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Universidade Federal da Bahia

Faculdade de Comunicação
Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação
em Cultura e Sociedade

MARIA AUGUSTA LIMA DE SOUZA

CULTURAS POLÍTICAS NA BAHIA:


MUTAÇÕES EM CAMPANHAS ELEITORAIS

SALVADOR
2007
MARIA AUGUSTA LIMA DE SOUZA

CULTURAS POLÍTICAS NA BAHIA:


MUTAÇÕES EM CAMPANHAS ELEITORAIS

Dissertação apresentada ao Programa


Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade da Faculdade de
Comunicação como parte dos
requisitos para obtenção do grau de
Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Albino Canelas Rubim

SALVADOR
2007
Revisão e formatação: Vanda Bastos

Ficha catalográfica: Jussana Barros Coelho

Biblioteca Central Reitor Macêdo Costa - UFBA

S729 Souza, Maria Augusta Lima de.


Culturas políticas na Bahia : mutações em campanhas eleitorais / Maria Augusta Lima de
Souza. - 2007.
201 f. : il.

Inclui anexos
Orientador. : Prof. Dr. Antônio Albino Canelas Rubim.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação,
2007.

1. Comunicação na política - Brasil. 2. Propaganda política. 3. Brasil - Política e governo -


1964 - 1985. 4. Campanha eleitoral - Bahia - 1962. 5. Campanha eleitoral - Bahia - 1986.
I. Rubim, Antônio Albino Canelas. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Comunicação. III. Título.
A Geraldo Walter, que acreditava e
vibrava com o seu trabalho e que muito
me ensinou sobre paixão, seriedade e
compromisso. Com saudade.

A Elizete e Geraldo, como gratidão pelo


estímulo e pela dedicação incansáveis.

A Breno, a Diogo e aos sobrinhos,


fontes das minhas maiores alegrias.

A Waldir Pires, por sua crença na


política.
AGRADECIMENTOS

Estou certa de que, por justiça, tenho que partilhar os créditos que este
trabalho possa vir a angariar com a minha acolhedora família, com os meus
amigos e os professores e colegas do Programa Multidisciplinar de Pós-
Graduação em Cultura e Sociedade. Se tiveram paciência e generosidade para
ajudar infinitamente, suportar os meus momentos de dificuldade e ainda
foram capazes de não permitir que essas dificuldades me fizessem perder o
passo, considero que merecem todos os méritos que aqui possam existir.

Primeiramente, divido este possível merecimento com Clóvis Caribé. Não teria
sequer iniciado esse percurso que ora concluo se não tivesse contado com o
seu estímulo e incentivo num começo que me parecia insondável.

Não só pelo desempenho acadêmico, mas pela forma solidária de agir, que
inspirou uma prazerosa convivência, registro meus agradecimentos aos
professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade.
Agradeço, especialmente, aos colegas Sergio Sobreira, Silvio Tudela, Fernanda
Capibaribe, Suzana Varjão e Claudia Vasconcelos; a Delmira e Ailton, da
Secretaria do Programa; à Professora Linda Rubim e, destacadamente, ao
mestre Milton Moura, autor de sábias e deliciosas aulas cujas lembranças me
fazem ter vontade de recomeçar.

A ausência de registros e arquivos das campanhas eleitorais que pesquisei


poderia ter constituído uma dificuldade mas, ao contrário, deu lugar a
nutridores e agradáveis diálogos em que a sabedoria e a memória dos
entrevistados serviram de fonte e de farol. A Waldir Pires, agradeço a
gentileza e a disponibilidade para contribuir e aproveito para homenagear sua
capacidade de manter-se confiante na política como caminho de convivência e
harmonia entre as pessoas. Ao ex-Governador Lomanto Júnior e seu filho
Antônio Lomanto e ao ex-Deputado Federal Marcelo Cordeiro, registro meus
agradecimentos pela maneira afável e cordial com que se dispuseram a
atender-me.

As conversas com Carlos Sarno, Giovani Almeida, Goia Midlej, Carlos Alberto
Rodrigues, Luiz Alberto Souza e Aurélio Mendes de Carvalho trouxeram-me os
dados e as informações sobre a campanha de 1986 e, mais que isso, valeram
pela partilha de lembranças tão agradáveis quanto emocionantes.

Luís Guilherme Pontes Tavares, Domingos Leonelli Neto, Ênio Mendes de


Carvalho, Antônio Guerra Lima e Sydney Rezende deram-me o testemunho de
quem fez grandes os acontecimentos a que me refiro. Além da memória dos
fatos, me cederam suas análises claras e francas, aqui, pretensiosamente,
incorporadas.

Tive o privilégio de colaborações como as que vieram de Césio Oliveira, Renato


Pinheiro e Pedro Formigli. E a disposição e sabedoria próprias da juventude,
que me apressei em tomar emprestado, de Vitor Firmo, Pedro Caribé, Manuela
Pinho, Ramona, Caroline e Gabriel Souza.

Ao Professor Antônio Guerreiro e a Domingos Leonelli Neto agradeço pela


guarda dos livros a mim confiados. Às professoras Guaraci Adeodato de
Souza e Teresa Bastos sou grata pelas incentivadoras lições. Ao professor
Renato Silveira, pela honra que me concedeu ao aceitar avaliar e contribuir
com esse estudo.

Aos colegas da Procuradoria Jurídica da Assembléia Legislativa, desculpando-


me pelas eventuais ausências, agradeço pela ajuda e compreensão. Às
amigas de sempre Soane Matos, Arlete Neiva, Nanci Uchoa, Andréa Lyra,
Sandra Solai e Gabriela Lamego, envio beijos agradecidos pela fiel
compreensão e tolerância.

As sábias e pacientes opiniões e revisões de Maria Teresa Ribeiro, Solange


Lamego e Vanda Bastos são responsáveis pelos créditos da redação e pelas
correções do texto. Sem elas, cadeia vira cadeira e coisas assim. Antecipo as
minhas desculpas se as alterações posteriores prejudicaram a cuidadosa
revisão. Da mesma forma, foi essencial a colaboração de Maria Inês Souza
que, junto com Beatriz e Mateus, cuidou da transcrição e edição das
entrevistas e de Cristina Baumgarten, responsável pela tradução do resumo.
A fidelidade do trabalho que realizaram foi garantia de confiança.

O apoio constante de Breno, Diogo e Cinha foi alívio e conforto essenciais nos
mais diversos sentidos, como a ajuda verdadeiramente multidisciplinar
dispensada por André Peixinho que contribuiu, no conteúdo e no sentido,
delicada e pedagogicamente.

A Paulo Fábio, agradeço pela paciente e generosa contribuição. Sua disponível


sabedoria, as sugestões de leitura, o empréstimo do seu arquivo de jornais e
as observações sobre os caminhos da pesquisa e da dissertação foram ajuda
sem medida.

Ao professor Albino Rubim, orientador desse trabalho, sou grata pela


confiança, pela generosidade e boa vontade que lhe fizeram emprestar seu
nome, suas idéias e seu tempo para me ajudar a realizá-lo. Os resultados das
suas lições ultrapassam o produto aqui apresentado.

Por fim, também por justiça, cabe considerar-me a única responsável pelos
equívocos aqui presentes. Podem ser creditados à minha pressa, à teimosia
ou, até mesmo, à falta de persistência e paciência necessárias para a busca
de melhores caminhos e de maior aprofundamento em alguns temas.
RESUMO

A utilização de novos métodos e estratégias comunicacionais no processo


eleitoral de 1986 na Bahia, alterando a cultura política, é o tema deste
estudo. As alterações havidas nos processos eleitorais proporcionaram a
criação de mecanismos e estruturas que resultaram em um conjunto de
novos padrões de operação das campanhas, iniciado no pleito de 1986. A
forma de organização e de operação da campanha eleitoral de 1962 para o
governo da Bahia e a maneira como foram utilizados os recursos da
comunicação naquela conjuntura são os parâmetros de comparação
utilizados em relação à campanha de 1986. Analisar as eleições ocorridas
nas duas décadas que separam as campanhas referidas foi instrumental
para a percepção das particularidades identificadas nos pleitos realizados à
época dos governos militares, quando se verificou a permanência, pelo
menos parcial, do calendário das eleições. Esse período foi também marcado
pelas restrições às garantias e direitos democráticos e, no âmbito das
telecomunicações, pelo avanço e expansão da infra-estrutura do sistema de
comunicação no Brasil, com destaque para a televisão. Estes são os
ingredientes analisados como determinantes para as modificações que se
apresentam na disputa de 1986, quando a liberação da censura para a
utilização do horário gratuito do Tribunal Eleitoral e a restauração
democrática redefinem o cenário das eleições no país. O estudo detalhado
das novas formas de operação das campanhas eleitorais adotadas na Bahia,
pela candidatura de Waldir Pires em 1986, conformando novas culturas
políticas, demonstrou que as estratégias de comunicação, quando
formuladas a partir de estreita afinidade com as instâncias políticas, fazem
dos instrumentos da comunicação ferramentas da política que podem ser
utilizadas de maneira articulada e interdependente, mantendo preservados
os espaços da política, dos partidos e dos políticos.

Palavras-chave: Comunicação. Democracia. Política. Campanhas Eleitorais.


RÉSUMÉ

LES CULTURES POLITIQUES À BAHIA:


LES MUTATIONS DANS LES CAMPAGNES ÉLECTORALES

L’utilisation de nouvelles méthodes et stratégies de communication dans le


processus électoral de Bahia de 1986, modifiant la culture politique, est le
sujet de cette étude. Ces changements qui ont eu lieu dans les processus
électoraux ont engendré la création de mécanismes et structures qui
résultèrent dans un ensemble de nouvelles normes d’opération des
campagnes, lancées lors de la campagne de 1986. La forme d'organisation et
d’opération de la campagne électorale pour le gouvernement de Bahia de
1962 et la manière dont furent utilisées les ressources de la communication
dans cette conjoncture sont les paramètres de comparaison utilisés par
rapport à la campagne de 1986. Analyser les élections survenues au cours
des deux décennies qui séparent les campagnes mentionnées fut
instrumental pour la perception des particularités identifiées dans les
processus réalisés á l’époque des gouvernements militaires, quand fut
vérifiée la permanence, au moins partielle, du calendrier des élections. Cette
période fut également marquée par les restrictions des garanties et droits
démocratiques et, dans le contexte des télécommunications, par l’avancée et
l’expansion de l’infrastructure du système de communication au Brésil, avec
mention pour la télévision. Ces ingrédients sont analysés comme
déterminants pour les modifications qui apparaissent dans la dispute de
1986, quand la levée de la censure pour l’utilisation de l’horaire électoral
gratuit du Tribunal Électoral et la restauration démocratique redéfinissent le
scénario des élections dans le pays. L’étude détaillée des nouvelles formes
d’opération des campagnes électorales adoptées à Bahia, pour la
candidature de Waldir Pires en 1986, conformant de nouvelles cultures
politiques, a démontré que les stratégies de communication, lorsque
formulées en affinité étroite avec les instances politiques, font des
instruments des communicatoins des outils de politique qui peuvent être
utilisés de manière articulée et interdépendante, tout en préservant les
espaces de la politiques, des partis et des politiciens.

Mots-clés: Communication. Démocratie. Politique. Campagnes Électorales .


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Cartaz com foto do candidato da campanha de Waldir Pires


para o Governo do Estado da Bahia em 1962 ………………… 52
Figura 2 – Adesivo dos anos 1970: “Brasil: ame-o ou deixe-o” …………. 65
Figura 3 – Adesivo aplicado em carro nos anos 1970 …………………….. 65
Figura 4 – 1984: Comício pró-Diretas reúne líderes políticos e
artistas .............................................................................. 86
Figura 5 – Abril de 1984: Comício das Diretas na Candelária, no Rio
de Janeiro .......................................................................... 86
Figura 6 – 1984: Comício da Praça da Sé, em São Paulo ...................... 86
Figura 7 – Cartaz com foto do candidato: Peça da campanha de
Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia em 1986 .. 129
Figura 8 – Jornal da Mudança: Peça da campanha de Waldir Pires
ao Governo do Estado da Bahia em 1986 ............................ 141
Figura 9 – Cartaz: Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 ............................................. 144
Figura 10 – Bandeira: Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 .............................................. 144
Figura 11 – Toalha: Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 .............................................. 145
Figura 12 – Camisa: Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 ............................................. 146
Figura 13 – Viseira: Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 .............................................. 147
Figura 14 – Bottoms: Peças da campanha de Waldir Pires ao Governo
do Estado da Bahia em 1986 .............................................. 148
Figura 15 – Praguinhas: Peças da campanha de Waldir Pires ao
Governo do Estado da Bahia em 1986 ................................ 149
Figura 16 – Anúncio de página inteira de jornal: Peça da campanha
de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia em
1986 .................................................................................. 150
Figura 17 – Anúncio de meia página de jornal: Peça da campanha
de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia em
1986 .................................................................................. 151
Figura 18 – Anúncio de meia página de jornal: Peça da campanha
de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia em
1986 .................................................................................. 152
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão por


região – Brasil – 1960 ………………………………………………. 89
Quadro 2 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão por
região – Brasil – 1970 ………………………………………………. 93
Quadro 3 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão por
região – Brasil – 1980 ………………………………………………. 94
Quadro 4 – Evolução do número de aparelhos de televisão disponíveis
nos domicílios brasileiros, por década – Brasil – 1960 a
1991 ……………………………………………………………………. 95
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Resultados eleitorais a níveis federal e estadual – 1966,


1970 e 1974 ………………………………………………………….. 74
Tabela 2 – Resultados oficiais das eleições legislativas, de 1966 a
1978, para o total do país (em porcentagens) ………………… 82
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Abert – Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV


ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AC – Ato Complementar
AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas
AI – Ato Institucional
AL – Assembléia Legislativa
ALN – Aliança Libertadora Nacional
ALEF – Aliança Eleitoral pela Família
Arena – Aliança Renovadora Nacional
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CF – Constituição Federal
CIE – Centro de Informações do Exército
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CODI – Centro de Operações de Defesa Interna
CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
Dentel – Departamento Nacional de Telecomunicações
DF – Distrito Federal
DOI – Destacamento de Operações e Informações
EC – Emenda Constitucional
ECA – Escola de Comunicação e Artes
EMC – Educação Moral e Cívica
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPM – Inquérito Policial Militar
LSN – Lei de Segurança Nacional
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MTR – Movimento Trabalhista Renovador
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN – Operação Bandeirantes
OSPB – Organização Social e Política no Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PDC – Partido Democrata Cristão
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PF – Polícia Federal
PFL – Partido da Frente Liberal
PH – Partido Humanista
PIB – Produto Interno Bruto
PL – Partido Libertador
PMB – Partido Municipalista Brasileiro
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNB – Produto Nacional Bruto
PP – Partido Popular
PR – Partido Republicano
PRP – Partido de Representação Popular
PRT – Partido Republicano Trabalhista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSP – Partido Social Progressista
PST – Partido Social Trabalhista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PTN – Partido Trabalhista Nacional
RMS – Região Metropolitana de Salvador
SBT – Sistema Brasileiro de Televisão
SNI – Serviço Nacional de Informações
Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TJ – Tribunal de Justiça
TRE – Tribunal Regional Eleitoral
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
UDN – União Democrática Nacional
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UnB – Universidade de Brasília
UPB – União dos Prefeitos da Bahia
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 15

Capítulo 1 O AMANHECER DO PÓS-GUERRA E A ELEIÇÃO DO


GOVERNADOR DA BAHIA .............................……............ 23

1.1 A BAHIA NOS ANOS 1960: VOTOS E VOTANTES ........................ 26


1.2 1962: ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DO ESTADO …………..…… 28
1.2.1 LOMANTO JÚNIOR AVANÇA SOBRE A UDN ...…................................. 28
1.2.2 A OPOSIÇÃO ESCOLHE OS SEUS CANDIDATOS ............….................... 31
1.2.3 A IGREJA CATÓLICA E O JORNAL A TARDE NAS ELEIÇÕES
DE 1962 .............…………………...………………………..…............. 36
1.2.4 JORNAL, RÁDIO E TELEVISÃO .…………........................................... 42
1.3 AS CAMPANHAS .......................................................................... 45
1.3.1 O PERCURSO DE LOMANTO JÚNIOR ...........….................................. 45
1.2.2 A CAMPANHA DE WALDIR PIRES .....…............................................. 49
1.3.3 CINCO POR CENTO ENTRE O CONTEÚDO E A FORMA .......................... 53

Capítulo 2 A COMUNICAÇÃO E A POLÍTICA: NA DITADURA


E NA REDEMOCRATIZAÇÃO ............................................ 57
2.1 RECRUDESCIMENTO DA CENSURA E DA REPRESSÃO
NO BRASIL GRANDE .................................................................... 60
2.2 NO COLÉGIO ELEITORAL, FORA DO REGIME, CANDIDATO,
SÓ ANTI ....................................................................................... 69
2.3 OS GOVERNOS MILITARES, O PROJETO DE ABERTURA
POLÍTICA E A LEI FALCÃO .......................................................... 72
2.4 A VITÓRIA DO PROCESSO DE ABERTURA ................................. 78
2.5 DA ERA DO RÁDIO À IDADE MÍDIA ............................................ 87

Capítulo 3 AS ELEIÇÕES E A COMUNICAÇÃO NO BRASIL


DA NOVA REPÚBLICA ...................................................... 101

3.1 AS ELEIÇÕES DE 1986 NA BAHIA .............................................. 108


3.1.1 OS CANDIDATOS, OS PARTIDOS E A FORMAÇÃO DAS COLIGAÇÕES
PARTIDÁRIAS ................................................................................ 109
3.1.2 JOSAPHAT MARINHO. O BRASIL INTEIRO CONHECE E TODO MUNDO
FALA BEM ................................................................................... 116
3.1.3 WALDIR PIRES E A PROPOSTA DA MUDANÇA ..................................... 123
Capítulo 4 1986. O NOVO CAMINHO DAS ELEIÇÕES NO BRASIL .... 126

4.1 A CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO


ESTADO DA BAHIA EM 1986 ...................................................... 186
4.1.1 A COMUNICAÇÃO ......................................................................... 131
4.1.2 A TELEVISÃO .............................................................................. 135
4.1.3 O PROGRAMA DA MUDANÇA NO RÁDIO ............................................ 139
4.1.4 O JORNAL DA MUDANÇA ................................................................ 140
4.1.5 O MATERIAL PUBLICITÁRIO PRODUZIDO .......................................... 143
4.1.6 OS JINGLES DA CAMPANHA ........................................................... 153
4.2 A TRAJETÓRIA DA MENSAGEM DA MUDANÇA .......................... 155
4.2.1 NA CAPITAL ................................................................................ 155
4.2.1.1 Os Comícios em Salvador... ................................................ 159
4.2.2 ...e no Interior... ...................................................................... 163
4.3 A “CAMPANHA DA MUDANÇA”: DIVISOR DE ÁGUAS? ................ 166
4.4 O RESULTADO ............................................................................. 167

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 168

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 173

ANEXOS ............................................................................................... 182


ANEXO 1 RESULTADOS DA ELEIÇÃO ESTADUAL DE 1962
DIVULGADOS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ... 183
ANEXO 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL (TSE) – RESULTADO DAS ELEIÇÕES DE 15 DE
NOVEMBRO DE 1986: Candidatos e Votos Obtidos ………….. 185
ANEXO 3 FOTOS – CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO
DO ESTADO EM 1986 ………………………………………….………. 193
INTRODUÇÃO

É freqüente, na contemporaneidade, o debate sobre a intensidade


das mudanças ocorridas na sociedade e sobre o papel desempenhado pelos
meios de comunicação. Nesta discussão, desenham-se os contornos de uma
sociedade globalizada e centrada no uso e aplicação de métodos de
comunicação de massa.
Na conformação social admitida nesse debate prevalecem as
técnicas de comunicação, informação, entretenimento, mobilização e
indução da opinião pública. É o que se denomina era digital ou da
informática, ambiente em que a mídia se “impõe e sobrepõe” penetrando no
processo político e demarcando as suas circunstâncias e espaços. Como
pontua Octávio Ianni ao tratar do que chamou Príncipe Eletrônico:

[...] as tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas


impregnam crescente e generalizadamente todas as esferas da
sociedade nacional e mundial; e de modo particularmente
acentuado as estruturas de poder, as tecnoestruturas, os
think-tanks, os lobbies, as organizações multilaterais e as
corporações transnacionais, sem esquecer as corporações da
mídia. (2000, p. 143).

A sociedade contemporânea, no entendimento do filósofo italiano


Gianni Vattimo, nasce sob a clara e definidora influência dos meios de
comunicação de massa, porém, não necessariamente, a transparência que
deste fato decorre permite aos cidadãos uma maior capacidade de reflexão
sobre seus destinos, apresentando, esta sociedade, em sua extrema
complexidade, até, uma espécie de caos. Um tanto paradoxalmente, o autor
credita à “sociedade transparente” a instalação de “um ideal de emancipação
que tem antes na sua base a oscilação, a pluralidade, e por fim o desgaste do
próprio princípio de realidade” (VATTIMO, 1992, p. 13). Essa perda de
16

sentido de realidade é revelada, segundo o autor, tanto no âmbito do


indivíduo como nas circunstâncias sociais e políticas.
A partir dessa reflexão, Vattimo apresenta-nos um instigante
questionamento: afinal, essa perda do sentido de realidade, se constitui em
grande perda para o indivíduo? Em resposta à sua própria indagação, alerta
para a possibilidade de considerarmos “essa experiência de oscilação do
mundo pós-moderno como chance de um novo modo de ser (talvez:
finalmente) humanos” (1992, p. 17). Para ele, a sociedade contemporânea
nasce sob essa marcante influência, implicando numa complexidade tal que
a suposta transparência não traz consigo uma maior “consciência de si”. Ao
mesmo tempo, identifica o autor esse relativo caos que se instala como a
possibilidade de recuperação das “esperanças de emancipação”, onde o ser −
ao se constatar desprovido de seu sentido unitário, fixo e permanente −
encontra-se diante da chance de construir um novo caminho para a sua
existência.
Adotando ponto de vista semelhante, Dominique Wolton trata do
modo como a superinformação característica do mundo contemporâneo
ocidental tende a imprimir no indivíduo a sensação de participar dos
problemas essenciais, mesmo que, na realidade, este indivíduo se encontre
sem possibilidade de ação. As mídias o informam sobre o que acontece,
evitando o sentimento de isolamento e inserindo o cidadão no rol dos
acontecimentos mundiais. Os indivíduos, sem os riscos da proximidade, que
acarretaria possibilidades de tensões e contradições, concentram-se no
debate e no deleite do acúmulo de informações. (2004, p. 244-245).
Há, portanto, certa concordância entre esses estudiosos quanto
aos efeitos provocados pelos meios de comunicação sobre o pensamento e o
comportamento do homem contemporâneo. No indivíduo ou no âmbito
coletivo, as relações sociais e pessoais, na atualidade, são exercidas, não
somente, mas principalmente, através do trabalho mediador da moderna
comunicação.
Na política, são marcantes os efeitos das transformações havidas
no cenário e na forma de atuação, impondo às suas instituições, ao cidadão
17

e aos políticos a divisão do cenário com uma coadjuvante cada vez mais
atuante, a comunicação.
Entretanto, esse não é o único problema que atinge a dinâmica da
política na sociedade contemporânea. As modificações na esfera política, sua
visibilidade, cada vez maior e, ao mesmo tempo, o aumento da dificuldade de
ação por parte dos indivíduos e de suas entidades de representação, também
podem ser considerados fatores que agravam as dificuldades dos processos
políticos.
Em Dos meios às mediações, o autor espanhol Jesús Martin-
Barbero trata das dificuldades da política contemporânea diante dos efeitos
da hipermidiatização que se desenvolveu nas últimas décadas, apontando o
lugar estratégico ocupado pela mídia em nossa sociedade. Considera que
esse processo transforma, entre outros cenários, o da política, provocando o
que pode ser considerado como uma “situação de dissolução da realidade do
político” nos seus padrões tradicionais, tornando-se elemento obrigatório nas
discussões sobre as novas configurações presentes no mundo
contemporâneo. (2003, p. 294).
Ainda na abordagem dos efeitos da hipermidiatização sobre a
política, Wolton destaca a contradição presenciada pelo cidadão, que vive
entre a rapidez com que as informações chegam até ele e a lentidão ou a
impossibilidade da ação política: o homem ocidental ampliou sua percepção
do mundo sem, entretanto, ampliar sua capacidade de ação. Para ele, este é
o ambiente em que se estabelece o fim das solidariedades coletivas, quando
se acentua, no indivíduo, o sentimento de isolamento. O homem público, da
mesma forma, tem seu espaço modificado pela ação do especialista da
comunicação, que passa a atuar cada vez mais com maior alcance. Ao
mesmo tempo, as estruturas militantes, sindicais, associativas,
comunitárias e políticas – que serviam de canais do exercício da cidadania –
têm alteradas as suas significações, na sociedade contemporânea.
Por outro lado, o autor destaca que não há democracia sem a
presença dos recursos da comunicação, aí incluídas as mídias e as
sondagens. Para ele, “a comunicação não é a perversão da democracia, é,
antes, sua condição de funcionamento” (WOLTON, 2004, p. 197).
18

Na abordagem dessa influência mútua, há entendimentos, como o


de Octávio Ianni, que direcionam o olhar para o enfoque do que seria uma
situação de “inversão” dos papéis, em que a comunicação leva a melhor
sobre a política. Sob este ponto de vista, “a mídia subordina e absorve os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os partidos políticos, sindicatos e
outras entidades de representação social” (2000, p. 146).
A partir dessa subordinação, estariam radicalmente alteradas as
condições de realização da teoria e da prática política. Em lugar do líder
capaz de reunir virtù e fortuna, descrito por Maquiavel, e do partido político
que organiza e articula as demandas da sociedade através da conquista da
hegemonia, apresentado por Gramsci, na era do domínio da comunicação,
temos prevalecendo uma “entidade nebulosa e ativa”, o “príncipe eletrônico”,
que expressa uma visão de mundo representativa dos blocos de poder que se
articulam e predominam, seja em escala nacional, regional ou mundial. A
ação da mídia “transforma mercadoria em ideologia, o mercado em
democracia e o consumismo em cidadania, operando a formação de opiniões,
sensações e preferências em mentes e corações” (IANNI, 2000, p. 146-149).
Segundo esse entendimento, a mídia interfere na temática política,
define a pauta, estabelece prioridades e exclui temas, implicando no risco de
comprometimento do discurso e da ação política que passariam a
estruturar-se a partir dos comandos da comunicação.
Há, contudo, a justificar o presente estudo, uma outra nuance
dessa complexa interação da comunicação com a política: uma ligação
simbiótica entre ambas, marcada pela interdependência e por um
permanente embate. Há conflito e, ao mesmo tempo, entrelaçamento, numa
tensão marcada por uma dinâmica alternância, que se apresenta, mesmo
quando subentendida ou oculta.
Assim, a questão ultrapassa a de identificar se, na cena
sociopolítica, prevalece a política ou a comunicação. Fundamental é
compreender essa ativa interação como objeto privilegiado de investigação
pelas circunstâncias de conflito e complementaridade predominantes nesta
relação de força existente entre as lógicas da informação, da opinião pública
e da ação política. (RUBIM, 2000, p. 46).
19

Quando se observa o perfil da comunicação em diversas disputas


eleitorais recentes verifica-se que, enquanto se aprimoram os recursos
técnicos e se amplia o uso dos instrumentos da comunicação e do marketing
em geral, ganham menor relevo os elementos da política. Esta “irrelevância”
da política face à comunicação é, porém, obra desta última, e/ou decorre de
processos do domínio da própria política? Claro que está fora do alcance
deste trabalho responder a esta pergunta, mas a sua simples formulação
aconselha a analisar a comunicação sem lhe conferir, de saída – e
intrinsecamente – um atributo neutralizador da política. A hipótese é que a
neutralização não é “natural”, nem “necessária”.
A própria idéia de representação que, no passado, identificava as
classes sociais e os grupos e atores políticos, mostra-se hoje difusa (fala-se,
hoje, em “crise da representação”), pois as estruturas sociais deixaram de
manifestar-se de forma nítida. A diminuição da influência do conteúdo
ideológico no discurso e na ação política e a falta de correspondência entre
as estruturas sociais e os comportamentos políticos podem estar levando
atores políticos a buscar a informação e a comunicação como elementos
capazes de substituir as estruturas sociais e as possibilidades de expressão
e manifestação da cidadania.
Contudo, persisto na hipótese de que o deslocamento do espaço
público – comícios, visitas e reuniões – para o espaço virtual não deve,
necessariamente, implicar no deslocamento da política e dos partidos do
centro da cena em que se desenrolam e são decididos os eventos da política.
A partir desse posicionamento, os processos políticos e eleitorais poderiam
seguir se constituindo em momentos de discussão e participação política e a
comunicação, com seus agentes, técnicas e recursos, assumindo seu lugar
como importante e poderosa ferramenta de divulgação e transmissão das
idéias e propostas políticas.
A memória do uso da comunicação na campanha de Waldir Pires,
candidato vitorioso do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
ao Governo do Estado da Bahia, em 1986, despontou, em contraponto à
maioria dos demais exemplos de campanha rememorados, como referência
de um momento em que os pressupostos mencionados no parágrafo anterior
20

ocorreram de forma privilegiada. A aposta é na idéia de que a comunicação e


o marketing foram, naquela campanha, instrumentos de um processo
político-eleitoral, tendo sido utilizados de maneira articulada e
interdependente com a própria política, isto é, com os objetivos, interesses e
conteúdo político dos discursos dos partidos e das candidaturas. E mais:
que a estratégia de comunicação formulada a partir de uma estreita
afinidade com as instâncias políticas e o novo formato organizacional
utilizado na campanha, ao darem forma a uma proposta política que
pretendia se contrapor ao modelo de governar vigente, inauguraram um
conjunto de novos padrões de operação das campanhas eleitorais.
Supõe-se, então, que esse novo modelo de planejar e realizar
campanhas políticas – adotado, sobretudo, na Bahia, em meados da década
de 1980 – com as novas configurações que dele se originaram, inclusive com
a forte presença dos novos atores que agregam suas qualificações técnicas
ao processo eleitoral de forma determinante, define novas formas de
interação entre Política e Mídia.
O meu interesse consistiu exatamente em analisar de que maneira
esse novo modo de operação da comunicação política e todo o aparato que
veio a ser inserido nas campanhas eleitorais contribuem na ampliação do
alcance do discurso da candidatura sem refrear o conteúdo político.
Na medida em que a análise da campanha de Waldir Pires para o
Governo do Estado da Bahia, em 1986, mostrar que aquela campanha
questiona, como um contra-exemplo, a idéia de que o avanço da
comunicação necessariamente afoga a política, estará, a meu ver, justificada
a escolha deste objeto de estudo e confirmada a hipótese de que a
comunicação, além de contribuir na disseminação do discurso e das
propostas do candidato, pode sim se constituir em instrumento de
valorização da política, dos políticos e dos partidos.
O fato de que o mesmo Waldir Pires já tivesse se candidatado, em
1962, ao mesmo cargo eletivo na Bahia, saindo derrotado, sugeriu um
interessante parâmetro comparativo das duas campanhas, descontadas as
diferenças de contexto. É que além dessas diferenças e das circunstâncias
diversas de competição eleitoral apresentadas em cada um dos momentos,
21

as duas campanhas do candidato foram, também, muito diferentes, do ponto


de vista da comunicação.
Também o fato de, apesar desses contrastes, o político Waldir Pires
ter se mantido, em 1986, basicamente dentro do mesmo espectro político-
ideológico em que se encontrava em 1962 – não havendo, assim, contradição
de fundo entre os conteúdos políticos dos seus discursos, nos dois contextos
–, permite recorrer à comparação para analisar o impacto dos novos meios e
da nova estratégia de comunicação sobre os modos de realização das duas
campanhas e avaliar até que ponto esses meios e estratégias determinaram o
conteúdo do discurso e as prioridades políticas da campanha ou se apenas
lhes proporcionaram nova forma de efetivação.
O trabalho está organizado em quatro capítulos, iniciando-se pelo
exame do cenário político e dos principais atores envolvidos na campanha
eleitoral dos candidatos Waldir Pires e Lomanto Júnior ao Governo do
Estado da Bahia, em 1962. A análise da forma de organização e de operação
da campanha dos dois candidatos, da presença da comunicação e das
maneiras utilizadas para propagação dos discursos foi utilizada como
parâmetro de comparação em relação ao conjunto de definições conceituais e
estruturais que o candidato Waldir Pires utilizou em sua campanha eleitoral
em 1986, quando, representando o PMDB, venceu as eleições para o governo
do Estado.
As mudanças na conjuntura política ocorridas no Brasil por força
da instalação do regime militar, em 1964, são observadas no segundo
capítulo. Também a ampliação do sistema de telecomunicações promovida
pelos governos militares e as formas peculiares de ocorrência das eleições
entre os anos de 1965 e 1985 são abordadas como elementos de redefinição
do contexto político brasileiro e como fatores de alteração no uso dos
recursos de mídia nos processos políticos e eleitorais. O fim da ditadura e as
novas relações que se apresentam no cenário político com a recuperação das
liberdades democráticas e a restauração gradual do exercício da cidadania
no Brasil, a partir do final da década de 1970, são, ainda, analisados nesse
capítulo numa tentativa de demonstrar a estreita relação que se estabeleceu
22

entre a restauração democrática e a ampliação do uso da comunicação na


política.
O exame das circunstâncias em que ocorreu a instalação da
chamada “Nova República” e os principais fatos políticos que antecederam as
eleições de 1986 mostra, no terceiro capítulo, de que modo a comunicação
interferiu no desenrolar dos processos políticos que concorreram para o
declínio do regime militar e o papel de crescente importância que os meios
de comunicação já desempenhavam naquele momento.
No capítulo quatro, é analisada a campanha eleitoral de Waldir
Pires ao Governo do Estado da Bahia, em 1986, e as estruturas e formas de
organização adotadas naquele pleito. A análise das peças publicitárias
utilizadas na campanha e os depoimentos de políticos, publicitários e
produtores apresentam um detalhado perfil do aparato de equipamentos
usados pela equipe de profissionais envolvida no trabalho. O estudo dos
conteúdos e dos roteiros dos comerciais e programas de rádio e televisão foi
prejudicado em razão da inexistência de arquivos do material veiculado. Por
outro lado, o elenco de peças gráficas é apresentado como elemento de
ilustração da diversidade de cartazes, brindes e anúncios que foram
produzidos obedecendo a um rigoroso padrão visual de identificação do
conceito da candidatura.
Por fim, apresento, a título de conclusão, os resultados das
análises comparativas dos pleitos de 1962 e 1986, momentos em que a
comunicação se situa, no campo da política, de maneira bastante diversa,
em razão das diferentes realidades no plano do avanço tecnológico e da
conjuntura política e social.
Capítulo 1

O AMANHECER DO PÓS-GUERRA
E A ELEIÇÃO DO GOVERNADOR DA BAHIA

O exame das campanhas dos dois principais candidatos ao


Governo do Estado da Bahia nas eleições de 1962, Antônio Lomanto Júnior
e Waldir Pires, procedido neste capítulo, serve a dois objetivos: primeiro, o de
reunir elementos comparativos que fortaleçam, pelo contraste com a
campanha de 1986, o argumento, desenvolvido nos capítulos seguintes, de
que esta última campanha introduziu um novo padrão de comunicação
política que, além de superar os estreitos limites institucionais e de mercado
fixados durante o regime militar, o fez sob formas inéditas.
O segundo objetivo é evidenciar a idéia – também desenvolvida nos
próximos capítulos – de que comunicação e estratégia política,
influenciando-se mutuamente, são, em ambos os cenários, balizas do
comportamento dos candidatos e dos discursos de suas campanhas. O fato
de termos, entre as duas eleições, por um lado, conjunturas e regras
díspares e diferenciados graus de tecnologia de comunicação e, por outro
lado, a presença comum de Waldir Pires como candidato (derrotado em
1962, vitorioso em 1986) permite um tipo de comparação que distingue, na
análise da campanha de 1986, o que foi, de fato, inovação da comunicação e
o que foi adaptação desta à conjuntura política.
Durante a campanha eleitoral de 1962, na Bahia, a comunicação
política teve de lidar não somente com limites tecnológicos e de
planejamento, mas com um quadro de disputa no qual muitas ambigüidades
24

envolviam as duas candidaturas e seus respectivos campos políticos, em


contraste com a nitidez maniqueísta do contexto de 1986. A ambigüidade,
num caso, e a nitidez, no outro, não resultavam apenas de aspectos da
política estadual. Veremos que a política nacional influenciou a comunicação
política de modo diferenciado, nos dois momentos. Do momento 1962,
tratarei a seguir.
O resultado da Convenção da União Democrática Nacional (UDN)
na qual Jânio Quadros, com a ajuda do governador da Guanabara, Carlos
Lacerda, obteve a legenda do partido para disputar a eleição presidencial de
1960 desfez os planos do governador baiano, Juracy Montenegro Magalhães
de chegar à Presidência da República.
Juracy Magalhães, personagem de destaque entre os quadros da
UDN, assumiu a opção militar alcançando a patente de General. A política,
entretanto, manteve-se como a ocupação central de sua vida pública desde
que, após a “Revolução de 30”, com apenas 26 anos de idade, foi indicado,
pelo Presidente Getúlio Vargas, interventor na Bahia, em setembro de 1931.
Tornando-se vitorioso nas articulações com as forças políticas que
resistiam à chegada de um interventor estranho à política local, aproximou-
se dos “coronéis” do interior, assegurando, assim, os apoios necessários para
firmar a sua condição de líder da política estadual. Em 1933, fundou o
Partido Social Democrático da Bahia (PSD), em cuja legenda, em 1935, foi
reconduzido ao comando do Estado como governador eleito pela Assembléia
Constituinte, em disputa na qual derrotou Octávio Mangabeira.
Apoiou Vargas até 1937, quando renunciou ao governo da Bahia
por discordar dos planos do Presidente de continuar no cargo após a
conclusão do seu mandato. Reaproximou-se de Getúlio, no segundo governo,
sendo nomeado presidente da Companhia Vale do Rio Doce e, logo depois,
adido militar nos Estados Unidos. Em 1954, presidiu a Petrobrás e, neste
mesmo ano, elegeu-se Senador representando a UDN baiana.
Em 1958, após duas gestões do PSD na administração do Estado
da Bahia, Juracy Magalhães, que havia apoiado Antônio Balbino, em 1954,
25

derrotou José Pedreira de Freitas, candidato oficial do PSD e o dissidente do


partido do governador, Tarcísio Vieira de Melo.1
Na avaliação do Governador da Bahia, as articulações que
envolviam, em 1960, a sua pré-candidatura à Presidência contavam com
fortes apoios, inclusive de lideranças do PSD, como o Presidente Juscelino
Kubitschek que pretendia angariar o apoio da UDN para retornar ao poder,
nas eleições de 1965.
Para Juracy, seu nome representava uma opção natural na
conjuntura favorável que se apresentava: o PSD estava no poder e o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) já tivera Getúlio Vargas no exercício do cargo,
por longos períodos. Era, portanto, a vez da UDN. Entretanto, Jânio
Quadros, que havia deixado o governo de São Paulo para concorrer à
convenção do partido, obteve – com a ajuda do governador da Guanabara,
Carlos Lacerda – dois terços dos votos dos delegados udenistas, vencendo o
“encontro da esperança com o desespero”, como definiu Afonso Arinos ao
apresentar a candidatura do governador baiano. (GUEIROS, 1996, p. 296-
306).
Apesar de ter alertado as lideranças da UDN sobre o que lhe
parecia arriscado na instável figura do ex-governador paulista e de
considerar-se traído pelo partido, Juracy Magalhães apoiou Jânio, na Bahia,
contribuindo para a obtenção da extraordinária marca de 5 milhões 636 mil
e 623 votos que o levou à Presidência, em 31 de janeiro de 1961. Após sete
meses no exercício do cargo, o Presidente Jânio Quadros renunciou, gerando
grave crise político-institucional. (JORNAL DO BRASIL, 1989, p. 65).
A derrota na convenção udenista e, posteriormente, a renúncia do
Presidente redefiniram, de maneira determinante, as perspectivas da
trajetória do General Juracy, influenciando, conseqüentemente, os rumos
das eleições baianas, em 1962, quando Juracy transmitiu o Governo da
Bahia ao Presidente do Tribunal da Justiça, Adalício Coelho Nogueira, para

1 Juracy Magalhães, 360.746 votos (48,71%); Pedreira de Freitas, 264.874 (35,76%); e


Vieira de Melo, 114.962 (15,52%). (SAMPAIO, 1960, p. 55).
26

concorrer na disputa por uma vaga para o Senado, representando o Estado


da Guanabara, a convite do Governador Carlos Lacerda2.

1.1 A BAHIA NOS ANOS 1960: VOTOS E VOTANTES

Em início dos anos sessenta, o Censo Demográfico realizado pelo


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava uma
população de 6 milhões e 234 mil baianos, sendo o eleitorado do Estado
composto de 1 milhão, 206 mil e 453 eleitores, representando apenas
19,35% do total de habitantes. (BRASIL, 1964, v. 6).
O perfil desse eleitorado, a origem e a importância das principais
lideranças com influência política no período, as legendas partidárias com
registro legal e as formas de utilização dos instrumentos de comunicação
pelos candidatos e seus correligionários serão analisados aqui como
pressupostos para um melhor entendimento da conjuntura em que se
realizou a eleição para o Governo do Estado da Bahia, em outubro de 1962.
Nelson de Souza Sampaio, em estudo elaborado sob o título “O
diálogo democrático na Bahia” no qual busca, de maneira detalhada e
abrangente, analisar o cenário em que se desenrolaram as decisões políticas
e eleitorais, na segunda metade da década de 1950, no Estado da Bahia,
observa a disparidade existente entre o contingente populacional e o número
de eleitores, que é vista pelo autor como resultado do alto índice de
analfabetismo vigente no Estado, naqueles anos. Em sua pesquisa, cita o Rio
Grande do Sul e o Rio de Janeiro como exemplos de estados com menor
população do que a Bahia e que, entretanto, possuíam índices de eleitorado
superiores àqueles verificados no censo baiano. (1960, p. 35).
Ainda, a densidade eleitoral no interior da Bahia é constatada
através dos resultados do pleito de 1958 que revelam a concentração do

2 Juracy Magalhães ficou em terceiro lugar na disputa. Ainda em 1962, declarou seu
desencanto com a política e não voltou a participar de eleições. Em 1964, envolveu-se na
conspiração que derrubou o governo de João Goulart. Com o General Castelo Branco no
poder, foi embaixador brasileiro nos Estados Unidos e, também, ocupou os ministérios
da Justiça e das Relações Exteriores. Em 1986, na Bahia, manifestou seu apoio à chapa
do PMDB na qual Waldir Pires concorreu ao Governo e seu filho, Jutahy Magalhães, ao
Senado. Fixou residência no Rio de Janeiro, permanecendo distante da cena política.
Faleceu em Salvador (BA), em maio de 2001, aos 96 anos. (Fundação Getúlio Vargas).
27

eleitorado baiano no interior, onde foram depositados 82,85% dos votos


daquele pleito, sendo que, em Salvador, encontravam-se apenas 17,15% dos
baianos aptos a exercer o direito do voto. (SAMPAIO, 1960, p. 68).
Da avaliação do quadro partidário, identifica-se que, apesar de
amplo, três legendas concentravam o poder na Assembléia Legislativa (AL),
reunindo dois terços da representação: o PSD detinha dezenove cadeiras, a
UDN, doze, seguidos do Partido Republicano (PR), com dez deputados. Os
sete demais partidos dividiam as dezenove cadeiras restantes3.
Essa fragmentação – de um terço dos votos para o legislativo
estadual distribuído em diversas legendas – é considerada por Sampaio
como um fator de estímulo ao que denominou de “favoritismo
administrativo”. Para ele, o governante, ao relacionar-se com as pequenas
bancadas, criava facilidades para a composição de seu bloco parlamentar de
apoio, convertendo a múltipla representação em instrumento do
clientelismo. (SAMPAIO, 1960, p. 76-77).
Da análise das inúmeras possibilidades de motivação para a
decisão do voto, pode-se destacar os perfis definidos por Sampaio, que
observa que a maior ou menor incidência de cada um dos tipos dependerá
da região e da localização do eleitor na zona urbana ou na rural.

