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Saneamento:

promoção da saúde,
qualidade de vida e
sustentabilidade ambiental

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
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Paulo Gadelha
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EDITORA FIOCRUZ
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Coleção Temas em Saúde


Editores Responsáveis
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Nísia Trindade Lima
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Cezarina Maria Nobre Souza
André Monteiro Costa
Luiz Roberto Santos Moraes
Carlos Machado de Freitas

Saneamento:
promoção da saúde,
qualidade de vida e
sustentabilidade ambiental

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Copyright© 2015 dos autores
Todos os direitos desta edição reservados à
fundação oswaldo cruz / editora

Revisão
Irene Ernest Dias

Normalização de referências
Clarissa Bravo

Capa e projeto gráfico


Carlota Rios

Editoração eletrônica
Robson Lima

Produção gráfico-editorial
Phelipe Gasiglia

Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz
Biblioteca de Saúde Pública
S223s Saneamento: promoção da saúde, qualidade de vida e sustentabilidade
ambiental. / Cezarina Maria Nobre Souza...[et al.]. ― Rio de Janeiro :
Editora FIOCRUZ, 2015.
140 p. : il. ; mapas (Coleção Temas em Saúde)
ISBN: 978-85-7541-470-5

1. Saneamento - história. 2. Promoção da Saúde. 3. Qualidade de Vida.


4. Meio Ambiente. 5. Desenvolvimento Sustentável. 6. Saúde Pública.
7. Brasil. I. Nobre, Cezarina Maria Nobre. II. Costa, André Monteiro.
III. Moraes, Luiz Roberto Santos. IV. Freitas, Carlos Machado de.
V. Título.
CDD - 22.ed. – 628

2015
Editora Fiocruz
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21040-361 – Rio de Janeiro, RJ
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Sumário

Apresentação 7

1. Saneamento, Ambiente e Saúde Pública:


uma relação antiga e complexa 11

2. Breve História da Relação entre Saneamento,


Saúde e Ambiente 25

3. Breve História do Saneamento no Brasil 39

4. Mudando o Foco do Saneamento para a


Promoção da Saúde e a Sustentabilidade Ambiental 69

5. Propondo um Saneamento Orientado para a


Promoção da Saúde e a Sustentabilidade Ambiental 99

Considerações Finais 127

Referências 131

Sugestões de Leitura 135

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Apresentação

Este livro resulta de uma longa história, iniciada em 2011,


quando quatro profissionais que atuam nos âmbitos da engenha-
ria sanitária e da saúde ambiental resolveram escrever sobre os
desafios do saneamento em nosso mundo atual. Um saneamento
que enfrente nossa dívida histórica na prevenção de doenças,
mas que seja capaz de olhar simultaneamente para um futuro
orientado para a promoção da saúde.
Não é fácil olhar para o futuro quando se constata que as
condições da vida urbana no Brasil e na maior parte do mundo
ainda são, em geral, bastante precárias, com muitas mortes e pro-
cedimentos ambulatoriais e hospitalares evitáveis. Essas condições
contribuem para a baixa qualidade de vida e para a insalubridade
ambiental, quadro que seria minimizado e até evitado se houvesse
saneamento para todos. Há uma grave violação de um direito
humano essencial, conforme declaração da ONU de 2010. Um
contingente populacional expressivo vive em condições indignas
de acesso a bens e serviços essenciais ao pleno gozo da vida. E se
a provisão desses bens e serviços lhe fosse ofertada, possibilitaria,
por sua vez, seu acesso a outros estágios de realização social.
As relações em torno da tríade modelo de desenvolvimento, am-
biente e saúde são complexas e precisam ser reconhecidas para a
formulação de novas maneiras de abordar esse problema visando
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à superação das precárias condições de vida da maior parte da
humanidade. O acesso ao saneamento é socialmente desigual, e
para a superação dessa violação de direito humano é necessário
dirigir novos olhares para essa tríade. Seria um novo olhar para o
saneamento uma nova mediação possível nessas inter-relações?
Este é um dos temas centrais deste livro.
Como serviço público, o saneamento se originou na era
moderna, quando das grandes epidemias de cólera ocorridas
em meados do século XIX. A visão higienista de então ainda é
hegemônica. Um novo olhar deve incorporar a perspectiva do
modelo de desenvolvimento e a compreensão de nossa relação
com o ambiente. Tal perspectiva sobre o ambiente ainda é muito
recente e as respostas dos Estados-nação diante da força das
grandes corporações ainda se mostram insuficientes.
Em fins do século passado, o campo da saúde dirigiu um
novo olhar para essas relações, com base no ideário da promo-
ção da saúde. A concepção hegemônica de saneamento era, e
ainda é, baseada na prevenção em saúde, ou seja, no esforço
de evitar doenças. Trata-se de um propósito ainda necessário,
mas o saneamento envolve uma dimensão maior, pois está di-
retamente relacionado à qualidade de vida, que por sua vez está
intrinsecamente relacionada ao modelo de desenvolvimento.
O saneamento deve ser reconhecido como uma política pública
e social, o que implica assumir determinado conceito que guiará
as escolhas, diagnosticar as condições de vida e de acesso aos
serviços e propor alternativas tecnológicas, modelos de gestão e
abordagens socioculturais adequadas. E, ainda, definir prioridades
na alocação dos investimentos, ponto nevrálgico de qualquer
política pública.
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Neste livro são assumidos pontos de vistas sobre o sanea-
mento e apresentadas novas propostas baseadas nos conceitos
de promoção da saúde e de sustentabilidade ambiental. Aqui, há
uma inversão de olhar: não chegamos às pessoas partindo dos
sistemas ou das obras físicas; ao invés disso, procuramos partir
das pessoas, do modo como vivem, de sua cultura e sua inserção
social e, com base nessas variáveis, buscar soluções. Considerar
a cultura, as características socioeconômicas e as condições de
vida das pessoas permite buscar soluções tecnológicas e de gestão
socioculturalmente adequadas.
A centralidade do saneamento está na engenharia e, nesta,
nos sistemas convencionais. Há muitas soluções tecnológicas
possíveis para os diferentes cenários sociocultural, geográfico,
econômico, de recursos hídricos, urbano-rural etc.
Etimologicamente, tecnologia vem do grego téchne, e significa
arte. Essa dimensão da criação e da estética perdeu-se no tempo.
São imensas as possibilidades de inovação e diversas as tecno-
logias sociais a serem apropriadas e incorporadas. A população
deve ser ouvida quando da definição das tecnologias a serem
utilizadas, estando claros seus bônus e seus ônus.
O modelo de gestão, por sua vez, deve ser adequado à tecno-
logia utilizada e às características socioculturais da população.
Não é mais aceitável, como tem sido corrente, a imposição
de soluções que, por não considerarem a coerência com a
cultura e as condições de habitabilidade das pessoas, geram
ônus de manutenção para as mais pobres. A participação da
sociedade e o controle social na formulação, implementação e
avaliação das políticas públicas são essenciais, e aos problemas
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tecnológicos deve corresponder a devida responsabilização do
serviço público.
Por, historicamente, não ter levado em conta os referidos
aspectos, o saneamento tem se mostrado uma das políticas pú-
blicas mais atrasadas do Brasil. Neste pequeno livro, propomos
novos olhares e novas estratégias em saneamento, tendo como
fio condutor as relações entre desenvolvimento, ambiente e
saúde, e como dimensões norteadoras a promoção da saúde,
a sustentabilidade ambiental e o trinômio tecnologia, gestão e
aspectos socioculturais. Ao propor que o saneamento envolva
novos atores sociais, novos olhares dos especialistas e espe-
cialistas de novas áreas, procuramos contribuir para renovar
as abordagens nessa área.

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1 Saneamento, Ambiente e Saúde Pública:
uma relação antiga e complexa

Cerca de ¼ de todas as mortes que ocorrem em nosso planeta


atinge crianças e jovens de até 15 anos de idade e é provocado
por doenças relacionadas ao ambiente, principalmente nos países
mais pobres ou entre os grupos sociais mais pobres da popula-
ção. As diarreias correspondem a 29% do total dessas doenças.
No início do século XXI, bilhões de pessoas ainda vivem à
margem de serviços públicos básicos e fundamentais, como os
relacionados ao saneamento, o que inclui, no mínimo, o acesso a
água potável, a serviços de coleta, tratamento e disposição final
de esgotos e resíduos sólidos, além do manejo de águas pluviais.
Metade da população urbana na África, na Ásia e na América
Latina e Caribe sofre de uma ou mais doenças associadas ao
inadequado fornecimento de água e à falta de esgotamento
sanitário. No mundo, cerca de 2,6 bilhões de pessoas não têm
acesso aos serviços básicos de saneamento, e aproximadamen-
te 1,7 milhão de pessoas – principalmente crianças – morre
anualmente como resultado dos problemas de fornecimento
inadequado de água, higiene e saneamento. Cerca de 2 bilhões de
pessoas enfrentam escassez de água e 900 milhões ainda não têm
acesso à água com qualidade adequada para consumo humano.
Esse quadro, que tem resultado em mais de três mortes por
minuto, é resultado das complexas relações entre ambiente,
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desenvolvimento e saúde. Conhecer esses componentes da rea-
lidade e suas interações é essencial para se pensar o saneamento
contemporâneo.

