagem da sociedade nacional. “o ato de proteção, que está implícito na
populares nos depoimentos que Permite-nos ainda identificar as figura do registro, vai muito além do que
registram o movimento e a origem criativas estratégias de sobrevivência sugere a eventualidade da questão, ele
das “sociedades populares” como destas classes desfavorecidas pelo incide também sobre a auto estima das
eram conhecidas as agremiações regime colonialista. Pois com o pessoas diretamente envolvidas, bem como
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da comunidade envoltória, ele também mas também pela necessidade Acervos como o do Frevo,
confere valor. E como valoriza, ele eleva e de proteção e resgate de uma por se constituírem em importante
estabelece uma aura de respeito sobre o bem arte que abriga importantes foco de resistência da cultura
que se pretende preservar. O registro não é testemunhos desta história e onde legitimamente nacional e dos
somente um ato jurídico e burocrático, mas se preserva e transmite valiosas excluídos, não só tem relevância
uma estratégia de distinguir, de divulgar, de tradições e conhecimentos. para o Estado de Pernambuco e
fortalecer argumentos de defesa, e portanto, Com o passar do tempo, o que para o país, mas se revestem de
um caminho para consolidar as perspectivas fora a agressividade dos capoeiras um valor universal, como lição de
de continuidade para o futuro”19. que exprimiam a necessidade de liberdade e humanidade.
defesa em formas de luta contra E concluindo assim, sou de parecer
Reconhecer a importância e uma oligarquia escravocrata favorável ao registro do FREVO
valor destas manifestações, que tornou-se em expressão de alegria no livro das Formas de Expressão
abrigam em sua história toda a contagiante e otimismo e o povo como Patrimônio Cultural de
carga cultural de arte popular, pernambucano soube fazer da Natureza Imaterial do Brasil,
religiões e crenças e séculos de resistência contra a opressão, uma
luta contra opressão é portanto, lição de liberdade e humanidade. Esta é a avaliação que submeto
favorecer a sua proteção e ao assim E o Frevo é hoje reconhecido aos demais conselheiros.
proceder, estamos cumprindo como um dos mais notáveis
nossa obrigação constitucional que ritmos brasileiros e faz parte das Recife, em 09 de Fevereiro
é a de defender a cultura do país. artes que melhor representam de 2007.
De fato o registro do FREVO nossa herança cultural. Portanto,
se impõe, não somente pelo não se trata mais de um exagero Luiz Phelipe de Carvalho
reconhecimento do seu valor da antiga “Rádio Jornal”. O Castro Andrès
como documento da história e FREVO é de fato, “Pernambuco Conselheiro do Conselho
da resistência cultural no Brasil, falando para o mundo”. Consultivo do IPHAN.
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Anexo 2
certidão de
registro
do Frevo
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“A M Ã E É M INH A” .
FOTO : L E IL A NE NA S C IM E NTO , 20 0 8.
PÁGI NA 89
D E SFIL E DO S BO NE C O S GIGA NT E S ,
CARNAVA L DE O L INDA .
FOTO : PA S S A RINH O , 20 0 6 .
NA PUBLICAÇÃO (CIP)
ISBN: 978-85-7334-295-6
CDD 793.31