[Há] três tipos principais de eleitor na atual realidade


brasileira: o eleitor indiferente, o tutelado e o independente. O
primeiro não tem motivo algum para votar; o segundo adota
passivamente um motivo alheio; o terceiro possui motivação
própria. (SAMPAIO, 1960, p. 36, grifos nossos).

Sobre a configuração do sistema partidário, discorre Sampaio


acerca da ausência do caráter ideológico como marca dos partidos políticos
em funcionamento naqueles anos. O incipiente componente doutrinário dos
partidos estaria, segundo ele, diretamente relacionado com a maioria de

3 Dos sessenta integrantes da Assembléia Legislativa da Bahia, dezenove deputados


elegeram-se abrigados em partidos com pequenas bancadas: Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), quatro deputados; Partido Social Progressista (PSP), dois deputados;
Partido Democrata Cristão (PDC), três deputados; Partido Libertador (PL), três
deputados; Partido Social Trabalhista (PST), dois deputados; Partido de Representação
Popular (PRP), dois deputados; e Partido Trabalhista Nacional (PTN), três deputados.
(BRASIL/TSE, 1966, v. 4, p. 57).
28

eleitores dos tipos indiferente e tutelado. Embora identifique uma “fraqueza


do sentimento partidário”, o analista refere-se à existência de uma “espécie
de tradição partidária”. Por fim, há registro da contaminação do “diálogo
entre candidato e eleitor” por meio de diversas formas de falsificação como a
compra de votos, a troca por emprego ou favores, além de alterações de atas
e boletins. O estudo aponta, ainda, várias formas de violência e coação
contra os eleitores, levados a votar nos candidatos indicados por seus
patrões, além de roubo de urna de votação e de alteração nas contagens de
votos nulos e válidos. (SAMPAIO, 1960, p. 45-52).
Também os custos financeiros das campanhas estão no foco do
exame do professor e ex-deputado, Nelson de Souza Sampaio. O uso do
poder econômico, superando o prestígio e as articulações da política,
assumindo relevo na definição das eleições, apresenta-se como fator
significativo e, de acordo com as análises de Sampaio (1960) já despontava,
àquela época, em movimento ascendente.

1.2 1962: ELEIÇÕES PARA O GOVERNO DO ESTADO

1.2.1 LOMANTO JÚNIOR AVANÇA SOBRE A UDN

Na sucessão ao governo da Bahia, Juracy apoiou Antônio Lomanto


Júnior cuja candidatura fora lançada por prefeitos baianos, seus
representados na Associação Brasileira de Municípios. Essa escolha,
contudo, não simbolizava a opção preferencial do Governador que
desenvolveu esforços, sem êxito, para a obtenção do consenso das forças
políticas em torno de um nome que as aglutinasse e que representasse a
pretendida “pacificação” em prol dos interesses da Bahia.
O prefeito da cidade de Jequié, Antônio Lomanto Júnior, valendo-
se da sua influência como presidente da entidade que congregava os
prefeitos do interior – ávidos por construírem um canal de expressão dos
seus interesses, em um cenário político no qual prevaleciam personagens
ligados a grupos já tradicionais nas disputas eleitorais do Estado –, lançou a
sua pré-candidatura. Até chegar à definição, na Convenção da UDN, a luta
29

para obter o apoio do Governador Juracy Magalhães e pela legenda


partidária foram os primeiros desafios do jovem prefeito que apresenta, no
relato a seguir4, a sua versão, de seus primeiros passos até a vitória nas
eleições para o Governo do Estado, em outubro de 1962:

Meu líder era Aloísio de Carvalho Filho, da UDN; era meu


grande amigo que me orientava e me inspirava. Mas o Partido,
também, arranjou um candidato; queria ter um candidato.
Havia vários nomes, entre eles, o meu querido amigo Josaphat.
Aí eu fiquei numa situação difícil, só tinha o PRP que era o
partido de Plínio Salgado. O deputado Cunha Bueno, meu
compadre de São Paulo, conseguiu a legenda do PRP para mim,
mas não tinha peso. Eu não teria condição de ganhar; aí então
Clemens Sampaio, que era o presidente do PTB e meu amigo, de
temperamento difícil, me chamou [...] havia vários nomes mas
nenhum com maior destaque. Do PTB mesmo, não tinha; tinham
vários nomes que o PTB apoiaria [...] O PTB estava, naquela
época, unido com o PR, com o Manoel Novais. Os dois tinham se
tornado aliados e tinham feito um compromisso: apoiariam,
juntos, o mesmo candidato. Clemens, então, tomou a frente e
disse: ‘Você, agora, é o candidato, por cima de tudo, no PTB.
Quem manda na Bahia sou eu’; aí chamou o Manoel Novais,
que também tinha vontade de ser candidato, e conquistou o
apoio de Novais; aí eu fiquei fortíssimo.
Fui ao Juracy, que era o Governador e líder da UDN. A princípio,
ele disse que não ia me apoiar: ‘Eu tenho feito candidatos e
depois eu me arrependo. Você é um menino, como é que um
menino pode ser governador?’. Eu, então, lhe disse: ‘O senhor
foi interventor da Bahia quando era garoto. Na sua dificuldade,
eu vou ser a sua solução’. Então, o governador me disse: ‘Tem
me acontecido muita bobagem, pode me acontecer mais esta’.
(LOMANTO JÚNIOR, 2006).5

Lomanto tratou de ampliar os apoios às suas propostas e logrou


resultado positivo tendo seu nome reforçado com o anúncio de que o PTB e o
PR já teriam divulgado sua aprovação ao nome do candidato municipalista.
O jornal “A Tarde”, de 2 de julho de 1962, à página 3, reportou a decisão dos
udenistas:

A UDN fixou-se no nome do candidato ao governo durante a


própria convenção, ao receber dos Srs. Clemens Sampaio e
Manoel Novais a comunicação de que PTB e PR apoiavam o Sr.

4 Entrevista concedida à pesquisadora em Salvador, em maio de 2006.


5 A transcrição dos depoimentos obtidos em entrevistas realizadas pela pesquisadora
serão representados neste trabalho sempre em itálico.
30

Lomanto Júnior e propunham a aceitação do mesmo pela


UDN. Coordenado o nome do prefeito de Jequié, foram-lhe
dados, na votação, 192 sufrágios. (A TARDE, 2 jul. 1962, p. 3)

Em Tradição, autocracia e carisma: a política de Antônio Carlos


Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974), Paulo Fábio Dantas Neto
traça os contornos da coligação articulada para dar sustentação à
candidatura de Lomanto, que contava com a força dos prefeitos e da
Associação Brasileira de Municípios e que passou a agregar, também, o
apoio do Governador, reunindo

[...] partidos rivais nos planos nacional e local, o PTB e a UDN.


Candidato comum de Juracy e Jango foi também apoiado pelo
PR de Manoel Novais, por quase toda a tradição autonomista,
ainda reunida no PL, e pelo pequeno PRP, legenda que
abrigava ex-integralistas. (2006, p. 162-163).

O autor, nesta mesma análise, conclui que:

A amplitude da aliança lomantista media-se pela reunião de


dois dos principais adversários de Balbino em 54 (o
autonomismo e o PR) a seus dois maiores aliados de então, a
UDN e o PTB. Daí ser ingênuo ter o lomantismo como mero
fenômeno sertanejo. (DANTAS NETO, 2006, p. 163).6

O candidato, que anunciava o avanço do interior para a capital,


além do apoio destas importantes forças políticas, contou com a decisiva
adesão da Igreja Católica7 à sua candidatura, através da Aliança Eleitoral
pela Família (ALEF) criada com a finalidade de orientar os votos dos fiéis,
que difundia suas pregações em favor da candidatura do ex-prefeito.

6 Chama-se aqui de tradição autonomista (da qual faziam parte políticos de perfis variados
como Luís Viana Filho, Nestor Duarte, Josaphat Marinho e, no início de sua carreira, o
próprio Lomanto Júnior) um campo político cujo esteio na área da comunicação era o
Jornal A Tarde que já não se apresentava, nos anos 1960, sob esta denominação.
Guardava, com variações, relação com o tradicional liberalismo da elite baiana que,
durante os anos 1930, fez oposição a Getúlio Vargas e ao seu então delegado político no
Estado, Juracy Magalhães. Os ex-governadores José Joaquim Seabra, Octávio
Mangabeira e o jornalista Simões Filho (todos já falecidos à época das eleições de 1962)
foram os líderes fundadores desse campo político.
7 O arcebispo Dom Augusto, o Cardeal da Silva, dirigente ultra conservador da Igreja
Católica na Bahia comandou o veto à candidatura de Waldir Pires. (A TARDE, 6 set.
1962).
31

Lomanto iniciou sua vida pública aos 21 anos, na eleição para a


Câmara Municipal de Jequié, em 1946, pelo Partido Libertador (PL).
Governou a cidade por três gestões (1951–1954, 1959–1962 e 1993–1996) e
exerceu mandato de Deputado Estadual entre 1955 e 1958.
Em 1965, após ter aderido ao Golpe Militar de 1964, filiou-se à
Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda pela qual se elegeu Deputado
Federal, em 1970 e 1974, e Senador, nas eleições de 1978, quando derrotou
Rômulo Almeida, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Em 1986, filiado ao Partido da Frente Liberal (PFL), disputou a
reeleição ao Senado, sendo derrotado, juntamente com Félix Mendonça,
pelos candidatos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
Jutahy Magalhães e Ruy Bacelar. Na eleição anterior, em 1982, seu nome
havia sido lembrado pelo Deputado Luís Eduardo Magalhães para integrar a
chapa do Partido da Democracia Social (PDS) em substituição ao candidato
Clériston Andrade8, sendo vetado pelo então governador Antônio Carlos
Magalhães.

1.2.2 A OPOSIÇÃO ESCOLHE OS SEUS CANDIDATOS

Ainda em julho de 1962, o Deputado Federal Waldir Pires e o ex-


Governador Antônio Balbino foram indicados pelo PSD para representar o
partido na disputa pelos cargos de Governador do Estado e de Senador da
República.
Waldir Pires havia liderado a bancada estadual de apoio ao governo
de Antônio Balbino e conquistara a legenda do PSD representando as “forças
políticas mais implantadas nos centros urbanos do Estado” (DANTAS NETO,
2006, p. 162). Sua candidatura não encontrava discordâncias entre as
principais lideranças pessedistas, contudo, o Partido Democrata Cristão
(PDC), o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o Partido Social Progressista

8 Faltando poucos dias para o pleito de 1982, Clériston Andrade, candidato do PDS ao
governo do Estado morreu, em acidente aéreo. No depoimento concedido em maio de
2006, o ex-Governador Lomanto Júnior relatou a insistência do Deputado Luís Eduardo
Magalhães na indicação do seu nome para compor a chapa do PDS e o veto do então
governador, Antônio Carlos Magalhães, que optou pelo ex-Prefeito da cidade de Feira de
Santana, João Durval Carneiro.
32

(PSP), partidos reunidos ao PSD para formar sua coligação, tinham pouca
representatividade. Por outro lado, a candidatura de Waldir atraiu apoios de
lideranças próximas ao PTB, partido pelo qual se elegera deputado estadual,
em 1954, na mesma campanha em que seu líder, Antônio Balbino, derrotara
Pedro Calmon, na disputa pelo Governo do Estado. Essa aproximação lhe
assegurava a adesão de alguns setores trabalhistas e do sindicalismo,
contrários às decisões da cúpula partidária de aliar-se ao Governador Juracy
Magalhães e apoiar o candidato Lomanto Júnior.
Se a disputa pelos apoios do Governador e da UDN foi motivo de
discordâncias nas hostes udenistas e entre os aliados de Juracy, a definição
do candidato da oposição não rendeu tantas dificuldades: o ex-Governador
Balbino havia apresentado, publicamente, o nome de Waldir como
alternativa, posicionando-se contra a proposta do Governador Juracy.
O Deputado Federal Waldir Pires, por seu turno, desde o início,
afirmava a sua discordância em relação à articulação pretendida pelo
Governador Juracy, que conclamava todos a se unirem em nome da
pacificação, que deveria salvar a Bahia das dificuldades que lhe impediam o
desenvolvimento econômico. Disposto a assegurar a sua candidatura,
Waldir, jovem deputado do PSD, com origem política no movimento
estudantil, nas ações da campanha “O Petróleo é nosso”, com atuação
próxima aos posicionamentos mais à esquerda, inaugurou seu Comitê e se
manteve firme no propósito de conquistar os apoios necessários à obtenção
da legenda do maior partido de oposição naquele momento. Mais de
quarenta anos depois, Waldir Pires9 se refere ao apoio recebido pelos
cardeais do PSD como resultado de certo descaso e até de subestimação do
processo eleitoral que se avizinhava:

Houve um momento em que ninguém queria ser candidato e foi


assim que a minha candidatura se consolidou. [...] A minha
candidatura era vista assim: ‘Deixem esse negócio aí, se der
certo, ótimo, se não der, nós faremos de qualquer forma uma
grande bancada’. Eu fui candidato a governador cedo, com 34
para 35 anos [...] foi uma campanha muito bonita porque era
uma campanha que tinha o apoio do partido em que eu estava

9 Entrevista realizada em Salvador, em dois momentos: a primeira parte no dia 12 de


fevereiro de 2006 e a segunda em 18 de março do mesmo ano.
33

filiado, o PSD, que tinha posições mais progressistas, em


algumas áreas, posições mais conservadoras, em outras, mas
era um partido que tinha uma vocação de sensibilidade com as
questões da população e com as questões dos setores mais
conservadores, com o campo. Eu tinha sempre feito uma ação
política de esquerda que, de alguma forma, tinha um certo apoio
das personalidades mais importantes do PSD, como o deputado
Balbino, o Vieira de Melo e o Oliveira Brito. (PIRES, 2006).

Josaphat Marinho, que pertencia aos quadros do PL, contava com


grande prestígio nas forças liberais e com o apoio do Governador Juracy até
o dia da Convenção da UDN convocada para escolher o candidato ao governo
do estado nas eleições de outubro de 1962. Todavia, a despeito desta
condição, à primeira vista, privilegiada, sua candidatura foi preterida pelas
lideranças udenistas e dos partidos aliados. O apoio de Manoel Novais, líder
do PR, e de Clemens Sampaio, do PTB, ao ex-Prefeito de Jequié, Lomanto
Júnior – que já contava com a adesão dos deputados Jutahy e Juracy
Júnior, filhos do Governador, sacramentou a derrota da candidatura de
Josaphat Marinho.
Jornalista do “Diário de Notícias”, em 1962, Antônio Guerra Lima10
retrata o quadro político do período anterior à convenção referida:

A campanha, no começo, se desenrolava em torno de Waldir


Pires e Josaphat Marinho, que foi Secretário da Fazenda e da
Justiça de Juracy Magalhães. Juracy queria Josaphat Marinho
como candidato ao governo [...] O candidato da UDN, até no dia
da convenção, era Josaphat Marinho. Quando Josaphat
Marinho estava pegando o paletó para vestir e ir agradecer a
indicação dele na convenção, veio a notícia para que ele não
fosse porque a convenção ia indicar Lomanto Júnior, cuja
candidatura havia sido articulada por Jutahy e Juracyzinho, os
dois irmãos. Aí foi uma coisa assim inusitada. Foi uma bomba
[...]. (GUERRA LIMA, 2007).

O PL, partido ao qual era filiado o candidato preterido, ficou


dividido entre as candidaturas de Lomanto Júnior e Waldir Pires.11 Após a

10 Entrevista realizada em Salvador, em 9 de maio de 2007.


11 Em votação realizada na casa do deputado Luís Viana, os membros do Diretório do PL
destinaram nove votos ao candidato Lomanto Júnior e cinco votos a Waldir Pires. Houve,
ainda, dois votos em branco e uma abstenção. (A TARDE, 31 jul. 1962, p. 3).
34

homologação das candidaturas, Josaphat Marinho foi convidado por Waldir


Pires para integrar a chapa da oposição, ao lado de Antônio Balbino, na
disputa pelas duas vagas ao Senado da República. Em entrevista realizada
em fevereiro de 2006, Waldir Pires relata:

Nessa ocasião, eu queria que Nestor Duarte fosse candidato ao


Senado ao lado do Antônio Balbino, ex-governador, que era um
dos candidatos. O Balbino, entretanto, tinha uma preferência
por Luís Viana. Eu achava que o Nestor era a figura mais
representativa dos novos tempos, muito mais avançado. Suas
aulas foram muito marcantes para nós todos da minha geração.
O Balbino, por sua vez, não tinha uma boa relação com o Nestor
e, reciprocamente, não se sabia se o Nestor aceitaria ou não
compor conosco. Balbino, mais pragmático, achava que se fosse
o Luís Viana o partido viria mais facilmente para a minha
candidatura, inclusive. Eu estava na linha das mudanças
essenciais, influência do amanhecer do pós-guerra. Eu indaguei
ao Balbino: ‘E Josaphat?’ E o Balbino desmanchou: ‘O Josaphat
está bem!’. E ele me autorizou a dizer que o apoiava. [...] Saí
dessa conversa, na rua da Faísca, onde Balbino morava,
telefonei para o Josaphat, que me recebeu na sua casa. Ele
tinha sido derrotado como candidato a governador da
convenção, estava numa situação bastante fragilizada; foi então
um convite honroso. Ele elegeu-se Senador na minha chapa.
(PIRES, 2006).

Além dos dois candidatos, representantes dos principais partidos e


grupos políticos do Estado, surgiu a candidatura de Aristóteles Góes que,
sob a legenda do Movimento Trabalhista Renovador (MTR), pretendia atrair
os apoios e votos dos dissidentes do PTB que buscaram esta opção como
forma de se manterem afastados da candidatura de Lomanto, oficialmente
apoiada pelo Partido.
Nos depoimentos colhidos dos dois candidatos que polarizaram as
disputas no pleito de 1962, vê-se a discordância nas avaliações: ambos
conferem, ao adversário, vantagens sempre não admitidas em sua própria
campanha. Lomanto Júnior nega o apoio dos governos federal e estadual,
embora a sua candidatura tivesse o adesão do PTB, partido de João Goulart,
Presidente da República, e da UDN, cujo líder de maior destaque era o
Governador Juracy Magalhães.
35

Na entrevista já referida, Waldir Pires justifica algumas das razões


apontadas como responsáveis pelo resultado do pleito de 1962:

Eu não tinha o apoio do Governador, não tinha o apoio de Luiz


Viana, do PL. Eu me lembro, por exemplo, que o Brizola esteve
aqui na Bahia e foi a um ato público extraordinário da nossa
campanha. O povo inteiro gritava por Brizola, Brizola, Waldir,
Waldir! E o Brizola não pôde dar uma palavra porque o partido
dele estava apoiando a candidatura de Lomanto, que tinha
apoiado sempre todas as posições contrárias às do PTB. Desde
a campanha de 55, com a chapa Juscelino/João Goulart, em
Jequié, o Lomanto fez campanha contra eles.
A mesma coisa aconteceu em 1960: nesse ano, eu fui fazer a
campanha do General Lott e Goulart; e o Lomanto, prefeito de
Jequié, de novo impôs derrota à candidatura Lott e Goulart. Em
62, Lomanto se torna candidato com o apoio de Goulart.
O Lomanto era um candidato fácil para as urnas do interior; era
o candidato de todas as grandes forças políticas e, por último,
tinha a máquina do Governo Federal. O Manoel Novais, chefe do
PR, era a figura mais importante do Estado, depois do Juraci –
era líder de votos. Era o Juracy, na UDN, e o Manoel Novais, no
PR. A rigor, Lomanto contava com todos os partidos, exceto o
PSD, que tinha uma boa base política e o movimento de massa,
e a juventude – por isso, eu ganho as eleições em todos as
urnas de Salvador, em todos os bairros. Entretanto, essa
margem de votos não permitiu ultrapassar a maioria que vivia
no interior, embora o PSD tivesse uma boa presença no interior
com os prefeitos, mas sem a máquina estadual e federal [...] O
PSD tinha uma base nas oligarquias, mas tinha uma tradição
de trabalhar com o apoio dos governos federal e estadual. O
PSD tinha tradição de ser o partido do governo, tinha sido uma
criação de Getúlio Vargas, tinha bases rurais. Além de tudo,
vale incluir, também, que, por outro lado, a força dessa
campanha não superou o problema da repulsa da Igreja,
decisivo naquela ocasião. (PIRES, 2006).

O ex-governador Lomanto Júnior, por sua vez, avalia que a


renovação proposta no discurso que fundamentava sua candidatura foi o
fator que concorreu, de maneira determinante, para a sua vitória,
diminuindo o peso da participação dos seus apoiadores:

O Presidente Goulart não apoiou ninguém, mas financiou


Waldir, dizem que financiou... e financiou através do Oliveira
Pinto; e não deu uma palavra a meu respeito [...] Ele ficou neutro
mas, por debaixo do pano... Ele não podia apoiar Waldir como
Presidente da República se o próprio partido dele tinha
candidato [...] Ao meu lado, estavam, apenas, Manoel Novais,
36

Clemens Sampaio, Jorge Calmon. Juracy foi embora,


Juracyzinho, que participou da campanha, faleceu nas vésperas
de eu tomar posse, suicidou-se... [...] Clemente Mariani
representava as elites, o poder econômico e o poder político – ele
foi Senador, Ministro da Fazenda, era dono do Banco da Bahia,
[...] Um dia, ele me perguntou, eu já governador, como eu
consegui me eleger sem a sua participação. Até então, tudo
passava por essa elite financeira, os baianos quatrocentões, os
Magalhães da época, que não eram nem de Antônio Carlos nem
de Juracy, era a S. A. Magalhães, a maior empresa da Bahia.
Quem financiou minha campanha foram os amigos, o comércio,
eu não tinha nem tesoureiro; meu cunhado, que foi presidente
do banco do estado era quem às vezes organizava [...] Quem
assumiu o governo foi o presidente do Tribunal de Justiça,
porque Juracy foi para o Rio de Janeiro se candidatar ao
senado. A minha eleição foi a confiança que eu criei no meio do
povo e a vontade do interior de comandar um dia; eu incuti no
povo de que o interior precisava comandar o país, ter força para
resolver os seus problemas e concentrar-se na capital [...] Hoje,
mudou tudo, aqui para nós, modéstia à parte, fui eu quem criou
aquela situação, levantou uma situação nova, foi uma situação
que nunca se tinha visto na Bahia, um menino, prefeito do
interior enfrentar toda a Bahia, o Balbino forte, o Waldir forte, o
Waldir era o candidato mais forte da época e o Balbino também
tinha muita força, tanto é que se elegeu senador, fácil, o Balbino
se dava comigo mas não gostava de mim. (LOMANTO JÚNIOR,
2006).

1.2.3 A IGREJA CATÓLICA E O JORNAL “A TARDE” NAS ELEIÇÕES DE 1962

Nos momentos que antecederam os lançamentos dos candidatos à


campanha eleitoral para o Governo da Bahia, o mais destacado jornal do
Estado, o vespertino “A Tarde”, acompanhava a movimentação das principais
lideranças em relação à proposta de pacificação apresentada pelo
Governador Juracy Magalhães aos partidos políticos, com vistas ao
lançamento de uma candidatura de unidade. O prefeito de Jequié, Lomanto
Júnior, naquele momento, apresentou-se à imprensa baiana como mais uma
dentre as opções a serem analisadas, no âmbito da conciliação proposta pelo
Governador. O Deputado Federal Waldir Pires, do PSD, representava os
setores de oposição ao governo de Juracy Magalhães.
O anúncio das decisões das convenções partidárias e as definições
de apoio aos dois candidatos de maior destaque na disputa foi, no que diz
respeito à sucessão estadual, o tema que predominou no noticiário político,
37

durante o mês de agosto de 1962. A edição do dia 24 do jornal “A Tarde”


indicava o arco de alianças que se formava em torno da candidatura de
Lomanto Júnior incluindo cinco partidos: PTB, PR, UDN, PRP e PL. Estas
referências eram informadas como evidências do avanço da candidatura do
ex-Prefeito de Jequié e a forma como são apresentadas demonstra que a
distribuição dos espaços tendia a favorecer o candidato Lomanto Júnior. Na
referida edição, em matéria destinada à cobertura da campanha eleitoral, ao
candidato do PSD era reservado apenas um terço do espaço designado para
o candidato da coligação liderada pela UDN.
Porém, não foi, apenas, pelo maior espaço na seção de política que
o candidato Lomanto Júnior teve privilégios no tratamento que lhe destinou
aquele noticioso, por decisão da diretoria do jornal. O próprio ex-governador
relata a sua proximidade com a direção do jornal e com a Igreja Católica:

Havia uma relação muito íntima, por conta da relação que eu


tinha, quase que filial, com o velho Simões Filho; eu era seu
amigo pessoal e uma das coisas fortes na minha campanha foi
que Regina [Simões de Melo Leitão] sabia que um dos desejos
do pai dela era me ver Governador da Bahia; e ela dizia que, no
dia em que eu fosse candidato, o jornal ‘A Tarde’ me apoiaria.
No início da campanha, o jornal estava com Waldir mas, no dia
em que viram minha candidatura ela disse: de amanhã em
diante, só sai o nome de Waldir se pagar caro, mas Waldir tinha
influência nas rádios e nos outros jornais [...].
Tinha eu, o Waldir e o Aristóteles, de um partido inexpressivo,
que não tinha nenhuma mensagem que atraísse a população. A
campanha, então, acabou ficando polarizada entre eu e Waldir,
onde eu era apoiado pelos partidos de direita e a Igreja, e
Waldir sendo apoiado pelo PSD e pelas esquerdas comunistas.
A Igreja me ajudou muito; toda a Igreja ficou do meu lado:
quando chegava nos lugares, tinha sempre um padre presente
dando apoio [...]. (LOMANTO JÚNIOR, 2006).

A ALEF, organizada pelo Cardeal D. Augusto da Silva, executou as


ações para tornar efetiva a participação do clero no apoio e no veto a
candidatos envolvidos nas disputas pelo Governo do Estado, Senado,
Prefeitura de Salvador e pelos mandatos parlamentares na Câmara
Municipal, Assembléia Legislativa e Câmara dos Deputados. Em reunião de
sacerdotes, a ALEF definiu a organização de comissões para avaliar os
38

nomes que se apresentavam aos pleitos estadual e municipal e recomendar


aos católicos os votos naqueles que fossem considerados “bons”, de acordo
com critérios da Igreja.
Para analisar os candidatos ao Governo do Estado e à Prefeitura da
capital foram designados os Monsenhores Gaspar Sadock, José Trabuco e
Eugênio Veiga, sendo constituídas outras comissões para observar os
candidatos à Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa, Senado e
Câmara Municipal. (A TARDE, 6 set. 1962, p. 3).
As intenções do comando da Igreja Católica não se limitavam a
orientar os fiéis no momento eleitoral; envolviam, também, a idéia de uma
campanha de politização, de caráter permanente, realizada por núcleos
familiares de base paroquial que atuariam no acompanhamento dos
problemas políticos e sociais do país.
Estas definições tiveram destaque naquela edição de 6 de setembro
de 1962 do jornal “A Tarde” na qual foi noticiada a tendência favorável à
indicação de Lomanto Júnior como candidato preferido do clero e as
restrições dos sacerdotes aos candidatos que representassem risco de
aproximação aos ideais comunistas.
A lista oficial da ALEF, publicada três dias antes do pleito,
recomendava diversos candidatos aos cargos legislativos e para o governo do
estado destacava o nome de Lomanto Júnior, como “nomes de candidatos
que se comprometeram a cumprir os princípios mínimos programáticos da
Aliança e nenhuma ligação denotaram com o comunismo” (A TARDE, 6 set.
1962, p. 3).
Dantas Neto destaca a “tradução política e ideológica” que definia
“as noções de bem e mal”, ao analisar que:

A lista dos aceitáveis pelos católicos, divulgada em nota oficial,


intriga pela clara predominância, entre candidatos a deputado
federal e estadual, de nomes da UDN e aliados, denotando que
o critério também era pragmático, no aspecto eleitoral. (2006,
p. 174-175, grifo do autor).

Os comunistas, que se abrigavam nos partidos progressistas legais


em razão da condição de ilegalidade em que o Partido Comunista Brasileiro
39

(PCB) se encontrava, fizeram a opção pela candidatura de Waldir Pires


apoiados no entendimento de que o partido deveria aliar-se à burguesia
nacional e aos setores nacionais contra o imperialismo.
No plano eleitoral, essa aliança se efetivava na opção pelo uso das
legendas da coligação de Waldir Pires para o lançamento das candidaturas
dos seus representantes. No pleito de 1962, em nome dos comunistas,
concorreram: Fernando Santana, para a Câmara dos Deputados; para a
Assembléia Legislativa, Aristeu Nogueira, à época Secretário-Geral do Partido
Comunista na Bahia; e João Cardoso, para a Câmara Municipal.12 Assim, a
marca de “aliado dos comunistas” passou a identificar o candidato do PSD,
Waldir Pires, que foi alvo de sistemática campanha promovida pela Igreja
Católica e assumida pelo comando do jornal.
Outros candidatos também foram alvo dos anúncios veiculados
nos dias próximos à eleição. O anúncio publicado na página 4 da edição de
“A Tarde” de 5 de outubro, chamava a atenção dos eleitores para os riscos
dos “candidatos que se dizem operários e ‘nacionalistas’, mas que na
verdade são comunistas ou apoiados pelos comunistas” e apontava os nomes
de Waldir Pires e Osório Vilas Boas, respectivamente, candidatos ao Governo
do Estado e à Prefeitura de Salvador; Fernando Santana, Mário Lima, Hélio
Ramos e Henrique Lima Santos, candidatos à Câmara dos Deputados;
Wilton Valença, Aristeu Nogueira, Antônio Maurício de Freitas, Diógenes
Alves, Walter da Matta, Jarbas Santana, Raimundo Reis e Ênio Mendes,
candidatos à Assembléia Legislativa; além dos candidatos à Câmara
Municipal, João Cardoso de Souza, Amaro Lopes de Carvalho, Nilo José dos
Santos, Joaci Rodrigues Motta, Ruth Medrado Mattos, Washington José de
Souza, João Filgueira de Souza e Euclides Valério.
Também nos editoriais daqueles últimos dias da acirrada
campanha de 1962, o vespertino demonstrava o seu propósito de defender o
povo baiano do candidato “aliado do Sr. Nikita” que, durante a campanha
eleitoral, teria insistido em “acender duas velas – uma a Deus, outra ao

12 Esses eram os candidatos que apareciam nos panfletos conclamando “os camaradas” a
votarem em Waldir. A campanha do PSD fez publicar anúncio em que explicava ser da
responsabilidade da campanha de Lomanto Júnior, o contrato de impressão dos
folhetos. (A TARDE, 5 out. 1962, p. 2).
40

diabo”. O texto tratava das virtudes encontradas na candidatura de Lomanto


Júnior, respaldando as suas opiniões nos seus cinqüenta anos de existência
como “trincheira a serviço dos ideais da liberdade e da democracia”. Nessa
mesma edição, o noticiário apresentava o comício de encerramento da
campanha de Lomanto Júnior como “a maior concentração popular já
realizada nesta capital” (A TARDE, 5 out. 1962, p. 1).
Ao candidato do PSD, restava a compra de espaços para a
divulgação das propostas e notícias de sua candidatura, afinal, como bem
relatou o ex-Governador Lomanto Júnior, por determinação da Sra. Regina
Simões de Melo Leitão, “só sai o nome de Waldir se pagar caro”.
As propostas do programa de governo e os atos da campanha da
coligação liderada pelo PSD foram veiculados no jornal “A Tarde” mediante a
compra de espaços em locais onde as matérias informativas se confundiam
com os anúncios. O conteúdo era apresentado sob o formato de texto
jornalístico, distanciando-se de uma caracterização própria dos anúncios
publicitários. Dessa forma, o leitor que desconhecesse o significado da
numeração usada como identificação de matéria paga, por certo teria
dificuldade de compreender a disparidade entre as informações e opiniões
encontradas nos textos da editoria do jornal e os textos publicados nos
anúncios da campanha do candidato do PSD. Este expediente, seguramente,
provocou grande confusão na compreensão do processo eleitoral, por parte
do leitor que encontrava informações conflitantes publicadas na mesma
página do jornal.
Na edição do dia 3 de outubro, em uma matéria publicada na
página 3, um evento da campanha pessedista, que contou com a presença
do Senador e ex-Presidente, Juscelino Kubitschek, ocorrido na véspera, era
destacado como verdadeiro fracasso e como tendo sido realizado em local
que não comportaria mais do que oito mil pessoas. Nessa mesma edição, o
anúncio publicado sob a responsabilidade da campanha de Waldir Pires, que
ocupava toda a primeira página, ao tratar do mesmo evento, referia-se à
presença de setenta mil pessoas que teriam aplaudido o candidato na
concentração anunciada na véspera como “a maior festa cívica da Bahia
nesses últimos anos” (A TARDE, 3 out. 1962, p. 3).
41

É certo que, naquele início da década de 1960, a comunicação


ocupava espaço ainda reduzido nos processos eleitorais, como destaca
Dantas Neto:

[...] sem faltar validade, naquele pleito, a falas conceituais e a


recursos de comunicação próprios de sociedades modernas ou
em vias de modernização, as eleições ainda se decidiam mais
em circuitos onde chefes políticos locais, cabos eleitorais e
recursos públicos eram os meios mais eficazes. (2004, p. 172).

Entretanto, o candidato do PSD se deixou conduzir,


permanentemente, pela preocupação de responder às acusações, tendo sido
repetidos os pronunciamentos em que Waldir Pires declarava seu
compromisso com os postulados da Encíclica “Mater e Magister”,
considerada, pelo mundo católico, como “o documento do século”. Tanto ele
como sua mulher Yolanda Pires se apresentaram desdobrando-se em
explicações a respeito de sua religiosidade e de seus compromissos com a
democracia e a liberdade. Segundo declarado por Waldir Pires, a imputação
de adesão aos ideais totalitários era uma acusação dissociada dos
postulados da sua candidatura e se devia ao apoio que recebera de
lideranças declaradamente afinadas com a teoria marxista:

A campanha da Igreja tinha espaço no noticiário; além disso,


cartazes eram afixados em todas as igrejas, anunciando o veto
ao meu nome. Era feito, explicitamente. Minha mãe, que era
uma mulher jovem e católica praticante, chegou a ser
aconselhada por determinado padre a não votar em mim e ela
disse: ‘Mas é meu filho...’. Indignada, ela acabou por dizer
desaforos ao padre. Ela sabia da minha opção de vida:
Ditadura não! para ninguém, nem de direita nem de esquerda.
Eu nunca fui partidário de nenhuma teoria que pregasse o
totalitarismo, e o Cardeal sabia disso. Ele dizia que eu teria de
recusar os votos dos comunistas; eu lhe disse que não era
possível, seria a anti-cidadania, isso eu não faria. Ele então me
disse que eu teria o veto da Igreja. Eu lhe disse: ‘Paciência,
então...’ [...]. Eu perdi a eleição por menos de 5%, muito
decorrente de uma posição altamente conservadora que foi
marcante durante a campanha [...] A ação dos meios de
comunicação, basicamente, a imprensa escrita – o rádio e a
televisão eram muito iniciantes –, naquela ocasião, foi decisiva.
(PIRES, 2006).
42

1.2.4 JORNAL, RÁDIO E TELEVISÃO

A propaganda política utilizada nas eleições, na segunda metade


do século XX, na Bahia, envolvia – além dos brindes e cartazes – a
transmissão de comícios e pronunciamentos pelo rádio e a publicação de
fotos e mensagens nos jornais. Esses eram os meios de comunicação
disponíveis no interior do Estado, posto que a televisão, recém inaugurada,
era acessível, apenas, aos moradores da capital.
Nos jornais, o candidato podia comprar espaços para a veiculação
de textos preparados por ele mesmo ou por sua assessoria ou enviar as
informações das suas campanhas às editorias que publicariam da maneira
que considerassem apropriada.
Ênio Mendes de Carvalho13, candidato a Deputado Estadual, pelo
PSP, em 1962, e Secretário-Geral do PMDB, em 1986, ao comparar as duas
campanhas, se refere à maneira simplificada como aconteciam as disputas,
na década de 1960, em razão do poder desempenhado pelo chefe político. O
acordo com o chefe local dispensava o candidato de percorrer o município
buscando conquistar os votos. Nos municípios maiores e mais próximos da
capital, segundo ele, já se notava a existência de outro tipo de relação do
candidato com o eleitor:

[...] é uma coisa que sempre me chamava a atenção, diferente


de cá, dos municípios vizinhos de Salvador onde havia maior
liberdade e o nível de informação era maior. Não tenha dúvida
disso. Próximo da capital, o contato com os meios de
comunicação era bem maior. [...] a disseminação da informação
quebra a importância desses coronéis. Ela cria um eleitorado
independente que pode decidir uma eleição. (CARVALHO,
2007).

Por outro lado, Sampaio (1960) considera que, naquele momento,


já se manifestavam, mesmo nos pequenos municípios, os sinais de que o uso
da propaganda nas campanhas eleitorais era uma prática indispensável.

13 Em entrevista concedida à pesquisadora, em Salvador, no dia 2 de maio de 2007. Ênio


Mendes de Carvalho participou das campanhas de Waldir Pires em 1962 e 1986. Na
primeira, elegeu-se deputado estadual e, em 1986, sua participação deu-se na condição
de Secretário Geral do PMDB.
43

Embora ressalte que as cidades de maior porte sejam “o seu ambiente


predileto”, informa que “são raros os lugarejos onde não se notam os rastros
de uma campanha, numa parede com letreiros pichados ou com retratos dos
candidatos”. Para ele:

Quem, outrora, não imprimia boletins ou pregava cartazes nas


paredes, nem desfraldava faixas ou mandava anunciar a
candidatura pelo rádio e jornais, não pode, hoje, deixar de
imitar os concorrentes que usam desses meios. (1960, p. 19).

No pleito de 1962, os candidatos que disputavam o Governo da


Bahia utilizaram, amplamente, a publicação de notícias de suas campanhas
nos jornais e a transmissão dos comícios pelas rádios. Assim, além do
noticiário de responsabilidade das editorias, os jornais exibiam textos
elaborados sob a responsabilidade dos candidatos. Guerra Lima,
responsável, juntamente com Prisco Viana, pela redação das matérias de
divulgação da campanha de Waldir Pires, relata:

Não eram anúncios... eram matérias políticas e reportagens. Eu


viajava para o interior, fazia a cobertura dos comícios e, como
naquela época não havia sistema de comunicação [...], telefone
não funcionava, eu mandava as matérias por algum portador.
Prisco [Viana], que ficava responsável pelo apoio básico na
capital, mandava a matéria para o ‘Diário de Notícias’, para ‘A
Tarde’, o ‘Jornal da Bahia’, o ‘Estado da Bahia’, que era dos
Associados. No ‘Diário de Notícias’, Virgílio de Sá era o colunista
político, eu era o repórter político que cobria a Assembléia
Legislativa [...]. Então, no sentido de comunicação, ao contrário
de 86, não tinha agência de publicidade. Naquela época, para
você ter uma idéia: todo ano o governo publicava as mensagens
de fim de ano... Cada jornalista recebia a mensagem da
Secretaria a que dava cobertura... então, o Comitê de Imprensa
do Gabinete do Governador, entregava a comissão... As
comissões eram pagas a cada um desses jornalistas, porque,
na época não tinha agência; ‘A Tarde’ recebia, O ‘Diário de
Notícias’... não favorecia ninguém, porque era pela cobertura
que se fazia e era impessoal... É estranho, mas não havia o
sentido de propina... era o Comitê que distribuía, não tinha
preferência... mandava para os órgãos de imprensa e os órgãos
redistribuíam... (GUERRA LIMA, 2007).
44

A “TV Itapoan”, única emissora de televisão do Estado, havia sido


inaugurada no dia 19 de novembro de 1960 levando o contexto eleitoral
baiano a incluir-se no mundo, ainda novo, da comunicação de massas, que
tinha, até então, o rádio como veículo predominante. A empresa,
administrada à época por Odorico Tavares, integrava o conjunto de veículos
de comunicação, os “Diários Associados”, de propriedade de Assis
Chateaubriand, do qual faziam parte, além da “Rádio Sociedade da Bahia”,
dois jornais impressos, o “Diário de Notícias” e o “Estado da Bahia”.
A presença dos candidatos na televisão se dava através de
mensagens veiculadas em programas cujos horários eram pagos14 ou em
entrevistas e noticiosos com tempo de participação definido, arbitrariamente,
pela direção dos “Diários Associados”.
Nas emissoras de rádio, vigorava o mesmo sistema: os partidos e
candidatos podiam “comprar espaço” para veicular pronunciamentos ou, até
mesmo, transmitir, ao vivo, a íntegra dos comícios de suas campanhas.

Tinham programas de entrevistas... Raimundo Reis fazia um


programa... me parece... ‘A capital para o interior’, ou ‘Falando
pelo interior. Era na Rádio Sociedade... Era o mecanismo da
época... todos faziam. As rádios eram livres para transmitir
política. [...] o comício era feito pelo locutor do partido e a Rádio
transmitia... Aí, naquela época, você, que estava no interior,
sabia que o PSD ia fazer um comício na capital... (GUERRA
LIMA, 2007).