As Relações entre Saneamento, Ambiente e


Saúde Pública
O desenvolvimento orientado para a qualidade de vida e
bem-estar, assim como para a sustentabilidade, vai muito além do
crescimento econômico ou do consumo. Desenvolvimento con-
sidera não apenas a dimensão econômica e sua sustentabilidade,
mas também as outras dimensões – ambiental, social, política e
cultural – que, junto com a saúde, são consideradas não somente
resultados, mas também pré-requisitos para o desenvolvimento.
Cada uma dessas dimensões será detalhada a seguir.
Ambiente é entendido como o espaço dinâmico e multidimen-
sional resultante da amálgama entre os processos sociais – ocu-
pação, produção e rede de infraestruturas (transporte, energia,
saneamento etc.) – que modificam os ecossistemas e os processos
ecológicos que envolvem os sistemas de suporte à vida – as águas
doces e do mar, pescados, florestas, clima, solo, ar, a biodiversi-
dade etc. – que, intrínsecos às funções biofísicas do planeta,
sustentam a vida na Terra.
Saúde, resultante das condições de vida e bem-estar, reflete
também um processo dinâmico e multidimensional, não podendo
se limitar à ausência de doenças. Os fatores sociais e ambientais
que afetam a saúde estão diretamente relacionados aos processos
de desenvolvimento que abrangem, além do saneamento, a apro-
priação das riquezas naturais para a produção de bens, a geração de
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emprego e a distribuição de renda, as condições de vida e trabalho,
a qualidade e a sustentabilidade do ambiente, as redes sociais e de
suporte social, a participação e o empoderamento, e outros que
afetam a qualidade de vida e o bem-estar coletivo e individual.
A saúde pública ou coletiva constitui parte das respostas sociais
às necessidades de saúde. Envolve um campo científico multi
e interdisciplinar, produzindo saberes e conhecimentos, como
também um âmbito de ações e práticas que abrange diferentes
organizações e instituições e atores da sociedade (especializados
ou não), dentro e fora da área da saúde. Na perspectiva contem-
porânea de saúde pública ou coletiva, a produção de saberes e
conhecimentos dá suporte às ações e práticas sociais, econômicas,
políticas, ambientais, culturais e técnicas que têm como objeto as
necessidades de saúde. Tais ações e práticas objetivam a promoção
e a proteção da saúde e a prevenção, diante dos determinantes e
condicionantes que afetam, direta ou indiretamente, a qualidade
de vida e saúde das populações.
Nessa perspectiva, saúde ambiental é o campo da saúde pública
que tem como principal objeto a produção de saberes, conheci-
mentos, ações e práticas que envolvam as interações entre a saúde
e seus determinantes e condicionantes sociais e ambientais, entre
os quais o saneamento.
A expressão da qualidade de vida e de saúde de uma população
é, portanto, resultado das interações entre o processo de desen-
volvimento de uma sociedade e o ambiente. O desenvolvimento
deve ter como princípio norteador a sustentabilidade em suas
múltiplas dimensões: a ambiental, a social, a cultural, a econômica,
a política e a intergeracional.
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Como resultado desses processos dinâmicos e multidimen-
sionais, a sustentabilidade só pode ser compreendida como um
conceito também multidimensional. A sustentabilidade ambiental
está relacionada ao equilíbrio e à integridade dos sistemas de su-
porte à vida. A sustentabilidade social está relacionada à promoção
da melhoria da qualidade de vida e à redução dos níveis de ex-
clusão social por meio de políticas de justiça redistributiva. A
sustentabilidade cultural se relaciona à manutenção da diversidade
cultural, dos valores e práticas vigentes em cada lugar, que inte-
gram, ao longo do tempo, as identidades dos povos. A sustentabi-
lidade econômica se relaciona à capacidade de produção, distribuição
e utilização equitativa das riquezas produzidas pelo homem. A
sustentabilidade política se relaciona ao governo e à governabilidade
e à construção da cidadania plena dos indivíduos por meio do
fortalecimento dos mecanismos democráticos de formulação e
implementação das políticas públicas. A sustentabilidade intergera-
cional visa à proteção do ambiente para as gerações presentes e
futuras, por meio de um conjunto de ações que perpassam todas
as demais dimensões. Nesta concepção de sustentabilidade, as
iniciativas sustentáveis são aquelas que: 1) assegurem os princípios
de desenvolvimento sustentável; 2) garantam um processo de
desenvolvimento duradouro e consistente.
Como resposta social aos problemas de saúde, o saneamento
constitui uma das formas de intervenção e interação entre os pa-
drões de desenvolvimento e a situação do ambiente, que por sua
vez se refletem na qualidade da vida e da saúde das populações.
Essas intervenções e interações podem ou não ser sustentáveis
em suas várias dimensões. Nos países, estados, municípios e
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aglomerados intraurbanos com os piores indicadores de desen-
volvimento e equidade social, também encontramos os piores
indicadores de saneamento e saúde, o que atesta que o saneamento
como resposta social aos problemas de saúde é também uma
intervenção e interação historicamente situada, como veremos
nos capítulos 2 e 3.
Se o saneamento é uma resposta social historicamente situada,
os saberes e conhecimentos, ações e práticas que o envolvem serão
norteados por diferentes formas de se compreender os problemas
de saúde e neles intervir. Em uma sociedade complexa como a
nossa, essas formas de compreensão se traduzem em uma mul-
tiplicidade de conceitos que se expressam na literatura científica
e na legislação que dão base para as intervenções. E, entre tais
formas de compreensão, tem predominado aquela baseada no
modelo biomédico, centrado nos agentes causadores de doenças
e na concepção preventivista do saneamento.
Na concepção preventivista baseada no modelo biomédico,
saneamento é entendido como barreira interposta entre os agentes
presentes no ambiente e o homem, e entre o homem e o ambiente.
No contexto do mundo atual, marcado pela complexidade das
sociedades, tal concepção tem se mostrado limitada. A crise da
saúde pública e a eclosão da problemática ambiental em fins do
século XX e início do século XXI estão na base dessa complexi-
dade, o que exige diferentes modos de conceber o saneamento,
como veremos no capítulo 4.
No capítulo 5, veremos as ações e práticas de um sanea-
mento orientado para a promoção da saúde e a sustentabilidade
ambiental.
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Uma Relação Antiga com Direitos Recentes
O saneamento é um tema muito antigo, mas como resposta
social às necessidades de saúde da população torna-se respon-
sabilidade do Estado somente no século XIX. Surge relaciona-
do às condições materiais de vida de grandes contingentes da
população, que eram e ainda são precárias. Porém, os direitos
ao saneamento são relativamente recentes: foi só em 2010 que
a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, em sua
resolução n. 64/24, que o “acesso à água limpa e segura e ao es-
gotamento sanitário adequado é um direito humano essencial para
o pleno gozo da vida e de outros direitos”. Esse reconhecimento
implica a responsabilidade dos Estados na consecução desses
direitos. Para tanto, políticas públicas devem ser implementadas.
Antes da resolução da ONU, o Estado brasileiro reconheceu,
em 2006, por meio da lei n. 11.346/2006, que institui o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que “a
alimentação adequada, incluindo-se a água, é um direito funda-
mental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana
e indispensável à realização dos direitos consagrados na Cons-
tituição Federal”. No Sisan está estabelecido que “as políticas
e ações devem considerar as dimensões ambientais, culturais,
econômicas, regionais e sociais, para a ampliação do acesso aos
alimentos, que inclui a água”.
O Sisan traz dois elementos essenciais e inovadores para o
saneamento no Brasil, embora não tenham sido formulados nem
tampouco instituídos pela área de saneamento, mas sim pela
da assistência social. O primeiro é o reconhecimento da água
como alimento, presente no âmbito da segurança alimentar e
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nutricional, que usualmente não consta na literatura da área, nem
nas definições de saneamento. O segundo é o reconhecimento
do acesso à água adequada (em termos de qualidade e de quan-
tidade suficiente ao atendimento das necessidades, conforme
estabelecido pela portaria n. 2.914/2011 do Ministério da Saúde)
como direito fundamental do ser humano. Tal reconhecimento
não consta do texto da Lei Nacional do Saneamento Básico
(n. 11.445/2007, LNSB).
A LNSB traz, por outro lado, importantes avanços, que im-
plicam a responsabilização do Estado por direitos dos cidadãos,
quando reconhece como princípios fundamentais a universa-
lização do acesso aos serviços públicos de saneamento e sua
integralidade. No texto dessa lei, integralidade é definida como
o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um
dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à
população o acesso na conformidade de suas necessidades e
maximizando a eficácia das ações e resultados.
O escopo das ações socioculturais, sistemas e serviços pú-
blicos de saneamento básico definido nessa lei compreende:
abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e manejo de
águas pluviais urbanas. Essa delimitação, um reducionismo em
relação ao objeto do saneamento, decorre do fato de que, à épo-
ca da formulação e aprovação da lei, tais ações estavam (e ainda
estão) sob a responsabilidade do Ministério das Cidades. Tais
competências se sobrepuseram às responsabilidades de outros
órgãos, como a Fundação Nacional de Saúde e os ministérios
da Integração Nacional, do Desenvolvimento Social e Combate
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à Fome, e do Meio Ambiente, que atuam de forma mais ampla,
inclusive desenvolvendo ações específicas no meio rural e em
comunidades indígenas e quilombolas, entre outras.
O acesso da população ao saneamento, de acordo com suas
necessidades, conforme consta na LNSB, deve ser compreen-
dido no interior de práticas sociais. Segundo Stotz (1991), tais
práticas ocorrem no contexto de suas mediações fundamentais,
pertinentes às relações entre sujeitos de necessidades e o siste-
ma institucional-administrativo responsável por sua satisfação.
A simples disponibilidade de um sistema, uma obra isolada ou
um serviço em determinado território, apesar de necessária,
não garante sua efetiva utilização. Alguns problemas podem
ser restritivos ao pleno gozo dos sujeitos de necessidades em
saneamento. Conforme sugere Fekete (1996), quatro dimensões
podem se constituir em constrangimentos do acesso: a geográfica,
a organizacional, a sociocultural e a econômica. Alguns exemplos
desses constrangimentos podem ser, respectivamente, a distância
excessiva da casa a um chafariz, a intermitência no abastecimento,
as representações da população quanto à higiene ou manuseio da
água no domicílio e o elevado custo da tarifa.
Além do definido institucionalmente na LNSB, outras ações
socioculturais, sistemas e serviços compõem o campo do sanea-
mento, considerando-se o conceito amplo aqui assumido, bem
como a indistinção entre urbano e rural. O saneamento em um
sentido mais largo se expressa, entre outros, em: 1) abastecimen-
to de água potável; 2) vigilância da qualidade da água para con-
sumo humano, para assegurar condições adequadas de saúde e
bem-estar; 3) coleta, tratamento e disposição adequada de resí-