Waldir Pires era, nos primeiros momentos da campanha, o


candidato que angariava a simpatia dos jornalistas encarregados dos
assuntos da política na imprensa baiana. Entretanto, a divulgação dos
eventos da campanha do PSD ocupava, quase que exclusivamente, os
espaços comprados para veiculação dos textos elaborados por Antônio
Guerra Lima, responsável por apurar as informações sobre a campanha
acompanhando os comícios e viagens, e Prisco Viana, encarregado de
comprar os espaços nos jornais e redigir as matérias, a partir do material
enviado por Guerra Lima, posto que as direções dos jornais de destaque,

14 Em entrevista já referida, Guerra Lima lembra o programa de Hélio Ramos, candidato a


deputado federal que veiculou, naquela eleição, programa televisivo, em horário pago.
45

naquele momento, em sua maioria, apoiavam a candidatura de Lomanto


Júnior.
Vale destacar que o “Jornal da Bahia” é mencionado por Guerra
Lima como o veículo que – por contar, em sua redação, com jornalistas
ligados a grupos de esquerda e ao próprio PCB – abria maiores espaços aos
fatos favoráveis à campanha oposicionista.
O trabalho dos jornalistas envolvia a superação dos obstáculos
decorrentes da falta de condições que imperava num cenário em que as
informações eram colhidas e as matérias redigidas sem os equipamentos
hoje identificados como indispensáveis ao exercício da profissão. Guerra
Lima, segundo ele próprio, “[...] fazia as anotações à mão e mandava para
Prisco. Era caneta e papel. Não tinha estrutura nenhuma... Você tirava o
telefone do gancho e duas ou três horas depois você telefonava...”

1.3 AS CAMPANHAS

1.3.1 O PERCURSO DE LOMANTO JÚNIOR

A condição de Prefeito de Jequié e de Presidente da Associação


Brasileira de Municípios determinou as características que marcaram a
candidatura de Lomanto, que iniciou sua campanha anunciando a “marcha”
do interior para a capital. A partir da definição das legendas partidárias que
abrigariam a candidatura, começaram a ser traçados os rumos a serem
adotados na campanha. As decisões, que, hoje, envolvem grande número de
profissionais da comunicação e, inevitavelmente, alguns relatórios de
institutos especializados em pesquisa de opinião, eram, naquela campanha,
resultantes de conversas ocasionais entre o candidato e seus
correligionários.
“Com Lomanto hoje, feijão na lapela; com Lomanto amanhã, feijão
na panela” parecia ao candidato e aos seus mais próximos aliados, a melhor
síntese para o discurso a ser apresentado durante os três meses da
campanha eleitoral.
46

Ao assumir a proposta de transformar a Bahia em uma referência


na agricultura, Lomanto buscava aproximar-se do eleitorado
predominantemente rural15 criando uma contraposição à candidatura de
Waldir Pires que, embora contasse com apoios importantes de líderes
pessedistas com inserção no interior do Estado, usava um discurso mais
identificado com o eleitor da capital e dos maiores centros.
Coerente com esta opção, a campanha lomantista adotou um jingle
com extraordinária capacidade de popularizar a identificação do candidato
de palavreado e gestos simples, com as idéias de valorização do trabalhador
rural e da esperança de ter “feijão na panela”. Os versos de autoria de
Renato Mendonça, à época Diretor da “Rádio Sociedade da Bahia”, diziam:
“Lomanto, esperança do povo, / é gente nossa, é sangue novo. / Lomanto é a
renovação, / veio do alto sertão, / municipalista, filho de agricultor, / ele é
amigo do pobre, / irmão do trabalhador...”.
A essa representação juntava-se o feijão na lapela, em forma de
broche de ferro, um brinde que reforçava o apelo do tema central da
proposta lomantista.
A campanha de Lomanto apresentou elementos formais de
comunicação bastante inovadores, ao mesmo tempo em que o seu discurso
não incluía formulações que pudessem expressar compromissos com
métodos de governar que viessem significar real transformação nas
dinâmicas política, econômica, social ou administrativa do Estado.
Ao analisar as campanhas e as razões da sua vitória, ele credita o
resultado favorável à força da sua mensagem municipalista, capaz de
mobilizar as populações do interior do Estado contra as tradicionais
lideranças da política responsáveis pela centralização de poder:

A minha eleição foi a confiança que eu criei no meio do povo e a


vontade do interior de comandar um dia; eu incuti no povo de
que o interior precisava comandar o país, precisava ter força
para resolver os seus problemas [...] Minha campanha foi
retumbante no interior; eu era o homem que vinha para mudar,
para construir as grandes obras que a Bahia precisava; um

15 Salvador contava com 213.415 eleitores, representando cerca de 17% dos votos do
Estado que possuía um contingente de 1.206.453 eleitores aptos a votar. (BRASIL, 1964,
v. 6, p. 322).
47

homem simples que abraça a todos, sem vaidade. Um dos


slogans era ‘o interior marcha para o governo’... A campanha
mostrava que havia alguém liderando esse processo que iria
derrubar as elites. [...] fazíamos reuniões nas pequenas e
grandes cidades para incutir no povo o que era Lomanto Júnior
[...]. era um homem que trazia uma mensagem nova...
(LOMANTO JÚNIOR, 2006).

O ex-Governador, na avaliação aqui apresentada, deixa de


considerar a influência dos apoios do grupo do Governador Juracy, dos
tradicionais chefes políticos como Manoel Novais e da sua condição de
Presidente da Associação Brasileira de Municípios.
A respeito da forma como se processava a organização da
campanha, no que se refere à preparação dos comícios, reuniões e visitas do
candidato aos bairros da capital e às cidades do interior, a produção dos
impressos e dos demais materiais de campanha, além dos contatos e
negociações com as lideranças no interior do Estado, o ex-Governador
informa que estas tarefas ficavam sob a responsabilidade de militantes que
se vinculavam à candidatura por afinidade pessoal ou por sua condição de
integrante dos diretórios municipais dos partidos coligados. Nessa adesão e
na participação nas atividades de campanha não estava incluída qualquer
forma de remuneração. Pelo depoimento do ex-Governador sua campanha,
como era típico naquela época, foi marcada pelo improviso:

[...] depois foi melhorando, fomos distribuindo as partes do


trabalho mas, praticamente, foi tudo feito informalmente, no
ímpeto, espontaneamente [...]. Na minha opinião, era o
idealismo... Naquela época havia um idealismo de ter o seu
candidato e vê-lo vitorioso; então, cada um dava o seu sacrifício,
o seu esforço no sentido de ver aquele candidato do seu coração
vitorioso... (LOMANTO JÚNIOR, 2006).

Nesse mesmo depoimento, o ex-Governador nomeia Clemens


Sampaio, Manoel Novais, Jorge Calmon e o Deputado Juracy Magalhães
como os “companheiros” que o ajudaram na coordenação das atividades da
campanha. Foi, também, destacada a participação do Lerivaldo Brito,
cunhado do candidato, no controle dos recursos financeiros.
48

O comitê de Lomanto foi instalado numa sala do Edifício Themis,


na Praça da Sé, cedida por José Muller. No interior, os “militantes” eram
encarregados de mobilizar a cidade, nos dias das visitas do candidato. Em
outro momento do seu depoimento, Lomanto relembra:

Brasil era o comandante que cuidava do transporte, usava um


jipe com um alto falante [...] e, dois dias antes, anunciava na
cidade que ia ter o comício: ele era um faz tudo, foi locutor de
alto falante em Jequié, tomava conta dos ônibus; outro que
comandava essa mobilização era Josué Fonseca. Havia divisão
de áreas: Brasil cuidava de uma área e ele de outra. Brasil era
de Jequié... era locutor do serviço de alto falante, apresentava
também os comícios... com a voz grossa [...]. (LOMANTO
JÚNIOR, 2006).

Se, na composição da sua equipe de governo, Lomanto contou com


colaboradores que, mais tarde, vieram a se destacar na área da
comunicação16, na campanha eleitoral, não houve estrutura encarregada
das ações de comunicação. A presença do candidato em programas de
entrevistas no rádio e na televisão não implicava em preparação de pautas e
“ensaios” como fazem, atualmente, os candidatos, antes de participar de
debates ou entrevistas. Mais uma vez, vale buscar o testemunho do
candidato:

Ocorreram dois fatos que concorreram, no entendimento de


Waldir, para a derrota dele. O primeiro foi, às vésperas da
eleição, a manifestação do Cardeal dizendo que as pessoas
deviam votar nos candidatos da Igreja, entre eles, eu. [...]. O
outro fato foi a última apresentação pública dos dois
candidatos, na televisão; não era bem um programa eleitoral,
aparecíamos ao vivo. [...] As assessorias decidiram que, no
último dia, os candidatos deveriam se apresentar com as
famílias, num ambiente cordial... O Waldir foi primeiro e
apresentou a sua plataforma de governo [...]; quando chegou a
minha vez eu disse: ‘Eu já apresentei o meu programa de
governo a vocês várias vezes durante a minha campanha. Hoje
vou apresentar a família que vai conviver com vocês nesses
quatro anos, aqui tem a minha mulher, de gostos simples, foi
educada em colégio de freira e tal, esses são meus filhos’. Eram
três, naquela época, hoje são cinco. O Tadeu estava começando
a andar e aí fez xixi nas calças e a câmera focalizou [...]. Um

16 José Curvelo foi Assessor de Comunicação, Jorge Calmon, Secretário da Justiça, e Cruz
Rios, Chefe na Casa Civil.
49

dia, conversando com Waldir, na casa de Joaci Góes, ele me


disse que parecia produção global, mas tudo era improvisado...
Esses dois fatos concorreram para reduzir a minha derrota aqui
em Salvador e a liderança que eu tinha no interior permitiram a
minha vitória, ‘A Tarde’ também me deu apoio... (LOMANTO
JÚNIOR, 2006).

1.3.2 A CAMPANHA DE WALDIR PIRES

A candidatura de Waldir Pires abrigava propostas relacionadas às


teses de setores nacionalistas que defendiam reformas sociais em diversas
esferas sociais, como o sistema bancário e tributário e a estrutura agrária. A
incorporação, em sua campanha, desses temas, que ocupavam grande
espaço na pauta política, no plano federal, aproximava o candidato de
grupos à esquerda, embora Waldir Pires não se proclamasse, durante a
campanha, favorável ao ideário socialista.
Esse posicionamento levou setores do sindicalismo a apoiar Waldir,
que contava com a adesão dos sindicatos e de simpatizantes do trabalhismo.
Embora frágil na Bahia, o movimento sindical reunia algumas lideranças
comprometidas com as bandeiras defendidas nacionalmente pelo PTB,
partido que apoiava Lomanto Júnior.
Nos anúncios publicados em “A Tarde”, nos dias que antecederam
as eleições, Waldir Pires apresentou ao eleitorado a síntese do seu Programa
de Governo que tinha como título “Novos Métodos de Governo”. A primeira
parte, relativa ao setor administrativo, envolvia questões gerais, as metas
para a política de pessoal e as finanças do Estado. Os “Setores de Base”
foram divididos em doze áreas: Energia, Estradas, Combate às secas,
Agricultura de exportação, Agricultura de alimentação, Implantação
industrial, Habitação popular, Educação e escolas, Saúde pública, Água e
saneamento, Política de crédito e, por fim, Abastecimento. Essas propostas
eram apresentadas como “metas do govêrno do Deputado Waldir Pires que
se há de inaugurar, na Bahia, pela vontade de Deus e decisão do seu
povo”.17

17 Cf. A TARDE, 2/3/4 out. 1962.


50

A apresentação da candidatura e dos seus atributos foi objeto de


anúncio assinado pelos deputados estaduais do PSD no manifesto que
destacava Waldir Pires como “homem de formação profundamente humana,
cristã e democrática” e que propunha a “renovação nos métodos e processos
da vida administrativa [...] modificação no trato dos problemas econômicos,
sociais, políticos, educacionais, culturais e éticos” (A TARDE, 19 jul. 1962, p.
2]. O texto clamava contra a incompetência, o comodismo, a corrupção e a
desorganização administrativa e tratava da necessidade de recuperação do
prestígio da Bahia, no plano nacional, como condição para que o Estado
voltasse a participar da definição dos destinos do país.
A campanha de Waldir Pires foi organizada a partir de três
estruturas: o Comitê Central ou Interpartidário, encarregado da supervisão
geral da campanha; o Comitê Municipal, que tinha como objetivo cuidar dos
eventos e contatos da campanha, em Salvador; e o Comitê de Imprensa e
Propaganda.
O comando da campanha cabia ao ex-governador Antônio Balbino,
líder maior do PSD, que contava com a assessoria de Prisco Viana, à época
jornalista de “A Tarde”, a quem Guerra Lima atribui o mérito de atuar como
personagem de destaque na organização da campanha e na coordenação do
trabalho de articulação com os meios de comunicação.
A agenda do candidato, em geral, envolvia visitas a lideranças,
encontros e reuniões com a representação de categorias profissionais e
compromissos no interior do Estado. Sobre as viagens, vale observar o já
citado depoimento de Ênio Mendes de Carvalho, candidato a Deputado
Estadual, que acompanhou a comitiva da chapa majoritária da Coligação
liderada pelo PSD por diversas cidades, inclusive no sudoeste e no alto
sertão baiano:

Era uma campanha de visitas pessoais nos municípios; fiquei


acompanhando Waldir no Estado. Uma campanha estúpida...
Era um desgaste físico terrível, porque íamos dormir três, quatro
horas da manhã, todo dia, depois dos comícios. Eram cinco
comícios por dia, em cinco cidades diferentes [...] Eu me lembro
bem de uma excursão que nós fizemos: começamos em Ilhéus,
atravessamos todo o sul... Ilhéus, Itabuna, Ibicaraí... e depois
fomos até o sudoeste, Conquista, Poções... Eu lembro bem
51

dessa, que nós saímos daqui de avião, eu, Waldir, Josaphat.


Em Macaúbas, eles me largaram para eu ir lá pra dentro do alto
sertão, sozinho [...]. Eles foram de avião para o São Francisco,
porque não tinha tempo de Waldir ir; aí eles me encarregaram
de ir aos municípios da região levando o apoio de Waldir [...] no
alto sertão [...] Eu lembro de uma situação que tive, eu e um
amigo dono do Jeep que nós alugamos. O Jeep subindo a serra
dava a impressão que ia cair de costas [...] a gente andava em
estradas infames, miseráveis, uma coisa horrível...
atravessando a caatinga seca danada, estradas de carro de
boi... Atravessávamos verdadeiros desertos... Eu estava em
Itibiara e tinha um lugar chamado, acho que era Novo Horizonte,
um distrito. Eu tinha que ir nesse distrito porque tinha um
núcleo nosso [...]. Eu tive a impressão, nunca esqueci essa
impressão, eu tive a impressão de que eu tinha chegado ao fim
do mundo. Palavra de honra. Essa era a impressão. Era um
quadro desolador [...] Era um distrito pequeno, naquela região
inóspita, quase sem cultivar nada. (CARVALHO, 2007).

Na capital, a campanha realizou dois grandes comícios: o primeiro,


em 2 de agosto, no Largo do Tanque, na periferia da cidade, momento em
que a candidatura foi lançada publicamente, após aprovação nas convenções
dos partidos que integravam a coligação. Da agenda do candidato constava,
a partir de 10 de agosto, um calendário de viagens e eventos a ser concluído
em 2 de outubro com “A Caminhada da Vitória” em Salvador. A programação
de encerramento da campanha teve início no largo do Campo Grande e foi
incorporando adesões até chegar à Praça da Sé, onde ocorreu o comício final.
Em anúncio de primeira página no jornal “A Tarde”, intitulado “É a
Bahia que se levanta e se põe de pé para escolher o seu destino”, a
campanha de Waldir Pires informava que “70 a 80 mil pessoas estavam ali
reunidas” para ouvir as promessas do candidato que afirmava seu
compromisso de promover um governo sério, sem ódio ou ressentimentos. (A
TARDE, 3 out. 1962, p. 1).
Além das matérias publicadas nos jornais de Salvador, o cartaz
impresso – nas dimensões 30 x 20cm – foi a peça publicitária localizada
durante essa pesquisa que pode referenciar o padrão do material de
propaganda produzido pela campanha de Waldir Pires. A consulta a arquivos
e o esforço de memória dos entrevistados não resultaram na verificação de
uso de slogan ou jingle na campanha do candidato do PSD, em 1962.
52

Figura 1 – Cartaz com foto do candidatoda campanha de Waldir Pires para o Governo do
Estado da Bahia em 1962
53

1.3.3 CINCO POR CENTO ENTRE O CONTEÚDO E A FORMA

A pequena diferença de votos entre os dois candidatos apresentada


nas urnas, em 7 de outubro (ANEXO 1), demonstrou, segundo avaliação do
candidato derrotado naquele pleito, a força das posições conservadoras e as
dificuldades de ampliação da diferença favorável em Salvador.

Eu perdi a eleição por menos de 5%, muito decorrente de uma


posição altamente conservadora, que foi marcante durante a
campanha [...]. Eu tinha um mapa das minhas expectativas.
Desde o início, eu me situei. No primeiro ou no segundo dia, eu
já sabia que a eleição ia ser dura, porque eu precisava ganhar
em Salvador com uma frente que me parecia impossível,
naquela época. Teria que ser uma frente esmagadora e não foi,
foi uma frente muito bonita. Eu ganhei em todas as urnas da
cidade: nas urnas do ‘povão’, eu ganhava esmagadoramente,
mas nas urnas da classe média, onde houve forte influência da
posição da Igreja, a diferença caía. Entretanto, essa margem de
votos não permitiu ultrapassar a maioria que vivia no interior,
embora o PSD tivesse uma boa presença no interior com os
prefeitos, mas sem a máquina estadual e federal... (PIRES,
2006).

Esta avaliação é referendada pelo estudo de Dantas Neto, para


quem:

Waldir Pires chegou perto da vitória eleitoral, a uma distância


capaz de ser coberta com alianças um pouco mais coerentes e
afirmativas na capital e um pouco mais de concessões veniais
à política tradicional no interior. Virgildásio Sena, para o
primeiro caso, Luís Viana, para o segundo, poderiam ter sido
aliados eleitoralmente mais eficazes do que Osório Villas Boas
e Josaphat Marinho, desde que propiciassem a Waldir a
simpatia do Prefeito de Salvador, apoio de parte do PL e
tolerância de A Tarde. (2004, p. 182).

Nos depoimentos colhidos, nas consultas bibliográficas e nos


arquivos de jornais pode ser encontrada a indicação de que o
posicionamento do jornal “A Tarde” e a repercussão da campanha da ALEF,
no sentido de vincular a candidatura de Waldir Pires ao comunismo e a
postulados contrários aos princípios cristãos, constituíram fatores de grande
54

importância na determinação dos resultados do pleito em que Lomanto


Júnior elegeu-se Governador do Estado com uma vantagem de 43.623 votos,
o que representava 5% dos votos.
Outra observação que se mostra relevante é a falta de sintonia
entre o conteúdo dos discursos e as formas de campanha adotadas. Waldir
Pires anunciava propostas, à época, consideradas democráticas e
progressistas em relação às metas de governo para o desenvolvimento
econômico e social do Estado e para a reforma administrativa que anunciava
em seu programa de governo, no qual, no sentido de incrementar a expansão
da economia, previa, entre outras medidas, a implantação de programas de
ampliação do potencial energético do Estado, de 80 pra 280 mil kws, com o
aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; a dinamização do programa de
construção e recuperação de rodovias, atendendo ao conjunto de cem
municípios que não contavam, à época, com ligação rodoviária; e a
articulação de ações junto à Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene) para a execução dos programas de industrialização no
Estado, além dos projetos de combate sistemático aos efeitos da seca na
produção agrícola.
Entretanto, sua campanha não traduzia o caráter avançado destas
proposições. O candidato adotou uma posição defensiva em relação aos
ataques da Igreja e deixou de criar alternativas para aproximar-se do
eleitorado do interior, que representava cerca de 80% do total dos votos do
Estado; além disso, naquele pleito, não estavam disponíveis os recursos
habitualmente usados pelo PSD, cujas lideranças enfrentaram aquela
disputa longe das estruturas de governo, tanto na esfera estadual como no
âmbito federal.
As consultas ao noticiário da época ou mesmo o depoimento do
próprio candidato não indicam em que medida a campanha de Lomanto
apresentou projetos de governo que pudessem demonstrar correspondência
com a opção pelo discurso municipalista, que não era traduzido em
propostas de ações e de políticas que apontassem a maneira como a idéia de
“prestigiar os prefeitos” deixaria de ser apenas um slogan. A referência ao
município, como o centro da atenção da campanha, não estava amparada
55

em planos que pudessem fazer com que o discurso do candidato


representasse um caminho de implantação de métodos e processos
administrativos que, de fato, viessem a efetivar mudanças no tratamento
destinado pelo governo aos municípios baianos.
O publicitário e ex-Deputado Domingos Leonelli Neto18, ao analisar
a campanha eleitoral em que participou como militante do Partido
Comunista, realça essa falta de sintonia entre forma e conteúdo, presente na
configuração das candidaturas em disputa naquele pleito:

O que me recordo dessa campanha era, de um lado, a idéia de


que Waldir era um elemento renovador, com o apoio dos
comunistas e representando uma candidatura de esquerda.
Lomanto era o candidato conservador, representando as forças
tradicionais do interior [...]. Na forma, tanto Lomanto como Jânio
[Quadros] eram mais ‘modernos’, mais ‘revolucionários’,
usavam elementos de mobilização de massa. Até hoje ninguém
esqueceu o jingle de Lomanto [...] usava novidades na
campanha... brochinho na lapela... [...]. Em Lomanto e, talvez,
em Waldir se encontre uma discrepância entre a forma e o
discurso. (LEONELLI NETO, jul. 2006).

Em outra direção, o jornal “A Tarde” recomenda ao eleitor “ver o


que há por detrás de cada candidato”, no editorial intitulado “Os dois
candidatos”, em que apresenta sua análise sobre as candidaturas:

[...] novos métodos de administração? Vê-se bem tratar-se de


uma empulhação eleitoral. Uma frase ôca, sem qualquer
sentido, pois com a falta de autoridade, e sobretudo de
experiência [...] o Sr. Waldir tanto poderia falar em métodos de
govêrno quanto em métodos de assar galinhas. Seria a mesma
cousa, pois em ambos está êle inteiramente inocente. [...]
Quanto ao Sr. Lomanto, como é sabido, preferiu um modesto
feijão, e fez dele o símbolo da sua campanha. [...] símbolo de
produção e de prosperidade. [...] Assim, entre os ‘novos
métodos’, que são apenas uma frase ôca, e o feijão que traduz
um candidato dinâmico, trabalhador, já provado na
administração, é justo preferir-se este. É mais seguro.
Inclusive para evitar outras surpresas, que muitos espíritos
avisados desconfiam estar escondidas sob o sorriso do Sr.
Waldir Pires. (A TARDE, 29 set. 1962, p. 1).

18 Entrevista concedida à pesquisadora em Salvador, no dia 23 de julho de 2006


56

Concorrendo para reforçar a idéia de oposição entre conteúdo e


forma, que predominou na campanha de 1962 ao Governo da Bahia,
percorrendo outra vertente de análise, encontram-se, em Dantas Neto,
também, evidências do referido contraste:

Embora Waldir Pires fosse também orador eloqüente, de fácil


comunicação popular, uma ênfase conceitual e programática
foi empregada em sua campanha para tentar diferenciá-lo de
um competidor cujo comportamento sempre preferia associar
maniqueísmo ideológico e polarização performática,
dissolvendo ou minimizando polêmicas de conteúdo. [...] o
candidato oposicionista contrapunha ao apelo finalístico e
imediato do feijão lomantista uma perspectiva de mudança
instrumental e processual, veiculada publicitariamente como
um ‘Programa sério para um Governo austero’. [...] (2006, p.
176-177).

Ano e meio mais tarde, esta contradição esvaiu-se quando o


Governador Lomanto Júnior, eleito em 1962 com o apoio do PTB, aderiu ao
movimento militar, já nos primeiros momentos do golpe contra o governo
trabalhista de João Goulart, e concluiu seu mandato, em 1966, como forte e
fiel aliado do regime militar.
Waldir Pires, logo após a derrota eleitoral, a convite do Presidente
João Goulart, do mesmo PTB que havia apoiado Lomanto nas recentes
eleições estaduais, assumiu o cargo de Consultor Geral da República, função
que exerceu até o golpe militar de abril de 1964, quando o governo foi
deposto. Waldir Pires permaneceu no exílio até a aprovação da lei da Anistia,
em 1979.
Capítulo 2

A COMUNICAÇÃO E A POLÍTICA:
NA DITADURA E NA REDEMOCRATIZAÇÃO

Desde abril de 1964, quando o Congresso Nacional submeteu-se ao


golpe militar declarando vaga a Presidência da República, a restrição das
liberdades públicas, a edição de legislação cerceadora dos direitos coletivos e
individuais e a presença dos órgãos de repressão passaram a constituir uma
marca da vida política brasileira. A atuação política do cidadão, a
organização das entidades profissionais, estudantis e sindicais, a livre
organização partidária e a liberdade de manifestação e informação ficaram
comprometidas por mais de duas décadas.
As eleições, durante a vigência do regime militar, foram marcadas
pelas restrições à participação popular e pela retirada de cena daqueles que
pudessem ser identificados como “inimigos” do regime.
A edição do Ato Institucional pelo Alto Comando da Revolução, logo
nos primeiros dias do novo regime, cuidou de retirar do cenário 102
políticos, que tiveram cassados os direitos de votar e de serem votados.
O texto do documento definia o caráter do movimento, dito
revolucionário, por traduzir “não o interesse e a vontade de um grupo, mas o
interesse e a vontade da nação”. O Ato impôs limites à ação do Poder
Legislativo, suspendeu, por seis meses, as garantias constitucionais ou
legais de vitaliciedade e estabilidade dos servidores públicos, determinando
os largos poderes do novo governo que poderia privar dos direitos políticos,
58

por dez anos, cassar mandatos, demitir ou aposentar compulsoriamente


aqueles que fossem considerados como ameaça à segurança nacional,
“excluída a apreciação judicial desses atos”19.
Dentre os atingidos se destacavam governadores e lideranças que,
na ocasião do golpe militar, se posicionaram em defesa do mandato do
Presidente João Goulart, a exemplo de Miguel Arraes, Almino Afonso, Darcy
Ribeiro, Waldir Pires e Leonel Brizola. Nas primeiras operações de
perseguição e cassação, quarenta parlamentares perderam seus mandatos, o
que resultou em um quadro de enfraquecimento da capacidade de
resistência do Congresso Nacional.
Esse mesmo Ato determinava as regras da eleição para a
Presidência da República, a realizar-se, no Congresso Nacional, em 11 de
abril, prevendo um mandato provisório, a encerrar-se em 31 de janeiro de
1966, quando o Brasil retomaria a “normalidade democrática”. A previsão
era de que as eleições presidenciais voltassem a acontecer, nos padrões
regulares, em 3 de outubro de 1965. Essas definições, porém, não
persistiram por muito tempo e, em julho daquele mesmo ano, o mandato do
presidente “provisório”, Humberto de Alencar Castello Branco, foi prorrogado
até março de 1967, desconsiderando o calendário eleitoral que previa
eleições presidenciais para outubro de 1965. Nesse pleito, conforme previsto,
metade dos estados brasileiros elegeu seus governadores. Pela última vez, os
treze partidos políticos com registro na Justiça Eleitoral participaram da
disputa pelo voto, antes que o regime militar extinguisse as legendas
partidárias em funcionamento no país.
Os resultados das eleições de 3 de outubro de 1965 para os
governos estaduais20 causaram grande incômodo aos militares, que usaram
a edição do Ato Institucional nº 2 (AI 2) para restringir, ainda mais, as
possibilidades de participação política. O novo Ato – imposto diante das

19 O primeiro Ato Institucional foi editado em 9 de abril de 1964 e assinado pelo General
Arthur da Costa e Silva, pelo Tenente-Brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e
pelo Vice-Almirante Augusto Rademaker. V. texto integral em: PINHEIRO, 1993, p. 197.
20 Em 3 de outubro de 1965, houve eleições para governador, em Minas Gerais, Pará,
Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Santa Catarina, Guanabara, Paraná,
Mato Grosso e Goiás. Desses, a oposição aos militares venceu em quatro estados: Minas
Gerais, Guanabara, Mato Grosso e Santa Catarina. (ALVES, 1984, p. 87-88).
59

evidências de que o Congresso rejeitaria a proposta de reforma


constitucional articulada pelo governo – definia a eleição indireta do
Presidente da República, a ser realizada por um Colégio Eleitoral21, tornava
ilegais os partidos formalmente constituídos à época e estabelecia, entre
outras regras, a exigência de filiação de 120 deputados federais e 20
senadores para que fosse concedido o registro partidário para os “blocos
parlamentares provisórios”.
Essas e outras limitações levaram à organização de dois partidos: o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – agrupando, principalmente,
políticos oriundos do PTB, PSD e Partido Socialista Brasileiro (PSB) e os que
haviam sobrevivido ao processo de banimento e cassações; e a Arena, que
abrigou os parlamentares e políticos que apoiavam o golpe militar, antes
pertencentes à UDN e ao PSD.
O sentido da “reforma partidária” era que fossem constituídas
“organizações com atribuições de partidos” e, não propriamente, partidos
políticos. Não por acaso, as novas legendas não continham, em suas
denominações, a palavra partido.
O processo de restrição do sistema eleitoral foi aceleradamente
crescente e, no ano seguinte, foram suprimidas, pelo AI 3, as eleições diretas
para os governos estaduais, que passaram a ser eleitos pelas Assembléias
Legislativas. Em 1966, 1970, 1974 e 1978, foram escolhidos deputados
federais e estaduais e senadores e, em 1972 e 1976, houve eleições para as
câmaras municipais e para as prefeituras, excetuando-se as capitais e os
municípios considerados “Áreas de Segurança Nacional” cujos prefeitos eram
nomeados pelos governadores. (NICOLAU, 2002, p. 55-56).
Vale destacar que essas disputas eleitorais eram marcadas por
cassações e por uma legislação casuística que impunha toda sorte de
limitações para os candidatos em campanha22. Por outro lado, o regime

21 O Colégio Eleitoral era composto pelos membros do Congresso Nacional e por


representantes das Assembléias Legislativas dos estados. Cada Assembléia indicava três
delegados, entre seus membros, e mais um representante por quinhentos mil eleitores
inscritos no estado.
22 Além dos Atos Institucionais, figura jurídica e legislativa atípica, foram editadas outras
medidas como o Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, a chamada Lei de
Segurança Nacional (LSN) que tratou da tipificação dos “crimes contra a segurança
nacional e a ordem política e social” (SANTOS, 1975).
60

ditatorial instituía severas punições aos eleitores faltosos e definia como


obrigatório o alistamento eleitoral, o que propiciou um incremento no
contingente eleitoral em 163%, entre 1966 e 1982. (NICOLAU, 2002, p. 60).
Nas eleições parlamentares de 1966, das 409 vagas na Câmara dos
Deputados, o MDB elegeu 132 parlamentares, representando 36% dos
lugares daquela Casa Legislativa, ficando a Arena com ampla maioria.
Para o Senado, a Arena recebeu 56,6% dos votos válidos e a
oposição obteve 43,3%. Este pleito foi marcado por um expressivo
contingente de votos nulos e brancos que ultrapassou a soma dos 20%,
tanto para o Senado como para a Câmara, e por uma avalanche de
cassações e impugnações de candidaturas do MDB. (ALVES, 1984, p. 104).
A eleição presidencial, regulada por um minucioso cerco promovido
pelos Atos Complementares (AC) e Institucionais (AI), deu-se sem surpresas
e, em 3 de outubro, no Congresso Nacional, a Arena elegeu Arthur da Costa
e Silva sob os protestos dos parlamentares do MDB, que se retiraram do
plenário.

2.1 RECRUDESCIMENTO DA CENSURA E DA REPRESSÃO NO


BRASIL GRANDE

A escolha de Costa e Silva, coordenador das tropas do movimento


golpista no Rio de Janeiro, foi definida nos círculos militares e não envolvia
nenhum processo de campanha. Passava, sim, pela luta pelo poder que se
desenrolava entre os grupos militares, numa disputa em que mediam forças
os oficiais da “linha dura” e o chamado “grupo da Sorbonne”23 do General
Castelo Branco.
Reforçando os impedimentos à prática política e à livre
manifestação da sociedade, o Presidente Costa e Silva enviou ao Congresso o
anteprojeto de uma nova Constituição que, promulgada em março de 1967,
ditava as bases institucionais do regime ditatorial no Brasil.

23 Denominação comumente usada pelos militares para a Escola Superior de Guerra, no


Rio de Janeiro.
61

Uma das providências da Constituição de 1967 foi o


estabelecimento definitivo da eleição indireta para Presidente da República.
Além disso, definia os mais largos poderes ao Executivo, impedindo que o
Congresso apresentasse projetos que implicassem em criação ou aumento de
despesas públicas.
A Carta de 1967 serviu, portanto, para institucionalizar o conteúdo
dos atos e decretos dos três primeiros anos dos governos militares, sendo
submetida à apreciação do Congresso, onde, até mesmo os parlamentares da
Arena relutaram em aprovar dispositivos que atentavam contra as
prerrogativas do Legislativo.
O Presidente Costa e Silva, em razão de ter sido vitimado por uma
trombose cerebral, não concluiu o seu mandato e, assim, uma Junta Militar,
composta por membros do Exército, Marinha e Aeronáutica,
desconsiderando a regra constitucional que previa a posse do Vice-
Presidente Pedro Aleixo, assumiu o poder até outubro de 1969, quando
tomou posse o terceiro presidente do período dos generais. Emílio
Garrastazu Médici chegou ao governo em nome da “linha dura”, impondo
métodos de repressão ainda mais severos. (PILAGALLO, 2002, p. 122).
A sua chegada ao poder veio acentuar a radicalização nas
perseguições, prisões e tortura, ao mesmo tempo em que aumentavam as
ações dos grupos de contestação ao regime. A censura ampliou a sua ação
nefasta e a centralização do poder nas mãos do Presidente da República lhe
atribuía possibilidades de governar de forma ainda mais arbitrária que os
seus antecessores.
A “Operação Bandeirantes” (OBAN), que reunia todos os órgãos de
combate à luta armada, e a criação dos Destacamentos de Operações e
Informações (DOIs) e dos Centros de Operações de Defesa Interna (CODIs),
subordinados ao Centro de Informações do Exército (CIE), foram alguns dos
instrumentos que deram eficácia à política de extermínio dos grupos de
esquerda que faziam oposição ao regime militar.
O ano de 1968 foi marcado por grandes manifestações de
contestação aos militares, a exemplo da “Passeata dos Cem Mil”, no Rio de
Janeiro, e de muitas outras, organizadas por entidades estudantis. A
62

repressão a esses atos ecoava na opinião pública e fazia reverter o apoio


recebido pelos militares nos primeiros momentos após a deflagração do golpe
de 1º de abril de 1964.
As restrições da sociedade aos métodos do novo regime
aumentaram ainda mais com a invasão da Universidade de Brasília (UnB),
pela Polícia Federal (PF), a prisão de cinco estudantes acusados de prática
de atos subversivos e a morte de um estudante secundarista no Restaurante
Universitário no Rio de Janeiro.
O agravamento das tensões entre os movimentos sociais e o
governo forneceu o pretexto que precisavam os militares para endurecer os
métodos de repressão e fechar o Congresso: os deputados recusaram licença
para a abertura do processo de cassação do mandato do Deputado Márcio
Moreira Alves, que havia pronunciado discurso considerado ofensivo às
Forças Armadas. A resposta do regime veio sob a forma do Ato Institucional
nº 5 (AI 5), que, entre outras providências, decretava o fechamento do
legislativo, que só voltaria a funcionar em outubro de 1969. O AI 5
autorizava o Executivo a legislar a respeito de “todas as matérias previstas
na Constituição” e aumentava a concentração de poder em mãos do
Presidente da República, instituindo métodos típicos de um regime
ditatorial.
A Lei de Segurança Nacional (LSN), editada na forma do Decreto-lei
nº 898/69, juntou-se ao aparato legal montado para devastar as ações da
sociedade na luta por liberdade de expressão e manifestação, listando todas
as possíveis maneiras de agressão à “segurança nacional” e as conseqüentes
punições aos infratores. O controle dos meios de comunicação e informação,
a imputação de responsabilidade criminal contra editores, jornalistas e
proprietários de veículos que divulgassem opiniões ou fatos que atentassem
contra o regime e a possibilidade de apreensão ou fechamento de jornais e
revistas demonstram o quanto o controle da informação importava para o
regime.
63

Completando o cerco, o governo obteve, no Congresso, a aprovação


da Lei de Imprensa24 que, propondo “regular a liberdade de manifestação do
pensamento e de informação”, proibia a divulgação de assuntos que
colocassem em risco a “ordem e a segurança”.
Não só a imprensa alternativa, a exemplo de “O Pasquim”, era
vítima da presença dos censores; as emissoras passaram a ter suas
programações mutiladas, fossem matérias jornalísticas ou, mesmo,
telenovelas. O jornal “O Estado de São Paulo”, um dos órgãos de imprensa
que, embora tivesse apoiado os primeiros momentos do golpe militar, passou
a contestar as restrições impostas pelos órgãos de repressão, publicava
poemas e receitas culinárias nos espaços deixados pelas matérias proibidas,
mostrando ao público a ação da censura. (GASPARI, 2003, p. 212-213).
O Departamento de Censura limitava o noticiário aos temas
convenientes ao regime autoritário através da ação dos agentes instalados
nas redações dos órgãos de imprensa e prontos a mutilar roteiros de teatro,
poemas e letras de canções, nem sempre de cunho político ou de
contestação.25
Na mira da censura, as publicações sofriam restrições para
veicular qualquer matéria que apresentasse crítica aos atos institucionais,
aos militares ou às autoridades do governo. Também o noticiário sobre as
manifestações de trabalhadores ou estudantes foi proibido de ser veiculado.
Os tribunais militares, no exame dos processos dos Inquéritos Policiais
Militares (IPMs) usavam, indistintamente, a Lei de Segurança Nacional ou a
Lei de Imprensa, em busca de pretextos para justificar a punição de
jornalistas e donos de jornais pelos crimes de discordar, criticar ou pelo
extremo “delito” de ousar informar à sociedade. (ARQUIDIOCESE..., 1986, p.
144).

24 Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Registre-se, também, o Decreto-Lei nº 1.077, de


26 de janeiro de 1970, que dispôs sobre censura a publicações contrárias à moral e aos
bons costumes; e a Portaria, de 6 de fevereiro de 1970, do Ministério da Justiça que
impôs a censura a livros e periódicos. (SANTOS, 1975, p. 19, 261 e 263,
respectivamente.)
25 A peça Roda Viva, de Chico Buarque, após ter sido liberada pela censura, teve seu
cenário destruído e atores agredidos por agentes que procuravam, na realidade, os
responsáveis por outro espetáculo que se apresentava no mesmo Teatro Ruth Escobar,
em São Paulo, este sim permeado de conteúdo político. (BUARQUE DE HOLANDA,
2005).
64

Nesses tempos, eram raras as possibilidades de atuar


politicamente: os sindicatos foram desmantelados, grande parte das
lideranças cassadas ou obrigadas ao exílio, as manifestações estudantis
sofriam árdua repressão e mesmo ações promovidas por autoridades da
Igreja Católica podiam ser consideradas ameaçadoras e caracterizadas como
ações típicas de agentes da desordem e da subversão.
O sentimento de medo e desconfiança permeava a sociedade,
atingindo até mesmo aqueles setores que, ao final do governo de João
Goulart, haviam desejado a interferência militar. Os ex-governadores da
Guanabara e de Minas Gerais, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, logo após
terem apoiado o movimento golpista, passaram a distanciar-se do governo,
criticando, publicamente, a forma de relacionamento do executivo com os
poderes legislativo e judiciário e, articulando-se com diversos importantes
políticos, entre eles, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, chegaram a
comandar a organização da “Frente Ampla”, movimento de oposição ao
regime militar. (ALVES, 1989, p. 126).
No Congresso, os raros parlamentares que ousavam denunciar a
prática das atrocidades do regime militar atuavam sob a vigilância dos
órgãos de repressão e as ameaças de cassação de seus mandatos.
A genérica imputação do crime de “prática de propaganda
subversiva” envolvia atividades como palestras, aulas, edição de livros,
panfletagens e pichamento de paredes, atingindo desde artistas amadores
responsáveis pela criação de um Teatro de Fantoches, em Curitiba, a
cineastas como Olney São Paulo, o professor universitário, editor e
historiador, Caio Prado Júnior, o editor Ênio Silveira ou o professor e
economista baiano, Jairo Simões.26
Ao tempo em que o regime reforçou seus expedientes repressivos,
alguns grupos de esquerda optaram por radicalizar suas ações, incluindo a
luta armada como recurso de combate à ditadura. Os seqüestros, parte das
ações de guerrilha urbana, foram utilizados como meio de obter liberdade
para presos políticos e passaram a ocupar a pauta política do país.

26 O Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jairo


Simões, era acusado no IPM de desenvolver “ação comunizante de alto gabarito” em suas
aulas, palestras e conferências. (ARQUIDIOCESE..., 1986, p. 159-163).
65

O primeiro deles, realizado pela “Ação Libertadora Nacional” (ALN)


e pelo “Movimento Revolucionário 8 de Outubro” (MR-8), em setembro de
1969, tornou refém o embaixador americano no Brasil, Charles Burke
Elbrick. Em troca de sua liberdade, foi exigida a libertação de quinze presos
políticos, que deveriam ser levados ao México, além da publicação nos
jornais e da leitura, em todas as emissoras de televisão e rádio do país, do
“Manifesto Revolucionário”.
O risco dos prejuízos em sua política internacional, sobretudo nas
suas relações com os Estados Unidos, fez com que o governo rompesse os
limites da sua própria censura com a leitura do documento preparado pelas
organizações responsáveis pelo seqüestro. O manifesto conclamava os
cidadãos para a luta armada contra a ditadura e acusava os militares de
“esconder a miséria, a exploração e a repressão”. Os militares libertaram os
quinze presos políticos e determinaram que o manifesto fosse divulgado,
como exigiam a ALN e o MR-8. (GABEIRA, 1996). O seqüestro foi noticiado
internacionalmente, chamando a atenção para os movimentos da luta
armada no Brasil.
Se a repressão política pode ser identificada como a marca central
do Governo Médici, a propaganda foi a sua principal aliada na construção da
imagem ufanista do país em que as ações do Serviço Nacional de
Informações (SNI) e dos órgãos de censura, repressão e tortura estavam, lado
a lado, com os refrões de exaltação ao “Brasil Grande” e os slogans de
pregação da obediência aos preceitos oficiais que apresentavam, como opção,
o exílio: “Brasil: ame-o ou deixe-o”.

Figura 2 – Adesivo dos anos 1970: “Brasil: Figura 3 – Adesivo aplicado em carro
ame-o ou deixe-o”. nos anos 1970
Fonte: FERRI, 2002, p. 10. Fonte: PROJETO ARARIBÁ, p. 1.
66

Além do uso dos recursos da propaganda, a outra novidade


introduzida pelo Governo Médici foi a edição do Decreto-Lei nº 69.534, de 11
de novembro de 1971, que permitia fossem baixados “decretos secretos”,
cujos textos não seriam publicados. O cidadão poderia ser acusado por um
crime definido por uma regra desconhecida.27
Esmagar a subversão e promover o desenvolvimento econômico
eram os objetivos que imperavam sob a gestão do Governo Médici e
implicaram no acirramento das ações repressivas e na implantação de um
projeto de crescimento da economia que conduzisse o país ao patamar de
“potência mundial”.
As medidas elaboradas e executadas sob a responsabilidade do
Ministro da Fazenda, Delfim Neto, resultaram em um crescimento da
economia, em torno de 10% ao ano, e em uma avalanche de investimentos e
obras de grande porte. O “milagre econômico”, como foi denominado o plano
econômico idealizado por Delfim Neto, propiciou extraordinário índice de
crescimento do setor industrial, ao tempo em que acarretou uma “elevação
da dívida externa de um total de 3,9 bilhões de dólares em 1968 para mais
de 12,5 bilhões de dólares em 1973” (ALVES, 1989, p. 145-146).
Esse resultado era justificado na intenção de atrair investimentos
estrangeiros para fazer o país acumular capital necessário à “arrancada” do
desenvolvimento. As definições do “Manual Básico da Escola Superior de
Guerra” previam “diferentes graus de sacrifício de sucessivas gerações”
traduzidos no achatamento salarial, na concentração de renda e no
endividamento externo. Num quadro social marcado por extremos graus de
desigualdade, a pequena camada média – entre um grande contingente de
muito pobres e os 5% dos mais ricos – elevou o seu poder aquisitivo, sendo
este um dos fatores que podem ajudar a explicar a aceitação do Governo
Médici, que contou, ainda, com um esquema de censura capaz de limitar a
ação da imprensa e com um aparato de comunicação atento para a
construção de um ambiente de otimismo e de uma imagem positiva através
de ampla divulgação das “vantagens e vitórias do regime” (ALVES, 1989, p.
145-152).

27 Decreto-lei nº 69.534 de 11 de novembro de 1971. Cf. ALVES, 1989, p. 159.


67

O “Brasil Grande”, segundo Skidmore (1988, p. 221), concebido


pela Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) da Presidência da
República, sob a coordenação do Coronel Octávio Costa, era exaltado na
mídia por um trabalho de comunicação que incluía, além dos técnicos da
AERP, agências de propaganda encarregadas da produção dos spots de
rádio, documentários para televisão e outras peças publicitárias veiculadas a
partir da definição de conceitos e mensagens que visavam sensibilizar a
opinião pública para a necessidade da defesa da “segurança nacional”.
A estratégia, elaborada pelos profissionais da AERP e utilizada,
amplamente, nos meios de comunicação, baseava-se na associação da figura
do Presidente com o sempre proclamado bem sucedido desenvolvimento
econômico. Articulada com a censura à imprensa e a repressão à livre
organização política e social, essa estratégia resultava em altos índices de
popularidade do governo, a despeito das perseguições, da tortura aos presos
políticos e das conseqüências negativas provocadas pela política econômica
como o crescimento desmedido da dívida externa e da extrema concentração
de renda. O próprio presidente afirmava: “o país vai bem e o povo vai mal”...
(JORNAL DO BRASIL, 1989, p. 81).
O General Médici, ao ser fotografado jogando futebol, compunha
perfeitamente o personagem do presidente de um país onde tudo ia bem.
Como anunciava a letra do jingle utilizado como trilha sonora da nação
tricampeã mundial de futebol, “[...] de repente é aquela corrente prá frente,
parece que todo o Brasil deu a mão [...]”.
Nas escolas, o ensino das disciplinas Educação Moral e Cívica
(EMC) e Organização Social e Política no Brasil (OSPB) cuidava de difundir,
junto às crianças e aos jovens, os fundamentos da ideologia da segurança
nacional e as motivações que justificavam o orgulho e a certeza de que
“ninguém segura a juventude do Brasil”.28
A preocupação com a imagem do governo e dos militares foi uma
novidade inaugurada pelo Presidente Médici. A AERP, criada pelo Presidente

28 Verso da música de autoria de Don e Ravel que se tornou ícone do governo Médici.
Trecho da letra: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo,
branco, azul anil. Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a juventude do
Brasil...”
68

Costa e Silva, em 1968, só passou a exibir desempenho destacado no


período Médici. O General Castelo Branco, por seu turno, rejeitou, durante o
seu governo, qualquer tentativa de seus assessores de promover ações de
relações públicas com o objetivo de moldar uma imagem favorável do
governo e do presidente.
O calendário eleitoral, entretanto, não foi desconsiderado por
nenhum dos governos militares que estiveram no poder entre 1964 e 1985.
Embora limitados pelo bipartidarismo e pelas restrições da legislação
eleitoral, os pleitos proporcionais foram mantidos e em 1966, 1970, 1974 e
1978 houve eleição para escolha de senadores, deputados estaduais e
federais, enquanto nos municípios houve renovação das Câmaras
Municipais, em 1972 e 1976. (NICOLAU, 2000, p. 55).
Em 1970, a Arena e o MDB disputaram eleições diretas para as
Assembléias Legislativas, para a Câmara dos Deputados e para o Senado,
enquanto os governadores, conforme determinava o AI 3, foram escolhidos
pelos legislativos estaduais, onde os aliados do governo eram majoritários.
As eleições proporcionais aconteceram sob as regras do Código
Eleitoral de 1965, que previa a vinculação de partidos para a escolha dos
candidatos a deputado estadual e federal, assegurando, nacionalmente, a
vitória da Arena, partido de apoio ao governo, que conquistou 89,1% das
cadeiras no Senado e 71,9% dos lugares na Câmara dos Deputados. O MDB
que, em 1965, ao requerer registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
contava com 140 deputados federais e 21 senadores, elegeu apenas 87
representantes na Câmara e 7 senadores. (SCHMITT, 2000, p. 44).
A existência e a validade do voto no MDB como alternativa de
contestação aos governos e aos métodos dos militares eram questionadas
pelo alto grau de comprometimento e manipulação a que era submetido o
processo eleitoral. Entre os grupos de esquerda que defendiam a luta
armada como opção de combate ao regime militar, havia alguns que
recusavam o MDB como alternativa oposicionista e pregavam o voto nulo,
que passou a representar uma opção de resistência e repúdio ao sistema
partidário e eleitoral, havendo, inclusive setores que chegavam a cogitar a
autodissolução do MDB como forma extrema de protesto.
69

No pleito de 1970, foram registrados altos percentuais de votos


brancos: 22% dos eleitores brasileiros optaram pelo voto em branco para o
Senado e 21% deixaram de apontar candidatos para a Câmara dos
Deputados. (ALVES, 1989, p. 198).
Em 1972, repetiu-se, nas eleições municipais, o fraco desempenho
dos candidatos do MDB. A ditadura conseguia, assim, seu intento de
dissolver as possibilidades de fortalecimento do único canal de contestação
aos seus métodos pela via eleitoral.

2.2 NO COLÉGIO ELEITORAL, FORA DO REGIME, CANDIDATO, SÓ


ANTI

A indicação do nome do General Ernesto Geisel como candidato ao


Colégio Eleitoral representava uma vitória do grupo da Escola Superior de
Guerra, no interior das Forças Armadas. Iniciava-se, em março de 1974,
segundo entendimento de Alves (1989) a etapa de institucionalização do
Estado, após o período do General Emílio Garrastazu Médici, caracterizado
como o momento de consolidação do Estado de Segurança Nacional.
A oposição aos militares dividia-se entre os políticos e grupos que
apostavam na luta armada como alternativa de combate ao regime militar e
aqueles que assumiam o MDB como opção de resistência política,
concentrando esforços no enfrentamento aos militares pela via pacífica.
Esses setores, sob o comando do Deputado Ulysses Guimarães, oriundo do
PSD, resolveram participar da eleição no Colégio Eleitoral, embora o próprio
Presidente do MDB anunciasse que o General Geisel “aguarda a posse e não
a eleição”, tal era a certeza da vitória dos militares naquela eleição de cartas
marcadas, posto que a Arena detinha mais de dois terços dos votos no
Congresso.
O lançamento da candidatura da oposição deu-se na Convenção
Nacional do MDB, em Brasília, e o discurso de Ulysses seria transmitido
pelas redes Globo e Tupi, em espaço negociado com as emissoras e a partir
das imagens captadas pelos equipamentos da TV Nacional, com distribuição
pela Embratel. As forças da repressão, entretanto, reagiram e, fazendo valer
70

sua força, impediram a veiculação da fala do candidato do MDB à


Presidência da República. Embora a decisão de impedir a transmissão
tivesse sido tomada com antecedência, a justificativa pública de “falha
técnica” encobria a real alegação de que Ulysses havia sido insolente em
suas palavras. (GUTEMBERG, 1994, p. 116-121).
A televisão, sob a vigência do Governo Médici, era, pois, de uso
exclusivo dos políticos e candidatos apoiados pelos militares. Em parte da
imprensa escrita, a candidatura da oposição repercutiu abrindo espaço para
que o “anticandidato” – como o próprio Deputado Ulysses Guimarães se
denominava – bradasse contra a censura, as prisões arbitrárias e a
legislação de exceção, na tentativa de desmascarar o que chamava de
antieleição e a pretensa democracia propagada pelo governo, anunciando em
seu slogan que “Navegar é preciso: viver não é preciso”.
Ao lado do Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
jornalista Barbosa Lima Sobrinho, candidato a Vice-Presidente, Ulysses
Guimarães percorreu o país – de setembro de 1973 a janeiro de 1974 – em
comícios e reuniões, utilizando-se das emissoras de televisão e rádio, dos
jornais e revistas e da eleição organizada pelo próprio regime militar para
denunciar os seus métodos autoritários. Nos eventos de campanha,
realizados pelas diversas regiões do país, e no espaço obtido no noticiário
aberto a partir da existência da chapa de oposição ao candidato oficial, a
anticandidatura foi o passo inicial para o MDB construir a sua imagem como
partido da resistência democrática, afastando de si a pejorativa qualificação
de “oposição consentida”. Concorriam para ampliar a repercussão do
discurso oposicionista os sinais de estrangulamento de alguns aspectos do
“milagre econômico”, como a alta inflação, os reflexos do endividamento e os
custos sociais do modelo implantado.
A legislação eleitoral que se aplicava ao pleito de 197429 previa o
uso gratuito da televisão e do rádio para que os partidos políticos
divulgassem os seus candidatos, por duas horas diárias, nos sessenta dias

29 Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, instituiu o Código Eleitoral que, nos artigos 240 a
256 trata da propaganda eleitoral. (BRASIL, 1965).
71

que antecedessem a antevéspera da eleição. Entretanto, o Código Eleitoral


não fazia restrições ao uso destes meios nas eleições indiretas.
Ao governo, obviamente, não interessava dar, aos candidatos do
MDB, a chance de poder falar aos milhões de espectadores e ouvintes,
tampouco este desejava expor o seu candidato aos microfones e holofotes.
Mas, para o MDB, o uso do horário gratuito no rádio e na TV era objetivo dos
mais preciosos. O requerimento do MDB reivindicando o uso do horário
gratuito para os candidatos à Presidência, como esperado, foi negado pelo
TSE, restando, portanto, para a divulgação da anticandidatura, os jornais e
revistas, que abriam espaços generosos à caravana de Ulysses e Barbosa
Lima.
Em Moisés: codinome, Ulysses Guimarães – Uma biografia, o
jornalista Luiz Gutemberg (1994) refere-se ao relatório do MDB em que se
registrava o aumento de 3.500% (três mil e quinhentos por cento) no espaço
destinado pela imprensa à cobertura jornalística da oposição durante a
anticampanha do MDB.30
O resultado da votação – Ernesto Geisel, 406 (quatrocentos e seis)
votos; Ulysses Guimarães, 76 (setenta e seis) votos; e 23 (vinte e três)
abstenções –, segundo Gaspari (2003, p. 252), não correspondeu ao ganho
político da anticandidatura e do aumento da presença das bandeiras
oposicionistas na agenda de discussões da sociedade.
Também em 1974, em 15 de novembro, houve renovação no
Senado, na Câmara dos Deputados e nas Assembléias Legislativas. Nas
eleições dos deputados estaduais, o MDB assumiu posição majoritária nos
estados de maior relevância política e econômica, como São Paulo, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná.
Na disputa pelas vagas no Senado, o MDB conquistou dois terços
dos votos, expressando um desempenho bastante superior aos dos pleitos
anteriores. Nas 90 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, o
MDB manifestou este favoritismo vencendo as eleições em 79 destes

30 Relatório do Deputado Thales Ramalho, secretário geral do MDB: “Campanha de 21 de


setembro de 1973 a 15 de janeiro de 1974 do Deputado Ulysses Guimarães e do
Professor Barbosa Lima Sobrinho, candidatos do MDB a Presidente e Vice-Presidente,
1974”. Cf. GUTEMBERG, 1994, p. 131; ver, também: ALVES, 1989, p. 180.
72

municípios. Na Câmara dos Deputados, o partido de oposição elegeu 161


representantes, eleitos por 48% (quarenta e oito por cento) dos votos válidos.
(ALVES, 1989, p. 192).
O MDB deixava de ser uma peça do jogo do regime implantado em
1964 e passava a representar uma opção na qual se concentravam as forças
contrárias ao governo dos militares. O resultado destas eleições surpreendeu
o governo e demonstrou a nova dimensão que o voto passava a desempenhar
no quadro político: nas eleições de 1966 e 1970, o partido do governo
derrotou as candidaturas do MDB, que se apresentava mutilado pelas
cassações e os exílios a que foram submetidas as suas lideranças, pela ação
da censura e de toda a legislação de exceção que sustentava o regime político
em vigor.
Vale destacar que, durante a campanha, a presença dos
candidatos do MDB nos debates transmitidos pela televisão anunciava o
rompimento do silêncio e a ampliação da discussão política com a
incorporação de setores da população até então alijados do processo político-
eleitoral. Os candidatos do MDB concentraram seus discursos nas
denúncias das práticas repressivas e no combate ao modelo econômico
unificados pelo slogan “Enquanto houver um homem vivo, haverá esperança”
e pela estratégia de ocupar todo o espaço político disponível.31

2.3 OS GOVERNOS MILITARES, O PROJETO DE ABERTURA


POLÍTICA E A LEI FALCÃO

O General Geisel, ao chegar à Presidência, trouxe de volta para o


centro do poder o General Golbery do Couto e Silva, com a tarefa de
implantar o projeto de abertura política num ritmo “lento, gradual e seguro”,
assumindo o poder quando ainda repercutia, na opinião pública, o esforço
obtido com o trabalho, à época, denominado de “relações públicas”,
desenvolvido na direção de angariar apoio ao regime militar. Todavia, seu
governo iniciou-se em momento de profunda crise na economia, cujos

31 Na disputa entre os candidatos Paulo Brossard (MDB) e Nestor Jost (Arena), no Rio
Grande do Sul, ocorreu o primeiro debate pré-eleitoral transmitido pela TV desde a
edição do AI 5, em dezembro de 1968. (ALVES, 1989, p. 186-189).
73

índices apontavam 18,7% de inflação ao ano, e sob a influência das reações


dos militares da “linha dura” que não endossavam os planos de liberalização
política do grupo representado por Golbery e Geisel: buscar fórmulas de
manter em alta as taxas de crescimento da economia, impedir que
continuassem a agir os grupos de esquerda e levar avante o projeto de
abertura política, mesmo confrontando-se com os militares da linha dura. E
muitos eram os fatores que se colocavam contrários aos seus projetos de
implantação da “democracia relativa”.
O General os enfrentava com os rigores dos seus austeros métodos,
tipicamente, militares. De pronto, foram reduzidas as funções e o poder da
AERP, que teve diminuído o seu espaço na estrutura do Estado. O
Presidente e seu mais próximo auxiliar, Chefe do Gabinete Civil, General
Golbery, pouco freqüentavam as páginas do noticiário. Se, no período do
Governo Médici, o milagre econômico era festejado em músicas, anúncios
publicitários e farto material que ocupava o noticiário, o General Geisel, por
seu turno, buscava manter o governo distante da mídia. (SKIDMORE, 1988,
p. 317-319).
O processo de abertura prosseguia, ao mesmo tempo em que
persistiam os casos de prisões seguidas de tortura e morte, como o episódio
da sessão de depoimento que resultou na morte de Vladimir Herzog, chefe do
Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo. A versão oficial do
“suicídio”, a grande onda de protestos, o ato ecumênico em sua memória e
as muitas manifestações de protesto foram amplamente noticiados.
As diversas e contraditórias nuances do “caso Herzog” demonstram
as incoerências que envolviam o projeto de distensão política arquitetado
pelos Generais Geisel e Golbery. A suspensão dos rigorosos métodos de
censura prévia a alguns órgãos da imprensa escrita, atendendo ao
crescimento da pressão política e social, significava um passo importante na
liberalização denominada “lenta e segura” e, relacionada à morte do
jornalista Herzog pode demonstrar as dimensões dessas contradições.
A comunidade acadêmica, os jornalistas, religiosos e todos aqueles
que se manifestassem contrários ainda eram vítimas das perseguições do
governo que pregava a distensão. Os órgãos de imprensa eram,
74

particularmente, objetos da ação dos órgãos de repressão e censura, as


emissoras de televisão e rádio eram controladas mediante a pressão sobre os
anunciantes ou, diretamente, pelas ameaças dirigidas aos proprietários dos
veículos de comunicação, temerosos de perder as concessões.
O Governo Geisel, entre avanços e recuos, buscava adotar medidas
que pudessem indicar o caminho escolhido pelos mentores do projeto de
abertura para promover o retorno ao regime democrático. Essas medidas,
entretanto, não poderiam, pela lógica dos militares, significar perda do
controle do percurso nem do ponto de chegada.
As eleições faziam parte desse trajeto porém, o crescimento do
MDB e a ampliação das formas de resistência da sociedade já anunciavam
as dificuldades no desempenho do tão necessário controle. O governo via-se
levado a atuar no sentido de barrar o avanço das ações de contestação das
organizações sindicais, de representantes da Igreja Católica, de entidades
como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), além de buscar formas de restringir as crescentes
perspectivas de vitória eleitoral do MDB.

Tabela 1 – Resultados eleitorais a níveis federal e estadual: 1966, 1970


& 1974
Senado Federal 1966 1970 1974
Total de Votos da ARENA 7.719.382 9.898.964 10.068.810
Total de Votos do MDB 5.911.361 6.224.525 14.579.372
% válida da ARENA 56,63 61,4 41,0
% válida do MDB 43,36 38,6 59,3
Câmara dos Deputados
Total de Votos da ARENA 8.731.638 10.867.814 11.866.482
Total de Votos do MDB 4.915.470 4.777.927 10.954.440
% válida da ARENA 63,9 69,4 51,9
% válida do MDB 36,0 30,5 48,0
Assembléias Estaduais
Total de Votos da ARENA 9.005.278 11.442.894 12.184.240
Total de Votos do MDB 5.038.761 4.940.072 11.209.023
% válida da ARENA 64,1 69,8 52,0
% válida do MDB 35,8 30,1 47,9
Fontes: Fundação IBGE, Anuário Estatístico do Brasil (dados de 1966); Tribunal Superior
Eleitoral, Departamento de Imprensa Nacional, 1973, Dados Estatísticos, Volume
9: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 1970 (dados de 1970);
Tribunal Superior Eleitoral, Departamento de Imprensa Nacional, 1977, Dados
Estatísticos, Volume 11: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em
1974 (dados de 1974).
75

A Tabela 132 que traz os dados comparativos dos resultados


eleitorais dos primeiros dez anos do regime militar demonstra o gradativo
crescimento do MDB, com destaque para o número de votos obtidos em
1974 pelos candidatos da oposição.
A idéia da abertura política previa controles e o governo, atento aos
resultados que haviam sido manifestados em 1974, alterou o artigo 250 do
Código Eleitoral que dispunha sobre a propaganda política gratuita no rádio
e na televisão.
A Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976, conhecida como “Lei
Falcão”33, foi editada com o objetivo de impor limites à presença dos
candidatos nas televisões e nas emissoras de rádio. Pelo que determinava o
texto legal, as emissoras continuavam obrigadas a destinar duas horas
diárias em sua programação para a propaganda eleitoral, durante os
sessenta dias que antecedessem os pleitos de âmbito estadual. Para os
candidatos das eleições municipais, eram destinados sessenta minutos
diários, durante os trinta dias anteriores às eleições. A alteração consistia na
proibição de livre expressão dos candidatos: no tempo em que lhe era
destinado, o partido poderia apresentar sua legenda, o currículo e o número
de registro dos candidatos, além dos horários dos comícios, sendo proibida a
divulgação de idéias, opiniões ou críticas. Nos programas de televisão era
possível a exibição da foto do candidato.
Embora o MDB contasse com espaço na mídia impressa, a Lei
Falcão tirou-lhe a chance de propagar suas denúncias contra o regime
militar através do rádio e da televisão, veículos de maior abrangência. Em

32 Em: ALVES, 1989, p. 189. A seguir o comentário feito pela autora sobre os dados da
tabela: “O MDB teve significativamente aumentada sua representação no Congresso
Nacional. Em 1970, o partido obtivera 87 cadeiras na Câmara dos Deputados, contra
233 da ARENA. Em 1974, conquistou 161 cadeiras, e a maioria da ARENA desceu para
203 cadeiras. Nas assembléias estaduais, a oposição ganhou 45 das 70 cadeiras no
Estado de São Paulo, 65 das 94 no Rio de Janeiro e completo controle das importantes
assembléias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Para muitos observadores políticos,
como para membros do próprio MDB, a vitória da oposição surpreendia como uma
inversão das tendências eleitorais. As eleições foram em geral consideradas equivalentes
a um plebiscito em que os eleitores votaram antes contra o governo do que na oposição”.
33 Essa lei ficou assim conhecida em alusão ao Ministro da Justiça, Armando Falcão, que
assinou a sanção do texto legal juntamente com o Presidente Geisel. (BRASIL, 1978, p.
273).
76

meados da década de 1970, o rádio era ouvido por cerca de 85 milhões de


brasileiros e 45 milhões de pessoas já tinham acesso à televisão.34
Para o MDB, o uso destes meios era fundamental, pois este
contava com poucos recursos financeiros e enfrentava a Arena, que recebia
da máquina do governo todos os favores e facilidades, saindo-se vitoriosa
nas regiões de menores índices de desenvolvimento nas eleições municipais
de 1976, enquanto, nos maiores centros, o MDB elegeu a maioria dos
vereadores.35
Com o sentido de atender aos alertas dos estudos do SNI, que
identificavam o crescimento do MDB, sobretudo nos grandes centros
urbanos, o Presidente Geisel, além das alterações na legislação para
estabelecer restrições ao uso dos veículos de comunicação pelos candidatos
e partidos, editou Emenda Constitucional, que impôs profundas alterações
no sistema eleitoral: tornou permanente o caráter indireto das eleições dos
governadores dos estados; ampliou a representação dos estados nordestinos
na Câmara dos Deputados, onde predominava o eleitorado fiel à Arena;
aumentou o tempo do mandato do presidente da república para seis anos;
modificou o processo de escolha dos senadores; e criou a figura do “senador
biônico”.36
A propaganda gratuita, prevista pela Lei Falcão, incluía, também, a
veiculação, fora do período eleitoral, de programas de difusão das propostas
partidárias. No programa do MDB, em junho de 1977, Franco Montoro e
Alencar Furtado, líderes no Senado e na Câmara, Ulysses Guimarães,

34 Maria Helena M. Alves relaciona os números de habitantes atingidos pela televisão e pelo
rádio aos 300 mil exemplares dos jornais impressos que atingiam, aproximadamente, 20
milhões de leitores. (1989, p. 190).
35 Das 100 maiores cidades do país, 59 elegeram prefeitos do MDB que conquistou,
também, a maioria nas Câmaras Municipais. O MDB venceu, ainda, em 67% das 15
cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes. (ALVES, 1989, p. 191-192).
36 “A princípio, o governo propôs as alterações no sistema eleitoral enviando ao Congresso
a Proposta de Emenda Constitucional. Diante da rejeição da proposição, que não
alcançou o quorum de dois terços de votos favoráveis, o Presidente Geisel fechou o
Congresso e editou o conjunto de medidas conhecido como “pacote de abril”. Sobre as
eleições dos senadores, foi mantida a eleição direta para um terço do colegiado, renovado
de quatro em quatro anos. Também a cada quatro anos seriam renovados os dois terços
restantes. Todavia, das duas cadeiras a serem ocupadas por representantes de cada um
dos estados, uma seria ocupada por um senador eleito pelo voto direto e o segundo
passaria a ser indicado por um Colégio Eleitoral, formando a bancada dos ‘senadores
biônicos’ ”. (ALVES, 1989, p. 194).
77

presidente do partido e Alceu Collares, presidente da Fundação Pedroso


Horta e deputado pelo Rio Grande do Sul, apresentaram ao país, através de
rede nacional de televisão e rádio, as propostas para o desenvolvimento
econômico, o combate ao arrocho salarial e a recuperação do sistema
democrático no país.
A grande repercussão dos discursos, apontada em pesquisa
publicada pelo “Jornal do Brasil”, provocou rápida resposta do regime,
levando à perda dos direitos políticos e à cassação do Deputado Alencar
Furtado e à apresentação de denúncia, pelo Procurador Geral da República,
contra Ulysses Guimarães, enquadrado no artigo 347 do Código Eleitoral e
sujeito a pena de três meses a um ano de prisão. (ALVES, 1989, p. 196).
Debate político e confronto de idéias, definitivamente, não constavam do
cronograma que determinava o ritmo em que deveria se processar a
“abertura política.”
As eleições para a Presidência da República não eram, da mesma
maneira, alcançadas pelos ares da distensão. Em 1978, o Presidente da
República seria eleito no Colégio Eleitoral, onde não se incluía discussão
programática ou partidária. A sucessão presidencial envolvia, sobretudo, os
conflitos e acordos internos entre os grupos de maior influência nas Forças
Armadas.
A competição entre as correntes que postulavam a indicação do
candidato oficial resultou na demissão do Ministro do Exército, General
Sylvio Frota, que se adiantara na disputa e no pedido de afastamento do
Chefe da Casa Militar da Presidência, o General Hugo de Abreu, da mesma
forma como a candidatura do senador mineiro, Magalhães Pinto, foi
desautorizada, publicamente, pelo Presidente da Arena, Francelino Pereira.
Em vista dos positivos resultados da anticandidatura de Ulysses
Guimarães e animado com os resultados manifestados nas urnas, em 1974 e
1976, a despeito da maioria arenista no Colégio Eleitoral ser tão fiel ao
governo, o MDB apresentou o General Euler Bentes Monteiro e o senador
gaúcho, Paulo Brossard, como candidatos a presidente e vice,
respectivamente, para concorrer às eleições indiretas, em 15 de outubro.
78

Os candidatos do MDB marcaram presença na imprensa,


promoveram comícios e atos públicos nos quais reafirmavam as propostas
de redemocratização do país. A convocação da Assembléia Nacional
Constituinte, principal bandeira do MDB, era um dos temas de maior
presença na campanha, junto com o fim do AI 5 e da Lei de Segurança
Nacional.
João Batista Figueiredo, que teve o General Geisel como padrinho
de sua candidatura, recebeu 355 votos contra os 225 votos do candidato da
oposição (BRAGA, 1990, p. 126). O General que chefiou o SNI no Governo
Geisel tomou posse, em 15 de março de 1979, com a missão de levar adiante
o projeto de abertura política, de maneira lenta, gradual e, sobretudo,
segura. Em seu estilo, dizia-se disposto a “prender e arrebentar” quem se
colocasse contrário aos seus objetivos de levar o país ao regime democrático.
Nas eleições legislativas de 1978, repetiu-se o resultado favorável
ao MDB: a Arena obteve, em todo o país, 13,2 milhões de votos (35,0%)
enquanto o MDB alcançou a marca dos 17,5 milhões (46,4%). Mas, a
despeito do maior número de votos, o MDB enviou nove representantes ao
Senado e a Arena, trinta e seis senadores. A discrepância entre o número de
votos e a quantidade de senadores eleitos explica-se pela presença dos
“senadores biônicos”. O número de votos nulos ou brancos ainda alcançava
o percentual de 18%, índice significativo, mas reduzido em relação aos
números dos primeiros pleitos do período dos governos militares. Na Câmara
dos Deputados, o MDB passou a ocupar 189 lugares contra 231 lugares da
Arena. (ALVES, 1989, p. 199-200).

2.4 A VITÓRIA DO PROCESSO DE ABERTURA

Os resultados do árduo processo de combate ao regime de exceção


começam a apresentar-se, no final dos anos 1970, quando o Brasil inicia a
retomada dos caminhos da normalidade político-institucional, e anunciam-
se os sinais do declínio da ditadura militar, instalando-se, no Brasil, os
primeiros ares de democracia, de liberdade de imprensa e de livre
manifestação intelectual e política.
79

O General Geisel, sacramentando o projeto de distensão iniciado


em seu governo, revogou o AI 5, mantendo-se as regras do regime eleitoral e
as medidas denominadas “salvaguardas”, que garantiam o controle do
processo de liberalização política. A Lei de Anistia, Lei nº 6.683, de 28 de
agosto de 1979, aprovada no início do Governo Figueiredo, possibilitou o
retorno ao país de intelectuais, artistas e políticos, exilados em razão das
perseguições impostas pelos governos militares, ao tempo em que devolveu
às lideranças da oposição os direitos políticos extirpados pelos atos
institucionais.
Vale destacar que o ano de 1979 foi, também, o ano em que
ocorreu a Reforma Partidária, que pôs fim ao bipartidarismo instituído pelo
AI 2, editado em 1965. No pleito de 1978, foi encerrada a participação da
Arena e do MDB no processo eleitoral brasileiro quando a nova Lei Orgânica
dos Partidos Políticos – Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971 –, que integrava
o projeto de abertura política, impôs a dissolução do MDB, que já se
constituía em um grande pólo de aglutinação das forças desejosas do
restabelecimento pleno da democracia no Brasil.
Pelas determinações da Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979,
seis partidos obtiveram registro junto ao TSE. Destes, o PDS e o PMDB
aglutinaram grande número de adesões dos políticos remanescentes da
Arena e do MDB, respectivamente.37
Os resultados do processo de abertura produziam um clima de
profundas contradições. De um lado, a anistia, o restabelecimento, ainda
que parcial, das eleições diretas para governadores dos estados em um
quadro partidário relativamente amplo, o fim do AI 5 e o abrandamento dos
expedientes da censura. De outro lado, episódios incompatíveis com um
regime democrático: atentados a bancas de jornal, ameaças a editores e
responsáveis por publicações ditas esquerdistas, “carta-bomba” contra a
OAB, morte de oficiais por explosivos que serviriam para interromper ato
promovido por artistas, intelectuais e sindicalistas em comemoração ao Dia
do Trabalho, em 30 de abril de 1981, no Rio de Janeiro.

37 Foram também registrados o Partido Popular (PP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). (BRAGA,
1990, p. 128).
80

Era o conturbado período de recomeço do livre exercício da


atividade política, como se o país estivesse renascendo após quase vinte
anos de um coma autoritário. O movimento sindical dos metalúrgicos
paulistas encontrava, neste momento, as condições propícias para a sua
expansão, nos espaços conquistados pelo acúmulo de forças gestadas
durante os períodos mais duros da ditadura.
No último ano da década de 1970, os órgãos de imprensa abriam
repetidas manchetes para as greves que marcaram o início do Governo
Figueiredo, quando a inflação alcançava a marca de 77% e a população
trabalhadora era submetida a um grande achatamento salarial. As
movimentações cresciam em todos os setores e, em dez meses daquele ano, o
país assistiu a notícias de mais de 400 greves.38
As eleições de 1982, além de reinaugurarem o pluripartidarismo,
marcaram o retorno das eleições diretas para governadores dos estados, que
ocorreram juntamente com a escolha dos senadores, deputados estaduais e
federais, dos vereadores e prefeitos. Destaque-se que as capitais dos estados,
os municípios das zonas de segurança nacional e as estâncias hidrominerais
permaneceram, até 1986, sendo administrados por prefeitos nomeados pelos
governadores.
A presença de lideranças distantes do cenário político há quase
duas décadas e a liberdade de imprensa eram fatores que conviviam com as
salvaguardas do regime militar, ainda no comando do país. A
obrigatoriedade da vinculação dos votos em candidatos do mesmo partido e
a proibição das coligações eram medidas adotadas com a intenção de
assegurar as chances de vitória dos candidatos do PDS, legenda que
abrigava os aliados do governo militar.
O pleito de 1982 provocou um interesse extraordinário na
população, que não elegia os governadores dos estados desde o início da
década de 60. Os candidatos tradicionalmente ligados ao combate à ditadura
venceram as eleições nos estados de maior destaque econômico e político,
onde se concentravam mais de 70 milhões de habitantes e 75% do Produto

38 As greves referidas envolviam metalúrgicos, professores, motoristas de ônibus, garis,


portuários, bancários, dentre outras categorias que também aderiram aos protestos
contra a política econômica. (SKIDMORE, 1988, p. 417).
81

Nacional Bruto (PNB). Juntos, o PMDB, PDT e PT elegeram 231 deputados


federais, conquistando mais de 36 milhões de votos, contra 235 deputados
do PDS, que recebeu pouco mais de 22 milhões de votos.39
Estas eleições, que mobilizaram 58 milhões de eleitores, envolviam
cerca de 400 mil candidatos aos diversos cargos em disputa. A presença dos
vários partidos estimulou os acirrados debates que ocupavam o noticiário
com destaque para os programas de televisão. O Código Eleitoral, editado em
1965, ainda vigorava, com as alterações introduzidas pela Lei Falcão, o que
restringiu a discussão e impôs as fotos e os lacônicos currículos nos
programas eleitorais veiculados nos dois últimos meses da campanha.
Os resultados acima referidos colocaram fim no ciclo iniciado em
1965, em que as disputas eleitorais interessavam aos grupos militares como
instrumento de legitimação e institucionalização do regime.
Entretanto, nem todos os mecanismos criados pelos militares
foram capazes de manter os efeitos das eleições nos limites destes
interesses. Mesmo a eleição presidencial – realizada no Colégio Eleitoral,
cercada de todas as restrições às forças de oposição e de privilégios aos
defensores dos candidatos militares – foi utilizada como forma de
enfrentamento ao regime, como se viu na anticandidatura de Ulysses
Guimarães, em 1974, e na candidatura de Euler Bentes, em 1978.
Em 1965, a eleição de governadores ligados ao PSD de Juscelino
Kubitschek provocou, entre outras medidas, a implantação do
bipartidarismo, acarretando um esvaziamento dos processos eleitorais de
1970 e 1972, quando os índices de abstenção e de votos nulos e em branco
atingiram níveis muito elevados.
Em contrapartida, na campanha eleitoral de 1974, os candidatos
da oposição tiveram espaço na mídia com seus discursos recheados de
críticas e denúncias contra o governo e o resultado das urnas terminou por
ultrapassar a intenção do governo de fazer daquelas eleições um elemento do
processo de descompressão. Os militares reagiram, impondo uma série de

39 O PMDB venceu as eleições em nove estados: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito
Santos, Goiás, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Pará e Acre. No Rio de Janeiro, foi eleito
o candidato do PDT, Leonel Brizola. O PDS elegeu os governantes em: Pernambuco,
Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Mato
Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. (ALVES, 1989, p. 286).
82

cassações de parlamentares do MDB e a edição da lei que estabeleceu os


rígidos limites no uso de espaço nas emissoras de rádio e televisão40.
Por fim, nas eleições de 1978 e 1982, a oposição ao núcleo militar
que ocupava o poder transformou as campanhas eleitorais e o gesto do voto
em oportunidades de manifestação social contra o regime.
A Tabela 241, apresentada a seguir, demonstra que os votos dados
aos candidatos ligados ao governo central diminuem na proporção em que
aumenta o grau de participação e liberdade, levando ao aumento do número
de votos dos candidatos da oposição. Vale, também, destacar que, em 1982,
o percentual de votos brancos e nulos na escolha dos senadores,
nacionalmente, foi de 13,5%, muito inferior, portanto, aos 21,2%
apresentados nas eleições de 1966.

Tabela 2 – Resultados oficiais das eleições legislativas, de 1966 a 1978, para o total do
país (em porcentagens)
SENADO* CÂMARA FEDERAL ASSEMBLÉIAS ESTADUAIS
ANO Brancos Brancos Brancos
Arena MDB TOTAL Arena MDB TOTAL Arena MDB TOTAL
e nulos e nulos e nulos

1966 44,7 34,2 21,2 17.259.598 50,5 28,4 21,0 17.285.556 52,2 29,2 18.6 17.260.392
1970 43,7 28,6 27,7 46.986.492 48,4 21,3 30,3 22.435.521 51,0 22,0 26,8 22.435.521
1974 34,7 50,0 15,1 28.981.110 40,9 37,8 21,3 28.981.015 42,1 38,8 18,9 28.922.618
1978 35,0 46,4 18,6 37.775.212 40,0 39,3 20,7 37.629.180 41,1 39,6 19,3 37.449.488
1982** 36,5 50,0 13,5 48.746.803 36,7 48,2 15,1 48.455.879 36,0 47,2 16,8 48.374.905
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral
* O total de votos de 1970 é contado em dobro por se tratar da renovação de 2/3 das cadeiras. Em 1978, deveria ocorrer o mesmo, mas
1/3 passou a ser eleito indiretamente - os chamados biônicos - devido às modificações introduzidas pelo Pacote de abril de 1977.
** Os votos do PDS foram incluídos na coluna referente à Arena e os da oposição (PMDB, PT, PTB e PDT), na coluna MDB.

Estes dados demonstram que a incorporação das eleições como


meio de contraposição ao regime ditatorial se deu, gradualmente, como
assinala Bolívar Lamounier em O “Brasil autoritário” revisitado: o impacto
das eleições sobre a abertura. Essa manifestação crescente, entretanto, não
é interpretada pelo cientista como resultado da presença de uma

40 Em A Ditadura Derrotada, Elio Gaspari transcreve trecho de relatório de avaliação das


eleições, preparado pelo SNI e entregue ao Presidente Geisel, em novembro de 1974: “O
MDB organizou amplo movimento de contestação que penetrou nos lares através de
serviços públicos de rádio e televisão, estes atualmente com imenso alcance popular,
para a rendosa tarefa de desinformação”. O documento, além da análise do desempenho
dos partidos, aponta “reestruturar a Arena” e “trabalhar para as próximas eleições” como
medidas essenciais para impedir que os erros cometidos pelo partido do governo,
identificados no relatório, voltassem a se repetir. (2003, p. 471).
41 Em: LAMOUNIER, 1988, p. 106.
83

estruturação social politicamente organizada. Com efeito, durante a


campanha de 1974, a organização sindical encontrava-se, ainda, sob os
impactos da ação repressiva do regime e “a atividade política desenvolvida
por associações empresariais e, sobretudo, religiosas e profissionais, teve
naquele ano uma participação inexpressiva na campanha eleitoral da
oposição...” (LAMOUNIER, 1988, p. 113).
A manifestação social de contestação aos métodos e aos candidatos
ligados aos governos militares – presente, sobretudo, nos principais centros
urbanos – assumiu, em 1974, um caráter plebiscitário, amplificado, entre
outros fatores, pelo uso da televisão, ainda sem as reservas e limitações que
foram impostas a partir do pleito municipal de 1976. Naquele momento,
apresentavam-se os sinais da identificação do MDB com a idéia de
contraposição ao regime instaurado em abril de 1964 e estavam esboçadas
as primeiras manifestações de natureza organizativa, a exemplo da ação da
OAB e da ABI, o início da reorganização sindical e dos órgãos de
representação estudantil e a constituição de estruturas como os movimentos
de luta pela anistia política42, além da permanente e corajosa posição da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em defesa das vítimas das
prisões ilegais e da tortura.
O resultado das campanhas eleitorais de 1973 a 1982, a
acumulação de forças para a conquista da anistia, pelo retorno e
consolidação da democracia e pela recuperação e ampliação das liberdades
políticas foram os fatores que ultrapassaram as possibilidades de controle do
projeto de abertura, conforme arquitetado pelo coordenador político do
governo, General Golbery. Em seus planos, a eleição direta para a
Presidência da República não estava incluída na agenda daqueles anos
iniciais da década de 1980: o mandato do General Geisel estava previsto
para encerrar-se em março de 1979 e o seu sucessor governaria por um
mandato de seis anos, a ser concluído em março de 1985, quando tomaria
posse o novo Presidente, também escolhido pelo Colégio Eleitoral.