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duos líquidos, sólidos e gasosos; 4) drenagem e manejo de águas
pluviais; 5) prevenção, respostas imediatas e recuperação em
situações de acidentes e desastres; 6) controle ambiental de ve-
tores e reservatórios de doenças; 7) habitação saudável; 8) pre-
venção e controle de excesso de ruídos; e 9) disciplinamento da
ocupação e uso do solo, contribuindo para a promoção e me-
lhoria das condições de vida nos meios urbano e rural.

Uma Relação Complexa


De meados do século XIX e ao longo do século XX, o sa-
neamento preventivista surge para reduzir o quadro das doenças
infecto-parasitárias (DIP), como cólera, diarreias, febre tifoide,
hepatite A, esquistossomose e helmintíases. No Brasil, se até
1930 as DIP eram responsáveis por mais de 45% dos óbitos, em
2010 não chegavam a 5%, o que requer a revisão de um ponto
de vista sobre o saneamento, não mais somente da doença, mas
também da qualidade de vida. Na atualidade, além do déficit de
saneamento, interferem de forma combinada sobre a qualidade
e as condições de vida e saúde novos problemas associados ao
desenvolvimento industrial, aos serviços urbanos e à expansão das
fronteiras agrícolas. Esse contexto gera produtos e subprodutos
tóxicos e poluentes que resultam em múltiplas consequências so-
bre a saúde, juntamente com os relacionados ao macrofenômeno
da globalização e da crise ambiental global, vivamente expressos
na intensa urbanização, na degradação dos ecossistemas e na
mudança do clima. Esses novos problemas se sobrepõem aos já
existentes e relacionados ao saneamento, obrigando-nos a pensá-
lo de modo ampliado.
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A complexidade das sociedades, bem como dos problemas
ambientais e de saúde, contribui para que um novo paradigma
comece a emergir a partir dos anos 1970, tais como o da pro-
moção da saúde e o da sustentabilidade. Nesse processo, pouco
a pouco o foco se desloca da doença para a qualidade de vida
(Buss, 2000). Um novo ponto de vista sobre os conhecimentos e
saberes, ações e práticas em saúde e saneamento começa a tomar
corpo. A perspectiva preventivista não é mais suficiente para
enfrentar a complexidade das necessidades de um saneamento
contemporâneo. E, a partir desse novo olhar, alguns conceitos e
direitos de cidadania emergem.
O saneamento passa a ser entendido não mais como uma
barreira entre os humanos e o ambiente, mas como parte da
mediação entre ambos, com a finalidade de propiciar: segurança
alimentar e nutricional; melhores condições de saúde (por meio
da prevenção, proteção e promoção da saúde); qualidade de
vida, conforto e bem-estar; e recuperação e proteção ambiental.
Nessa perspectiva, as ações e práticas de saneamento passam a
ser compreendidas não como dissociadas dos contextos socio-
culturais e ambientais em que se realizam. Devem transformar
esses contextos, por meio de políticas públicas saudáveis, que
promovam ambientes favoráveis à saúde, à qualidade de vida e
à sustentabilidade em todas as dimensões, contribuindo para a
dignidade humana, que possibilita o pleno gozo de outros direitos
(Costa, 2009).
Isso significa que, sem desconsiderar as ações e práticas
preventivas, as ações de saneamento devem ser orientadas para
a promoção da saúde, com foco na qualidade de vida, no con-

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forto e no bem-estar. As ainda necessárias medidas orientadas
para problemas específicos de doenças que atingem determi-
nados grupos da população expostos a fontes de degradação
ambiental em comunidades, municípios, estados ou mesmo
países devem integrar um conjunto mais amplo e orientado para
a promoção da saúde e a sustentabilidade. Nessa perspectiva, as
medidas de saneamento devem ser orientadas para o desenvol-
vimento de condições de vida saudáveis, o que inclui outros
aspectos como habitação saudável, educação, alimentos, renda,
manutenção dos serviços dos ecossistemas, justiça social e
equidade.
No saneamento orientado para a promoção da saúde, as inter-
venções e interações têm sua relação com o ambiente permeada
pelo fluxo da vida em sociedade, que reflete a qualidade de vida.
E esta se efetiva não apenas mediante sistemas – componentes
físicos – e serviços, mas também mediante ações permeadas
por diversas dimensões das condições de vida em que se dão as
práticas de produção e reprodução dos processos sociocultu-
rais. Três dimensões são fundamentais para o saneamento em
perspectiva ampliada: a sociocultural, a tecnológica e a gestão.
A dimensão sociocultural envolve temas e ações como educação,
desigualdades, equidade e eliminação da pobreza; preservação da
diversidade cultural; direitos humanos, segurança das pessoas e
o grau em que as necessidades humanas básicas são atendidas.
A dimensão tecnológica abrange soluções materializadas nas
obras de engenharia e aquelas geradas por meios de tecnologias
sociais que incluem desde produtos até processos de baixo cus-
to, fácil aplicabilidade e impacto social. A dimensão da gestão

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envolve as soluções estabelecidas por meio de um conjunto de
procedimentos e processos administrativos que permitem levar a
cabo as políticas definidas pelos poderes Executivo e Legislativo,
combinando e intervindo na dimensão sociocultural por meio do
emprego de tecnologias. Essas três dimensões devem ser conside-
radas articuladamente (Figura 1), pois caso uma delas falhe, o todo
estará comprometido e não será alcançada a sustentabilidade, o
que potencializa situações de vulnerabilidade sanitária, ambiental
e para a qualidade de vida.

Figura 1 – Dimensões fundamentais do saneamento ampliado

Gestão

Sustentabilidade

Tecnologia Sociocultura

Além das intervenções físicas ou sistemas e a gestão de ser-


viços, o saneamento deve incluir um conjunto de ações socio-
culturais, que ao reconhecer a identidade dos sujeitos-usuários,
contribui para o empoderamento dos cidadãos e para a garantia
de seus direitos, pré-requisitos para a promoção da saúde e a
sustentabilidade. É requerido um conjunto de políticas que esta-
beleçam direitos e deveres dos usuários/cidadãos e dos agentes
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públicos, assim como articulações intersetoriais e uma estrutura
institucional capaz de gerenciar a área de forma integrada às de-
mais áreas ligadas à saúde, ao ambiente e outras que, no processo
de desenvolvimento, impactam o ambiente comprometendo a
qualidade de vida e as condições de saúde.