42 Os principais grupos de defesa da anistia para os presos políticos, cassados, demitidos e


exilados pelo golpe 1964 foram o Movimento Brasileiro da Anistia e o Movimento
Feminino pela Anistia.
84

Estas eram determinações introduzidas pela Emenda


Constitucional nº 8 e mais seis decretos que compunham o “pacote de abril”.
Mais uma vez, os prazos estabelecidos nas estratégias militares foram
ameaçados: o retorno das eleições diretas para Presidente transformou-se,
ainda em 1983, no principal tema da pauta política do país, ganhando
projeção nacional, em poucos meses.
Subvertendo a prioridade do Programa do PMDB – que definia a
luta pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte como passo
fundamental das oposições para derrotar o regime – a bancada de deputados
federais eleitos em 1982, em sua primeira reunião, aprovou, junto à Direção
Nacional, um plano de campanha de mobilização popular pelo
restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República. A
proposta de campanha estava centrada na luta pela aprovação da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC), que previa a realização de eleições diretas
para escolha do Presidente, em 15 de novembro de 1984. A PEC foi
apresentada, nos primeiros dias da legislatura, pelo Deputado Federal Dante
de Oliveira, que, procurando pessoalmente os senadores e deputados nos
corredores do Congresso, recolheu as 199 assinaturas necessárias à
apresentação de proposta de modificação da Constituição Brasileira.
O Plano aprovado pelo Diretório Nacional do PMDB previa
inicialmente reuniões nos círculos parlamentares, partidários, nas
Universidades. A estrutura proposta envolvia a criação de um órgão de
coordenação constituído pelos diversos partidos de oposição e pelos comitês
regionais, também suprapartidários. A preparação de campanha
publicitária, envolvendo produção de cartazes, adesivos, edição de tablóides
e cartilhas, juntava-se à preocupação em usar os meios de comunicação de
massa no trabalho de divulgação da luta pela aprovação da Emenda das
Diretas Já.
Em abril de 1983, os diretórios e grupos partidários regionais
começam a programar os primeiros eventos pelas Diretas Já. A chegada do
tema ao noticiário não demorou a acontecer: além das referências às
declarações dos principais líderes políticos que se debatiam para marcar
suas posições, a pesquisa de opinião do Instituto Gallup registrando o
85

percentual de 74% de preferência do eleitorado pela eleição direta para


Presidente ganhou as manchetes dos órgãos de imprensa de circulação
nacional. A partir de abril de 1983 a eleição presidencial permaneceu como
pauta obrigatória do noticiário político da mídia impressa.43
Das emissoras de televisão, a Bandeirantes foi pioneira na inclusão
do tema na pauta do seu jornalismo, com a transmissão ao vivo do trecho
final do comício da Praça da Sé, em São Paulo, em janeiro de 1984. Como
retaliação, o governo vetou os planos da Rede Bandeirantes de instalar uma
emissora na capital federal. (LEONELLI NETO; OLIVEIRA, 2004, p. 347-351).
A Rede Globo, por sua vez, declarando sua fidelidade ao regime militar,
promoveu boicote aos eventos promovidos pela campanha das diretas,
chegando a noticiar, em janeiro de 1984, que a manifestação popular pelo
voto direto para a escolha do presidente era um ato de homenagem ao
aniversário da cidade de São Paulo. O primeiro evento da campanha das
“Diretas Já” incluído na pauta do Jornal Nacional da Rede Globo foi o
comício da Candelária no Rio de Janeiro, em abril de 1984.44
Ao mesmo tempo, a idéia do retorno às eleições diretas passa a
encantar também setores do PDS, partido de apoio ao governo militar, onde
a discussão das candidaturas se tornava cada vez mais complicada, pela
persistência de Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, que desafiava as
candidaturas do Vice-Presidente, Aureliano Chaves e do Ministro dos
Transportes, Mário Andreazza. A movimentação de parlamentares do PDS
em defesa do diálogo do governo com a oposição, em torno do tema da
eleição presidencial pelo voto popular, resultou na formação do grupo
denominado Pró-Diretas que ganhou força a partir do posicionamento dos
governadores do PDS que já percebiam o caráter irreversível adquirido pelo
movimento para restabelecer o direito de eleger o Presidente pelo voto direto.

43 Em Diretas Já – 15 meses que abalaram a ditadura, Domingos Leonelli Neto e Dante de


Oliveira se referem aos textos dos articulistas Jânio de Freitas (FOLHA DE SÃO PAULO,
19 out. 1983) e Carlos Castelo Branco (JORNAL DO BRASIL, 20 out. 1983), nos quais a
convocação de eleição direta para Presidente da República era apontada como a solução
política para o momento de crise econômica e dificuldade política que era vivenciado
naqueles anos do governo Figueiredo. (LEONELLI NETO; OLIVEIRA, 2004, p. 264-265).
44 Cf. BUCCI, 2000, p. 29 e 238-241.
86

Figura 4 – 1984: Comício pró-Diretas reúne líderes políticos e artistas


Foto: Rogério Reis
Fonte: Veja On-line.

Figura 5 – Abril de 1984: Comício das Figura 6 – 1984: Comício da Praça da Sé,
Diretas na Candelária, no Rio de Janeiro em São Paulo
Foto: Ricardo Chaves Foto: Orlando Brito
Fonte: Veja On-line. Fonte: Veja On-line.
87

Os governadores de oposição, por seu turno, decidiram assumir a


luta pela aprovação da Emenda Constitucional (EC), assegurando apoio e
suporte material à campanha, que passou a contar com uma estrutura
profissional envolvendo diversas agências de publicidade, com destaque para
a atuação da Companhia Brasileira de Publicidade e da Exclan de
Publicidade.
Foram confeccionados bonés, chaveiros, cartazes espalhando o
slogan “Eu quero votar para presidente”, que se tornou também refrão da
música composta por Moraes Moreira e Paulo Leminski para a campanha.
Os trabalhos de comunicação, incluindo a propaganda, ficaram sob a
coordenação do publicitário Mauro Montoryn, que dirigia as atividades,
ainda realizadas com certa dose de voluntarismo, embora já existissem as
agências e os profissionais da área envolvidos na produção do material
gráfico, dos comícios e outros eventos da campanha.45
O Brasil vestiu-se de camisetas amarelas, onde também se lia “Eu
quero votar para Presidente”. Nas gravatas dos parlamentares, na camiseta
dos estudantes, sindicalistas, artistas e do presidente do PMDB, deputado
Ulysses Guimarães, o amarelo tomou conta do país. A campanha passou a
colocar em xeque não apenas a eleição do Presidente pelo Colégio Eleitoral,
mas ampliou-se e colocou em discussão a permanência das estruturas do
Estado de Segurança Nacional, como se refere Maria Helena Moreira Alves,
em Estado e Oposição no Brasil (1964-1984).46

2.5 DA ERA DO RÁDIO À IDADE MÍDIA

A constituição de um aparato na área da comunicação no Brasil foi


uma das marcas deixadas pelos “anos Vargas”, na primeira metade do
século XX. A partir de uma nova concepção sobre o aparelho de Estado,
foram criados órgãos como o Ministério da Educação e o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), que, em grande medida, cumpriram, àquela
época, o objetivo de promover o mito getulista. Tinham, entre suas

45 Entrevista do publicitário em Diretas – 15 meses que abalaram a ditadura. Pag 270-272.


46 Cf. ALVES, 1989, p. 312-314).
88

atribuições, a difusão dos ideais do Estado Novo e da imagem de Getúlio


Vargas, além de servirem como instrumentos de controle dos meios de
comunicação (BUENO, 2003, p. 336). Nesse período tiveram início as ações
governamentais com vistas a regulamentar a radiodifusão no país,
começando por defini-la como “serviço de interesse nacional e de finalidade
educativa”.47
Foi significativo o crescimento das empresas de radiodifusão no
período Vargas: em 1937 havia no país 63 emissoras de rádio e, em 1945, já
era registrada a existência de 111 emissoras em funcionamento. Destacava-
se, à época, um conjunto de empresas de comunicação, denominado
“Diários Associados”, que reunia quinze emissoras de rádio, além de jornais,
revistas, editora de livros e agência de notícias.48
Assis Chateaubriand, proprietário dos “Diários Associados”, foi o
responsável pela inauguração da primeira emissora de televisão do Brasil.
Por sua iniciativa, a TV Tupi iniciou suas transmissões em 18 de setembro
de 1950, em São Paulo, numa ação marcada pela improvisação e que contou
com o apoio técnico de especialistas da empresa americana RCA Vitor e com
aparelhos receptores importados apressadamente. Um ano depois, a TV Tupi
instalou-se no Rio de Janeiro, quando segundo registros, existiam,
aproximadamente, sete mil aparelhos de televisão entre São Paulo e Rio de
Janeiro.
A programação das emissoras tinha como referência a experiência
dos profissionais do rádio, veículo que havia consolidado sua capacidade de
atração dos ouvintes. Através da participação de jornalistas, repórteres e
apresentadores oriundos das emissoras de rádio foram criados os formatos
dos primeiros programas da TV Tupi. Exemplo significativo é o início do
telejornalismo, em junho de 1953, com a exibição do programa de notícias
“Repórter Esso”, já consagrado no rádio.
Há estudos que apontam a reunião de nove estações de televisão
compondo, em meados da década de 1950, o grupo dos Diários Associados.49

47 Decreto nº 20.047 de maio de 1931, em: JAMBEIRO et al., 2004. p. 63.


48 Id. ibid., p. 122 e 127.
49 Ester Hamburguer relaciona as cidades – Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife,
Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia –, onde, em 1955, já teriam sido
89

Tanto em Hamburger (1998) como em Lima (2004), pode ser encontrada a


referência às emissoras do grupo dos Diários Associados como integrantes
de um sistema de rede que liderou o mercado de televisão durante vinte
anos: “A rede já estava operando em diversos estados e tinha a retaguarda
de uma rede de rádio, de diversos jornais e de uma revista nacional” (LIMA,
2004, p. 157).
Em 1958, pela primeira vez no Brasil foi utilizado o vídeo-tape na
TV Tupi de São Paulo, dando condições para que os comerciais pudessem
ser gravados para posterior exibição, não havendo ainda, entretanto, os
recursos para montagem e edição das imagens gravadas. A TV Excelsior de
São Paulo é inaugurada nesse ano, expandindo-se para o Rio de Janeiro, em
1964, e destacando-se pela criação da série de festivais de música brasileira
e de shows musicais.
Em uma década de existência, a televisão no Brasil alcançava
4,61% dos domicílios, segundo dados apresentados por Ester Hamburger,
que realça a predominância do número de aparelhos na região sudeste, onde
a presença de receptores de TV em 12,44% dos domicílios contrastava com
os indicadores das demais regiões. (HAMBURGER, 1998, p. 453). Havia no
país em 1960, duzentos mil aparelhos receptores de televisão instalados em
domicílios, conforme os percentuais, por região, indicados no Quadro 1:

REGIÃO %

NORTE 0,00
NORDESTE 0,26
CENTRO-OESTE 0,34
SUL 0,80
SUDESTE 12,44
TODO O BRASIL 4,60

Quadro 1 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão por


região – Brasil – 1960
Fonte: HAMBÚRGUER, 1998, p. 453.

instaladas emissoras de TV do grupo dos Diários Associados. (1998, p. 444). Entretanto,


em Salvador a primeira emissora de televisão, a TV Itapoã, foi inaugurada em novembro
de 1960.
90

Entretanto, a despeito da pequena inserção da televisão verificada


no país, nas diversas regiões geográficas, o governo do presidente Jânio
Quadros ocupou-se em instituir mecanismos para disciplinar o tempo da
programação destinado aos comerciais, a obrigatoriedade de dublagem dos
filmes estrangeiros e a definição de um número mínimo de filmes nacionais a
ser exibido diariamente.
Posteriormente, no governo do presidente João Goulart, foi
instituído, em agosto de 1962, o Código Brasileiro de Telecomunicações,
disciplinando os serviços de telecomunicações. O Código tratou ainda, em
seu artigo 14, da criação do Conselho Nacional de Telecomunicações
(CONTEL) e do Fundo Nacional de Telecomunicações, definindo que “os
serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de televisão, serão
executados diretamente pela União ou através de concessão, autorização ou
permissão”. O Conselho tinha entre outros objetivos, o de fiscalizar as
obrigações decorrentes das concessões, autorizações ou permissões de
serviço de telecomunicação.
O Fundo Nacional de Telecomunicações era constituído de
recursos provenientes de arrecadação de tarifas sobre serviços de
telecomunicação prestados pelo Departamento de Correios e Telégrafos e
juros de depósitos bancários de recursos próprios e de operações de crédito.
De acordo com a determinação do artigo 51 do Código, estes recursos,
arrecadados por dez anos, seriam destinados à execução das metas do Plano
Nacional de Telecomunicações, a ser elaborado pelo Contel.50
A partir da instauração dos governos militares, aumentaram os
investimentos financeiros para a modernização dos recursos técnicos das
telecomunicações, com a utilização, inclusive, dos recursos arrecadados pelo
Fundo Nacional de Telecomunicações. A intenção era direcionada para a
constituição de um aparato de infra-estrutura necessário à ampliação do
setor das telecomunicações, estratégico para a expansão capitalista, como
também para o incremento dos mecanismos de controle dos conteúdos
exibidos pelos meios de comunicação.

50 A Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, resultou de projeto apresentado ao Congresso


Nacional pelo Deputado Federal baiano Fernando Sant’Ana, do PTB, instituindo o Código
Brasileiro de Comunicação. (SANTOS, 1975, p. 109).
91

Em artigo publicado no “Dossiê Televisão” da Revista USP, o


professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São
Paulo (USP), Laurindo Leal Filho (2004) analisa o ritmo de implantação das
emissoras de televisão no Brasil, chamando a atenção para a forma como a
trajetória inicial esteve fortemente marcada pelos governos militares que
estiveram no poder de 1964 a 1984.
O estudo “Eleições e (Idade) Mídia no Brasil” de Antônio Albino
Canelas Rubim, na mesma linha de análise, aponta as iniciativas dos
governos militares para a criação dos “alicerces sócio-tecnológicos para o
desenvolvimento da mídia”, destacando seus objetivos de investir nos meios
de comunicação como instrumentos capazes de atuar no projeto de
integração do país e na disseminação do ideário da doutrina da segurança
nacional. A televisão, já tendo demonstrado seu poder de influenciar, era
uma importante aliada na divulgação desses fundamentos da doutrina da
segurança nacional e na promoção da integração nacional, que estava entre
as prioridades do Estado militarizado. (RUBIM, 2002, p.1).
As telecomunicações destacaram-se na definição das prioridades
dos investimentos dos governos militares, que atuaram de forma marcante,
alterando o caráter da ação do Estado no setor. Os investimentos na infra-
estrutura garantiam o aumento da abrangência da televisão, que à época
alcançava um contingente mínimo da população, como demonstrado no
Quadro 1.
A TV Globo foi instalada, em 1965, no Rio de Janeiro, e, nesse
mesmo ano, em São Paulo, a partir da aquisição da TV Paulista. Segundo
Hamburger (1998), a Globo foi beneficiária privilegiada das políticas
implementadas pelos governos militares. A autora aponta as relações
amistosas com o regime, a sintonia com o incremento do mercado de
consumo e a preocupação da rede em explorar as ações de propaganda e
marketing, como fatores que favoreceram a sua rápida expansão.
O episódio da associação da Rede com a empresa americana Time-
Life, logo após a sua implantação, demonstra a aproximação do grupo com o
governo, conforme referido. As denúncias apresentadas pelo senador João
92

Calmon51, que resultaram na criação de uma Comissão Parlamentar de


Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, indicavam a ilegalidade do aporte
de investimentos estrangeiros em empresas de comunicação, contrariando
as determinações do artigo 160 da Constituição da República. Ao final do
trabalho da CPI, em 1968, embora as conclusões apontassem a confirmação
da irregularidade, o relatório foi arquivado pelo presidente Castelo Branco,
que declarou infundadas as acusações.52
Nesta ocasião, as Organizações Globo tinham concessão para o
funcionamento das emissoras de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Em 1973, já eram seis emissoras da Rede Globo e, apenas um ano mais
tarde, era treze o número total de afiliadas autorizadas a funcionar. (LIMA,
2004, p. 160).
A Rede Bandeirantes iniciou, em 1967, a constituição de sua
estrutura hoje nacionalmente consolidada a partir da inauguração da TV
Bandeirantes de São Paulo.
Em 1968, foi construído um sistema de transmissão por
microondas, que estendia os limites de alcance das ondas de televisão, e
criadas linhas de crédito com o objetivo de facilitar a compra de receptores,
medidas que se mostraram eficazes ao serem analisados os índices de
domicílios com aparelhos de televisão, em 1970, no Brasil. Conforme aponta
o relatório do Censo do IBGE, daquele ano, havia 4 milhões, 250 mil 404
aparelhos de televisão nos domicílios brasileiros, o dobro do número de
receptores existentes em meados dos anos 1960. Tinham acesso à televisão
cerca de 20 milhões, 809 mil e 635 pessoas. (INSTITUTO..., 1970, v. 1. p.
243).
Em termos regionais é marcante, em 1970, a diferença dos índices
em relação àqueles observados em 1960, conforme pode ser identificado nos
dados apresentados no Quadro 2.

51 O senador João Calmon era presidente da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e


TV (Abert) e tinha ligações políticas com Assis Chateaubriand, dono do grupo “Diários
Associados”.
52 Em 1968, diante das pressões do Senador João Calmon, presidente da ABERT, o então
presidente Costa e Silva considerou ilegal o acordo entre a Globo e a Time-Life, levando a
emissora, um ano depois, a proceder à retirada dos investimentos estrangeiros.
93

REGIÃO %

NORTE 8,00
NORDESTE 6,00
CENTRO-OESTE 10,50
SUL 17,30
SUDESTE 38,40
TODO O BRASIL 22,80

Quadro 2 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão,


por região – Brasil – 1970
Fonte: HAMBÚRGUER, 1998, p. 453.

O aumento do número de receptores e a inauguração do Centro de


TV da Embratel, possibilitando a interligação das emissoras de televisão ao
Sistema Nacional de Telecomunicações torna viáveis as transmissões
nacionais diretas, formando as redes nacionais de televisão. O “Jornal
Nacional”, da TV Globo, foi o primeiro programa regular a ser transmitido
nacionalmente, em 1969, marcando o início da operação deste sistema de
transmissão em rede.
No começo dos anos 1970, já era registrada a liderança nacional de
audiência da TV Globo, quando o Censo Demográfico apontava que a
televisão alcançava mais de 20 milhões de telespectadores, em 22,8% dos
domicílios brasileiros. Esse período registra ainda o início do processo de
adaptação de equipamentos e treinamento de técnicos para a transmissão de
imagens coloridas, através do sistema PAL-M, iniciada em 1972.
A televisão no Brasil nos seus primeiros anos de funcionamento
tinha abrangência limitada, em razão das dificuldades de transmissão dos
sinais, por conta da extensão territorial do país, e do número ainda reduzido
de receptores disponíveis nos domicílios.
Na década de 1980, entretanto, criam-se as condições, do ponto de
vista de avanço tecnológico e da expansão do número de aparelhos, para
que, nas eleições de 1986, já estivessem disponíveis os recursos que, ao lado
das mudanças no quadro político-institucional, deram lugar à criação de um
novo padrão de operação das campanhas eleitorais. Ocorreram diversas
modificações na estrutura das telecomunicações no Brasil e no perfil das
94

empresas do setor. A TV Tupi de São Paulo encerrou suas atividades,


seguindo-se a desativação de outras emissoras da Rede dos Diários
Associados, permanecendo no ar somente as TVs de Brasília e Salvador.
Ainda em 1980, foram lançados os editais da concorrência para a exploração
de duas novas redes de televisão, envolvendo nove emissoras. Venceram o
processo, os empresários Silvio Santos e Adolpho Bloch, representando
respectivamente o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e a Rede Manchete.
A Rede Globo, que já contava, em 1980, com 42 estações afiliadas,
onde trabalhavam 5.500 funcionários, mantinha a liderança de audiência,
seguida pelo SBT, que possuía 22 emissoras afiliadas e 2.500 funcionários.
A velocidade com que se expandiu o uso dos aparelhos de televisão
é significativa. O Recenseamento Geral, em 1980 identificava 18,3 milhões
de aparelhos de televisão instalados em mais de 13 milhões de domicílios,
que representavam 56,1% das residências brasileiras, distribuídos
regionalmente conforme o Quadro 3:

REGIÃO %

NORTE 33,90
NORDESTE 28,10
CENTRO-OESTE 44,70
SUL 60,50
SUDESTE 74,10
TODO O BRASIL 56,10

Quadro 3 – Proporção de domicílios com aparelhos de televisão,


por região – Brasil – 1980
Fonte: HAMBÚRGUER, 1998, p. 453.

A seguir, tem-se um quadro consolidado da evolução, década a


década, do número de aparelhos de televisão disponíveis nos domicílios
brasileiros (Quadro 4). De 1960 a 1980, houve um crescimento de 1.272%,
ao variar de 4,6 a 56,1% dos domicílios, até atingir a marca de 70% dos
domicílios, conforme o Censo Demográfico de 1991.
95

DÉCADA %

1960 4,60
1970 22,80
1980  56,10
1991 71,00
Quadro 4 – Evolução do número de aparelhos de televisão
disponíveis nos domicílios brasileiros, por década – Brasil – 1960
a 1991
Fonte: HAMBÚRGUER, 1998, p. 453

Com o declínio dos governos militares, a partir do final dos anos


1970, o Brasil assumiu um novo ciclo de sua história política, a partir da
consolidação das medidas que vieram assegurar o fim do bipartidarismo, a
liberdade de organização sindical e estudantil e o restabelecimento da
liberdade de manifestação, expressão e informação.
Em 1974, conforme já relatado anteriormente, a vitória da
oposição, em 16 dos 21 estados, definiu a feição plebiscitária que passou a
caracterizar as disputas eleitorais para o Senado, a ponto de provocar
reações do regime que, em 1976, editou a Lei Falcão na tentativa de
neutralizar os efeitos dos debates e entrevistas dos candidatos do MDB na
televisão. Em 1977, o “pacote de abril” instituiu o “senador biônico”, como
medida preventiva contra os efeitos desse cunho plebiscitário, garantindo,
assim, a maioria congressual do Regime.
O avanço do processo de transição democrática criou, sem dúvida,
condições para a formação de um ambiente político-institucional propício à
introdução de um novo padrão na forma de realização das campanhas
eleitorais. Em 1982, as eleições diretas para governador vão implicar em
alterações no processo das campanhas, influenciando, inclusive, nas
disputas pelas vagas para as Assembléias Legislativas e Câmara dos
Deputados. A revogação dos dispositivos da Lei Falcão, em 1986, vem
juntar-se aos outros fatores que marcaram a restauração democrática,
contribuindo para o crescimento do caráter competitivo dos pleitos e,
conseqüentemente, do grau de interesse do eleitorado, trazendo novos
elementos de estímulo à modernização dos recursos de campanha.
96

O clima da disputa eleitoral de 1986 denota os sinais dos avanços


políticos conquistados com a aprovação da Lei da Anistia aos presos,
cassados e exilados políticos e consolidados no processo de incorporação da
sociedade à campanha pelas eleições diretas para presidente da República e
na convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Por outro lado, os
avanços das tecnologias de comunicação e dos recursos da propaganda
influem sobre o ambiente político, ampliando os espaços que passaram a ser
ocupados pelos temas da política.
Na mídia, essas questões passaram a ser pauta de destaque, a
partir das alterações provocadas no cenário político-eleitoral. Essa
conjuntura evidencia uma das faces da relação intrínseca entre democracia e
comunicação. Para confirmar a contrapartida, vale destacar a afirmação de
Wolton, para quem “Não há democracia política sem capacidade de
expressão das opiniões, e sem comunicação entre os atores.” (2004, p. 241).
De fato, assim como mudanças no cenário político estimularam a
expansão da comunicação, fatores de ordem político-institucional
encontraram, em meados dos anos 1980, terreno próspero para avançar no
sentido da democracia, em razão do impulso dos recursos tecnológicos e do
aperfeiçoamento da infra-estrutura das telecomunicações, efetivado nas
décadas de 60 e 70.
É essa a atmosfera em que passou a se desenhar, no contexto
eleitoral brasileiro, a campanha política, configurada sob uma nova
modalidade de comunicação, abrindo caminho para que se instalasse e se
consolidasse o ambiente denominado Idade Mídia, em que sobressaem os
meios de comunicação como elementos que buscam ocupar a centralidade
da cena político-eleitoral.
Ao propor a definição da sociedade contemporânea a partir de sua
estruturação e ambientação pelos meios de comunicação, Rubim a considera
detentora de variáveis que tornam possível caracterizá-la como Idade Mídia.
As variáveis que devem ser consideradas, de acordo com o autor, são:

1. Expansão quantitativa da comunicação, principalmente em


sua modalidade midiatizada, na sociedade estudada,
facilmente constatada através de dados sobre números dos
97

meios disponíveis, tais como: quantidade das tiragens e


audiências, dimensão de redes em operação etc.;
2. Diversidade das novas modalidades de mídias presentes no
espectro societário, observado através da complexidade da
‘ecologia da comunicação’ (Abraham Moles), das modalidades
diferenciadas de mídias existentes e da história recente de sua
proliferação e diversificação;
3. Papel desempenhado pela comunicação midiatizada como
modo (crescente e até majoritário) de experienciar e conhecer a
vida, a realidade e o mundo, retido através de dispositivos e
procedimentos, qualitativos e quantitativos, a exemplo do
número de horas que os meios ocupam no cotidiano das
pessoas;
4. Presença e abrangência das culturas midiáticas como
circuito cultural, que organiza e difunde socialmente
comportamentos, percepções, sentimentos, ideários, valores,
etc. Dominância e sobrepujamento da cultura midiatizada
sobre os outros circuitos culturais existentes, a exemplo do
escolar-universitário, do popular etc;
5. Ressonâncias sociais da comunicação midiatizada sobre a
produção da significação (intelectiva) e da sensibilidade
(afetiva), sociais e individuais;
6. Prevalência da mídia como esfera de publicização
(hegemônica) na sociabilidade estudada, dentre os
diferenciados ‘espaços públicos’ socialmente existentes,
articulados e concorrentes. Tal prevalência pode ser
constatada por meio de estudos acerca das modalidades de
publicização e suas eficácias;
7. Mutações espaciais e temporais provocadas pelas redes
midiáticas, na perspectiva de forjar um vida planetária e em
tempo real; e
8. Crescimento vertiginoso dos setores voltados para a
produção, circulação, difusão e consumo de bens simbólicos,
além da ampliação (percentual) dos trabalhadores da
informação e da produção simbólica no conjunto da população
economicamente ativa. 53

As eleições gerais realizadas no Brasil em novembro de 1986


ocorrem sob a influência dos primeiros sinais desta ambientação. Nesse
contexto, o Brasil assume o seu novo momento político-eleitoral, em que as
disputas pelos cargos dos poderes Executivo e Legislativo passam a ocorrer
livres das imposições do regime discricionário implantado pelos militares em
abril de 1964.
As eleições municipais de 1985, embora tenham ocorrido com certo
grau de liberdade, ainda estiveram sujeitas à legislação ainda em vigor,

53 Albino Rubim, artigo Definindo a idade mídia na contemporaneidade, elaborado como


resultado da pesquisa Novas Configurações da Política na Idade Mídia, do CNPq.
98

inclusive a Lei Falcão – Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976 – revogada pela


Lei nº 7.508, de 4 de julho de 1986, que pôs fim à censura prévia e às
limitações nos conteúdos e formas de realização dos programas de rádio e
televisão veiculados nos horários gratuitos, distribuídos pela Justiça
Eleitoral.
Destacadamente, a campanha eleitoral de Waldir Pires ao governo
da Bahia, em 1986, ainda de forma experimental, utilizou os elementos
dessa conjuntura, introduzindo inovações no cenário da disputa eleitoral e
definindo um novo perfil para a estruturação das campanhas políticas a
partir daquele pleito.
Portanto, diferentemente da realidade em que se verificou a
campanha de 1962, o eleitorado, tanto na capital como no interior do Estado
dispunha, como demonstrado pelos dados já comentados, do acesso à
televisão que, por força de lei, teria que destinar tempo a todas as
candidaturas, a partir de critérios e definições da Justiça Eleitoral. Além da
campanha realizada nas ruas e praças, em que se organizavam comícios,
shows e caminhadas, havia outro espaço em que se apresentava a disputa
eleitoral: em horários pré-fixados e por tempo definido em razão da
representação partidária da coligação, uma cadeia de televisão e rádio
transmitia, em sistema de rede, a programação preparada pelas equipes de
produção organizadas pelos partidos e candidatos.
A veiculação da propaganda eleitoral no rádio e na televisão,
sobretudo no interior do Estado, onde votavam 80% eleitores54, produziu
conseqüências relevantes, na medida em que concorreu para destituir o
chefe político do monopólio da informação sobre as candidaturas inseridas
nas disputas.
Os diferentes graus de informação e autonomia dos eleitores do
interior do estado e da capital determinavam uma significativa discrepância
entre os comportamentos dos seus respectivos eleitorados. Habitualmente, o
eleitor dos municípios mais distantes votava tendo como referência quase

54 Em 1986 o sistema eleitoral na Bahia registrava o cadastramento de 4 milhões, 824 mil


e 428 eleitores. Na capital baiana, estavam aptos a votar 884 mil e 231 eleitores,
enquanto nos 366 municípios restantes encontravam-se 3 milhões, 940 mil e 197
eleitores.
99

que exclusiva a indicação do líder político da localidade. Após os governos


militares estas diferenças são acentuadas e, ao tempo em que Salvador
passou a ser chamada, pelo senso comum, de “capital da oposição”, a
grande maioria dos eleitores dos municípios do interior permanecia isolada
dos centros de decisão e distante do acesso a informações sobre os
acontecimentos políticos.
A despeito da presença dessas lideranças, ainda em meados da
década de 1980, o eleitor deixou de estar à mercê dos interesses dos
“coronéis”, abrindo-se perspectivas de criar acesso à sua própria leitura da
realidade, ainda que esta emancipação possa ter conduzido, na seqüência do
processo de modernização, a formas atualizadas de clientelismo político.
Tendo participado dos dois pleitos referidos, Ênio Mendes de
Carvalho observa:

Em 86, o interior já tinha informações sobre as eleições. A


televisão ‘quebra’ o poder dos ‘coronéis’; não é mais através
deles que as pessoas sabem sobre os candidatos. O eleitor sai
do isolamento e, de certa forma, aumenta o seu nível de
independência. Em 62, a campanha era mais pessoal, íamos de
cidade em cidade. Você entrava em contato com certos políticos
e se ele lhe dava apoio, você tinha o apoio do grupo, do lugarejo,
da cidade. A decisão era centralizada naquela liderança. As
cidades eram quase feudos. É por isso que as cidades do
sudoeste, do alto sertão da Bahia e do São Francisco eram
quase como um estado dentro de outro; tinham uma ligação
muito fraca com o governo central, estava lá longe. Tinham as
representações políticas, aqueles famosos coronéis que
chefiavam as regiões. (CARVALHO, 2007).

Em 1962, quando também disputou o governo do estado, contando


com a resistência da Igreja Católica e dos grupos empresariais que detinham
os veículos de comunicação, o candidato Waldir Pires valia-se da compra de
espaços nos jornais, para a publicação de anúncios e, nas emissoras de
rádio, para a transmissão de comícios e outros atos de campanha. A única
emissora de televisão existente na Bahia, a TV Itapoan, não alcançava as
populações dos municípios do interior e determinava a inserção de notícias e
entrevistas dos candidatos sem critérios pré-estabelecidos, destinando a
cada um dos candidatos o tempo que lhe fosse considerado adequado.
100

Na campanha para o governo da Bahia em 1986, mesmo levando-


se em consideração dados gerais relacionados ao conjunto dos domicílios da
Região Nordeste, verifica-se que o Censo de 1960 indica a existência de
aparelhos de televisão em 0,26% dos domicílios, enquanto, em 1980, o
percentual de domicílios dotados de receptores de televisão cresce para
28,1% chegando a 47,2%, nos dados coletados em 1991. A nova estrutura de
comunicação criada para a campanha do PMDB e a veiculação da
propaganda eleitoral no rádio e na televisão ocorrem, portanto, num
momento em os meios de comunicação têm seu uso potencializado na
política, em particular, nas eleições.
Capítulo 3

AS ELEIÇÕES E A COMUNICAÇÃO NO BRASIL DA NOVA


REPÚBLICA

Se não houve, em abril de 1984, quorum suficiente para aprovar a


Emenda Constitucional que propunha eleições diretas para a Presidência da
República55, o saldo da mobilização popular provocada pela campanha das
“Diretas Já” foi decisivo como fator de consolidação do processo de
redemocratização do país.
A trajetória das lutas sociais pelo retorno da liberdade de
organização partidária, sindical e estudantil, pela conquista do
restabelecimento da liberdade de manifestação, expressão e informação
envolveu os mais amplos setores da sociedade, mobilizando artistas,
intelectuais, estudantes, donas de casa, operários e profissionais liberais que
promoviam atos públicos, lançavam manifestos e organizavam passeatas. Os
comícios, que reuniram milhares de pessoas entre os meses de junho de
1983 e abril de 1984, foram o ápice desse processo que redefiniu, a partir
das eleições municipais de 1985, o rumo dos processos eleitorais no Brasil.

55 A Emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida a proposta do deputado


matogrossense, recebeu 298 votos, sendo 55 de deputados do PDS. Não compareceram à
sessão, 115 parlamentares e 65 votaram contra a Emenda Constitucional. A aprovação
de alterações na Constituição Federal exigia quorum qualificado, implicando em votos
favoráveis de 320 deputados que constituíam dois terços do total dos membros da
Câmara dos Deputados. (LEONELLI NETO; OLIVEIRA, 2004, p. 591-597).
102

O discurso do Deputado Ulysses Guimarães no plenário da


Câmara dos Deputados, na véspera da votação que rejeitou a Emenda
Constitucional, traduz os efeitos da campanha que ultrapassou os limites
partidários e os interesses regionais e de classes:

Vi o povo nascer da massa, vi raiar o arco-irís da aliança entre


trabalhadores e a democracia...
Vi os desgraçados, os despossuídos e os desempregados
convencerem-se de que não há direito sem bem-estar e sem
cidadania....
Vi a força da mulher brasileira...
Vi os estudantes, um milhão e quinhentos mil...
Vi os artistas nas igrejas, os jornalistas, os escritores, os
professores deixarem os palcos, as novelas, os púlpitos, os
prelos e as cátedras pelos palanques do povo.
Vi o amarelo vestir de esperança o Brasil...
Vi a história brotar nas ruas e na garganta do povo...
É o povo, não a horda, brada pela vida, não por vingança...
[...]
O país é o território, a nação é a história e a civilização, o povo
é a pátria.
Não há pátria sem a verdade, a justiça e a liberdade.
A pátria é o povo e o povo vencerá. (apud LEONELLI NETO;
OLIVEIRA, 2004, p. 541-543).

Em meados da década de 1980, já eram nítidas as profundas


alterações no cenário político brasileiro. A escolha do sucessor do Presidente
Figueiredo, prevista para janeiro de 1985, ainda no Colégio Eleitoral,
mobilizou e dividiu as forças políticas ligadas ao governo. Aureliano Chaves
(Vice-Presidente da República), Mário Andreazza (Ministro do Interior), Paulo
Maluf (Deputado Federal e ex-Governador de São Paulo), Marco Maciel
(Senador e ex-Governador pernambucano), José Costa Cavalcanti (diretor da
empresa binacional Itaipu), Antônio Carlos Magalhães (ex-Governador da
Bahia), Rubem Ludwig (Ministro da Educação) e Hélio Beltrão (Ministro da
Desburocratização) lançaram-se na disputa pela legenda do partido
governista, tornando árdua a tarefa do Presidente Figueiredo de escolher o
candidato a quem iria apoiar. Esta fragmentação na base de aliados do
governo favoreceu, ainda mais, a oposição, que saíra da campanha das
“Diretas Já” valorizada pela opinião pública e fortalecida, após um enorme
esforço de unificação de suas pautas e prioridades.
103

Paulo Maluf, ex-Governador de São Paulo, firmou-se como


candidato apesar das resistências entre os políticos governistas, acirrando as
cisões no governo e no seu partido.
No partido de maior força na oposição, o PMDB, o seu presidente,
Deputado Ulysses Guimarães, comandante da Campanha das Diretas,
declinava da candidatura no Colégio Eleitoral. O governador mineiro
Tancredo Neves firmava-se, portanto, como nome consensual entre as forças
políticas dispostas a participar daquele pleito de 15 de janeiro de 1985.
O PT não se incorporou à Aliança Democrática, – articulação dos
peemedebistas com a Frente Liberal, dissidência do PDS – e não admitia a
participação dos seus parlamentares no Colégio Eleitoral que iria escolher o
Presidente da República. A decisão partidária, entretanto, não repercutiu de
forma unânime entre os oito parlamentares que compunham a bancada
petista na Câmara dos Deputados. Os deputados Beth Mendes e Ayrton
Soares, de São Paulo, e José Eudes, de Minas Gerais, foram expulsos do
partido por terem participado da votação contribuindo com os 480 votos que
elegeram Tancredo Neves. 56
Tancredo Neves não tomou posse em 15 de março, em razão da
necessidade de submeter-se a cirurgia de emergência e, em seu lugar,
assumiu a Presidência, o Senador José Sarney, ex-presidente da Arena e do
PDS.
O Presidente Sarney, filiado ao PMDB para cumprir determinações
legais, desde os primeiros momentos, enfrentou obstáculos à sua atuação,
tanto da parte dos militares como de parte de setores do seu novo partido.
Com a morte de Tancredo Neves, depois de superadas as dificuldades
iniciais, passou ao enfrentamento de desafios que envolviam questões de
ordem político-institucional, como a convocação da Assembléia Nacional
Constituinte e a legalização de partidos clandestinos, além da negociação da

56 Os 686 votos ficaram assim distribuídos: Tancredo Neves e seu candidato a Vice-
Presidente, José Sarney, obtiveram 480 votos, (231 do PMDB, 113 do PFL, 65 do PDS,
27 do PDT, 11 do PTB e 3 do PT). Paulo Maluf teve 180, havendo ainda 17 abstenções e
9 ausências. (PILAGALLO, 2002, p. 164-165).
104

gigantesca dívida externa brasileira e o combate da inflação cujos índices


giravam em torno de 15% ao mês. 57
O governo da “Nova República”, ainda na vigência da Constituição
de 1967, promoveu reformas na estrutura político-eleitoral do país através
de alterações no texto constitucional. Assim, foi definido o retorno das
eleições pelo voto direto para a escolha dos prefeitos das capitais, instâncias
hidrominerais e municípios declarados de interesse da segurança nacional;
restabelecida a eleição direta para a escolha do presidente da república;
garantido o direito do voto para os cidadãos analfabetos e revogadas as
exigências que limitavam a organização partidária58. A Emenda 26,
promulgada em novembro de 1985, definia os termos de funcionamento da
Assembléia Constituinte e marcava a data de 15 de novembro de 1986 para
a eleição dos deputados e senadores encarregados da redação da nova
Constituição.
O plano de estabilização econômica, lançado em fevereiro de 1986,
conhecido como “Plano Cruzado”, instituiu a nova moeda, congelou os
preços, definiu índices de reajustes automáticos dos salários e extinguiu a
correção monetária. O governo e o PMDB passaram, então, a usufruir da
influência deste poderoso aliado que lhes garantiu larga aceitação popular,
com o sucesso da proposta de congelamento dos preços. O entusiasmo da
população pode ser simbolizado no “fiscal do Sarney” – personagem
assumida pelos cidadãos dispostos a impedir a majoração dos preços.
Em outubro de 1986, o índice da inflação anunciado era de 2%, no
mesmo momento em que o ministro Dílson Funaro divulgava o crescimento
de 16% na renda nacional nos últimos seis meses, o aumento de 35% na
produção industrial e o incremento de 45% na capacidade de compra da
população. (NEPOMUCENO, 1990, p. 137). Não faltavam, portanto, motivos
para que o PMDB apresentasse os seus candidatos como os mais
capacitados para assegurar a manutenção dessa conjuntura tão auspiciosa.
Os aspectos favoráveis, no âmbito da economia, somavam-se aos
eventos que marcaram as etapas finais do processo de transição política do

57 Cf. NEPOMUCENO, 1990, p. 27 e 83.


58 Emenda Constitucional 25, promulgada em 15 de maio de 1985. (BRAGA, 1990).
105

autoritarismo para a democracia. As eleições de 1986, envolvendo a


renovação dos mandatos dos governadores dos estados e a eleição dos
senadores e deputados estaduais e federais constituintes, completavam, no
plano institucional, as transformações iniciadas na eleição de Tancredo
Neves e na escolha dos prefeitos das capitais, pelo voto direto, em 1985.
Na escolha dos diversos cargos envolvidos naquela disputa, é
marcante a grande influência eleitoral do PMDB, que já se constituía
importante referência, a partir do acúmulo de forças resultante das duas
décadas de combate ao regime militar. O resultado deste pleito consolidou o
partido como a principal alternativa para o eleitorado que, desde 1965, era
obrigado a escolher entre candidatos da Arena ou do MDB.
Sob essa nova conjuntura, nos 23 estados, foram escolhidos os
novos governadores e os senadores e deputados federais com delegação para
aprovarem a nova Constituição da República. Aos deputados estaduais
caberia, após a promulgação da Constituição Federal (CF), a elaboração do
texto das cartas estaduais. Também os eleitores do Distrito Federal (DF) e
dos territórios de Roraima e Amapá participaram das eleições.59 O PMDB
elegeu 22 governadores60, 38 senadores e 260 deputados federais. A
composição da Assembléia Nacional Constituinte, portanto, expressava o
alto grau de popularidade do partido: na Câmara, o PMDB ocupou 53% dos
lugares, sendo que, no Senado, 62% das cadeiras renovadas naquele pleito
foram ocupadas pelos peemedebistas.
No regime democrático, como se esboçava na segunda metade dos
anos 1980, o voto adquiria um especial valor realçado pelo longo período de
jejum experimentado pelo povo brasileiro, privado, durante mais de duas
décadas, de exercer plenamente seu direito de votar. Esse conjunto de
fatores definia o cenário em que ocorreu a campanha de 1986, revestindo-a
de grande importância.

59 O Distrito Federal, além dos deputados federais, elegeu três senadores, enquanto os dois
territórios elegeram apenas os deputados federais. Roraima e Amapá foram elevados à
condição de estado da federação, a partir da promulgação da Constituição de 1988. Nas
eleições de 1990, foram eleitos os governadores e senadores, que tomaram posse em 15
de março de 1991. (BRASIL, 1987).
60 O PMDB perdeu as eleições no Estado de Sergipe. (BRASIL, 1987).
106

Outra característica marcante naquele momento eleitoral foi a


extinção da “Lei Falcão”. A presença dos candidatos nos meios de
comunicação já não estava sujeita às restrições para o uso dos horários no
rádio e na televisão. O fim da “Lei Falcão”, determinado pela Lei nº 7.508, de
4 de julho de 1986, veio livrar da censura prévia as mensagens dos
candidatos a cargos eletivos a serem exibidas pelas emissoras por duas
horas diárias nos sessenta dias anteriores ao pleito. (BRASIL, 1986).
Em seu artigo 2º, a lei assinada pelo Presidente José Sarney trata
do uso dos recursos da propaganda eleitoral gratuita pelos candidatos e
define, em seu parágrafo único, que “não depende de censura prévia a
propaganda partidária ou eleitoral feita através do rádio ou da televisão,
respondendo cada um pelos excessos cometidos, com a apuração da
responsabilidade solidária do respectivo partido61”.
Por outro lado, ainda vigoravam a “Lei Orgânica dos Partidos
Políticos” e a do Código Eleitoral62, já modificadas, de forma a serem
retirados os dispositivos que estabeleciam limites ao uso dos meios de
comunicação e revogados os preceitos legais que impediam a livre
organização dos partidos políticos.
Essas medidas ampliavam o espaço democrático, com reflexos nas
características da nova conjuntura política marcada pelo impacto do uso dos
instrumentos da mídia. Nas eleições de 1986, a presença das campanhas na
mídia definiu uma nova situação na qual a competição eleitoral passa a ter,
nos meios de comunicação de massa, um espaço privilegiado de atuação da
política.
No estudo organizado pelo professor e publicitário de destaque no
chamado “marketing político”, Antônio Lavareda, sobre a campanha eleitoral
que viabilizou, em 1986, a eleição do Governador Miguel Arraes, em
Pernambuco, é mostrado o resultado da sondagem realizada pelo Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em que é registrado o

61 Parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 7.508 de 4 de julho de 1986. (BRASIL, 1986).


62 Nas eleições de 1986, vigorava o Código Eleitoral instituído pela Lei nº 4.737, de 15 de
julho de 1965, já tendo sido objeto de substanciais modificações. A Lei Orgânica dos
Partidos Políticos (Lei nº 5.682 de 21 de julho de 1971), em vigor em 1986, foi revogada
em setembro de 1995 com a aprovação da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.
107

índice de 62,3% de audiência dos programas de televisão do Horário


Gratuito do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), incluindo-se aí o público com
interesse diário pela programação e aqueles espectadores que assistiam aos
programas de duas a quatro vezes por semana. A média de audiência diária
conferida ao Horário Gratuito do TRE, pelo espectador pernambucano,
naquela campanha, comparava-se à audiência da telenovela exibida, à
época, no horário considerado “nobre” na emissora de maior assistência no
Estado. A presença da campanha na televisão, no pleito de 1986, em
Pernambuco, é avaliada por Ricardo Rodrigues, no artigo “As eleições de
1986 em Pernambuco. O impacto da televisão”, como fator de alteração na
distribuição dos votos, nas diversas regiões do Estado, na medida em que
propiciou “melhoria na distribuição da informação política” (RODRIGUES,
1987, p. 88 - 90 e 97).
A análise da campanha de Tasso Jereissati ao governo do Ceará,
elaborada por Rejane Vasconcelos A. de Carvalho, em Transição democrática
brasileira e padrão midiático publicitário da política, na mesma direção das
constatações apresentadas a respeito da disputa em Pernambuco, trata da
utilização do horário eleitoral gratuito na televisão como “fator estratégico”,
sobretudo para Jereissati, para quem, por apresentar, nas primeiras
pesquisas

[...] ‘traços de conhecimento’ no interior e apenas 2% na


capital, o acesso aos recursos técnicos da comunicação
publicitária através de um veículo como a televisão, abria
perspectivas extremamente promissoras à difusão da sua
imagem. (CARVALHO, 1999, p. 195).

Na Bahia, na mesma medida, as eleições para a escolha dos


deputados constituintes e do governador do estado realizaram-se sob a
influência dos programas de televisão e rádio, transmitidos em rede. Essa
nova modalidade de fazer campanha consolida-se, a partir de 1986, como
elemento essencial às futuras disputas políticas e eleitorais.
108

3.1 AS ELEIÇÕES DE 1986 NA BAHIA

Entre 1975 e 1986, o Estado da Bahia tem, no campo econômico, a


transformação estrutural do seu Produto Interno Bruto (PIB), que deixa de
ter como carro-chefe a agropecuária, passando a ser impulsionado pela
indústria; no campo político, em 1986, o Estado experimentou a campanha
eleitoral mais longa da sua história.
Naquele processo eleitoral, Waldir Pires, candidato do PMDB,
propunha o rompimento das relações econômicas, sociais, culturais e
políticas, presentes historicamente no Estado da Bahia, utilizando-se dos
recursos e técnicas do ambiente configurado sob a ótica da midiatização.
Os métodos e a forma de estruturação daquela campanha serviram
como referência para as campanhas eleitorais que seriam realizadas
posteriormente, promovendo inovações no âmbito do trabalho de
comunicação e marketing na política, dando lugar ao que “pode ser o clima
em que se forma, impõe e sobrepõe O príncipe eletrônico, sem o qual seria
difícil compreender a teoria e a prática da política na época da globalização”
(IANNI, 2000, p. 143, grifo do autor).
No plano nacional, a eleição de Tancredo Neves representou uma
transformação significativa no processo de sucessão presidencial. Desde
1964, os presidentes se sucederam sem que a população tivesse a menor
possibilidade de interferência. Nem o eleitor, nem mesmo os políticos ou os
partidos tiveram participação na escolha dos generais que assumiram o
maior cargo político do país. No Capítulo 2 deste trabalho, foi demonstrada a
cisão entre o cidadão brasileiro e o processo “eleitoral” que definiu a escolha
dos presidentes Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto
Geisel e João Batista Figueiredo.
A chegada de Tancredo Neves e José Sarney ao poder resultava,
indiretamente, da mobilização popular em favor do restabelecimento das
eleições diretas em todos os níveis. Desde meados do ano de 1983, o
processo se desenvolveu durante quinze meses, nas principais cidades
brasileiras, passando a ser propagada para milhões de brasileiros, a partir
109

dos primeiros noticiários das emissoras de televisão sobre os comícios que


aconteceram em Curitiba e em São Paulo, em janeiro de 1984.63
A derrota do regime militar e do candidato do PDS, no Colégio
Eleitoral, sacramentava o fim do ciclo de predomínio do autoritarismo e da
exceção na escolha do governante maior do país.
Na Bahia, onde as forças políticas hegemônicas eram aliadas dos
governos militares, as propostas da “Nova República” – implantada em
março de 1985, com a posse do Vice-Presidente eleito ainda pelo Colégio
Eleitoral, José Sarney – não se refletiam nas práticas da administração
pública no governo do estado e na maioria dos municípios baianos.
Mantinham-se as arcaicas relações de produção, em grande parte da zona
rural, e, nos centros urbanos, o clientelismo e o uso eleitoreiro das
estruturas do Estado comprometiam as possibilidades de democratização do
exercício do poder no sentido de reverter o injusto quadro social vigente. Em
1986, as eleições estaduais abriam espaço para que as propostas de
mudança difundidas por Tancredo Neves se expandissem para os estados,
contribuindo na tentativa de eliminar os últimos resquícios do antigo regime
que ainda tinham estado presentes nas eleições municipais de 1985.

3.1.1 OS CANDIDATOS, OS PARTIDOS E A FORMAÇÃO DAS COLIGAÇÕES


PARTIDÁRIAS

Waldir Pires foi Ministro da Previdência do governo Sarney. Deixou


o Ministério em fevereiro de 1986 com o mérito de ter zerado o déficit da
Previdência, a partir de um projeto definido por ele mesmo como “um
trabalho de restauração” que tinha como objetivo tornar financeiramente
viável o sistema previdenciário brasileiro.
O objetivo de sanear as finanças da Previdência foi acompanhado
de uma estratégia publicitária que previa campanha com veiculação nacional

63 Em Diretas Já..., Domingos Leonelli Neto e Dante de Oliveira relatam a iniciativa da


Rede Bandeirantes que, contrariando a orientação oficial de censurar o tema das diretas,
resolveu transmitir o comício realizado na Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro
de 1984. (2004, p. 342-350).
110

onde a conclamação “Vamos zerar o déficit da Previdência” mostrava ser


possível administrar os recursos advindos das contribuições previdenciárias
de modo a permitir o retorno aos contribuintes, em forma de benefícios e
proventos aos aposentados. Sob o argumento de que “é indispensável a
comunicação na política, tanto mais indispensável quanto mais excluída seja a
população ou quanto mais difícil seja alcançar um degrau de convivência
numa sociedade desigual como a nossa”, o ex-governador Waldir Pires avalia
que “a política só vale a pena se ela puder ser comunicada para,
pedagogicamente, preparar a cidadania, fazer cidadãos responsáveis por sua
vida” (PIRES, 2006).
Com esta formulação, o ex-Ministro da Previdência justifica o
investimento realizado para fazer da recuperação financeira da Previdência
Social objeto de campanha publicitária de grande amplitude e de farta
cobertura na mídia, elevando o nome do ex-ministro do governo do
Presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964 e ex-exilado
político, à condição de um administrador ágil e eficiente que, ao deixar o
Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), anunciava ter
alcançado metas consideradas, à época, impossíveis de serem atingidas.
A campanha publicitária, concebida e produzida pela agência de
propaganda D&E, pretendia cumprir dois objetivos: sensibilizar os servidores
da Previdência para incorporá-los às ações de combate ao desperdício, à
corrupção e à fraude, convocando-os, por meio de peças publicitárias que
levavam o título “Vamos Zerar o Déficit da Previdência”. A segunda etapa do
projeto de comunicação do Ministério, intitulada “Zeramos o Déficit”, referia-
se ao objetivo de divulgar para o público em geral os resultados das medidas
adotadas. Através de cartazes, folhetos, anúncios em jornais e revistas,
comerciais de televisão e rádio, Waldir Pires anunciava que fora extinto o
déficit de 7,9 trilhões de cruzeiros e que o balanço financeiro da Instituição
apontava um saldo de 4,1 trilhões de cruzeiros no seu orçamento. Sydney
Rezende64, um dos sócios da agência, explica como foi conduzida a
campanha:

64 Em depoimento concedido à autora em 20 de maio de 2007.


111

[....] “Vamos Zerar o Déficit” e “Zeramos o Déficit” foram


pensamento e determinação do Ministro, e o principal defensor
dessa tese e interlocutor da agência no ministério era o nosso
amigo (e chefe de gabinete) Sérgio Gaudenzi... A determinação
de Waldir Pires era de que era possível e ele estava
determinado a zerar o déficit da previdência, mesmo. Daí, pra
agência foi fácil... o que demonstra que um bom briefing, bem
interpretado, sempre dá certo. (REZENDE, 2007).

A campanha divulgando as ações do Ministério serviu para


promover o nome do Ministro Waldir Pires e trabalhar no sentido de firmar
sua imagem como administrador eficiente.
No início da campanha eleitoral, após ter deixado o governo do
Presidente Sarney, o candidato Waldir Pires divulgou documento à
imprensa, sob o título “Nada Vai Impedir a Bahia de Mudar” em que
respondia às acusações do Ministro das Comunicações, Antônio Carlos
Magalhães, apresentando dados que comprovariam o cumprimento das
metas anunciadas na propaganda, e prestava contas dos valores pagos à
D&E e aos veículos onde foram inseridos os anúncios e comerciais. O
documento afirmava que as campanhas haviam custado 4,5 bilhões de
cruzeiros, referentes à criação e impressão de cartazes e folhetos, à criação e
veiculação de anúncios em 37 jornais e 5 revistas e de comerciais inseridos
na programação de 23 emissoras de rádio e em 4 redes de televisão.
Waldir Pires comparava os valores pagos, ao orçamento do
Ministério que representava 71 trilhões de cruzeiros, e aos gastos do
Governo João Durval com a propaganda oficial, que custavam 145 bilhões de
cruzeiros num orçamento anual de 7 trilhões de cruzeiros. (FRANCO, 1990,
p. 205).
Além dos fatores positivos que envolviam o candidato e a legenda
do PMDB – que, no plano nacional, apresentava referência identificada com
a campanha das “Diretas Já” e com o “Plano Cruzado” –, o Partido, na Bahia,
contava com uma rede de diretórios municipais que se estendia pelas
principais cidades do interior do Estado e com a sua ampla aceitação na
capital, onde o seu candidato, Mário Kértesz, havia conquistado, em 1985, a
Prefeitura Municipal com 328.256 votos, derrotando outros quatro
112

candidatos65. Na Câmara Municipal, entre os 33 vereadores de Salvador


eleitos em 1982, o PMDB ocupava 26 cadeiras.
O percurso da campanha iniciou-se em fevereiro de 1986, a partir
da cidade de Jacobina onde o prefeito, Carlito Daltro, recebeu o candidato
para a inauguração de obras municipais. Waldir Pires participou do comício
promovido pelo Prefeito, ainda na condição de Ministro, destacando, em seu
pronunciamento, os feitos da sua gestão no Ministério da Previdência.
Passaram-se poucos dias e Waldir Pires deixou o Ministério, sendo recebido,
no Aeroporto 2 de Julho, por militantes que portavam faixas e cartazes onde
se anunciava: “É o Governador Que Vai Mudar a Bahia” (FRANCO, 1990, p.
181). O conceito de mudança, que viria a conduzir o discurso político da
candidatura e todo o material publicitário utilizado durante os nove meses
da campanha, pretendia estabelecer vinculação com a candidatura de
Tancredo Neves na disputa no Colégio Eleitoral, que utilizou o slogan “Muda
Brasil”.
Semelhante proposta direcionou a campanha de Tasso Jereissati
ao governo do Ceará que utilizou o slogan “O Brasil Mudou. Mude o Ceará”.
(CARVALHO, 1999, p. 193).
Havia no PMDB, pelo menos nesse Estado e na Bahia, a intenção
de estabelecer, nas eleições estaduais, uma relação direta com a imagem
positiva conquistada nacionalmente pelo partido em razão do sucesso do
“Plano Cruzado” e das grandes manifestações populares que comandou
entre 1984 e 1985. O desafio maior a ser enfrentado era fazer penetrar as
idéias de mudança nos pequenos municípios, marcados pelas dificuldades
de acesso aos meios de comunicação, pela força da manipulação na
liberação de verbas públicas e na nomeação dos agentes públicos.
Articulando adesões, que formavam uma teia de texturas diversas,
Waldir Pires recusou um único apoio: o então Ministro das Comunicações,
Antônio Carlos Magalhães, através do Presidente Sarney, manifestou a
intenção de agregar-se à candidatura do seu colega de ministério. O ex-

65 Resultado da eleição municipal de Salvador, realizada em 15 de novembro de 1985:


Mário Kértesz (PMDB), 328.256 votos; Edvaldo Brito (PTB), 96.130 votos; França Teixeira
(PFL), 67.604 votos; Jorge Almeida (PT), 29.857 votos; e Luiz Pugas (PH), 10.950 votos.
Votos Nulos, 37.697; Votos em Branco, 11.378. (BAHIA, 1985).
113

Governador, em entrevista concedida em fevereiro de 2006, recordou o


diálogo em que o presidente Sarney expressou espanto diante da sua recusa
da condição de candidato da unanimidade das forças políticas:

Eu tinha uma convicção muito profunda sobre a campanha de


1986. Em determinado instante, se tratava de uma opção
política para a Bahia e para o Brasil. Minha força estava
assentada nisso, tanto que eu recusei o apoio de Antônio Carlos
Magalhães trazido pelo Presidente da República. Eu me lembro
do Sarney, num dos quinzenais despachos ministeriais, me
falando sobre a oferta do apoio do Antônio Carlos, em outubro
de 1985. Sarney me perguntou em determinado instante:
‘Ministro, terminou o despacho? Podemos conversar um pouco
sobre política? Você vai ser governador com o apoio de todo
mundo na Bahia ...’ Eu lhe disse: ‘De todo mundo não, isso não
existe, nunca vai existir...’ Eu tinha a convicção de que se
tratava realmente de um recado e de uma proposição natural
porque o Presidente da República era da Aliança Democrática,
que era composta pelo pessoal todo que tinha votado no
Tancredo, no Colégio Eleitoral. Sarney, então, me disse que,
dois dias antes, o Ministro das Comunicações tinha lhe dito que
nada é mais natural que a minha candidatura, nada mais
legítimo, e ele chegou a dizer que tinham duas vagas a senador
e que uma vaga poderia ir para o PDS... aí eu interrompi a
conversa e disse que isso não iria acontecer. Ele então me disse
que era a primeira vez que ele via alguém recusar ser candidato
de todas as forças políticas.

A incorporação de novas forças ao projeto da mudança iniciou-se


com o apoio do Senador Jutahy Magalhães.66 Juntaram-se à candidatura do
PMDB outros grupos e lideranças tradicionalmente aliadas ao “carlismo”, a

66 “[...] eu tinha sido procurado pelo Senador Jutahy Magalhães que me pediu uma
audiência. Eu não tinha relações de amizade com ele, imaginei que o motivo fosse um
assunto relacionado ao Ministério. Mas era política. Foi uma conversa sumária,
extraordinária. Ele me disse: ‘– Ministro, eu lhe solicitei essa audiência para lhe dizer que
se o senhor for candidato a governador da Bahia eu acredito que o senhor se elege e eu
quero lhe dizer que se o senhor for candidato, eu o apóio’. Falou assim, objetivamente. Eu
lhe disse: ‘– Eu fico muito grato por essa afirmação, eu desejo ser candidato a governador
da minha terra, já fui no passado, fui candidato de oposição ao seu pai...’. Ele então me
disse: ‘– Só queria lhe dizer isso, não quero lhe pedir nada. Mas tenho a impressão de que
se o senhor for candidato ganha a eleição. Quero lhe dizer agora nessa fase ainda muito
anterior a tudo, que se o senhor for candidato ponha lá que o senhor tem o apoio do
Senador Jutahy Magalhães’ [...] Eu pensei: ‘Foi a melhor conversa política que eu já tive na
vida’. Eu tinha clareza absoluta de que tínhamos que dividir as forças que tinham apoiado
a ditadura para ganhar e que era preciso dar esse salto para o povo baiano. Agradeci
muito, incorporei o apoio e disse a ele: ‘– Está na minha cabeça, muito obrigado’. E
realmente nunca esqueci, eu sabia com quem eu não podia compor: com o centro do poder
da ditadura.” (PIRES, 12. fev. 2006).
114

exemplo do Senador Luís Viana Filho e dos prefeitos e deputados sob a sua
liderança, o prefeito de Guanambi, Nilo Coelho, à época Presidente da União
dos Prefeitos da Bahia, Mário Kértèsz, Prefeito de Salvador, os deputados
Ruy Bacelar, fundador do PFL, Prisco Viana e França Teixeira, além do
empresário Pedro Irujo, dono de uma rede de empresas de comunicação.
A candidatura do PMDB, amparada em alianças que garantiam a
sua inserção no interior do Estado, sintetizava, naquele momento, os
interesses dos grupos e partidos envolvidos no combate ao autoritarismo
representado pelo Ministro Antônio Carlos Magalhães. Waldir Pires agregava
à sua imagem o personagem capaz de enfrentar o poderio daquele líder
político que constituiu, desde a década de 1950, uma referência importante,
sempre aliado ao poder, tanto no plano federal como regionalmente.
As outras legendas de oposição, o Partido Comunista Brasileiro
(PCB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Democrático
Trabalhista (PDT) e Partido Social Cristão (PSC), se juntaram ao PMDB para
formar a coligação “A Bahia Vai Mudar” que, além da candidatura de Waldir
Pires, apresentava como candidato a Vice-Governador, o ex-prefeito da
cidade de Guanambi, Nilo Coelho, e Jutahy Magalhães e Ruy Bacelar como
candidatos ao Senado da República.
O PT, no seu 12o Encontro Regional realizado em maio de 1986,
decidiu não lançar candidato ao governo do estado e anunciou “apoio crítico”
ao candidato do PMDB, antecipando que não participaria do governo, em
caso de vitória do candidato Waldir Pires. A decisão foi referendada por
convenção partidária, no mês seguinte, quando 99 dos 181 delegados
votaram pela manutenção do apoio. A decisão do Diretório Estadual,
entretanto, foi questionada por uma resolução da Direção Nacional do
Partido que deliberou no sentido de determinar a retirada do apoio a Waldir
Pires e a proibição da presença dos integrantes do diretório do partido em
comícios ou programas de televisão do candidato. Alertando que o
descumprimento da resolução implicaria em destituição do Diretório
Estadual e no cancelamento do registro das candidaturas dos filiados ao
Partido que disputavam as eleições proporcionais e as vagas ao Senado,
determinava ainda: que o “Diretório Regional e o conjunto do partido na
115

Bahia explique ao eleitorado e aos trabalhadores o porquê da posição do


PT”67.
Em entrevista ao “Correio Brasiliense”, Waldir se refere à decisão
da instância nacional do PT68:

É claro que gostaria de ter o apoio oficial do PT. Era uma coisa
importante. Mas o certo é que, na Bahia, as bases do partido
me apóiam. Essa posição da direção nacional do PT resulta do
demasiado vínculo do partido com a questão paulista. Este é
um problema grave porque, também no PMDB, quando existe
uma crise no partido em São Paulo, a gente diz que há uma
crise no PMDB do Brasil. Temos que inverter essa situação no
País. A verdade é que a direção nacional do PT arbitra as
decisões em função dos problemas paulistas. O PT baiano teve
de cumprir a determinação da direção nacional, mas a minha
impressão é que isso não tem nenhuma interferência nas
bases do partido. O trabalhador militante do PT quer votar na
gente, porque ele sabe que isso representa um avanço enorme
na vida dele, que a direção nacional não entendeu. (apud
FRANCO, 1990, p. 296-299).

A análise do noticiário sobre as eleições de 1986 não denota se o


entendimento do candidato teve desdobramentos na campanha pois,
oficialmente, o PT permaneceu distante da campanha de Waldir Pires,
manifestando-se publicamente, apenas, em relação às candidaturas ao
Senado, à Câmara dos Deputados e à Assembléia Legislativa. Lançou as
candidaturas da Professora Geracina Aguiar e do ex-Deputado Roque Aras
para a disputa pelas vagas ao Senado e mantinha, às vésperas do pleito,
expectativas na eleição de dois deputados federais e três deputados
estaduais, admitindo, ainda, a perspectiva de vitória dos candidatos ao
Senado, sobretudo da candidata Geracina Aguiar.69

67 Íntegra da Resolução da Direção Nacional do PT em: FRANCO, 1990, p. 280.


68 Entrevista publicada em 2 de setembro, concedida aos jornalistas Renato Riella e Áurea
Varjão do Correio Brasiliense transcrita.
69 Jorge Almeida, presidente do Diretório Regional e candidato à Câmara dos Deputados,
refere-se à expansão das bases do partido no interior, onde foram articulados grupos de
apoio em duzentos municípios. Na mesma matéria, Sérgio Guimarães, vice-presidente da
legenda e candidato a deputado estadual, indica os nomes de Jorge Almeida, Jaques
Wagner e Raimundo Mota como os candidatos à Câmara dos Deputados com chances de
vitória. Para a Assembléia Legislativa, eram apontados Alcides Modesto, Edval Passos,
Rogério Ataíde, Jaime Cunha e o próprio Sérgio Guimarães como candidatos capazes de
obter sucesso naquela disputa. TRIBUNA DA BAHIA, 13 nov. 1986, p. 4).
116

A declaração de Sérgio Guimarães, vice-presidente da legenda,


publicada dois dias antes do pleito, não demonstrava correspondência com a
realidade eleitoral do partido, naquele momento, conforme comprovado pelo
resultado das urnas. O PT não obteve êxito com os candidatos à Câmara dos
Deputados e, para a Assembléia Legislativa, elegeu, apenas, Alcides Modesto
com 15.059 votos (BRASIL, 1987).
A coligação “Aliança Democrática Progressista” reunia o PDS e o
PFL, agregando, também, o PTB, em torno do candidato Josaphat Marinho70.
As duas vagas para Senado da República seriam disputadas pelo ex-
Governador Lomanto Júnior e pelo deputado Félix Mendonça, ambos do PFL.
O deputado José Penedo, do PDS, foi escolhido candidato a Vice-Governador.

3.1.2 JOSAPHAT MARINHO. O BRASIL INTEIRO CONHECE E TODO MUNDO FALA


BEM71

A direção nacional do PSB, legenda à qual havia sido filiado


Josaphat Marinho, emitiu pronunciamento de condenação à sua
participação na coligação liderada por Antônio Carlos Magalhães72 e o
Diretório Regional do partido na Bahia, liderado pelo ex-Deputado Estadual
Newton Macedo Campos, decidiu não integrar qualquer das coligações.

70 Baiano nascido no município de Ubaíra, Josaphat Marinho foi professor de “Teoria Geral
do Estado”, “Direito Constitucional” e “Introdução à Ciência do Direito” da Faculdade de
Direito da Bahia. Elegeu-se deputado estadual em duas legislaturas (em 1947, pela
UDN, e em 1955, pelo PL) e, no governo de Juracy Magalhães, ocupou as secretarias
estaduais de Interior, Justiça e Fazenda. Em 1961, a convite do Presidente Jânio
Quadros foi nomeado presidente do Conselho Nacional de Petróleo. Ficou no cargo
apenas seis meses, saindo do governo logo após o pedido de renúncia do Presidente.
Elegeu-se Senador, em 1962, e, durante esse mandato, foi presidente da Comissão de
Minas e Energia e relator da comissão de senadores e deputados que estudou a reforma
do Congresso Nacional. Em 1965, com a imposição do bipartidarismo, filiou-se ao MDB,
sendo um dos fundadores do partido na Bahia. Em 1970, concorreu à reeleição, mas foi
derrotado. Participou da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, integrando a
Comissão de Estudos Constitucionais que elaborou o anteprojeto da Constituição, por
nomeação do presidente José Sarney. Como parlamentar, retornou ao Senado, em 1991,
quando venceu as eleições de 1990 pelo PFL. Em seu último mandato, teve participação
de destaque nas discussões do projeto de modernização do Código Civil brasileiro. O seu
último mandato terminou em 1999. Em 2001, Josaphat Marinho faleceu, aos 86 anos.
71 Slogan criado pela agência DM9 para a campanha de Josaphat Marinho.
72 Em 9 de maio daquele ano, o jornal “Correio da Bahia” anunciava a filiação de Josaphat
Marinho ao PFL.
117

A Bahia contava, em 1986, com 367 municípios dos quais a grande


maioria dos prefeitos era vinculada aos partidos da coligação “Aliança
Democrática Progressista”. A filiação dos prefeitos, entretanto, não impedia
que, aos poucos, as lideranças fossem se deslocando para dar apoio ao
candidato do PMDB.
Em setembro daquele ano, o clima da campanha já era de extremo
otimismo: ao tempo em que o IBOPE registrava 54% de intenções de votos
para Waldir Pires e 25% para o candidato apoiado pelo Governo do Estado, o
arco de alianças ampliava-se, a passos largos. As solenidades de adesão ao
PMDB repetiam-se, a cada vez que um grupo de prefeitos, vereadores e
lideranças assinava as suas fichas de filiação ao partido.73 Indiferente a este
movimento, a coligação “Aliança Democrática Progressista” publicou anúncio
em página dupla (p. 8-9), do jornal “A Tarde”, de 6 de novembro de 1986, no
qual proclamava: “Dos 367 prefeitos baianos, 297 estão com Josaphat e
apenas 70 com Waldir”.
Josaphat Marinho havia sido eleito senador no mesmo pleito em
que Waldir Pires, seu adversário em 1986, foi derrotado por Lomanto Júnior
na disputa pelo governo do estado. O seu percurso na vida política, na
academia e no exercício da advocacia aproximou o candidato das causas
democráticas e daqueles políticos que, em 1986, eram seus adversários.
Como estudante de Direito, entre os anos de 1934 e 1938, já participava de
atividades políticas na luta contra o nazifascismo. Líder da esquerda
democrática e membro do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB-BA), participou ativamente das manifestações pela redemocratização
do Brasil e pela revogação da Constituinte de 1937, de inspiração fascista.
Durante o período dos governos militares, filiou-se ao MDB, tendo sido um
dos fundadores do partido na Bahia. Após a derrota na disputa pela vaga no
Senado, em 1970, passou a dedicar-se à vida acadêmica, como professor de

73 A “Tribuna da Bahia”, em 17 de setembro de 1986, na página 3, noticiava “a adesão de


mais de 90 lideranças políticas de 10 cidades do interior, que se filiaram ao partido em
clima de verdadeira euforia”. Também na edição de 4 de novembro, lia-se: “O Partido
Democrata Cristão – PDC, resolve apoiar o candidato do PMDB a partir da decisão dos
138 diretórios do partido que decidiram romper a aliança com a coligação Aliança
Democrática Progressista”. O jornal “A Tarde”, na edição de 15 de outubro, informava a
adesão de 53 políticos do PDS: prefeitos, vereadores e lideranças, além de uma delegação
do Partido Humanista (PH).
118

“Direito Constitucional” da UnB, e à advocacia, destacando-se na defesa de


presos políticos nos Tribunais Superiores. Assim, a indicação de Josaphat
Marinho para concorrer ao governo do estado surpreendeu, em certa
medida, os meios políticos, que estranhavam a aproximação do jurista com o
grupo político liderado por Antônio Carlos Magalhães.
De acordo com os depoimentos do jornalista Luiz Guilherme Pontes
Tavares74 e do advogado Antônio Guerra Lima o governador João Durval foi o
responsável pela escolha do nome que concorreria à sua sucessão. Guerra
Lima reporta-se à conversa com Josaphat a respeito da sua candidatura:

Eu não tenho dúvida, Josaphat disse a mim. Quem convidou


Josaphat para ser candidato foi João Durval e Antônio Carlos,
a,í apoiou. Nesse dia, eu disse a ele: ‘– Professor o que é que eu
digo a Waldir?’ Ele disse: ‘– Diga a Waldir que eu tenho 323
prefeitos comigo’. (GUERRA LIMA, 2007).

A agência de propaganda DM 9, de Duda Mendonça, foi contratada


para cuidar da produção dos programas de rádio e televisão para veiculação
no horário gratuito. Os valores que envolveram a contratação da Agência e a
produção dos eventos e programas pareciam destoantes da estrutura
destinada à equipe de imprensa que acompanhava o candidato. Pelo que
indica o depoimento do jornalista e professor Luiz Guilherme Pontes
Tavares, que trabalhou na campanha de Josaphat Marinho, em 1986, não
havia, na campanha do PFL, a preocupação em destinar recursos e
condições para que o trabalho dos jornalistas tivesse um melhor resultado:

Eu atuei como repórter de uma equipe que era chefiada pelo


jornalista Agostinho Muniz e que tinha como auxiliares, em nível
de editores, os jornalistas Wilson Barbosa e Eliezer Varjão;
atuávamos como repórter, eu e Jair Mendonça, e como fotógrafo,
Wilson Besnosik. Não havia uma orientação específica... Nós
tínhamos, portanto, a tarefa de acompanhar o candidato na
capital e no interior. Jornadas que começavam às sete e podiam
terminar no outro dia de madrugada e com os recursos muito
precários.[...] Eu fazia boletins [...] pegava o telefone e ditava [...]
e do outro lado a pessoa copiava. Fiz isso em casa de pessoas,
fiz isso em telefone público, em posto telefônico [...]. Nós não

74 Entrevista realizada em Salvador, no dia 3 de março de 2007.


119

tivemos nenhum pagamento vultoso. Era uma ajudazinha...


(TAVARES, 2007).

Também, o depoimento do jornalista informa a inexistência de


vinculação do trabalho desenvolvido em duas esferas da comunicação que
atuavam na campanha, ao registrar que faria sentido a articulação entre as
duas equipes:

[...] inclusive para dar uma unidade no tratamento da


informação. Mas, jamais tivemos essa possibilidade, com o
pessoal de propaganda. Jornalismo era jornalismo, propaganda
era propaganda. Em 86, a propaganda e o comitê de Josaphat
eram corpos distintos. Me recordo que se alguma proximidade
houve foi com o pessoal de eventos que era comandado por
Eliana Dumet e tinha Renato Sena como executivo que viajava e
armava palanque e coordenava essa parte..[...] se você me
perguntar quem era o publicitário, eu decididamente não sei
quem era. Não tive esse convívio. (TAVARES, 2007).

A equipe do jornalismo era vinculada ao “Comitê Político” que


funcionava no bairro do Chame-Chame, juntamente com a assessoria
jurídica e o grupo responsável pelos eventos. Neste local, também estava
instalado o escritório de Josaphat Marinho, onde o candidato atendia aos
políticos e aos jornalistas.
A coordenação da campanha reunia pessoas próximas ao
candidato e ao Governador João Durval, sendo destacados, na entrevista de
Tavares, os nomes de Paulo Marinho, filho do candidato, que exercia as
funções de Coordenador-Geral ao lado de Alberval Figueiredo, Secretário de
Comunicação Social do governo do estado, Érico Mendonça, cunhado de
Josaphat Marinho, e Sérgio Carneiro, filho do Governador e, à época, Chefe
da Casa Civil, que tinha espaço e importância de relevo no Comitê e em
diversos comícios, onde discursava representando o Governador.
A expectativa de vitória que animava Josaphat Marinho na ocasião
do lançamento de sua candidatura não o abandonou até os primeiros dias
da apuração dos votos. Em Ilhéus e Itabuna, cinco dias antes da eleição,
Josaphat afirmava que estava mais certo que nunca de que iria derrotar os
seus adversários “que querem mudar a Bahia para lugar incerto” (A TARDE,
120

11 nov. 1986, p. 7). O tom de otimismo continuou marcando a fala do


candidato do PFL que, ao convocar para o último comício da campanha, a se
realizar em 12 de novembro, na cidade de Feira de Santana, reduto do
Governador João Durval, prometia reunir no palanque cem prefeitos e
estimava a presença de cinqüenta mil pessoas. No dia seguinte, a “Tribuna
da Bahia” informava que vinte mil pessoas tinham estado presentes ao
comício em que Josaphat assegurou a certeza na sua vitória. (13 nov. 1986,
p. 3).
A mesma certeza expressava-se em sua avaliação, na véspera da
votação: “posso perder em municípios de diferentes regiões, porém,
ganhando em todas”; dizia, ainda, que não tinha tempo para se preocupar
com as pesquisas e “suas invencionices”. Na mesma reportagem, o
candidato, contradizendo sua afirmação anterior, comemorou o percentual
de 34% de intenções de votos que lhe seria conferido pelo eleitorado de
Salvador, de acordo com uma pesquisa encomendada e não divulgada pela
oposição. (A TARDE, 14 nov. 1986, p. 8).
A leitura do noticiário dos últimos dias de campanha denota,
ainda, a queixa do candidato pelo fato do Governador João Durval e do
Ministro Antônio Carlos Magalhães haverem polarizado as discussões,
durante a campanha, deixando-o como coadjuvante.75 O seu adversário
comentou, no depoimento concedido, a estratégia que adotou em relação ao
seu opositor:

Eu nunca tomei conhecimento da candidatura de Josaphat, que


ficava até muito irritado, pois eu nunca falei nada a respeito
dele. A minha posição tática em relação ao candidato do
Antônio Carlos foi de não tomar conhecimento da existência
dele; eu me reportava ao centro do poder. Até porque a figura de
Josaphat era absolutamente estranha àquela convivência, era
uma parceria que não casava, um equívoco gigantesco. (PIRES,
2006).

75 Cf. A TARDE, 16 nov. 1986, p. 2; TRIBUNA DA BAHIA, 14 nov. 1986, p. 3.


121

De fato, para os candidatos da coligação “A Bahia Vai Mudar”,


tanto nos palanques, nos mais de trezentos comícios e concentrações no
interior do Estado, como nas caminhadas pelos bairros de Salvador ou nos
textos dos programas de rádio e televisão, o candidato Josaphat Marinho
esteve em plano secundário. A campanha reportava-se ao Ministro Antônio
Carlos Magalhães ou ao Governador João Durval, centrando as críticas nos
métodos de governar e fazer política que caracterizavam o Ministro e nas
mazelas do governo que se encerrava e que fornecia fartas motivações para
as acusações da oposição. Além das denúncias de favorecimento de amigos,
familiares e correligionários e de desvio de verbas em órgãos estaduais como
a Interurb, a Secretaria de Comunicação Social e o Consórcio Rodoviário, os
chamados “Trens da Alegria”76 eram alvo da campanha oposicionista.
A apenas dois dias da eleição, a “Tribuna da Bahia” denunciava a
troca de empregos por votos, na Secretária de Saúde do Estado. De acordo
com a reportagem, a Secretaria contratara 1420 novos funcionários que,
após serem submetidos ao sistema de triagem, receberam a “carta de
recomendação”, a indicação do local em que iriam prestar serviços e a cédula
simulada com os nomes dos candidatos Josaphat Marinho, Lomanto Júnior,
Félix Mendonça, Rafael de Oliveira e Geraldo Matta Pires. (TRIBUNA DA
BAHIA, 13 nov. 1986, p. 6).
Os fatos apresentados na reportagem demonstram o empenho do
Governador e de seus secretários de favorecer seus candidatos, mesmo ao
custo de descumprir as leis que proibiam as contratações na administração
pública, nos noventa dias anteriores ao pleito, e o aliciamento do eleitor.
Mais tarde, os resultados daquela eleição viriam indicar que a
distribuição dos empregos pelas secretarias estaduais não deveria ser
considerada fator de garantia do voto. Durante os comícios de Josaphat
Marinho, no interior do Estado, tornaram-se freqüentes as cantorias
daqueles que se fartavam nos churrascos promovidos pela campanha
pefelista e saíam cantando os versos: “Já comi, já bebi, agora só falta votar
em Waldir”.

76 Denominação que identificava à época as medidas de governo com o objetivo eleitoreiro


de dar empregos no serviço público aos seus correligionários.
122

No dia 15 de novembro, ao dirigir-se à sua Seção Eleitoral,


juntamente com os deputados Paulo Maracajá, Arquimedes Pedreira Franco
e Ney Ferreira, Josaphat Marinho previa que o resultado das urnas lhe daria
uma diferença favorável de cem a duzentos mil votos. Enquanto isso, o
Ministro Antônio Carlos Magalhães, acompanhado de uma comitiva de
diversos políticos do PDS e PFL, protagonizava o que o jornal “A Tarde”
qualificou como “o mais grave incidente das eleições em Salvador”, ao
agredir, com xingamentos e socos, o repórter Antônio Fraga, da TV Itapoan,
que perguntou ao Ministro o que tinha a declarar sobre as vaias que
recebera ao chegar ao local de votação. (A TARDE, 1986, p. 2).
A exibição das cenas da agressão e as entrevistas com o Prefeito
Mário Kertész, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Raimundo Lima, e
o diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), José
Carlos Arruti, repercutindo o episódio, rendeu à emissora suspensão
imposta pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel), que
retirou do ar o sinal da televisão, a partir da provocação do TRE que solicitou
a punição por considerar que a informação do incidente envolvendo o
Ministro das Comunicações, e o repórter estaria sendo usada com objetivos
políticos. As agressões ao jornalista e a punição à emissora foram temas de
diversas manifestações de entidades profissionais, políticos e parlamentares
que protestavam contra o que era considerado pela Associação Baiana de
Imprensa (ABI/BA) “ato de cerceamento da liberdade de informar do
ministro Antônio Carlos Magalhães” (A TARDE, 1986, p. 2).
Após a votação, o candidato Josaphat Marinho continuava fiel à
conduta que adotara durante a campanha e mantinha-se alheio aos
acontecimentos que envolviam o Ministro Antônio Carlos e o Governador
João Durval, seus apoiadores. Em entrevista concedida, na sede da agência
de propaganda DM9, avaliou a campanha, anunciando que venceria a
eleição, garantindo ainda, não ter havido acordo entre seus aliados para a
distribuição dos cargos da administração estadual. Sobre as trocas de
acusações, responsabilizou os adversários por condutas “grosseiras”,
afirmando que, durante a campanha, os seus correligionários foram “serenos
e civilizados”.
123

Em 1990, filiado ao PFL, Josaphat Marinho venceu as eleições


para o Senado ao lado de Antônio Carlos Magalhães que, naquele mesmo
pleito, elegeu-se governador do Estado da Bahia.

3.1.3 WALDIR PIRES E A PROPOSTA DA MUDANÇA

“A campanha de 62 ocorreu no amanhecer do pós guerra,


a campanha de 86 deu-se no amanhecer do pós ditadura”
(PIRES, 2006)

As primeiras ações de Waldir Pires em direção à conquista do


governo do estado começaram com o seu retorno à Bahia, após o exílio
político determinado por sua condição de Consultor Geral da República no
governo João Goulart, em 1964. Um dos articuladores da candidatura de
Roberto Santos ao governo do Estado, em 1982, Waldir fala sobre o trabalho
de organização do PMDB no interior do estado:

Em 1980, após o exílio, montamos um escritório no edifício


Angelina, na Pituba. A tarefa era a implantação do PMDB. Foi
uma luta bonita [...]. Em 1982, fui candidato ao Senado, uma
candidatura precedida de toda uma luta. As pessoas, ainda
com medo, iam espionando e ouvindo, mas, com muito medo.
Aos poucos, as janelas foram sendo abertas. Nós falávamos, no
máximo, para quinze ou vinte pessoas.
Eu me lembrava do tempo em que nós, crianças, saíamos atrás
de um circo que chegava na cidade. Nós íamos acompanhando o
palhaço para ganhar a entrada de graça, saíamos com o
palhaço indicando o caminho para ele, que era o ‘marqueteiro
do circo’. Em 79, armamos um ‘altofalantezinho’ numa
caminhonete. Íamos na parte de baixo, com alguns
companheiros como Leonelli, Filemon... Chegávamos aos
municípios e as pessoas se lembravam ainda da campanha de
62; tomávamos uma cachacinha e perguntávamos onde eram as
principais praças, percorríamos a cidade. Rômulo Almeida ia
também; ele já era presidente do partido. Fazíamos, nós
mesmos, o marketing da nossa chegada, avisávamos que
estávamos chegando e conseguíamos mobilizar alguns
audaciosos cidadãos que se permitiam ir para a rua ouvir falar
de política e da organização das primeiras comissões
provisórias do PMDB. Era preciso que o PMDB se constituísse
em torno de uma candidatura a governador e eu me coloquei
nessa tarefa, de forma que eu ‘fiquei candidato a governador’.
Fui indicado na Convenção do PMDB de 1981 quando vieram as
medidas do governo impondo a vinculação partidária dos votos
124

[...]. Até então, nós tínhamos uma relação de companheiros com


a candidatura de Roberto Santos, que era do PP. Quando veio o
‘Pacote’ do governo tive uma conversa com os companheiros e
disse-lhes que eu apoiaria a candidatura do Roberto Santos. A
Bahia não entenderia se nós entrássemos divididos na
campanha contra essa oligarquia incompetente, perversa,
corrupta ... (PIRES, 2006).