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2 Breve História da Relação entre
Saneamento, Saúde e A mbiente

O saneamento, como um produto histórico que é, constitui


a materialização das dimensões socioculturais, tecnológicas e
de gestão produzidas e desenvolvidas ao longo do tempo, nas
relações humanas coletivamente, com o objetivo de proteger a
espécie humana e a vida. Como ação construída ao longo da
história, fundamental para a configuração do espaço urbano, o
saneamento hoje é produto das ações do presente, mas também
das do passado. Assim, para compreender o significado do sa-
neamento hoje, vamos voltar um pouco no tempo.

O Surgimento do Saneamento no Âmbito


Comunitário e sua Passagem para
a E sfera P ública

O início da agricultura, há cerca de 12 mil anos, significou


uma primeira grande mudança social e ambiental, pois transfor-
mou nossos modos de viver, trabalhar, nos alimentarmos, cons-
tituir famílias e nos relacionarmos socialmente. Se até então,
desde o surgimento de nossa espécie, nos organizávamos em
grupos de caçadores e coletores, nessa nova etapa os humanos,
paulatinamente, passam a viver de forma mais sedentária e em
vilarejos. A domesticação de plantas e animais permitiu inicial-
mente sustentar pequenas aldeias, com aproximadamente cem
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pessoas, o que resultou na sua capacidade de, pouco a pouco,
sustentar populações maiores e construir casas e aldeias mais
amplas; surgem, assim, os primeiros povoados, com poucas
centenas de habitantes.
Essa primeira grande mudança transformou nosso modo
de nos relacionarmos com o meio ambiente próximo. Por
exemplo, a expansão da agricultura e a derrubada de vegetações
e florestas alteraram os ciclos dos vetores e de hospedeiros de
doenças, estando na origem da disseminação de doenças como
a malária e a febre amarela. A domesticação de animais e sua
maior proximidade do contato com humanos representaram a
exposição a uma variedade de doenças que passamos a com-
partilhar com outras espécies: gripe do contato com aves e
porcos, resfriado do contato com cavalos, varíola, sarampo,
tuberculose e difteria do contato com o gado, entre outras.
A concentração de populações em povoados e aldeias significou
também a concentração da poluição por meio da geração de
resíduos sólidos, atraindo hospedeiros de agentes causadores
de doenças, como ratos e baratas. O lançamento de dejetos em
cursos de água criou um contexto perfeito para parasitas intes-
tinais e doenças como cólera, diarreias, febre tifoide, hepatite
A, esquistossomose e helmintíases. Essas alterações ambientais
e a concentração de população sem saneamento e sem hábitos
adequados de higiene criaram um ambiente propício para mui-
tas das doenças que conhecemos ainda hoje e que atingem
milhões de pessoas em todo o mundo.
Entre o surgimento da agricultura e a abertura dos primeiros
canais de irrigação na Mesopotâmia (10.000 a.C. e 5.000 a.C.),

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a população mundial se encontrava em torno de 4-5 milhões
de habitantes. Nesse contexto, o saneamento surge como preo-
cupação de âmbito doméstico, com a salubridade, a higiene e a
segurança da habitação e de seu entorno como responsabilidades
das famílias, passando, pouco a pouco, à responsabilidade das
aldeias e vilarejos.
Com o surgimento das primeiras civilizações e com essas
cidades-Estado na Mesopotâmia, em Roma, na Grécia, na China
e nas Américas, surge a necessidade de se estruturar sistemas de
abastecimento de água de beber, regulamentando-se também o
destino dos dejetos e desenvolvendo-se sistemas de esgotamento
sanitário. Se quando do surgimento das primeiras aldeias e vila-
rejos os problemas e ações relacionados ao saneamento eram
de âmbito doméstico, posteriormente, com o surgimento das
cidades-Estado e do crescimento da população – entre 1.000
a.C. e 200 d.C. a população mundial passou de 50 milhões para
200 milhões de pessoas – e sua concentração em cidades, tais
problemas e ações passam, pouco a pouco, para a esfera pública.
Uma longa história decorre entre esses primeiros assenta-
mentos e o surgimento e ampliação dos problemas ambientais
e de saúde relacionados ao saneamento, tornando as preocupa-
ções com a salubridade, a higiene e a segurança do entorno uma
responsabilidade pública, e não só das famílias ou comunidades.
Para abreviar nossa longa história de 24 séculos, vamos nos deter
nos exemplos de três importantes personagens, como Hipócrates
(Grécia, século V a.C.), Edwin Chadwick e John Snow (Inglaterra,
meados do século XIX).

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Hipócrates, Edwin Chadwick e John Snow, Três
Personagens Importantes em uma B reve H istória

No século V a.C. (entre 500 e 401 a.C.) se deu o primeiro


esforço sistemático, no texto hipocrático Ares, Águas e Lugares,
para se entender por que certas doenças estavam continuamen-
te presentes entre as populações (doenças endêmicas) e outras
doenças que nem sempre estavam presentes aumentavam muito
em determinados períodos ou situações (epidêmicas). Nesse
texto, referência básica para os que se interessam pelas rela-
ções entre saúde e ambiente, as doenças eram atribuídas a três
aspectos interligados: nómoi, o modo de viver e os costumes; a
phýseis, os aspectos físicos dos indivíduos; o entorno, constituído
das estações do ano, dos ventos, das propriedades da água e seu
uso, da posição das cidades em relação aos ventos e ao nascer
do sol, da geografia, do clima e do solo. Em Ares, Águas e Lugares
são abordados os tipos de enfermidades que podem estar rela-
cionados às propriedades da água e seu uso. Por exemplo, águas
abundantes e um pouco salgadas em lugares elevados quentes
no verão e frios no inverno poderiam resultar em homens com
disenterias e diarreias, ao passo que águas voltadas para o nascer
do sol, consideradas mais límpidas, olentes e moles, diminuíam
os casos de doenças e contribuíam para a saúde.
Ao longo da Idade Média houve poucos avanços e muitos
retrocessos na qualidade da vida urbana na Europa, o que se
acentua com a Revolução Industrial. No ano 200 d.C. havia
200 milhões de habitantes no mundo, e em 1300 estes eram 400
milhões, o que significa que a população humana dobrou em
11 séculos. Em 1400, como um dos efeitos da peste negra, essa
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população caiu para 350 milhões de habitantes, e em 1800 (quatro
séculos depois) esse número mais do que dobra, passando para
900 milhões de habitantes. Ao longo da Idade Média, mesmo
com o impacto da grande mortalidade por peste negra, a po-
pulação cresceu, e cada vez mais rapidamente; concentrando-se
em determinadas áreas, passou a constituir povoados, aldeias e
cidades.
Se desde a Antiguidade, como observa Rosen (1994), havia
sistemas de abastecimento de água para consumo humano e
preocupações e regulamentações acerca do destino dos dejetos
e esgotos, ao longo da Idade Média o crescimento e a concen-
tração da população em povoados, aldeias e cidades significaram
também o crescimento e a concentração da geração de resíduos
sólidos (atraindo hospedeiros de agentes causadores de doenças,
como ratos e baratas) e o lançamento de dejetos em cursos de
água. Criaram-se condições propícias à proliferação de parasitas
intestinais causadores de doenças que conhecemos ainda hoje e
que atingem milhões de pessoas em todo o mundo, como cólera,
diarreias e febre tifoide.
Dois exemplos são marcantes dos poucos avanços e muitos
retrocessos na qualidade da vida urbana na Europa: a praga de
Justiniano no século VI e a peste negra no século XIV. A primeira
reflete a crise econômica, política e social que acompanhou o
declínio do Império Romano, quando 542 sucessivas epidemias
de peste nas cidades em torno do Mediterrâneo resultaram em
uma mortandade que chegou a atingir metade das populações
que nelas viviam. A segunda ocorre em um período marcado
pelo estabelecimento de imensas redes de comércio conectando
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diversos continentes (Ásia, África, Europa e Oriente Médio) e
pelo crescimento das cidades com precária infraestrutura urbana
ao longo das rotas comerciais, em um contexto de sucessivas
guerras, invasões e conflitos internos. A peste negra teve origem
na Ásia, onde reduziu a população da China à metade, e atingiu
o Oriente Médio e o norte da África, bem como a Europa.
Estima-se que tenha resultado na morte de cerca de 75 milhões
de pessoas, cerca de ⅓ das quais só na Europa.
Ao longo do século XIX, o crescimento das cidades, parti-
cularmente na Inglaterra, com cada vez mais pessoas vivendo e
trabalhando em condições precárias, resultava em taxas crescentes
de doenças e mortes, principalmente nas cidades. No início do
século XIX, somente 2,5% da população mundial viviam nas
cidades, quadro que mudou rapidamente ao longo do século:
só na Inglaterra, o número de pessoas que viviam nas cidades
passou de 2 milhões para quase 30 milhões. Em 1800, Londres
já contava quase 1 milhão de habitantes, e a Revolução Industrial
disparou um grande fluxo migratório do campo para as cidades,
bem como o crescimento das populações em precárias condições
de vida e trabalho. Taxas crescentes de óbitos e adoecimento,
principalmente por questões relacionadas ao saneamento, atingi-
ram principalmente as populações mais pobres, mas ameaçavam
também os mais ricos, como no caso das epidemias de cólera.
É nesse contexto, em meados do século XIX, que se estrutu-
ram importantes ações, como as de Edwin Chadwick, bem como
formas de compreensão dos processos saúde-doença relacionados
ao saneamento, como a descoberta da maneira de transmissão
da cólera por John Snow (1990). Chadwick e Snow simbolizam

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a consolidação do saneamento como preocupação pública e
ação do Estado. Uma preocupação que passou a se estruturar à
medida que as cidades cresceram e se transformaram em centros
de produção e consumo.
Com esse crescimento, aumentou a necessidade de eliminação
dos resíduos gerados (esgotos e resíduos sólidos), de proteção da
qualidade da água para consumo humano e de garantia do acesso
a este bem. Diante dessas novas necessidades, o saneamento (das
casas, de seu entorno e das pessoas) passou a ser compreendido
como um problema atinente à esfera pública, sendo, então, cons-
tituídos os seus serviços públicos.
No contexto da Revolução Industrial e do surgimento das
cidades, epidemias de cólera como as de 1831 e 1832 em Londres,
que atingiam, principalmente, os distritos mais pobres e com
piores condições de saneamento, impactavam diretamente a mão
de obra das nascentes indústrias. Essas epidemias impulsionaram
inúmeros esforços de compreensão das doenças e de sua relação
com o ambiente. Chadwick torna-se secretário da Comissão da
Lei dos Pobres, em 1835, com a convicção de que os ambientes
físico e social tinham influência sobre as condições de saúde.
Em 1842 foi publicado o relatório de Chadwick que demonstra
a relação das doenças com a inadequação do saneamento e a
necessidade de um órgão capaz de empreender um amplo pro-
grama de prevenção, aplicando o conhecimento e as técnicas da
engenharia. Nesse relatório foram propostas grandes medidas
preventivas, como drenagem, limpeza das ruas e das casas, por
meio de suprimento de água e de melhor sistema de esgotos e, em
especial, a introdução de modos mais baratos e mais eficientes de
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remover das cidades todos os resíduos e rejeitos nocivos, medidas
para as quais se deveria buscar ajuda na ciência da engenharia
civil, e não na medicina (Rosen, 1994). O relatório de Chadwick
expressava um pensamento corrente em vários países da Europa,
como França e Alemanha, onde os rápidos processos de indus-
trialização e urbanização geravam a deterioração das condições de
saúde da população em razão, entre vários fatores, das precárias
condições de saneamento.
Snow representou uma importante mudança de paradigma
nas formas de compreensão do processo saúde-doença, bem
como das medidas e ações destinadas à prevenção de enfermi-
dades. Em um período em que predominava a teoria miasmática,
acreditava-se que as sujeiras externas e os odores detectáveis
deveriam ser reduzidos ou eliminados para deter a disseminação
das doenças. Essa teoria esteve na base das ações de Chadwick,
em que as ações de saneamento faziam parte do higienismo, que
considerava o ambiente das cidades como objeto medicalizável
mediante ações pontuais e focalizadas. Snow, com base em di-
ferentes estratégias de investigação (qualitativas e quantitativas,
mapas e análises de dados), inaugura em seu estudo clássico de
1854, o livro Sobre a Maneira da Transmissão da Cólera, o campo
científico da epidemiologia. Nesse estudo ele comprovou a trans-
missão dessa doença por meio do consumo de água contaminada
com fezes, o que contribuiu para derrubar a teoria miasmática,
constituindo um passo em direção à teoria microbiana, para a
qual as doenças são causadas por organismos específicos. Essa
teoria de Snow foi proposta cerca de trinta anos antes da desco-
berta do vibrião colérico por Robert Koch, ocorrida em 1883.
Tal mudança de paradigma permitiu que fossem formuladas
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ações de prevenção durante a epidemia, que exigiam respostas
imediatas. Mas também contribuiu para evitar a contaminação
da água de abastecimento humano pelas imundícies de fossas
sanitárias, escoadouros domésticos e sistemas de esgotos. Tam-
bém foram propostas medidas e ações contínuas de prevenção,
como drenagem, abastecimento de água com qualidade para o
consumo humano e educação para a higiene.
Para Chadwick, passando por Snow e tantos outros, o sanea-
mento se torna uma estratégia higienista de atuação primeiro
sobre as cidades como objetos medicalizáveis, envolvendo in-
tervenções capazes de impedir ou reduzir a ocorrência de uma
doença ou agravo à saúde de indivíduos ou grupos populacionais.
Nas intervenções realizadas seria adotada uma estratégia direcio-
nada unicamente para obstaculizar o caminho entre o indivíduo
e a doença. Se nos termos dos textos hipocráticos o homem
deveria se adaptar ao seu ambiente, Chadwick e Snow expressam
a noção de que o homem deve intervir no seu ambiente para
prevenir as doenças.

Do Higienismo ao Preventivismo
Desde o higienismo no século XIX, o saneamento constitui
uma intervenção de engenharia que ocorre no ambiente conside-
rado como espaço físico, voltada para obstaculizar a transmissão
de doenças e assegurar a salubridade ambiental, compreendendo
a saúde como ausência de doenças. No fim da década de 50 do
século XX, as intervenções do saneamento no ambiente passam
a se apoiar na concepção preventivista presente no modelo de
história natural das doenças de Leavell e Clark (1976).
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A Figura 2 expressa esse modelo, denominado tríade ecológica,
como um triângulo cujos vértices são constituídos pelo hospedei-
ro humano, pelo agente patógeno e pelo ambiente; trata-se de mo-
delo que tem como base as doenças transmissíveis e no qual um
agente biológico presente no ambiente pode causar uma doença
específica no hospedeiro. Nesse modelo, o papel do saneamento
é interpor barreiras entre os humanos, o agente da doença e os
fatores ambientais, como um processo mecânico. Essa é a ideia
que encerra o conceito de prevenção: centrado na doença, evita
que os humanos entrem em contato com os agentes etiológicos.

Figura 2 – Tríade ecológica de Leavell e Clark (1976)

Hospedeiro

Agente Ambiente

Fonte: adaptado de Pereira, 1999.

Essa concepção preventivista reflete a visão higienista que


as autoridades sanitárias da Inglaterra do século XIX tinham
do saneamento: ação pontual, não sistêmica, unicamente como
intervenção de engenharia voltada para higienizar o ambiente e
afastar a doença. Naquela época o objetivo higienista era com-
bater os miasmas causadores das doenças; atualmente, o objetivo
preventivista é afastar o agente biológico causal do hospedeiro.
Ambas as concepções se encontram fortemente amparadas na
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ideia de saúde como oposta à condição de doença. Assim, o sa-
neamento é tratado como uma intervenção ambiental direcionada
unicamente para obstaculizar o caminho entre o indivíduo e a
doença, o que é reforçado em meados do século XX por Leavell
e Clark (1976), com o seu modelo da história natural das doenças.
No Brasil, a concepção higienista e depois a preventivista
influenciaram o primeiro plano de financiamento federal para
abastecimento de água, de 1953, que dava continuidade ao pro-
cesso de estruturação de políticas públicas relacionadas ao sanea-
mento iniciado na década de 1940. Esse foi o marco do finan-
ciamento público para essa área com recursos onerosos, por
meio de empréstimos, que havia sido deliberado na I Conferên-
cia Nacional de Saúde, em 1941.
Essas políticas públicas de saneamento procuravam responder
à situação de saúde vigente na década de 1930, quando predo-
minavam as doenças infecciosas parasitárias, responsáveis por
45% do total de óbitos. Essa situação resultava, em parte, do
quadro ambiental em que se dava o crescimento das cidades: o
acesso ao saneamento havia aumentado, mas grandes impactos
em mananciais não protegidos contaminavam a água destinada
ao abastecimento e à produção de alimentos (legumes e frutas),
favorecendo o aparecimento de grande número de doenças, entre
as quais as diarreias e a febre tifoide. Nas áreas rurais, o precário
acesso ao saneamento, que vigora ainda hoje, contribuía para o
predomínio dessas doenças.
Nas décadas de 1930 e 1940, problemas urbanos como a
questão da moradia e a falta de água se avolumavam, em um
quadro sanitário que favorecia frequentes surtos de leptospirose
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nos períodos chuvosos. Esse quadro resultava da combinação
de precárias condições de saneamento, presença constante de
hospedeiros de doenças, como ratos, e outras doenças como
tracoma, febre tifoide, difteria e poliomielite.