Em 1982, a chapa do PMDB, formada por Roberto Santos e


Rômulo Almeida, candidatos a governador e vice, respectivamente, foi
derrotada pelo ex-Prefeito de Feira de Santana, João Durval, apoiado pelo
Governador Antônio Carlos Magalhães. O partido de oposição, liderando
importantes campanhas que se desenvolveram nos anos que se seguiram
àquelas eleições, expandiu sua influência no interior do Estado e, ao se
aproximar a campanha de 1986, o PMDB já havia conquistado cargos de
destaque no governo federal e se encontrava no comando de algumas
prefeituras de destacados municípios.77
O nome de Waldir Pires ganhou força e consolidou-se como
alternativa para liderar a chapa majoritária do partido contando com os
apoios decisivos de Rômulo Almeida e Roberto Santos, além de Genebaldo
Correia, presidente do Diretório Estadual do PMDB. Aceito pelo conjunto do
partido, sua atenção concentrou-se nas articulações para atrair os grupos
políticos liderados pelos Senadores Jutahy Magalhães e Luis Viana. A adesão
desses senadores, do prefeito da cidade de Guanambi, Nilo Coelho, e dos
deputados Prisco Viana e Ruy Bacelar, também rompidos havia pouco tempo
com o Ministro Antônio Carlos Magalhães, foi determinante para a formação
do arco de alianças que veio garantir a inserção da candidatura no interior
do Estado.
Apesar das resistências iniciais dos seus aliados de esquerda, a
Convenção Regional do PMDB, em julho de 1986, homologou as
candidaturas de Waldir e Nilo Coelho, para governador e vice, e aprovou as
indicações de Jutahy Magalhães e Ruy Bacelar como candidatos ao Senado.

77 Entre outros cargos federais, o PMDB indicara Waldir Pires para o Ministério da
Previdência Social, Roberto Santos, para o Ministério da Saúde, e Rômulo Almeida, para
uma diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Entre as cidades governadas pelo PMDB destacavam-se Salvador, Vitória da Conquista e
Jacobina.
125

A campanha eleitoral de Waldir Pires ao governo do Estado da


Bahia já havia sido iniciada, mesmo antes da oficialização da candidatura.
Nos primeiros meses de 1986, o candidato já participava de comícios no
interior do Estado, buscando promover a vinculação da sua candidatura às
idéias que fundamentaram a campanha de Tancredo Neves após a derrota
da Emenda Constitucional que restabelecia as eleições diretas para a
Presidência da República.
Capítulo 4

1986. O NOVO CAMINHO DAS ELEIÇÕES NO BRASIL

A eleição de Tancredo Neves não dependeria dos votos dos milhões


de brasileiros, mas houve comício, panfletagem, entrevistas nos jornais,
rádios e emissoras de televisão. Houve uma campanha eleitoral em que não
estava em disputa o voto popular, todavia, o candidato viajou pelo país
divulgando seu programa de governo, sintetizado no slogan “Muda Brasil”.
Ao ser questionado, em entrevista, sobre as mudanças que
aconteceriam, após a instalação do seu governo, o ex-governador de Minas
Gerais respondeu:

– Primeiro, a mentalidade; segundo, o comportamento;


terceiro, o estilo de governo; quarto, o acatamento a todos os
direitos e liberdades democráticas.... As iniciativas serão
tomadas desde o primeiro momento, para que as reformas
institucionais e as reformas sociais sejam submetidas à
consideração do Congresso, para obter a colaboração dele,
para que essas mudanças não fiquem apenas nas palavras,
mas também em institutos legais. (apud COSTA COUTO,
1995, p. 184-185).

Na Bahia, essas propostas de mudanças passaram a constituir o


fundamento básico da campanha do PMDB com vistas às eleições de 1986.
Waldir Pires, vinte anos após a campanha, ao ler a publicação “Proposta de
um Governo Democrático para Mudar a Bahia”, relembra:
127

Por que mudar? Porque a Bahia está doente e grande parte do


seu povo passa fome. Porque, apesar da modernização de
segmentos de sua economia, mantém arcaicas, ainda, relações
de produção em sua área rural e no meio urbano. Porque tem
sido incapaz de criar empregos para os seus filhos que
permanecem liderando as estatísticas de emigração, entre os
Estados brasileiros. Porque está praticamente secundarizada,
sem voz e sem autoridade nos altos Conselhos da República...
Para que mudar? Para democratizar o Poder, através da
participação popular organizada. Para reverter o injusto e
indigno quadro social. Para que nos tornemos um Estado
nacionalmente forte e desenvolvido. Para eliminar o medo no
comportamento da nossa gente. Para voltarmos a ser
influentes nas decisões políticas nacionais.
Como mudar? Eliminando-se a prepotência que será
substituída pela participação e pela solidariedade.
Respeitando-se as opiniões, o direito de crítica e a livre
circulação das idéias. Eliminando-se a corrupção e o
desperdício, que serão substituídos pela absoluta e
intransigente seriedade na administração da coisa pública.”
(PMDB/BA, 1986a, p. 50).78

O documento apresenta as diretrizes propostas para o Governo da


Bahia, identifica as potencialidades do Estado, traça um diagnóstico da
situação, considerada “deplorável” e aponta a necessidade de ser acionado,
“de imediato, um processo de mudança” a ser liderado pelo PMDB e partidos
aliados. (PMDB/BA, 1986b, p. 9). O economista Rômulo Almeida79 foi o
idealizador do projeto de organização das propostas, realizado sob a
coordenação do professor Jairo Simões, vice-presidente da Fundação João
Mangabeira, órgão da estrutura partidária destinado a promover estudos e
discussões sobre temas da conjuntura social, política e econômica.
O livrete, com mais de sessenta páginas, editado pelo PMDB, trata
dos “Dez Princípios” que seriam os fundamentos do discurso da “mudança”:
Governo de Liberdade; Governo de Transparência e Verdade; Governo de
Austeridade; Governo de Trabalho; Governo de Participação; Governo de
Valorização Social; Governo de Independência e Integração; Governo de
Justiça; Governo de Desenvolvimento; e Governo de Regionalização.

78 Esse trecho se refere à leitura feita por Waldir Pires, durante a entrevista de março de
2006, do livrete do PMDB: Proposta de um Governo Democrático para Mudar a Bahia. p.
9.
79 Rômulo Almeida, um dos criadores da Petrobrás, da Sudene e do Banco do Nordeste,
era presidente da Fundação João Mangabeira e presidente de honra do PMDB.
128

No capítulo 4, que traça “O Perfil da Mudança”, são definidas as


políticas administrativa, econômica e social a serem adotadas pelo governo
peemedebista, destacando a importância do resgate do setor público e das
estratégias de ação governamental, sendo estabelecidas as metas de
compensação e de “transformação, incluindo-se aí a política agrícola e de
reforma agrária e as políticas de industrialização, de serviços e de
infraestrutura”.
Prossegue, no capítulo 5, com análises sobre políticas setoriais e as
“Diretrizes Sócio-Econômicas Administrativas” para as áreas de Meio
Ambiente, Saneamento, Saúde, Educação, Desenvolvimento Urbano e
Habitação, Comunicação Social, Cultura, Agropecuária, Finanças, Gestão
Administrativa, Ciência e Tecnologia, Mineração, Abastecimento, Indústria,
Comércio, Transportes, Energia, Turismo, Desenvolvimento Social e Justiça
e Segurança. Para cada um desses setores é apresentado um diagnóstico e
um elenco de propostas a serem implementadas pelo governo do PMDB.
A sistematização desse conjunto de propostas para a
administração pública resultou do esforço de técnicos e intelectuais ligados
à Fundação João Mangabeira e à Universidade Federal da Bahia (UFBA).

4.1 A CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO


ESTADO DA BAHIA

Ela foi inovadora na linguagem e, como dizia o Senador Jutahy


Magalhães, foi a primeira e única campanha cívica de que ele
tinha participado na Bahia. Era uma campanha em que a
população se manifestava, era republicana... do cidadão dizer
‘olhe, estou aí, presente neste processo’. O cidadão queria
mudar, foi uma campanha que incorporou uma gramática nova,
em termos de linguagem, com muita clareza e talento. Foi uma
campanha competente que realizava corretamente as análises...
a campanha envolvia uma coisa maior do que ela, que é a
realidade, a sociedade. (SARNO, 2007).
129

Figura 7 – Cartaz com foto do candidato da campanha de Waldir Pires para o Governo do
Estado da Bahia em 1986
130

A definição conceitual do discurso da campanha do PMDB


pretendia estabelecer vinculação estreita com os movimentos de repercussão
nacional que marcaram os anos de 1984 e 1985. Do ponto de vista
estrutural, já havia no Brasil um sistema de recursos tecnológicos que
tornava possível, àquele momento, atribuir aos meios de comunicação um
papel ainda mais determinante nas eleições de 1986.
A partir da oficialização da chapa pela convenção partidária,
iniciou-se uma nova etapa em que se fez necessária a definição de uma
instância que exercesse o comando político e organizacional da campanha,
atribuições que até então eram desempenhadas pelo próprio candidato e
seus assessores, sobretudo Sérgio Gaudenzi, Chefe de Gabinete do MPAS, e
por Genebaldo Correia e Ênio Mendes, respectivamente, presidente e
secretário geral do Diretório Regional do PMDB.
O prefeito de Vitória da Conquista, José Pedral Sampaio, licenciou-
se do cargo para ocupar, por indicação de Waldir Pires, a coordenação do
Conselho Político, responsável pelas decisões políticas da campanha.
Formado por dezoito membros80, o Conselho incluía os candidatos aos
cargos majoritários e representantes dos diversos partidos e grupos aliados.
A sua principal atribuição era a definição estratégica a ser adotada nos
diversos segmentos envolvidos na campanha, orientando o trabalho dos
integrantes das demais instâncias da campanha.
A Assessoria de Imprensa ficou sob o comando do jornalista Tasso
Franco, que acompanhou o candidato nas programações e viagens. Também
constantemente ao lado de Waldir, os assessores Paulo Avena e Toni Carmel
eram responsáveis pela adoção de providências, cumprimento da agenda e
contatos durante da campanha. A Assessoria Jurídica foi dirigida pelos

80 Integravam o Conselho: os candidatos Waldir Pires, Nilo Coelho, Ruy Bacelar e Jutahy
Magalhães; o prefeito de Salvador, Mário Kertész; Genebaldo Correa, presidente regional
do PMDB; Rômulo Almeida, presidente de honra do partido e da Fundação João
Mangabeira; o Senador Luis Viana Filho; José Pedral Sampaio, coordenador geral da
campanha; Roberto Santos, Ministro da Saúde; Paulo Fábio Dantas Neto, vereador de
Salvador e presidente regional do PCB; Élquisson Soares, deputado federal e presidente
do PDT; Haroldo Lima, deputado federal e presidente do PC do B; Galdino Leite, líder do
PMDB na Assembléia Legislativa; Ednaldo Santos, líder do PMDB na Câmara Municipal
de Salvador, representando os vereadores da Bahia; Domingos Leonelli Neto, deputado
federal e representante do Comitê Conjunto; Marcelo Cordeiro, deputado federal e
representante do grupo Novos Tempos; e Chico Pinto, deputado federal e representante
do grupo Tendência Popular.
131

advogados Joir Brasileiro e Antônio Guerra Lima. Reformado pela Polícia


Militar, o Coronel Mansur era o coordenador das ações adotadas com vistas
a garantir a segurança dos candidatos ao Governo do Estado e ao Senado.
Carlos Alberto Rodrigues, que havia integrado a assessoria de Waldir no
MPAS, junto com Alberto Avena, Dalton Godinho, Armênio Santos e Carlos
Alberto Dantas, formava o grupo responsável pelo assessoramento ao
candidato, articulação de novos apoios, elaboração da agenda dos
candidatos e pela programação dos comícios, colaborando para a adoção das
providências que tornavam efetivas as decisões políticas do Conselho.81
A campanha incluía, ainda, a equipe responsável pela elaboração
do Programa de Governo, coordenada pelos economistas Rômulo Almeida e
Jairo Simões; o movimento “Força Total” que, liderado por Yolanda Pires,
promovia atividades envolvendo o Movimento Feminino do partido e os
artistas simpatizantes da campanha, além do Comitê da Capital, organizado
sob a liderança do prefeito Mário Kertész.

4.1.1 A COMUNICAÇÃO

[...] a comunicação conseguia traduzir com fidelidade a definição


política. (PIRES, 2006).

Na comunicação, o investimento se deu de modo a corresponder à


importância que a mídia passara a exercer, na década de 1980. Waldir Pires,
em sua gestão no Ministério da Previdência Social, havia contratado a
agência de propaganda D&E, de Salvador, para as campanhas publicitárias
que anunciavam o saneamento financeiro da previdência.
Segundo o já citado depoimento de Sydney Rezende, sócio de
Sérgio Amado na empresa, em meados dos anos 1980, o mercado
publicitário na Bahia “era restrito quase que exclusivamente ao tripé
Governo, varejo e mercado imobiliário”. O envolvimento das agências nas

81 As informações sobre a estrutura da campanha foram extraídas do depoimento de


Carlos Alberto Rodrigues, advogado e militante político desde a juventude, quando foi
presidente do DCE da Universidade Federal da Bahia, em 1967 e que esteve presente,
desde os primeiros momentos da campanha, quando Waldir afastou-se do Ministério, e
participou da coordenação da campanha e do governo de Waldir Pires. O depoimento
aconteceu em Salvador em 12 de abril de 2007.
132

campanhas eleitorais limitava-se à execução das peças básicas exigidas nas


disputas. Eram criadas as logomarcas e definidos os slogans e, a partir
desses elementos, eram produzidos as artes-finais e os fotolitos para
impressão de cartazes, panfletos e do material reproduzido em serigrafia,
como faixas, bandeiras e camisetas. O trabalho dos profissionais de criação,
produção, mídia, tráfego, arte e atendimento era realizado simultaneamente,
no sentido de atender à carteira de clientes da agência e às campanhas
eleitorais.
Sydney Rezende afirma que a D&E foi pioneira ao “protagonizar
uma mudança radical nos paradigmas na propaganda na Bahia”. Para ele,
“foi na campanha de Waldir que a propaganda baiana experimentou uma
grande e verdadeira mudança”. A agência mereceu sete medalhas no “Prêmio
Colunistas Norte e Nordeste” pela realização da campanha de Waldir Pires.
Na disputa do prêmio Colunistas, em sua edição nacional, a D&E recebeu o
prêmio referente à Campanha do Ano.
Nelson Cadena, ao analisar a iniciativa da empresa, a campanha e
as repercussões trazidas para o mercado publicitário na Bahia, destacou a
“surpresa do mercado que, pela primeira vez, em 20 anos, viu conquistar a
láurea uma campanha de um segmento que não produtos de consumo ou
varejo” (CADENA, 1987 p. 56).
O primeiro passo dos empresários foi separar o “núcleo político”
das demais atividades da agência. A decisão, além de propiciar melhores
instalações e maior autonomia para os profissionais envolvidos no trabalho
do “marketing político”, tinha, também, o objetivo de deslocar da empresa os
possíveis ônus e represálias que poderiam acompanhar a decisão de atender
a um candidato de oposição ao grupo político que concentrava o poder no
Estado.82
O chamado “Núcleo de Marketing Político” instalou-se no imóvel
cedido à campanha, por Pedro Irujo – proprietário da TV Itapoan e da
produtora Itapoan Vídeo – na Avenida Juracy Magalhães, no bairro do Rio
Vermelho. Ali foram montadas ilhas de edição, estúdio de gravação, salas de
reuniões, estúdio de criação e de produção gráfica, galpão para confecção de

82 Depoimento de Sérgio Amado, diretor da D&E a Nelson Cadena. (CADENA, 1987, p. 48).
133

banners e espaço para estoque de material e era onde trabalhavam diretores,


redatores, produtores, editores, músicos e técnicos de TV e rádio, jornalistas,
publicitários, assessores das áreas política e técnica, produtores gráficos e
de eventos, incorporando, ainda, os profissionais de pesquisa, de
informática, advogados e os políticos com seus assessores.
Cláudio Barreto, publicitário da D&E, que, juntamente com vários
outros profissionais da agência, foi deslocado para atender, exclusivamente,
às tarefas da campanha, era o Diretor de Operações do Núcleo. Sérgio
Guerra, produtor gráfico, à época, também deixou as atividades na D&E
para dedicar-se integralmente à produção do material gráfico dos candidatos
da coligação. Além da coordenação do Núcleo, no que se referia às questões
estruturais e organizacionais, Cláudio Barreto, juntamente com Sérgio
Amado e Francisco Bruno, desempenhava as tarefas de atendimento aos
políticos, incluindo-se os candidatos a deputado estadual e federal.83
A equipe de Criação, dirigida por Geraldo Walter, incluía na
redação e na direção de arte, os publicitários Vicente Cecim84 e João Carlos
Mosterio, contratados para desenvolver a campanha, que já tinha definida a
logomarca criada pelo Diretor de Arte Walter Passos.
Usando verde e amarelo, azul e vermelho como fundo onde se lia o
nome do candidato destacado sob a legenda “A Bahia vai mudar”, Passos
representou graficamente a idéia da vinculação do governo da “Nova
República” com a proposta de consolidar, na Bahia, as mudanças pregadas
por Tancredo Neves em sua campanha à eleição no Colégio Eleitoral. Waldir
Pires, pelos resultados da sua gestão no Ministério da Previdência, pretendia
simbolizar a figura do governante capaz de imprimir, no governo da Bahia,
os novos métodos que pareciam inaugurar-se no Brasil.
Geraldo Walter, Diretor de Criação, era também encarregado do
Planejamento de Comunicação, contando com a parceria de Carlos Sarno85,

83 A descrição das atribuições dos membros da equipe do “Núcleo de Marketing Político”


teve como referência a mesma matéria da revista Marketing e os depoimentos de Sydney
Rezende, Carlos Sarno e Giovani Almeida.
84 Inicialmente a redação dos textos publicitários da campanha era atribuição de Marcos
Gavazza, que integrou a equipe até o momento da chegada de Vicente Cecim.
85 Carlos Sarno, diretor de criação e sócio da agência de propaganda Engenho Novo, à
época, era presidente da Associação Profissional dos Trabalhadores em Propaganda.
Carlos Sarno.
134

que se agregou ao Núcleo em razão da idéia inicial de formar-se um pool de


agências para atender à campanha do PMDB. A idéia de reunir três agências
de propaganda para a formação da equipe encarregada das ações de
comunicação da campanha não se efetivou, na medida em que a DM9 optou
pelo contrato com a coligação do candidato Josaphat Marinho e a Engenho
Novo não se incorporou efetivamente, sendo representada unicamente
através da presença de Carlos Sarno86.
O escritório da criação funcionava como laboratório onde eram
pensados e redigidos os textos e roteiros de comerciais, livretes, vinhetas,
videoclipes, anúncios e panfletos para os eventos e era também o local onde
se processavam as decisões a respeito das ações da comunicação da
campanha.
Houve, entretanto, contribuições e idéias que se incorporaram às
pautas dos programas e transformaram-se em símbolos da mudança e da
candidatura de Waldir Pires usados na propaganda e adotados pelo público.
O uso do gestual de juntar os dedos médio e indicador das duas mãos,
formando a letra W, surgiu a partir de uma sugestão de Sydney Rezende e
foi utilizado de diversas maneiras nos comerciais de televisão e em várias
peças gráficas da campanha. Desenvolvida pela criação, a idéia deu origem a
diversas aplicações, sobretudo nos videoclipes em que populares eram
mostrados “fazendo o W” e tornou-se memorável na gravação da dança de
dois capoeiristas que formavam “W” com as pernas equilibradas no ar. O
mesmo gesto foi usado por Caetano Veloso no comício de encerramento, na
Praça Castro Alves, em Salvador.
A articulação entre o trabalho dessa equipe e a coordenação da
campanha assegurava a unidade das formulações e ações políticas com as
estratégias e atividades desenvolvidas pela comunicação.
Por indicação de Waldir Pires, Acácio Ferreira, Jairo Simões,
Galeno de Freitas e Wilter Santiago eram os seus assessores com poder de
decisão para aprovar o material produzido no “Núcleo de Marketing Político”.
Sobretudo Acácio Ferreira e Galeno de Freitas tiveram ali presença

86 Em entrevista, o ex-governador Waldir Pires refere-se ao convite formulado ao


publicitário Duda Mendonça para integrar a sua agência ao Núcleo de Comunicação da
sua campanha.
135

constante, de agosto a novembro de 1986, discutindo os temas dos


programas, os textos dos discursos dos candidatos e as estratégias de defesa
e ataque ao adversário através dos meios de comunicação. Assim, além de
incorporar os recursos e instrumentos da propaganda, as estratégias de uso
da comunicação na campanha estavam articuladas com uma consistente
fundamentação política.
O advogado Antônio Guerra Lima prestava assessoria jurídica,
dissolvendo dúvidas sobre a legislação relativa à propaganda eleitoral,
pedido e veiculação de direito de resposta e providências quanto à entrega
das fitas contendo os programas às emissoras responsáveis pela geração das
imagens para as demais televisões e rádios.

4.1.2 A TELEVISÃO

Se tem que fazer, faça bem feito. 87

Os programas eleitorais, de doze minutos, veiculados diariamente


em cadeia de rádio e televisão, em dois horários, eram produzidos pelo
“Núcleo de Marketing Político”, a partir do direcionamento e das decisões
estratégicas definidas conjuntamente com o candidato e seus assessores. A
equipe da comunicação encarregava-se da tradução do discurso, de forma a
torná-lo compatível com a linguagem publicitária.
A utilização de vinhetas, cenários, comerciais inseridos nos
programas como recursos de apresentação de propostas ou críticas e
ataques ao adversário, videoclipes e a presença de modelos e figurantes eram
grandes novidades que se incorporavam, naquele pleito de 1986, ao universo
da comunicação política e das discussões sobre candidatos e campanhas
eleitorais.
A equipe de produção dos programas era bastante reduzida,
levando-se em conta a sua duração e os padrões utilizados atualmente, que
envolvem um conjunto de profissionais numericamente muito superior

87 A frase, usada como título do anúncio publicado na homenagem póstuma prestada pela
seção baiana da Associação Brasileira das Agências de Propaganda (ABAP), era a favorita
de Geraldo Walter. (A TARDE, 27 mar. 1998).
136

àquele que produzia o Programa da Mudança. Juntamente com Giovani


Almeida88, diretor de TV, trabalhavam cerca de dez técnicos89, sob o
comando de Geraldo Walter, que definia com Almeida quais as matérias que
seriam incluídas nos programas:

Geraldão era o grande chefe. A partir do que era produzido na


criação ele definia os programas comigo. À noite, depois que ia
todo mundo embora, ele subia pro estúdio e perguntava: ‘– Gio,
o que temos de material gravado?’ Aí definíamos o que ia ser
editado para o próximo programa e as próximas pautas de
gravação. (ALMEIDA, G., 2007).90

Responsável por dirigir as gravações, editar o material selecionado


e finalizar o programa a ser encaminhado à emissora encarregada de gerar
as imagens para transmissão pelos demais canais de televisão, Giovani
Almeida recorda as condições de trabalho disponíveis e as formas criativas
que eram adotadas para superar as dificuldades decorrentes da carência de
recursos técnicos:

Tínhamos três câmeras para as gravações de externa e estúdio,


e uma ilha de edição com duas máquinas. Não havia
equipamento com os recursos para fusão [...] Felizmente
conseguimos que a Itapoan Video91 comprasse uma máquina de
edição com slow motion, que tornava possível fazer as
bandeiras tremularem lentamente, criando um efeito muito
bonito plasticamente. Era um equipamento caro e por isso não

88 Giovani Almeida havia trabalhado na agência de propaganda DM9, contratada por Mário
Kértesz, em 1985, para fazer os programas do horário gratuito e nesta mesma agência
participou do início da campanha de Josaphat Marinho, dirigindo as gravações da
Convenção Partidária que homologou a candidatura do PFL.
89 Havia dois cinegrafistas, Joedson e Vandinho e dois editores, Kleber e Gago. O diretor de
fotografia francês, radicado no Rio de Janeiro, René Persin, esteve em Salvador para
participar da algumas gravações que envolviam a necessidade de maiores recursos de
iluminação. Maria Luiza Franco, diretora de TV, também do Rio de Janeiro, auxiliava
Giovani Almeida, sobretudo na condução das gravações dos candidatos ao Senado.
Sahada Mendes era responsável pela produção, contando com o cenógrafo Beto, o
operador de VT, Chiclete e Marie Thorrnt, como maquiadora. José Américo Moreira era
repórter. A campanha contava ainda com a participação de Fred Sue, artista e cenógrafo,
que viabilizava, do ponto de vista da produção, a montagem das peças cenográficas
definidas pela equipe de criação.
90 Giovani Almeida, em entrevista. Salvador, 19 jun. 2007.
91 A Itapoan Vídeo era a produtora de vídeo que integrava a rede de empresas de
comunicação de Pedro Irujo. A TV Itapoan, também de Irujo, disponibilizou
equipamentos para a campanha, segundo informações de Giovani Almeida, em sua
entrevista.
137

era muito disponível [...] Como tínhamos apenas uma ilha, o


esquema de edição funcionava 24 horas, em sistema de rodízio
dos dois editores. (ALMEIDA, G., 2007).

O mercado publicitário na Bahia, ainda na década de 1980,


dependia de empresas localizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo para a
finalização dos comerciais gravados e editados pelas produtoras baianas
recém iniciadas nestas atividades. Durante a campanha de Waldir Pires, as
trilhas de áudio eram encomendadas à empresa carioca Tape Spot, enquanto
a finalização das peças de vídeo era feita em Salvador, nas produtoras
Itapoan Vídeo ou Vídeograv, mediante a utilização de placas e cartazes
impressos e animados por equipamentos que davam movimentos às
ilustrações. Nos dias atuais, com a utilização da computação gráfica e dos
múltiplos recursos que as modernas ilhas digitais de edição disponibilizam,
torna-se difícil descrever as formas improvisadas de dar movimento a
imagens e marcas gráficas. Giovani Almeida, que hoje domina essas técnicas
de última geração, tenta demonstrar como eram produzidos os efeitos pelo
método que, à época, os técnicos batizaram de “mãoDO” em alusão à
denominação da Plataforma de Efeitos ADO utilizada pelas produtoras:

Como não tínhamos a Plataforma ADO92, muitas vezes a


solução era usar o ‘mãoDO’. A gente girava, manualmente, as
cartelas das ilustrações da marca da campanha, do número 15,
do W, para dar a impressão de movimento. Dava muito
trabalho, mas o resultado compensava [...] (ALMEIDA, G.,
2007).

Nos programas, eram veiculadas falas dos candidatos ao Governo


do Estado e ao Senado e, sempre que alguma questão política exigia resposta
mais agressiva ou se pretendia apresentar alguma denúncia contra o
adversário, eram gravados pronunciamentos de candidatos à Câmara dos
Deputados e à Assembléia Legislativa, considerados combativos e afinados
com a campanha, para veicular no horário do candidato ao governo. Além
dos temas políticos e de matérias que exploravam as idéias que

92 Segundo Giovani Almeida a Plataforma de Efeitos ADO custava, à época, cerca de cem
mil dólares.
138

fundamentavam a proposta de Mudança, apresentada por Waldir Pires, os


programas usavam peças publicitárias inovadoras marcadas pelo humor e
por alternativas de produção que primavam pelo zelo no acabamento e na
criatividade.
Carlos Sarno, integrante do grupo de publicitários responsável pela
redação dos textos e criação dos comerciais, vinhetas e quadros do
programa, procura definir os princípios que orientavam o trabalho da
equipe:

A gente conseguia misturar inovação da linguagem com


conteúdo político e com análise da conjuntura política. O
[comercial] Pinóchio, que virou capa da Veja, foi um exemplo. A
campanha do adversário estava usando a pesquisa, tentando
desmoralizar a nossa campanha. Eu disse a Geraldo [Walter]: ‘–
A gente precisa ser mais agressivo nesse negócio e eu estou
com a idéia de [...] dizer que a campanha adversária está
mentindo e tal’. Geraldo não concordou muito comigo, não. Mas,
havia muita capacidade de ouvir, de tentar, de aceitar a
diversidade. Fomos eu, Giovani e Fred Sue. Fizemos o
comercial, que era muito forte, era muito publicitário, a figura, o
ícone, toda a linguagem, não tinha nada de jornalismo. Quando
a gente resolveu colocar no ar, foi um resultado ótimo. Isso era
resolvido na comunicação, na propaganda. O Conselho Político
discutia... a gente traduzia... (SARNO, 2007)93.

Os programas de rádio e televisão, que eram apresentados no


horário disponibilizado à Justiça Eleitoral pelas emissoras, tornaram-se peça
fundamental de uma campanha eleitoral que foi marcada, também, pelos
grandes comícios e manifestações de rua, tanto em Salvador como no
interior do Estado.
O cenário político no país era de grande efervescência política. A
anistia política, o fim de diversos instrumentos legais de repressão e
censura, os comícios e atos pelas “Diretas Já”, as manifestações operárias
que marcaram o início dos anos 1980 podem ser identificados como fatores
que demonstram que o país vivenciava uma circunstância política nova. Os
imensos comícios da campanha de Waldir Pires eram representações de que
o eleitor estava predisposto a integrar-se no embate eleitoral e mostrava-se

93 Em entrevista realizada em Salvador, em 16 de abril de 2007.


139

sensível ao novo discurso que propunha mudanças políticas, numa


linguagem também renovada, a despeito de estarem incorporadas à
campanha do PMDB tradicionais lideranças políticas, como os senadores
Luis Viana Filho e Jutahy Magalhães que foram aliados dos governos
militares ao longo dos anos em que perdurou o regime ditatorial que se
implantou no país em 1964.
A comunicação retratava a política de alianças realizada com o
objetivo de isolar o “carlismo”, relacionando as propostas do PMDB com os
avanços da redemocratização do país. Era uma conjuntura marcada por
fatores positivos, que teve fiel tradução na linguagem da comunicação
eleitoral. Sarno ressalta a importância da sintonia que se estabeleceu entre
“quem processava o discurso político-eleitoral e quem processava o discurso
publicitário eleitoral”; para ele:

Havia conjunção entre o apelo emocional e o discurso político,


quer dizer, não se subestimou o lado emocional e não se fez
uma campanha racionalista, baseada numa lógica política de
interesses, mas, se traduziu isso numa linguagem emocional e
publicitária, a que o povo estava acostumado, porque vê a
televisão todo dia e está condicionado por esse tipo de
gramática. Era como se fosse uma sinfonia: você trabalhando
vários ritmos, várias melodias dentro de uma peça só. A
campanha era uma música, a campanha dava certo, o jingle era
muito bom, a marca era maravilhosa... o candidato estava com
o discurso correto... Foi uma campanha muito bem estruturada,
do ponto de vista operacional. Havia uma estrutura, pensava-se
uma coisa e conseguia-se realizar aquilo que era pensado.
Geraldão tinha muita clareza disso, fora a capacidade de
trabalho que ele carregava, a capacidade de organizar, de
conseguir dar alma a esse monte de gente misturada, talentosa,
contraditória; além disso, a corrente era favorável, a gente ia
trabalhar com alegria. (SARNO, 2007).

4.1.3 O “PROGRAMA DA MUDANÇA” NO RÁDIO

Inicialmente, dentre as preocupações dos integrantes do “Núcleo de


Marketing Político” não se incluía o programa de rádio, que ainda era tratado
como recurso secundário. Este entendimento, comum entre grande parte
dos publicitários e jornalistas, resulta em parte do equívoco que conduz os
140

profissionais da comunicação a considerar que, por envolver maiores


exigências de produção, é natural que a televisão polarize as atenções das
equipes de criação, que terminam por adaptar para o uso no rádio as peças
criadas para a televisão. Ao publicitário Carlos Sarno, coube a coordenação
dos programas de rádio da coligação, juntamente com o diretor José Wilson
e a produtora Delanise Costa.
Sarno relembra a ocasião em que chamou a atenção para a
necessidade de ser criada no “Núcleo” uma estrutura para a produção dos
programas de rádio:

Estávamos eu, Geraldo, Cláudio, Galeno [...]. Eu disse a eles: ‘–


Nós precisamos fazer uma rádio [...] A rádio é uma coisa
importante’, eu tinha consciência disso. Geraldo então disse: ‘–
Sarno você cuida do rádio...’ [...]. Aí eu comecei a montar o
esquema para o rádio. Cláudio indicou Zé Wilson, que fez um
trabalho lá no Maranhão, em rádio comunitária... [...]. Foi assim
que surgiu a rádio que, aliás, se transformou num negócio
importantíssimo. (SARNO, 2007).

Contrariando a regra de utilizar, para o rádio, material publicitário


e jornalístico produzido para a televisão, na campanha de 1986, a equipe de
rádio contribuiu com peças marcantes, que foram aproveitadas de forma
destacada no programa de televisão. A música “Amanhã”, de Guilherme
Arantes, após ter sido usada como trilha sonora no programa de rádio,
transformou-se em trilha do videoclipe considerado como uma das melhores
peças apresentadas na televisão pela coligação “A Bahia Vai Mudar” no
horário eleitoral.

4.1.4 O “JORNAL DA MUDANÇA”

Articulada com o “Núcleo de Marketing Político”, a equipe do


“Jornal da Mudança” era responsável pela edição do informativo de doze
páginas em papel jornal, no formato tablóide.
141

Figura 8 – Jornal da Mudança – Peça da campanha de Waldir Pires ao Governo do Estado


da Bahia em 1986
142

A editoria do jornal era composta pelos jornalistas Césio Oliveira,


(Editor-chefe), Renato Pinheiro, Béu Machado, José Barreto de Jesus e
Suzana Alice. O publicitário e diretor de arte, Jair Dantas, o fotógrafo
Raimundo Silva, o diagramador Aloísio Filho, o produtor gráfico Sérgio
Guerra e as arte-finalistas Geni Cardoso e Vitória Cristina completavam a
equipe de trabalho. Também colaboravam os cartunistas Lage e Ramon e os
jornalistas Tasso Franco e Antônio Jorge Moura.
O jornal foi lançado em setembro de 1986, com previsão para ser
editado quinzenalmente, sob a responsabilidade do Diretório Estadual do
PMDB. Em suas doze páginas havia entrevistas e denúncias, informações
sobre a agenda da campanha, adesão de novos simpatizantes, entrevistas e
as propostas do “Programa de Governo”, além da divulgação dos números
das pesquisas de intenção de voto.
Numa linguagem irreverente e utilizando-se de charges e de outras
técnicas de ilustrações, o jornal apresentava como destaque a coluna do
“repórter” Zé Pimenta e servia, também, como canal de divulgação para
assuntos que, por força da legislação, não podiam ser incluídos na pauta dos
programas do horário gratuito de rádio e televisão. Exemplo disso foi a
publicação, no Jornal da Mudança, das declarações de apoio a Waldir Pires
de artistas e personalidades políticas de destaque nacional, como Maria
Bethânia, Chico Buarque, Caetano Veloso, Antônio Callado, Tônia Carrero,
Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e Paulinho da Viola,
impedidos de manifestar-se na mídia eletrônica por decisão do TRE.
A forma como foi concebido e desenvolvido o “Jornal da Mudança”
é ilustrativa da estratégia de comunicação adotada pelo Núcleo de
Comunicação, no sentido de articular a linguagem visual e o conteúdo
utilizados nos diversos veículos que compunham o elenco de meios de
comunicação usados na campanha. A definição das pautas e do enfoque a
ser dado aos temas veiculados no “Jornal da Mudança”, no noticiário de
rádio, jornal e televisão, nas peças publicitárias e nos programas do horário
eleitoral pretendia atender aos objetivos gerais da campanha, adaptando-se
os formatos das peças às exigências da mídia a ser utilizada.
143

O “Jornal da Mudança” servia, portanto, como importante


instrumento para dar suporte à divulgação dos assuntos de interesse da
campanha, reforçando as idéias apresentadas nos programas de rádio e
televisão.
De acordo com o relato do jornalista responsável pela publicação,
Césio Oliveira, a última edição do tablóide alcançou a tiragem de 300 mil
exemplares, sendo necessária a utilização de uma carreta para o transporte
dos jornais até a Estação Rodoviária de onde seriam enviados os pacotes
destinados aos municípios do interior.

4.1.5 O MATERIAL PUBLICITÁRIO PRODUZIDO

Além dos programas de televisão e rádio que, diariamente, eram


entregues para veiculação nos horários distribuídos pelo TRE, foi criado e
produzido um extenso rol de peças gráficas e brindes para divulgação e
distribuição nos eventos da campanha e para serem enviados pelo Comitê
para os diretórios dos partidos aliados no interior do Estado.
Entre outras peças, foram feitos cartazes de diversos formatos,
viseira de PVC, bottom e santinhos, de vários formatos e modelos, adesivos
autocolantes (que se tornaram conhecidos como “praguinha”), também em
várias versões e formas, proteção de pára-brisa de automóvel, toalha de
praia, camisetas, disco compacto simples de vinil, com o jingle da
campanha. Foram produzidos panfletos de convocação para todas as
caminhadas realizadas em Salvador, além de peças gráficas com mensagens
específicas para determinados setores da sociedade.
A mídia impressa foi utilizada de formas variadas: os comícios no
interior tinham repercussão através dos anúncios publicados nos jornais
como forma de fazer circular as notícias sobre os eventos da campanha.
144

CARTAZ
Figura 9 – Cartaz: Peça da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia
em 1986

BANDEIRA
Figura 10 – Bandeira: Peça da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da
Bahia em 1986
145

TOALHA
Figura 11 – Toalha: Peça da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia
em 1986
146

CAMISA

Figura 12 – Camisa: Peça da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia
em 1986
147

VISEIRA

Figura 13 – Viseira: Peça da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da Bahia
em 1986
148

BOTTONS
Figura 14 – Bottons: Peças da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da
Bahia em 1986
149

PRAGUINHAS

Figura 15 – Praguinhas: Peças da campanha de Waldir Pires para o Governo do Estado da


Bahia em 1986
150

Figura 16 – Anúncio de página inteira de jornal: Peça da campanha de Waldir Pires


para o Governo do Estado da Bahia em 1986
151

Figura 17 – Anúncio de meia página de jornal: Peça da campanha de Waldir Pires


para o Governo do Estado da Bahia em 1986
152

Figura 18 – Anúncio de meia página de jornal: Peça da campanha de Waldir Pires para o
Governo do Estado da Bahia em 1986
153

Eram, também, constantes as publicações de anúncios e


manifestos de apoio à campanha, assinados por diversos grupos e categorias
profissionais, dentre os quais: Manifesto dos Artistas e Intelectuais;
Manifesto dos Advogados; Manifesto dos Economistas; Manifesto pelo
Resgate da Cultura na Bahia, “Ação Cultural de Mudança – Avant-Première
ou Antes de Tudo, Reinventar a Bahia”, assinado pelo Comitê de Cultura;
Manifesto dos Sindicalistas, assinado por 286 lideranças sindicais;
manifestos assinados por entidades do movimento negro – “Negritude com
Waldir” e “Negritude e mudança”; Manifesto dos profissionais liberais da
Bahia; Convocação para o Ato Público na Faculdade de Arquitetura da
UFBA; Mário Kertész com Waldir de Corpo, Alma e Coração.
Os comícios, caminhadas e atividades culturais e esportivas
promovidas pelos comitês da campanha também eram divulgados por
intermédio de publicações nos jornais. A novidade, entretanto, era o cartaz,
distribuído como encarte nos jornais, onde constava a recomendação: “Abra
esta página no comício.” Ao abrir, eram exibidas duas mãos com os dedos
formando o W.
Foram ainda produzidos panfletos e livretes com temas específicos,
como as publicações de apresentação das candidaturas de Waldir Pires e
Jutahy Magalhães e as propostas do Movimento Força Total e do Comitê
Estudantil.
No sentido de amparar o sistema de infra-estrutura da campanha,
foi editado o manual “Regras de Segurança e Instruções para Viagens da
Campanha da Coligação ‘A Bahia Vai Mudar’” e para orientar os fiscais e
delegados do partido na votação e apuração dos votos foi lançado o guia
“Fiscalizar para Mudar a Bahia”, com instruções para o acompanhamento da
votação, guarda das urnas até a sua abertura, contagem dos votos e
preenchimento dos boletins de totalização.

4.1.6 OS JINGLES DA CAMPANHA

A utilização de músicas na campanha do PMDB, em 1986, merece


destaque pela eficiente conexão que se estabeleceu entre o principal jingle
154

adotado, “A Bahia vai mudar”, e o conteúdo do discurso da mudança


pregado pelo candidato. De autoria de Walter Queiroz, a composição servia
com perfeição como trilha sonora dos quadros dos programas de rádio e
televisão e nos comícios contribuía para compor o cenário de emoção,
ajudando a animar as platéias, nos mais distantes municípios do Estado.
Como mensagem específica para o eleitorado mais jovem que
votaria pela primeira vez naquele pleito, foi usado o jingle “Meu Primeiro
Voto”, resultado da união de três compositores de diferentes vertentes
musicais. O poeta tropicalista José Carlos Capinam, o jovem músico oriundo
dos festivais estudantis de música, Lui Muritiba, e o economista, professor e
compositor Jairo Simões foram os autores da canção apresentada no comício
realizado no campus da Universidade Federal da Bahia, em homenagem ao
Dia da Cultura.

A Bahia Vai Mudar

Walter Queiroz
Chega de opressão
Porque maiores são os poderes do povo
nesta grande nação.
Valeu a luta lado a lado com você
Valeu a luta do PMDB
Bahia! Bahia ! Bahia!
Todas as janelas vão se abrir
deixe entrar o sol da liberdade
que a grande vitória vem aí.

Foram tantos anos de injustiça


agora não dá mais pra segurar
na capital e no interior ô, ô, ô
o povo da Bahia vai cantar:
Eu quero ver um tempo novo
de crescer e construir.
A Bahia vai mudar
trabalhando com Waldir.

Meu Primeiro Voto

Jairo Simões, Lui Muritiba e Capinam

O meu primeiro voto é pra mudar


O meu primeiro voto é pra sorrir
É voto pra vencer
É voto pra valer
O meu primeiro voto é de Waldir
155

Waldir, candidato da gente


que diz o que a gente sente.
A Bahia vai ser jovem, diferente
ser mais igual, ser mais feliz.
Se eu votasse mil vezes, votava somente em Waldir.
É pra mudar. Meu voto é somente pra Waldir.
É pra vencer. Meu voto é somente pra Waldir.