O Saneamento Articulado com a


Sustentabilidade e a Promoção da Saúde
Em 1970 a população urbana do Brasil ultrapassa a rural, com
mais da metade dos 93 milhões de habitantes vivendo nas cidades,
e em 1980 ela chega a ⅔ dos quase 120 milhões de habitantes
do país. É nesse período de intenso processo de urbanização do
país que os temas ambientais emergem mais fortemente, e as
questões atinentes ao saneamento são relacionadas à qualidade
ambiental e ao subdesenvolvimento (Conferência de Estocolmo,
1972) e ao desenvolvimento sustentável e à pobreza no (Relatório
Brundtland, 1987).
No mesmo período emerge a compreensão de que é preciso
ampliar a concepção de saúde pública. Com a mudança do foco
das práticas centradas, principalmente, nos aspectos biomédicos
da atenção e preventivistas das doenças para uma compreensão
mais ampla do estado de saúde, grande parte da atenção passa a se
direcionar para as dimensões ambientais da saúde. Emblemáticos
desse processo são o Relatório Lalonde, do governo do Canadá,
que em 1974 define as bases para o movimento de promoção
da saúde, e a Carta de Ottawa, resultado da Primeira Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada no Canadá
em 1986.

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A total articulação do tema do saneamento com a agenda
ambiental é explicitada na Agenda 21, nos capítulos sobre com-
bate à pobreza (cap. 3), proteção e promoção das condições de
saúde humana por meio de um ambiente saudável (capítulo 6),
promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos
humanos (cap. 7), promoção do desenvolvimento rural agrícola
sustentável (cap. 14), proteção dos oceanos, mares e zonas cos-
teiras (cap. 17), proteção da qualidade e do abastecimento dos
recursos hídricos (cap. 18), manejo ambientalmente saudável de
resíduos perigosos (cap. 21) e promoção da educação (cap. 36).
A década de 1990 efetivamente associa o saneamento não só à
questão ambiental, mas também à promoção da saúde e à quali-
dade de vida.
A partir da década de 1990, o Brasil viveu imensas transfor-
mações político-institucionais que têm se refletido nas políticas e
ações de saneamento. A Lei Orgânica da Saúde (n. 8.080/1990)
estabelece como fatores determinantes e condicionantes da saúde,
entre outros, o saneamento básico e o meio ambiente, e como um
de seus princípios a integração em nível executivo das ações de
saúde, meio ambiente e saneamento básico. Na década seguinte,
o direito às cidades sustentáveis e ao saneamento ambiental,
para as gerações presentes e futuras, passa a ser considerado na
lei n. 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade. Em 2006,
como afirmado no capítulo 1 dessa lei, o acesso à água potável é
considerado direito humano fundamental.
Em seguida, o país passa a contar com as diretrizes nacionais
para o saneamento básico (lei n. 11.445/2007), que considera
entre seus princípios fundamentais a universalidade, a integra-
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lidade, a promoção da saúde e o controle social. A Política Na-
cional de Resíduos Sólidos (lei n. 12.305/2010) contempla entre
seus princípios a prevenção, a precaução e a visão sistêmica na
gestão dos resíduos sólidos e considera as variáveis ambiental,
social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública. Tais
diplomas legais impõem novos desafios às áreas de saneamento,
saúde e ambiente no país.
Os diversos instrumentos legais dirigem, adotando princípios,
reconhecendo direitos e estabelecendo diretrizes, novos olhares
para o saneamento. No próximo capítulo, apresentaremos ele-
mentos que ajudam a compreender a trajetória do saneamento,
de suas políticas e modelos de gestão, assim como nossa realidade
social, ambiental, de saúde e de saneamento.

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3 Breve História do Saneamento no Brasil

O saneamento no Brasil, sem estar dissociado do que ocorria


no mundo, percorreu diversas etapas relacionadas à concepção
de saúde que fundamentava as ações, o modelo de gestão e o
objeto das políticas públicas. As maiores transformações esti-
veram relacionadas ao abastecimento de água e ao esgotamento
sanitário, na medida em que foram essas ações e serviços que
receberam do governo federal mais atenção como políticas
públicas. A destinação dos resíduos sólidos, a limpeza urbana
e a drenagem urbana sempre estiveram sob a responsabilidade
do poder local, custeados com recursos oriundos de impostos
arrecadados por este ente federado. Várias outras ações foram
implementadas pelo poder público, como melhorias sanitárias
domiciliares, melhorias habitacionais para controle da doença de
Chagas, meso e macrodrenagem, açudagem no Semiárido, mas
algumas de forma não sistemática.

As Políticas de Saneamento no Brasil:


um breve percurso

As etapas históricas descritas a seguir convergem, de algu-


ma forma, para as concepções de saúde hegemônicas e foram
distinguidas em decorrência de marcos na gestão dos serviços
públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
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Algumas das características de determinada etapa permanecem
em outras etapas, mas o marco de passagem de um momento ao
outro é o determinante nesta tipologia. A literatura nos permitiu
a identificação de sete etapas, descritas a seguir (Costa, 1994;
Rezende & Heller, 2004).

A incipiência do Estado
No início do primeiro quarto do século XIX, o Brasil ainda
não contava com sistemas de abastecimento de água ou de esgo-
tamento sanitário implantados. As soluções para o acesso à água
e a destinação dos dejetos eram individuais. Havia os chafarizes
implantados, sobretudo a partir do século XVIII pela Igreja, com
adução, em geral, por canaletas de pedra. Havia os vendedores
de água, e os mananciais ainda permitiam o acesso à água limpa
em fontes e riachos sem poluição significativa.
As ações coletivas de salubridade ambiental eram conduzidas
pelas câmaras do Senado, as atuais câmaras municipais, em ações
de aterro e drenagem em um período que a teoria miasmática era
hegemônica e se acreditava que as doenças eram transmitidas por
odores fétidos. Devemos lembrar também que a expansão das
cidades se deu, em grande parte, sobre aterros.
Ao fim da primeira metade do século XIX, os primeiros
sistemas e serviços públicos de abastecimento de água foram
construídos no Brasil. A distribuição domiciliar de água ocorria
sem tratamento e se restringia aos núcleos centrais urbanos das
cidades de maior importância econômica, espaços de produção
e circulação de bens de interesse do capital privado.

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Privatização dos serviços
Os sistemas e serviços de esgotamento sanitário (ES) passam
a ser implantados na década de 1860, após as primeiras epidemias
de cólera, investigadas por John Snow, que já haviam atingido a
Europa.
As concessões privadas eram realizadas pelas províncias, os
investimentos eram privados e havia a cobrança de tarifas para
cobertura dos custos e do lucro. A grande maioria dos serviços de
ES era gerida pelos ingleses, bem como os demais serviços pú-
blicos. Ao aumento das populações urbanas das grandes cidades
não correspondia a capacidade dos serviços de ampliar a cober-
tura, o que gerou grandes revoltas populares pouco antes da
chegada do século XX.

Encampação dos serviços privatizados


Na última década do século XIX tem início o processo de
encampação, por parte das províncias, dos serviços privados de
água e esgotos. A primeira encampação se deu em São Paulo,
em 1893, em decorrência das constantes revoltas populares por
ampliação da cobertura. Até a década de 1920 muitos serviços
foram estatizados e constituídos em órgãos da administração
direta, como as Repartições de Água e Esgotos.
Esse período foi um dos mais fecundos da engenharia sanitária
nacional, com a consolidação de um saber nacional nesse cam-
po, antes dominado pelos ingleses. Foi o período de atuação de
Saturnino de Brito, o patrono da engenharia sanitária no Brasil,
com seus inúmeros projetos em grandes e médias cidades brasi-
leiras. Várias tecnologias foram introduzidas, como o tratamento
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de água por meio da cloração. Mas essa ação não se restringia a
sistemas de águas e esgotos, pois envolvia também planejamento
e drenagem urbana, na perspectiva do higienismo.
Houve considerável expansão da cobertura domiciliar do
abastecimento de água nas médias e grandes cidades, que chegou
a cerca de 40%. No entanto, a maioria dos sistemas de abasteci-
mento não contava com mecanismos públicos de acesso à água,
como os chafarizes. Esse modelo predominou na administração
pública até a década de 1940.
As críticas à administração direta para a gestão dos serviços
públicos de água e esgotos eram intensas em razão da buro-
cracia e do caixa único dos estados e municípios. A burocracia
dificultava a compra de materiais e insumos, as construções e
as contratações, e o caixa único drenava toda a receita tarifária,
dificultando a definição de um orçamento próprio para o serviço.
As transferências de recursos estavam muito imbricadas ao jogo
político de disputa pelos recursos orçamentários.
Essas críticas levaram muitos engenheiros a reivindicar
mudança no modelo de gestão, de forma a lhe conferir maior
autonomia e racionalidade administrativa. Em 1941, foi apro-
vada na I Conferência Nacional de Saúde recomendação para
a constituição de serviços públicos de abastecimento de água
que possibilitassem sua autossustentação tarifária. Vários de-
partamentos estaduais e municipais deram lugar às repartições
e inspetorias de água e esgotos. Estas auferiam mais autonomia,
mas ainda com limitações.

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Racionalidade administrativa
Nas décadas de 1940 e 1950, importantes mudanças impli-
caram maior racionalidade administrativa, baseada na autossus-
tentação tarifária e em maior autonomia. Em 1946, foi criado
o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS),
cujos órgãos originários atuaram apenas na erradicação da ma-
lária da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, que passou a ter
atuação nacional. Ainda na década de 1940 outro órgão federal
é criado, ampliando seu escopo: o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (Dnocs), cuja origem remonta ao início
do século XX.
Em 1952, o Serviço Especial de Saúde Pública, do Ministério
da Saúde (Sesp), fundado em 1942, criou os Serviços Autônomos
de Água e Esgotos (SAAE), na forma de autarquias, fundados
nesses princípios. Os SAAE também tinham como diretriz
utilizar tecnologias apropriadas às realidades ambientais e so-
cioeconômicas. Os primeiros SAAE foram criados no vale do
Aço, em Minas Gerais, e no Espírito Santo. No regime jurídico
da época as autarquias tinham muita autonomia administrativa,
mas a perderam paulatinamente.
Em 1955, em Campina Grande, Paraíba, foi instituído, pela
prefeitura, o primeiro serviço em regime de sociedade de econo-
mia mista. Esse modelo foi outro salto importante na racionali-
dade administrativa, centrada na autossustentação tarifária e em
um formato empresarial de gestão.
Na década de 1950, a gestão da maioria dos serviços era mu-
nicipal e os recursos para investimentos provinham dos próprios
municípios. Mas, na maioria das capitais e cidades de porte médio,
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a atribuição era estadual, na forma de departamentos. Nesses
casos, os recursos provinham dos orçamentos federal e estadual.
Em 1953, no governo Vargas, outro marco importante no
saneamento brasileiro foi o primeiro financiamento oneroso
no Brasil em abastecimento de água, sob a lógica do retorno dos
investimentos via tarifas. Esse financiamento não foi muito bem
sucedido, pois não havia fundos estáveis e consolidados e um
aparato jurídico-institucional para suportá-lo. Nessa década, a
média nacional de cobertura de abastecimento de água estava
abaixo de 50%, mas as grandes cidades tinham coberturas mui-
to maiores.
Alguns órgãos federais tinham, a essa altura, importância des-
tacada no saneamento. No Ministério da Saúde, o Sesp estendeu
sua atuação à Amazônia e a outros estados, e passou a desempe-
nhar um papel central na política de saneamento no Brasil. Em
1954, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais
(DNERu), que controlava endemias com o uso de químicos,
mas também com ações de saneamento, como a drenagem para
controle da malária e o abastecimento de água e o esgotamento
sanitário para controle da esquistossomose e outras parasitoses.

Gestão empresarial
Na década de 1960 consolida-se a perspectiva do modelo em-
presarial na gestão dos serviços públicos de água e esgotos, por
meio das empresas de economia mista. O financiamento oneroso
e a autossustentação tarifária são o centro desse modelo. Prestar
esses serviços por meio de investimentos, operação e manuten-
ção apenas mediante a cobrança de tarifas – e não mais utilizar
recursos orçamentários – passa a ser a lógica da área. O Banco
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Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) são os órgãos por
trás dessa lógica no início da década de 1960. O BID e a Sudene
passam a financiar esses serviços no Brasil em 1960, induzindo
a organização dos serviços por meio de empresas de economia
mista. No Nordeste, como existia apenas a empresa municipal
de Campina Grande, e a Sudene só poderia aplicar os recursos
em empresas dessa natureza, a solução foi criar uma subsidiária,
a Companhia de Água e Esgotos do Nordeste (Caene), que im-
plantou e geriu serviços em cerca de cem municípios na região,
até 1970, quando foi extinta.
Em 1962 é criada a primeira empresa estadual de economia
mista, a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal). Em
seguida, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), em
1963, e várias outras na década de 1960. Ao fim dessa década,
vários estados passaram a ter mais de uma empresa de economia
mista, baseada na autossustentação tarifária, como São Paulo, que
até 1971 contava com cinco empresas estaduais.
Ainda no começo da década de 1960, o Sesp se transforma
em Fundação Sesp, e o DNOS passa a ser autarquia. Esses ór-
gãos têm importância central na primeira metade da década, à
frente da política federal da área. Mas com a criação, em 1964,
do Banco Nacional de Habitação (BNH), já no ano seguinte este
órgão passa a financiar também serviços públicos de saneamento
e, em 1968, institui o Sistema Financeiro de Saneamento (SFS),
passando a utilizar os recursos do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) para realizar ações de saneamento. Esse siste-
ma incluía financiamento para serviços municipais e companhias
estaduais, com recursos onerosos. Com o BNH o Brasil passa a
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ter uma fonte regular e robusta de financiamento oneroso para
o saneamento, pela primeira vez na história.
Ao fim da década de 1960 há um aumento significativo da
população que recebe serviços prestados por companhias esta-
duais, mas a grande maioria ainda conta com serviço municipal.
A importância dos financiamentos federal e estadual nos serviços
de água e esgotos aumenta nessa década. Há um mosaico muito
diversificado de modelos administrativos, de órgãos federais,
estados com mais de uma companhia de economia mista e a
gestão municipal predominante. Ao fim da década, diante do
predomínio do BNH, o papel da FSESP e do DNOS pratica-
mente deixa de existir.

Plano Nacional de Saneamento (Planasa)


Diversos elementos constituíram o contexto no qual foi for-
mulada, em 1971, a política de saneamento do regime militar: o
Plano Nacional de Saneamento (Planasa). Em 1970, a cobertura
de abastecimento de água da população urbana era de 54% e a
de esgotamento sanitário, de pouco mais de 25%. Nesse cenário,
o plano decenal do governo militar considerava a necessidade de
investimentos em saneamento nas áreas urbanas, em um contexto
caracterizado por: 1) centralização tributária a partir de 1966;
2) repressão e centralização política; 3) política econômica que
geraria o milagre econômico; 4) urbanização acelerada; 5) BNH
em plena expansão de crédito pelo aumento do trabalho formal
e das receitas do FGTS.
O saneamento é visto como uma atividade empresarial, pas-
sível de condução sob a lógica do retorno do investimento via

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tarifa. É, assim, considerado necessário para dotar as cidades de
infraestrutura sanitária e fundamental para o processo de urba-
nização, o qual exigia um ambiente favorável ao novo ciclo de
desenvolvimento do Brasil, pautado no crescimento econômico
(Borja & Moraes, 2006).
O Planasa teve como principal estratégia articular a centra-
lização da gestão dos serviços públicos de água e esgotos nos
governos estaduais, opção decorrente do controle político, pelo
governo federal, de todos os governadores e prefeitos de capitais
biônicos e da exclusividade do financiamento do FGTS para
as companhias estaduais de água e esgoto (CEAE). A grande
maioria dos municípios asfixiados financeiramente não tinha
alternativas para manter os serviços sob a sua gestão. A autossus-
tentação tarifária foi a lógica central do modelo de financiamento.
O subsídio cruzado – situação em que municípios cujas receitas
tarifárias não seriam suficientes para cobrir os custos seriam
“subsidiados” pelos superavitários – foi a estratégia auxiliar do
desenho da lógica da autossustentação tarifária. Esse modelo
mostrou-se, até o presente momento, inadequado à realidade
brasileira, pois quase nenhuma das CEAE é autossustentável
via tarifas.
Os municípios concederam os serviços para as CEAE e, no
contexto de ditadura, perderam qualquer poder decisório nessa
política. Essa herança se faz sentir atualmente na área, onde as
prefeituras têm poder mínimo na relação com as CEAE e a par-
ticipação social também é ínfima, heranças do regime militar e do
poder instituído na tecnoburocracia das companhias estaduais,
grupo de interesse ainda hegemônico na área de saneamento.
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No Planasa, priorizou-se a tecnologia convencional, de maior
custo, não se considerando as condições ambientais e socioeco-
nômicas. Áreas com urbanização irregular, como as favelas, eram
consideradas não saneáveis, como se houvesse um impedimento
tecnológico. Com isso, consolidou-se a falta de saneamento ina-
dequado em áreas habitadas pelos estratos sociais mais baixos, o
que aprofundou a estrutural desigualdade social brasileira.
Na década de 1980, os resultados em termos de cobertura
foram expressivos. A cobertura urbana de abastecimento de
água passou de 54% em 1970 para 78% em 1980 e chegou a
cerca de 90% em 1990. Com relação ao esgotamento sanitário,
a cobertura na década de 1970 passa de 22,3% para 36% e em
1991 atinge 44,6%.
O BNH, que além de agente financeiro era o gestor da política
federal de saneamento, é extinto em 1986. A Caixa passa a ser o
agente financeiro, mas o gestor da política passa a ser as secre-
tarias que se alternam em vários ministérios até 2003, quando o
Ministério das Cidades é criado e se torna o seu gestor federal.
Mas a tensão entre o poder do agente financeiro e o agente po-
lítico permanece.
Em 1990, há uma mudança significativa nos programas oriun-
dos do Planasa, e o contexto neoliberal redireciona a política
de saneamento no Brasil, podendo-se considerar aquele plano
extinto.