4.2 A TRAJETÓRIA DA MENSAGEM DA MUDANÇA

4.2.1 NA CAPITAL....

O “Comitê da Capital”, formado sob o comando do prefeito Mário


Kértesz, foi criado com o objetivo de organizar a campanha e promover os
eventos em Salvador. A partir da sua constituição, ficou sacramentada a
entrada do Prefeito na campanha de Waldir Pires, apesar das dificuldades
que o afastavam dos peemedebistas “históricos”, resistentes em aceitar que a
campanha pudesse tornar-se um instrumento de consolidação da liderança
de Kértesz, no PMDB.
Representantes dos diversos grupos políticos aliados, dos partidos
coligados e do próprio Prefeito foram abrigados numa instância incumbida
das deliberações de cunho político94. O vereador Ednaldo Santos, líder do
PMDB na Câmara de Vereadores, esteve à frente do “Conselho do Comitê da
Capital”, dirigindo as reuniões, articulando as negociações e acordos, de
forma a conciliar os interesses, às vezes conflitantes, dos diversos
integrantes daquela instância. A execução das suas definições, ficava sob a
responsabilidade da “Coordenação Executiva”95, que era encarregada de
produzir os eventos estabelecidos no calendário de campanha definido pelo
Prefeito em acordo com o Conselho do Comitê da Capital e a Coordenação

94 O Conselho era formado por Pedral Sampaio, da Coordenação Geral; Deputado Galdino
Leite, líder do PMDB na Assembléia Legislativa; Vereador Ednaldo Santos, líder da
bancada do PMDB na Câmara Municipal; Waldir Régis representando a direção do
PMDB; Edvaldo Araújo, representando o PCB; Ney Campelo, representando o PC do B;
Vasco Neto, representando o PSC; o Jornalista Oldack Miranda, representando o Prefeito
Mario Kértesz; Saul Quadros, representando o PDT; e Aloísio Lago, representando o
grupo do Deputado Francisco Pinto. (PMDB-BA, 1986b).
95 Por indicação do Prefeito Mário Kértesz, fui designada para dirigir os trabalhos desta
Coordenação. Juntaram-se, para auxiliar nesta empreitada, Maria Glória Midlej e Telma
Florentino Pinho.
156

Geral da campanha, responsável pela agenda do candidato. A preparação da


infra-estrutura dos comícios, shows musicais, encontros com lideranças,
passeatas e visitas do candidato aos bairros da cidade era levada a efeito
com a participação do “Núcleo de Marketing Político”, dirigido pelos
publicitários da D&E, que fornecia instrumentos, recursos e assessoramento
para a execução das atividades.
“Salvador de passo certo com Waldir” foi o título da série de
panfletos que convocava a população a participar das caminhadas que
levavam Waldir Pires aos diversos bairros de Salvador, sempre acompanhado
do Prefeito Mário Kértesz, dos candidatos ao Senado e de dezenas de
candidatos às vagas na Assembléia Legislativa e à Câmara dos Deputados,
que disputavam a proximidade com o candidato ao governo de forma a
garantir destaque nas fotos dos jornais e nas imagens das câmeras de
televisão. Denominado de “Caravana da Mudança” ou “Caminhada da
Liberdade”, este cortejo era sempre acompanhado pela Banda do Maestro
Reginaldo de Xangô, contratada para participar de quarenta apresentações.
O primeiro percurso cumprido pelos candidatos aconteceu em 9 de
setembro, quando duas mil pessoas saíram do Bairro da Calçada
acompanhando os políticos até a Igreja do Bonfim.96
Ainda no mês de setembro, foram realizadas outras caminhadas,
nos bairros da Liberdade, no Nordeste de Amaralina, em Castelo Branco e
Cajazeiras. O cronograma – estabelecido de forma a conciliar a programação
em Salvador com a intensa agenda de viagens dos candidatos da chapa
majoritária – estendeu-se pelo mês de outubro e primeiros dias de novembro,
levando a Campanha da Mudança a cumprir o seguinte calendário:
Em 5 de outubro os bairros de Boa Viagem e Ribeira receberam a
caravana, que prosseguiu, no dia 7, indo da Igreja da Conceição da Praia até
a Praça Conde dos Arcos, no Comércio. A programação procurava aproveitar
as datas comemorativas para promover eventos especiais. Duas atividades,
em particular, marcaram a campanha em Salvador, naquele mês de
outubro: no Dia das Crianças, Waldir Pires esteve num encontro com as

96 Jornais “A Tarde, “Jornal da Bahia” e “Tribuna da Bahia” de 10 de setembro de 1986.


157

crianças, no Parque da Cidade, na Pituba; e o aniversário do candidato, no


dia 21, foi comemorado em praça pública, no centro da cidade.
Ainda em outubro, a campanha realizou passeatas nos bairros de
São Caetano e Fazenda Grande, além da programação destinada à
juventude, que incluiu uma carreata na orla marítima, indo do Farol da
Barra até a Praia de Piatã, onde aconteceu um show anunciado com
destaque, no dia anterior, no anúncio de meia página na “Tribuna da Bahia”,
com o título “A Bahia Vai Mudar com Alegria”. Na praia de Stela Maris,
proclamando “A juventude de Salvador quer mudar a Bahia”, o Comitê da
Capital promoveu um encontro de jovens simpatizantes da campanha, que
se encerrou com um campeonato de futevôlei.
No início do mês de novembro, o Prefeito Mário Kértesz afastou-se
do seu gabinete na Prefeitura para dedicar-se à campanha, transmitindo o
cargo ao presidente da Câmara Municipal, vereador Ib Matos97. Kértesz
prometia trabalhar para que a votação do PMDB atingisse 90% dos votos dos
eleitores da capital98, e durante os dez dias em que esteve licenciado
participou da programação do Comitê da Capital junto com Waldir Pires e,
paralelamente, realizou comícios e passeatas improvisadas em diversos
locais de grande circulação, principalmente no centro da cidade.
De forma a tirar maior proveito do pouco tempo que restava até a
data da votação, na última semana de novembro, foi intensificada a
programação de campanha, em Salvador, que passou a incluir diariamente
mais de um compromisso.
De acordo com a nova agenda, o bairro de Brotas, do Engenho
Velho até Cosme de Farias, recebeu Waldir, o prefeito e os candidatos ao
Senado, que estiveram também pedindo votos aos comerciantes da Baixa
dos Sapateiros. A Feira de São Joaquim e o Subúrbio Ferroviário foram
visitados, no mesmo dia 8, em que Waldir Pires compareceu à Câmara
Municipal para um encontro com militantes dos diversos grupos do
“Movimento Negro” da cidade.

97 O vice-prefeito Marcelo Duarte estava impedido legalmente de assumir o cargo de


prefeito, sob pena de tornar inelegível o seu filho, Nestor Duarte, candidato a deputado
federal.
98 TRIBUNA DA BAHIA, 5 nov. 1986, p. 3
158

No final de semana que antecedeu o dia da eleição, dezenas de


artistas prestigiaram a Campanha da Mudança num show no Farol da Barra,
onde, no encerramento, os milhares de presentes juntaram-se aos artistas
para cantar o Hino Nacional abrigados sob uma enorme bandeira do Brasil.
O último compromisso de Waldir Pires ocorreu no dia seguinte ao comício de
encerramento da Praça Castro Alves, quando, acompanhado de sua mulher
Yolanda Pires, o candidato assistiu à missa na Igreja do Bonfim, ao lado de
centenas de simpatizantes e candidatos.99
Na campanha em Salvador houve, também, a participação do
Movimento “PMDB Força Total”, liderado por Yolanda Pires, Presidente da
Liga Brasileira dos Direitos Humanos. Dentre as muitas atividades
promovidas pelo “Força Total” merece destaque o “Ato pela Paz”, realizado
em 12 de agosto, data em que se comemora o Dia Internacional da Paz.
A Campanha da Mudança agregou uma infinidade de artistas de
diversas áreas e com diferentes graus de fama e reconhecimento; Maria
Bethânia, Capinam, Zezé Mota e Caetano Veloso, que participavam dos atos
de campanha, de forma voluntária, juntaram-se a jovens que começavam a
despontar no meio artístico, como Laurinha, Jorge Zarath, Adelson
Espinheira, Nilson Conceição e Tosta Passarinho. Outros que participaram
dos comícios, shows e passeatas foram Zelito Miranda, Carlos Pita, Lui
Muritiba, Alceu Valença, Zizi Possi, Vinicius Cantuária, Era Encarnação,
Ailton Chaves (que se apresentava vestido de Carlitos, personagem de
Chaplin), Lazzo Matumbi, Banda Mel, Diana Pequeno, Edil Pacheco,
Missinho (ex vocalista do Chiclete com Banana), Vital Faria, Durval e Levi,
Gerônimo, Luiz Caldas, Carlinhos Cor das Águas, Marcos Sabino e Geraldo
Azevedo; além dos grupos de teatro e blocos afro: Olodum, Badauê, Malé de
Balê, Alvorada, Sempre Livre, Grupo Circense Tapete Mágico e Oficina de
Investigação Musical.

99 Jornais TRIBUNA DA BAHIA e A TARDE, de 14 de novembro de 1986.


159

4.2.1.1 Os Comícios em Salvador

O primeiro comício da campanha, em Salvador, apresentou as


marcas da disputa que envolvia algumas das principais figuras da coligação
e também deixou claro que a organização de eventos daquela dimensão
ainda era algo muito novo e, portanto, sujeito a uma série de percalços e
contratempos. Embora a organização do evento estivesse a cargo do “Comitê
da Capital”, não faltaram as interferências da Coordenação Geral da
campanha que tentava alterar, desde a ordem das falas dos oradores até a
definição dos nomes dos locutores100 que fariam a apresentação do comício
programado para ter início às 17 horas do dia 14 de outubro, no Largo da
Lapinha, no bairro da Liberdade.
A despeito das dificuldades para conciliar os duplos comandos,
prevaleceram as definições da Coordenação Executiva do Comitê da Capital
que previa, após as apresentações de artistas, o início dos pronunciamentos
dos candidatos à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, que
deveriam fazer seus discursos até as 20:30h, quando falariam o Prefeito
Mário Kértesz, os candidatos ao Senado, o candidato a vice-governador, Nilo
Coelho, o Ministro da Saúde, Roberto Santos e Waldir Pires.
Em sua edição de 15 de outubro, a “Tribuna da Bahia” destaca as
duas novidades observadas naquele ato político: a presença de grande
quantidade de jovens e a “parafernália” armada para viabilizar a gravação
das imagens pelas equipes das emissoras de TV e do “Núcleo de Marketing
Político”. O texto refere-se, ainda, à impressão de que toda aquela produção
podia ser comparada à preparação de um espetáculo do show business. Com
certeza, o autor da matéria não se referia ao show de Lui Muritiba e
Laurinha que se apresentaram após os discursos.

100 O Comitê da Capital tinha como apresentador dos eventos em Salvador, o ator Bertrand
Duarte, hoje publicitário e sócio da agência de propaganda Objetiva. Nos comícios,
Bertrand atuava junto com o ator Benvindo Siqueira, militante de grande notoriedade no
movimento de organização e mobilização dos artistas baianos, no período da ditadura
militar, convidado especialmente para atuar como o mestre de cerimônia nos eventos de
maior público. Os assessores de Pedral Sampaio, Coordenador Geral da campanha,
insistiam que a apresentação do comício deveria ficar a cargo do locutor Zerenildo que
atuava nos comícios no interior do Estado.
160

Os tumultos e os acontecimentos do comício da Lapinha deram


motivação para a matéria do “Jornal do Brasil” que noticiou a pedrada que
atingiu o Ministro da Saúde e ex-governador da Bahia, Roberto Santos,
provocando ferimento no rosto por estilhaços de vidro dos seus óculos
quebrados. O comício, segundo a matéria do “Jornal do Brasil”, foi marcado,
também, por outros transtornos: além do incidente com o Ministro da
Saúde, candidatos ávidos por situar-se em posição de destaque para as
câmeras de televisão terminavam por causar tumultos no palanque. Os
candidatos Raimundo Urbano e Almir Araújo trocaram ofensas e o ex-
Prefeito de Salvador, candidato a deputado federal, Jorge Hage, no afã de
ocupar a frente do palanque e posicionar-se junto aos candidatos
majoritários, chegou a agredir uma integrante do “Comitê da Capital”,
responsável pela organização do comício. (JORNAL DO BRASIL. 16 out.
1986, cad. 1, p. 4).
Nos dias seguintes ao comício, a imprensa informava que tinham
sido registradas diversas ocorrências de agressões e espancamentos, cujas
vítimas haviam sido atendidas, durante a madrugada, no ‘Hospital Getúlio
Vargas”, principal pronto-socorro da cidade. Na já referida edição do “Jornal
do Brasil” consta a declaração de uma testemunha que presenciou os atos
de violência praticados contra o jovem José Carlos Santos da Silva, de
dezoito anos, simpatizante da campanha de Paulo Fábio Dantas Neto,
candidato a deputado estadual pelo PCB. Acontecimentos como esses que
marcaram o comício da Lapinha eram comuns nos eventos de campanha no
interior do Estado e anunciavam o nível acirrado que viria caracterizar a
disputa pelo governo do Estado da Bahia, em 1986, também em Salvador.
Todavia, independentemente da série de incidentes, atritos entre
políticos e a ação de provocadores estranhos à Campanha, a produção não
deixou que faltasse a execução da música “Coração de Estudante”, que ficou
célebre nas manifestações pelas “Diretas Já”, concluindo, finalmente, com a
execução do Hino Nacional, cantado sob a grande bandeira do Brasil.
No campus da UFBA, o encontro dos candidatos do PMDB com os
estudantes se deu em 5 de novembro, no Pavilhão de Aulas, no bairro de
Ondina. Além dos discursos de Waldir Pires, Jutahy Magalhães e Ruy
161

Bacelar e dos candidatos identificados com as questões próximas ao mundo


acadêmico, as cinco mil pessoas ali presentes assistiram, também, às
apresentações de Gonzaguinha, Elba Ramalho, Xangai e do Madrigal da
UFBA em comemoração ao Dia da Cultura. Na reportagem da “Tribuna da
Bahia”, de 6 de novembro de 1986, à página 3, foi dado destaque para o fato
de que os artistas participaram do ato político sem a cobrança de cachê.
Indiscutivelmente, o momento da campanha em Salvador noticiado
com maior destaque aconteceu em 12 de novembro, último dia em que era
permitida a realização de atividades públicas, conforme as normas do TRE.
O Comício da Praça Castro Alves teve Benvindo Siqueira e Bertrand Duarte
comandando o ato público em que o noticiário da imprensa estimou uma
platéia de cem mil pessoas101, que começaram a concentrar-se ao meio dia
ao som de um trio elétrico. A programação do Comitê previa a participação
de 36 blocos e afoxés dos diversos bairros da cidade que receberiam
camisas, faixas, transporte e pagamento de cachê para os músicos.102
À tarde, a Orquestra do Maestro Reginaldo apresentou-se no
palanque armado na frente do Palácio dos Esportes de onde se vislumbrava
a estátua do poeta Castro Alves e a Baía de Todos os Santos. Em seguida, as
bandas, blocos carnavalescos e grupos de afoxés que participaram de todo o
trajeto da campanha animaram a Praça até as 18:30h, quando se iniciaram
os discursos dos sete vereadores de Salvador que disputavam a eleição para
a Assembléia Legislativa. Às 19:30h, começaram a discursar os dez
candidatos a deputado estadual com influência na capital, seguidos pelo
Senador Jutahy Magalhães, candidato a reeleição e o Deputado Federal Ruy
Bacelar que também disputava um dos mandatos de Senador.
A música-tema da campanha, que foi popularizada pelos
programas de rádio e televisão e pelos carros de som que circularam na
cidade, foi cantada pelo seu autor, Walter Queiroz, acompanhado pela
multidão, que já ocupava, além da Praça Castro Alves, a Rua Chile, parte da
Ladeira de São Bento e da Rua Carlos Gomes.

101 Jornais Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia, de 13 de novembro de 1986.


102 No documento de detalhamento da programação do comício, o Comitê da Capital
estimava o valor de setecentos mil cruzados para o pagamento das despesas citadas.
162

A partir daí, deu-se início à segunda parte da programação que


previa a fala de dez dos candidatos da Coligação à Câmara dos Deputados e
de autoridades, como o Ministro da Saúde, Roberto Santos, e o Prefeito
Mário Kértesz.103 Por fim, Caetano Veloso anunciou o candidato ao governo
cantando a música “Amanhã”, do compositor Guilherme Arantes, que havia
se tornado uma espécie de hino da Campanha pela identificação dos seus
versos com o discurso do candidato.

Amanhã

Guilherme Arantes

Amanhã será um lindo dia


Da mais louca alegria
Que se possa imaginar

Amanhã, redobrada a força


Pra cima que não cessa
Há de vingar

Amanhã, mais nenhum mistério


Acima do ilusório
O astro rei vai brilhar

Amanhã, a luminosidade
Alheia a qualquer vontade
Há de imperar, há de imperar

Amanhã, está toda a esperança


Por menor que pareça
O que existe é pra festejar

Amanhã, apesar de hoje


Ser a estrada que surge
Pra se trilhar

Amanhã, mesmo que uns não queiram


Será de outros que esperam
Ver o dia raiar

Amanhã, ódios aplacados


Temores abrandados
Será pleno, será pleno.

103 O cumprimento da programação prevista pelo “Comitê da Capital” foi assegurado pelo
Prefeito Mário Kértesz que, ao lado de Benvindo Siqueira, impedia as tentativas de
interferência dos políticos que desejam alterar a ordem dos discursos ou incluir oradores
que não estavam previamente escalados para falar.
163

Waldir Pires começou o seu pronunciamento, trinta minutos antes


do horário limite para o encerramento oficial da campanha. Saudou os
presentes parafraseando Castro Alves104. (TRIBUNA DA BAHIA, 13 nov.
1986, p. 3).

Não há muitos novembros


do povo doem-lhe os membros
no chicote do poder
este é o momento esperado
quando o povo maltratado
diz: já não posso sofrer!

Ao fim do discurso de Waldir Pires, como aconteceu em todos os


comícios da campanha, o Hino Nacional foi cantado pelo povo que se
abrigava sob a bandeira do Brasil. Encerrada a programação oficial da
campanha, Caetano Veloso, Walter Queiroz e Sandra de Sá iniciaram o show
dando seguimento à festa na praça onde a multidão ainda permaneceu até a
madrugada. (JORNAL DA BAHIA, 13 nov. 1986).

4.2.2 ...e no Interior...

A soma das distâncias indicadas nos dezesseis Roteiros da Chapa


Majoritária105 preparados pelo Comitê Central da Campanha confirma os
quilômetros percorridos pelos candidatos e pela equipe de produção
encarregada da preparação dos comícios da coligação “A Bahia Vai Mudar”.
De julho a novembro de 1986 foram percorridos cinqüenta mil quilômetros
numa maratona que alcançou 320 dos 367 municípios baianos. (A TARDE,
13 nov. 1986).106

104 A paráfrase realizada por Waldir Pires refere-se aos seguintes versos do poema “O povo
ao poder” de Castro Alves: “Ah! Não há muitos setembros / Da plebe doem os membros /
No chicote do poder / E o momento é malfadado / Quando o povo ensangüentado / Diz:
já não posso sofrer”. (Jornal de Poesia. Disponível em: <http://www.revista.
agulha.nom.br/calves19.html>. Acesso em: 13 jul. 2007).
105 Os roteiros, preparados para orientar a comitiva e as equipes envolvidas nas viagens,
indicavam os meios de transporte, extensão e tempo dos percursos, previsão dos
horários de saída e chegada, além do número de municípios a serem visitados em cada
programação.
106 A reportagem sobre a avaliação da campanha refere-se ainda aos 47 distritos visitados
na campanha.
164

Antes mesmo de afastar-se do Ministério da Previdência Social,


Waldir Pires já falava das suas idéias sobre as mudanças necessárias nos
processos políticos e administrativos no Estado. Em fevereiro, no comício em
Jacobina, como informa o jornalista Tasso Franco (1990, p. 181), reuniram-
se dez mil pessoas diante do palanque e do estandarte com as inscrições
“Waldir e PMDB – O Partido da Mudança”, improvisados, mas suficientes
para marcar positivamente o início da campanha.
A partir de março, já afastado do governo Sarney, Waldir Pires se
dividia entre as conversas e entendimentos com os grupos políticos que se
agregavam ao PMDB, as inaugurações dos comitês dos candidatos às
eleições proporcionais e as viagens para o interior, onde os comícios já
antecipavam a disputa que se daria em novembro.
A contratação da D&E agregou à campanha um reforço na infra-
estrutura para a produção dos eventos no interior do Estado. Deixando de
ser tarefa exclusiva dos simpatizantes da campanha, a montagem dos
comícios assumiu um caráter profissionalizado quando Luiz Alberto Souza,
Aurélio Velloso Mendes de Carvalho e Paulo Paranhos107 foram contratados
para executar as providências no sentido de dotar os eventos da campanha
de equipamentos e estrutura, adequando os palanques e elementos de
decoração aos padrões visuais definidos para a campanha.
O trabalho dessa equipe, que incluía o assistente George Bonfim,
consistia em acompanhar a agenda dos comícios nas cidades de médio porte
chegando ao local antes da comitiva de Waldir Pires, a tempo de montar o
palanque e os acessórios necessários. A logística da chamada “Caravana da
Mudança” envolvia um conjunto de equipamentos e pessoas que atuavam
para que, num curto espaço de tempo, a estrutura fosse montada e, após o
comício, seguisse rapidamente para o local do próximo compromisso,
enquanto os candidatos faziam reuniões e visitavam as pequenas localidades
vizinhas.

107 Paulo Paranhos deixou a equipe do interior logo após a realização dos primeiros
comícios e continuou na campanha auxiliando na produção no “Núcleo de Marketing
Político”. A descrição dos fatos que envolveram a produção dos comícios no interior do
Estado retrata as informações constantes dos depoimentos colhidos na entrevista
concedida pelos produtores Luiz Alberto Souza e Aurélio M. de Carvalho em 19 de maio
de 2007.
165

Essa programação incluía, além dos integrantes da comitiva de


Waldir Pires, os fotógrafos Manu Dias e Xando Pereira, os jornalistas da
Assessoria de Imprensa, entre eles, Tasso Franco, Rêmulo Pastore e
Sanclair, o cinegrafista e o operador de TV que captavam as imagens para o
programa do horário gratuito do TRE, o locutor Zerenildo, a Equipe de
Produção, formada pelos técnicos de som da empresa Super Vox, de Vitória
da Conquista, cujo equipamento fora alugado para a Campanha, e os
assistentes contratados nas cidades para auxiliarem na locação ou
empréstimo dos recursos para instalação do palanque, da iluminação e nas
outras providências necessárias.
Para agilizar a montagem e desmontagem, o palanque era feito a
partir da união de três caminhões que formavam um “T” com a junção das
carrocerias; um dos veículos já contava com equipamento de som e um
“cercado” onde, durante o comício, ficavam o locutor, os candidatos da
chapa majoritária e as principais lideranças locais. No fundo do “palco”,
preso nas duas torres de andaimes que serviam de suporte, era aberto um
estandarte de 9 x 3 m, com a marca da campanha.
Para atender às cidades de pequeno porte e os distritos próximos
ao município em que seria realizado o comício, havia cinco pequenos
caminhões onde já estavam instalados os equipamentos de sonorização.
Estes minipalanques móveis revezavam-se, de maneira a antecipar-se à
chegada do candidato aos locais definidos pelos dirigentes do Comitê.
Os maiores colégios eleitorais, por sua vez, mereciam estrutura
diferenciada. Eram armados palanques, nos quais, após os discursos,
aconteciam apresentações de artistas convidados.
Para os últimos dias de campanha, foi preparada uma agenda
especial de comícios a serem realizados nas principais cidades baianas,
entre os dias 3 e 11 de novembro. O roteiro foi iniciado em Jacobina,
seguindo para Bom Jesus da Lapa, no dia 4. Após a concentração em
Camaçari, no dia 5, Waldir Pires prosseguiu, nos dias seguintes,
discursando nos comícios de Alagoinhas, Jequié, Ilhéus, Vitória da
Conquista e Itabuna. No dia 11, penúltimo dia em que era permitida a
realização de eventos públicos, foram feitos dois comícios: em Candeias, na
166

Região Metropolitana de Salvador (RMS), e Feira de Santana, segundo


colégio eleitoral do estado e reduto do Governador João Durval, onde se
reuniram sessenta mil pessoas. (TRIBUNA DA BAHIA, 12 nov. 1986, p. 3).
Nos quatro meses de duração do trajeto, foram registradas
ocorrências que retratam os diversos tipos de situações encontradas durante
a campanha. Houve municípios onde os prefeitos ou outras autoridades da
região eram partidários da candidatura do PFL e usavam de violência e atos
de intimidação na tentativa de impedir a realização dos comícios. Luiz
Alberto relata que, em Canal, distrito de Irecê, hoje, município de João
Dourado, os chefes políticos desligaram as luzes da praça e o comício
aconteceu sob as luzes dos faróis dos carros dos correligionários do PMDB.
Entretanto, mais grave que o improviso, era a ameaça das espingardas
apontadas por homens que, ostensivamente, estavam colocados sobre uma
laje mirando suas armas em direção ao palanque onde discursavam os
oradores.
Além dos incidentes e dificuldades provocados pelos adversários, a
programação sofria também prejuízos causados pelos conflitos resultantes
da reunião, em um mesmo palanque, de lideranças políticas que apoiavam a
chapa do PMDB ao governo, mas estavam longe de verem resolvidos seus
embates locais. Afinal, havia situações em que os novos aliados nutriam
décadas de inimizades e divergências.108

4.3 A “CAMPANHA DA MUDANÇA”: DIVISOR DE ÁGUAS?

Dar publicidade a todos esses eventos implicava na necessidade de


articular uma série de profissionais de qualificações diversas e na
composição de um sistema que possibilitasse a realização das metas
definidas. A organização dessa estrutura, na campanha do PMDB em 1986,

108 Em Irecê, houve dificuldade para conciliar as presenças de Celso Dourado, candidato a
deputado estadual pelo PMDB e do Prefeito Doinha, que acabara de aderir à candidatura
de Waldir Pires, na condição de integrante do grupo do Senador Luis Viana Filho. Em
Xique-Xique, os “históricos” militantes do PMDB reagiram à presença do Deputado
Reinaldo Braga, candidato à reeleição e, também liderado do Senador Luis Viana,
tentando esvaziar os grandes balões de propaganda de Braga. (SOUZA; CARVALHO,
2007).
167

tornou viável a execução do conjunto de ações de comunicação previsto no


planejamento para a eleição de Waldir Pires para o governo do Estado.
O plano de trabalho que se iniciava na definição das formas de uso
das diversas mídias em que se desenvolviam as discussões sobre as
candidaturas, envolvia a criação dos textos e da programação visual das
peças, a produção gráfica, as gravações e edição do material para veiculação
e a produção dos eventos.
A definição do conceito central da candidatura apontava os
caminhos para a elaboração do material publicitário. A criação dos textos, a
gravação das imagens e pronunciamentos, a produção de trilhas para os
programas de televisão e rádio, dos anúncios para publicação nos jornais e
do material gráfico a ser impresso, além da escolha dos tipos de brindes a
serem confeccionados e a programação visual dos comitês e palanques
estavam inseridos numa mesma concepção acerca dos objetivos a serem
alcançados com o uso dessas peças e mídias. A forma de utilização dos
textos e elementos visuais deveria representar com fidelidade o conceito que
sintetizava a formulação política da campanha.
Os recursos da comunicação, de acordo com essa estratégia,
atuavam como intérprete da proposta de mudança nas práticas políticas e
administrativas no estado. Nessa campanha, a demarcação do plano de
comunicação e a montagem de uma estrutura capaz de realizá-lo constituiu-
se num diferencial que passou a definir um novo padrão de realização das
campanhas eleitorais no Brasil.

4.4 O RESULTADO

Os esforços da longa campanha resultaram na expressiva vitória


da chapa liderada pelo PMDB que elegeu Waldir Pires com um milhão e
quinhentos mil votos de diferença em relação ao seu adversário e levou ao
Congresso Nacional os senadores Jutahy Magalhães e Ruy Bacelar. Na
eleição proporcional, foram eleitos 25 deputados federais e 37 deputados
estaduais que constituíram as bancadas de apoio ao governo do PMDB na
Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa da Bahia. (ANEXO 2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A campanha eleitoral de Waldir Pires ao Governo do Estado da


Bahia em 1986 e os métodos e estruturas de comunicação utilizados
naquele pleito constituíram-se no centro desse estudo. Dele resultou a
conclusão de que naquele pleito estabeleceu-se um novo formato de
operação dos recursos comunicacionais, então utilizado pelo candidato do
PMDB e que se converteria, adiante, num padrão inovador de organização de
campanhas eleitorais.
Argumentou-se que, no Brasil, em meados dos anos 1980, as
novas possibilidades de uso dos recursos e técnicas da comunicação
encontraram terreno próspero com os resultados dos investimentos no
avanço tecnológico, no aperfeiçoamento da infra-estrutura das
telecomunicações, efetivado nas décadas de 1960 e 70 e no advento dos
fatores que definem a nova ordem político-institucional construída a partir
da redemocratização.
Durante os governos militares, entre 1964 e 1984, houve
movimentos em direção oposta: de um lado, estímulo à montagem da infra-
estrutura tecnológica para expansão das telecomunicações no país, mas, de
outro, obstáculos, pela implantação de mecanismos institucionais
autoritários que levaram ao controle e limitação do uso dos espaços da
mídia.
O Código Eleitoral, editado em 1965, introduziu os programas
eleitorais gratuitos a serem veiculados na televisão e no rádio, em horários
distribuídos pelo TRE entre os partidos, sendo que, mais tarde, a utilização
desses horários foi limitada à apresentação de fotos e currículos dos
169

candidatos. Depreende-se daí que, durante o período de vigência dessas


restrições, entre 1976 e 1986, a propaganda dos candidatos na televisão e
no rádio não foi capaz de contribuir de maneira decisiva para que os
eleitores tivessem elementos e informações para formar opinião sobre os
candidatos e decidir o seu voto.
A utilização dos horários para veiculação dos programas eleitorais,
a partir da extinção dos limites impostos pela “Lei Falcão”, foi um novo e
importante elemento inserido no processo eleitoral de 1986. Sobretudo em
relação ao uso da programação de televisão, novas técnicas de gravação e
edição de som e imagem foram introduzidas e sobreveio a exigência da
presença de uma série de novos agentes, tecnicamente capacitados e, em
alguns casos, estranhos ao universo da política. Os espaços das campanhas
políticas passaram a ser ocupados também por profissionais da propaganda
e do marketing, à época já interessados em definir novos formatos para o uso
da comunicação nas disputas eleitorais.
Estes novos elementos que se incorporaram às campanhas
políticas não implicaram, necessariamente, segundo o que neste trabalho se
evidenciou, em um processo de utilização da comunicação de forma
desconectada da política. Ao contrário, potencializaram a expressão do
conteúdo do discurso. A superação dos limites do regime autoritário não foi
simples retomada, com reformas pontuais, de um cenário de comunicação
que o golpe de1964 interrompera.
Em 1986, a estratégia de comunicação utilizada na campanha de
Waldir Pires foi formulada em estreita afinidade com as instâncias políticas e
sob o novo formato organizacional implantado. Dessa definição resultaram
ações de propaganda e marketing levadas a efeito de maneira articulada e
interdependente, em relação à orientação e aos objetivos políticos
pretendidos pela candidatura. A presença de definições derivadas de um
planejamento de comunicação estruturado para atender às diversas frentes
de atuação da candidatura é um diferencial marcante em relação ao pleito de
1962, quando, conforme evidenciado no Capítulo 1 deste trabalho, o
voluntarismo e o improviso conduziam a atuação dos envolvidos nas tarefas
de divulgar o candidato e suas propostas.
170

A realização do trabalho nas assessorias de comunicação, levando


ao cotidiano das campanhas um contingente de profissionais da área de
comunicação, implicou em um significativo investimento financeiro,
necessário para viabilizar essa estrutura. Entretanto, os dados mostraram
que, em 1986, esses novos elementos não implicaram na transformação dos
programas de televisão em foco exclusivo da campanha do PMDB. As
referências àquela campanha de Waldir Pires, encontradas na imprensa e
nos depoimentos dos entrevistados, não se dirigem estritamente à
programação do horário gratuito; reportam-se à campanha como um
conjunto de ações que, durante quase seis meses, traduziu o discurso
político que envolvia a candidatura. Os programas apresentados durante
sessenta dias, em dois horários diários, através de rede de televisão e rádio
tiveram destaque pelo mérito da criatividade e da qualidade da execução,
porém, naquele contexto não se constituíram em elemento acima das demais
instâncias da campanha.
Na comparação com a campanha eleitoral de 1962, ficou
demonstrado, a partir dos dados analisados, o novo significado adquirido
pela comunicação com a inclusão da televisão como importante recurso de
persuasão do eleitor. Em 1962, os candidatos não dispunham do horário
eleitoral gratuito para veiculação das suas propostas no rádio e na televisão.
A presença das candidaturas na mídia dependia de decisão unilateral e
discricionária das emissoras.
A nova forma de operação das atividades de campanhas adotada a
partir de 1986 decorreu, entre outras razões, da própria complexidade
adquirida pelo ambiente das disputas.
Como assinalado nos capítulos correspondentes às análises de
ambos os pleitos, foi gritante o salto numérico do eleitorado baiano, entre
1962 e 1986, a ponto do número de eleitores capacitados a votar nesse
último ano aproximar-se do total do contingente populacional existente em
1962, do qual, como visto, o eleitorado de então representava apenas 19%.
Além de numericamente ampliado, o eleitorado, em meados dos
anos oitenta, havia incorporado, mesmo nos municípios mais isolados, um
maior grau de informação e, conseqüentemente, de independência em
171

relação aos chefes políticos que tradicionalmente conduziam, nos municípios


mais distantes da capital, a decisão do voto.
Por isso, em 1986, foi importante estabelecer contatos diretos do
candidato Waldir Pires com a população do interior do estado, embora ainda
estivesse mantida, em certo grau, a influência das tradicionais lideranças
políticas que agiam de forma a direcionar as escolhas do eleitoral sob seu
controle.
Argumentaram os depoimentos que os comícios e visitas
programados para viabilizar o encontro do candidato com os eleitores de 320
dos 367 municípios baianos foram decisivos na ampliação das chances de
vitória da chapa do PMDB. Este quadro, ainda segundo os depoimentos
colhidos, era diverso em 1962, quando o acordo com o chefe local, na
maioria das vezes, dispensava o candidato de percorrer o município
buscando conquistar os votos. Nos municípios maiores e mais próximos da
capital, entretanto, já se notava a existência de outro tipo de relação do
candidato com o eleitor.
As condutas de Waldir Pires diante dos seus opositores, nos dois
pleitos analisados, também evidenciam a influência marcante da mídia no
comportamento eleitoral. Em 1962, a repercussão do veto da Igreja Católica
e a vinculação de sua candidatura aos propósitos comunistas levaram o
candidato a um posicionamento defensivo, conforme demonstra a análise do
noticiário da época. Já em 1986, a candidatura de Waldir Pires amparava-se
no êxito do “Plano Cruzado”, que provocara um clima de confiança no seu
partido, depositário das esperanças reacendidas nos movimentos de
restauração democrática que tiveram seu maior momento na campanha das
“Diretas Já”, em 1984. Tendo o vento a seu favor, a campanha de Waldir
Pires apontava a direção em que seguiria o confronto eleitoral.
Seus adversários eram pautados pela agenda definida pelo PMDB.
Esta agenda encontrava, nos programas de rádio e televisão, um amplo
espaço de propagação das idéias de mudança, buscando a vinculação da
candidatura de Waldir Pires às imagens que compunham a “Nova
República”. Como demonstrado, sobretudo no Capítulo 4 desse trabalho, o
alcance da estratégia política formulada naquela campanha foi
172

potencializado pela ampla e eficiente estrutura montada para viabilizar o


projeto.
O uso dos instrumentos da mídia, da maneira como ocorreu na
campanha eleitoral de Waldir Pires em 1986, não implicou em secundarizar
a importância da disputa nos espaços públicos. Os comícios, visitas, atos e
reuniões públicas foram preservados como centro da cena em que se
desenrolavam e eram decididos os eventos da política. As ações de
comunicação, particularmente na televisão, além de contribuírem no sentido
da valorização da política constituíram-se, pelo formato de operação
adotado, em fator de inovação que passa, a partir de 1989, a ser abraçado
como padrão para as campanhas eleitorais realizadas nos anos seguintes.
Se dali em diante, com o tempo, a difusão deste novo padrão se fez
acompanhar de uma uniformização também nos conteúdos e nos formatos
dos discursos políticos comunicados, acarretando sua desvalorização, ou
mesmo neutralização, isto é um fato cujas explicações estão fora do alcance
e dos objetivos deste trabalho. Mas penso que há nele evidências suficientes
para afirmar que, seja qual for a explicação desta pasteurização, ela não é
desdobramento necessário do formato de operação adotado a partir de 1986,
em si mesmo. Ao contrário, penso ter ficado claro que este formato é
compatível com estratégias de campanha fundadas em discursos políticos de
conteúdos fortes e qualitativamente diferenciados. E com a explicitação de
tais conteúdos através de vários tipos de veículos de comunicação e de
variadas modalidades de eventos de campanha.
173

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A TARDE. 2 jul. 1962.

A TARDE. 19 jul. 1962. p. 2

A TARDE. 31 jul. 1962. p. 3.

A TARDE. 15 out. 1986.

A TARDE. 6 nov. 1986. p. 8-9.

A TARDE. 14 nov. 1986.

A TARDE. 6 set. 1962. p. 3,

A TARDE. Os dois candidatos. 29 set. 1962. p. 1. Editorial.

A TARDE. 2 out. 1962.

A TARDE. 3 out. 1962, p. 1.

A TARDE. 4 out. 1962.

A TARDE. 5 out. 1962, p.1.

A TARDE. 5 out. 1962, p. 2

A TARDE. 11 out. 1986. p. 5.

A TARDE. 25 out. 1986, p. 5.

A TARDE. 11 nov. 1986. p. 7.

A TARDE. 13 nov. 1986. p. 9


180

A TARDE. 14 nov. 1986. p. 8

A TARDE. 16 nov. 1986. p. 2

A TARDE. 16 nov. 1986. p. 2

A TARDE. 18 nov. 1986. p. 5.

JORNAL DA BAHIA. 13 nov. 1962

JORNAL DA BAHIA. 13 nov. 1986.

JORNAL DO BRASIL. 16 out. 1986. Cad. 1, p. 4.

JORNAL DO BRASIL. 31 out. 1986.

TRIBUNA DA BAHIA. 10 set.

TRIBUNA DA BAHIA. 17 set. 1986. p. 3.

TRIBUNA DA BAHIA. 8 out. 1986. p. 3/4. Caderno Política.

TRIBUNA DA BAHIA. Anúncio Campanha Waldir. 17 out. 1986. p. 5.


Caderno Política.

TRIBUNA DA BAHIA. 29 out. 1986. p. 3/4. Caderno Política.

TRIBUNA DA BAHIA. 30 out. 1986. p. 5. Caderno Política.

TRIBUNA DA BAHIA. 1º nov. 1986.

TRIBUNA DA BAHIA. 4 nov. 1986.

TRIBUNA DA BAHIA. 5 nov. 1986. p. 3

TRIBUNA DA BAHIA. 5 nov. 1986. p. 5.

TRIBUNA DA BAHIA. 6 nov. 1986. p. 3.

TRIBUNA DA BAHIA. 11 nov. 1986. p. 5.

TRIBUNA DA BAHIA. 12 nov. 1986. p. 3.

TRIBUNA DA BAHIA. 12 nov. 1986. p. 5.

TRIBUNA DA BAHIA. 13 nov. 1986. p. 3.

TRIBUNA DA BAHIA. 13 nov. 1986. p. 4.


181

TRIBUNA DA BAHIA. 13 nov. 1986. p. 6.

TRIBUNA DA BAHIA. 14 nov. 1986. p. 3.

TRIBUNA DA BAHIA. 19 nov. 1986. p. 3.


ANEXOS
183

ANEXO 1
RESULTADOS DA ELEIÇÃO ESTADUAL DE 1962
DIVULGADOS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Nº de Votos
GOVERNADOR DO ESTADO
Total de Votantes 886.163
Votos Apurados 767.779
Antônio Lomanto Júnior 396.051 UDN – PTB – PR - PST
PDC – PSD – PTN -
Francisco Waldir Pires de Souza 352.428
PSP
Aristóteles Góes 19.300 MTR
Brancos 9,41% 83.362
Nulos 3,95% 35.022

VICE-GOVERNADOR
Total de Votantes 886.163
Votos Nominais 608.874
Orlando Moscoso Barreto de PDC – PTN – PSD –
307.747
Araújo PSP – PST
Francisco Rocha 301.127 PTB – PR
Nulos 19.774
Brancos 257.515

SENADORES
Total de Votos 1.772.326
Votos Nominais 1.132.459
PST – PTN – PSD -
Antônio Balbino de C. Filho 368.325
PSP
PST - PTN - PSD -
Josaphat Ramos Marinho 281.238
MTR
João da Costa P. Dantas Jr. 243.998 UDN – PR
João Lima Teixeira 238.898 PTB - PR
Brancos 599.252
Nulos 40.615

CÂMARA DOS DEPUTADOS 31 cadeiras


Total de Votantes 886.163
Votos Válidos 858.652
Votos de Legendas 759.366
Aliança Democrática 12 deputados PSD-PSP-PDC-PTN-
294.458
Trabalhista Cristã eleitos PSB
10 deputados
Aliança Trabalhista 236. 333 PTB – PR - PRP
eleitos
UDN 223.742 9 deputados eleitos
Não alcançou coeficiente p/ eleger
PST 4.833
representante
Nulos 27.511
Brancos 99.286
184

ANEXO 1
RESULTADOS DA ELEIÇÃO ESTADUAL DE 1962
DIVULGADOS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA 60 cadeiras


Total de Votantes 886.163
Votos Válidos 857.788
Votos de Legenda 780.547
Aliança Trabalhista 212.518 17 deputados eleitos PTB - PL – PR
UDN 145.427 12 deputados eleitos
PSD 122.632 10 deputados eleitos
PDC 79.948 6 deputados eleitos
PST 64.250 5 deputados eleitos
PSP 52.827 4 deputados eleitos
PTN 33.034 2 deputados eleitos
PRP 32.105 2 deputados eleitos
PSB 18.165 1 deputado eleito
MTR 16.022 1 deputado eleito
Não alcançou coeficiente p/ eleger
PRT 3.619
representante
Nulos 28.375
Brancos 77.241

Fonte: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Dados estatísticos. Departamento de Imprensa


Nacional. Brasília, 1964. v. 6.

LISTA DE PARTIDOS

UDN – União Democrática Nacional


PL – Partido Libertador
PSD – Partido Social Democrático
PDC – Partido Democrata Cristão
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PRT – Partido Republicano Trabalhista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PR – Partido Republicano
PST – Partido Social Trabalhista
PSP – Partido Social Progressista
PTN – Partido Trabalhista Nacional
PRP – Partido de Representação Popular
MTR – Movimento Trabalhista Renovador
185

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
186

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
187

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
188

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
189

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
190

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
191

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
192

ANEXO 2
CÂMARA DOS DEPUTADOS / TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)
RESULTADOS DAS ELEIÇÕES DE 15 DE NOVEMBRO DE 1986
Candidatos e Votos Obtidos
193

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
194

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
195

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
196

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
197

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
198

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
199

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986
200

ANEXO 3
FOTOS
CAMPANHA DE WALDIR PIRES PARA O GOVERNO DO ESTADO EM 1986

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