Neoprivatização
O mundo vivia um contexto econômico e político na década
de 1980 marcado pelo neoliberalismo, com foco na mudança do
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papel do Estado de provedor para regulador de serviços. E a
privatização de empresas e serviços públicos foi a expressão da
gestão pública desse processo. Na verdade, o grande capital, após
a crise econômica de 1981 e o esgotamento de ganhos com in-
vestimentos em infraestrutura, vê como saída a prestação direta
de serviços públicos. Mas na América Latina os regimes ditatoriais
e, no Brasil, o processo constituinte, com perspectivas universa-
listas, de descentralização e participação social, adiaram esse
processo para a década de 1990.
Logo em 1991, no governo Collor, o Brasil assina acordo com
o Banco Mundial (Bird), que introduziria esse debate na área do
saneamento brasileiro. O Bird era o braço de financiamento e
de indução política do grande capital nos países em desenvolvi-
mento para a implementação do que ficou conhecido como
Consenso de Washington. A “modernização” era o núcleo central
do Projeto de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), fi-
nanciado pelo Bird. Em 1994, começam a sair os primeiros do-
cumentos que iriam fundamentar política e juridicamente e esta-
belecer as diretrizes para esse processo, as quais orientaram as
ações do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (FHC)
a partir de 1995. No mesmo ano, o primeiro serviço público de
água e esgotos no Brasil foi concedido a uma empresa privada,
em Limeira, São Paulo, exatamente cem anos depois do proces-
so de reestatização do século XIX.
Na segunda metade dos anos 1990, os investimentos em
saneamento caem substancialmente, devido aos contingencia-
mentos impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em contrapartida, há um aumento substancial de recursos do
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Orçamento Geral da União (OGU), sobretudo por meio da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em municípios abaixo
de 50 mil habitantes. Há uma importante mudança na alocação de
recursos, em que as CEAE deixam de ser as únicas tomadoras
de empréstimos. Passa, então, a haver uma multiplicidade de
fontes e demandantes, como prefeituras, governos estaduais,
outras empresas municipais e estaduais da área de habitação e
desenvolvimento urbano, o que torna complexo o processo de
financiamento de saneamento no Brasil.
Em 1996, o governo FHC encaminha projeto de lei que daria
base legal para o processo político de privatização dos serviços
públicos de saneamento nas regiões metropolitanas e áreas co-
nurbadas. Esse projeto de lei atribuiria titularidade aos estados
pelos serviços públicos de água e esgotos, o que facilitaria a
privatização. No entanto, o governo federal, devido à oposição
dos prefeitos e da sociedade civil organizada, não conseguiu nos
dois mandatos aprovar lei referente a esse tema.
Ao fim da década de 1990, pouco mais de cinquenta municí-
pios pequenos e médios e uma grande cidade (Manaus), juntos
representando cerca de 5% da população brasileira, tiveram os
serviços privatizados. As concessões foram feitas, em geral, em
municípios que já tinham elevada cobertura por serviços públi-
cos de água e esgotos, requerendo menos investimentos para
expansão do acesso. E esses recursos, ao contrário dos discursos
oficiais, não advieram da iniciativa privada, mas de bancos gover-
namentais, a juros baixos.
A privatização expandiu-se nos anos 1980 na Europa e nos
anos 1990 na América do Sul e na África. Em vários países esse
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modelo é questionado e muitas concessões privadas são desfei-
tas. Sobretudo o aumento tarifário, a precarização dos serviços
e investimentos privados aquém do previsto são os principais
problemas. E em alguns países como Argentina, Uruguai, Bolívia
e Equador, as multinacionais que controlam essa área se viram
obrigadas a abandonar os serviços devido às fortes pressões
populares.
Uma nova forma de privatização disseminada na Europa, a
Parceria Público-Privada (PPP), é introduzida no Brasil na década
de 2000 com a promulgação da lei n. 11.079/2004. Devido aos
problemas do modelo de privatização com concessão com-
pleta dos serviços, a “parceria” se constitui em nova estratégia
do setor privado e do Banco Mundial para retomar e mesmo
expandir a prestação privada dos serviços. Nesse modelo, é
firmado contrato entre o ente privado, que destinará recursos
definidos previamente e terá direito a um percentual de lucro,
e o ente público que, em caso de receita líquida insuficiente,
deverá prover a diferença. Esse processo de privatização nessas
regiões do mundo caminhou para a reestatização da prestação
dos serviços. Na Europa houve um processo significativo de
remunicipalização, a partir do ano 2000.
Nessa década, os investimentos públicos são retomados no
país e há um importante processo de institucionalização da área.
A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério
das Cidades se consolida como o lugar institucional da área de
saneamento básico, desde 2003. Em 2007, é promulgada a Lei
Nacional de Saneamento Básico (LNSB), marco legal da área, e
lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com
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vultosos recursos para investimentos, também em saneamento, e
em 2010 é instituída a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Na LNSB, como já referido, são definidos princípios fun-
damentais como universalização, integralidade e controle social
e estabelecidas diretrizes para o acesso a recursos federais, e
sua gestão, e a regulação dos serviços. É também estabelecida
a elaboração, pela União, sob a coordenação do Ministério das
Cidades, do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab),
com a determinação de objetivos e metas a curto, médio e longo
prazos, e a correspondente proposição de programas, projetos e
ações necessários à universalização dos serviços e à obtenção de
níveis crescentes de saneamento básico no território nacional.
O Plansab começou a ser elaborado em 2009, foi aprovado
em 2013 e começou a ser implementado em 2014, com vigência
prevista até 2033. Ele propõe três grandes programas, desdobra-
dos em inúmeras ações: 1) saneamento básico integrado (para
áreas urbanas); 2) saneamento rural; e 3) saneamento estruturante
(apoio à gestão pública dos serviços, incluindo a qualificação da
participação no controle social dos investimentos públicos). Os
dois primeiros programas são compostos de medidas estruturais
(obras e intervenções físicas em infraestrutura) e o último, de
medidas estruturantes. O investimento total, em vinte anos, é
estimado em R$ 508,45 bilhões.
No Quadro 1 estão resumidas as etapas históricas do sanea-
mento no Brasil detalhadas nesta seção.

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Quadro 1 – Etapas históricas do saneamento no Brasil
Etapas Período Prestação do Cobertura
serviço
Incipiência do Colônia Inexistência de Soluções individuais,
Estado serviços chafarizes
Privatização dos Meados do Concessão, 10-15% restritos a
serviços século XIX pelas províncias, núcleos centrais das
a início do para empresas grandes cidades
século XX estrangeiras
Encampação Fim do século Repartições ou Cerca de 40% em
XIX à década inspetorias estaduais abastecimento de água
de 1940 nas principais cidades,
a maioria de serviços
Racionalidade Década de Predominância de Média nacional em
administrativa 1950 gestão municipal e abastecimento urbano
estadual nas cidades de água <50%
maiores
Gestão Década de Ampliação da gestão Cerca de 50% em
empresarial 1960 estadual, maioria abastecimento de
municipais água, menos de 25%
em esgotamento
sanitário urbano
Plano Nacional 1971-1990 80% da população 90% em
de Saneamento atendidos por abastecimento
(Planasa) companhias de água, 45% em
estaduais de água e esgotamento sanitário
esgoto urbano
Neoprivatização 1990- 75% da população 92% em
atendidos por abastecimento de
companhias água e 64% em
estaduais de água esgotamento sanitário
e esgoto, 5% da urbano
população atendidos
por serviços
privados

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As Condições de Saneamento
Em 2010, a cobertura urbana de abastecimento de água
encontra-se praticamente estagnada em torno de 90% e a de
esgotamento sanitário tem um incremento maior, atingido cerca
de 64% (Quadro 2). No entanto, a qualidade desse acesso é bas-
tante precária, com intermitência no abastecimento, instalações
hidrossanitárias inadequadas e o tratamento de esgotos em níveis
precários, restrito a cerca de 30% do que é coletado.

Evolução da prestação dos serviços no Brasil


A evolução da prestação dos serviços públicos de sanea-
mento no Brasil pode ser representada por meio de seus prin-
cipais indicadores de cobertura de água e esgotos, em termos de
ligações domiciliares em relação ao total de domicílios particu-
lares permanentes nas áreas urbanas. Tais indicadores apre-
sentam limitações em termos da qualidade e quantidade do
acesso, bem como da salubridade ambiental, mas é muito im-
portante analisá-los e deles extrair informações sobre a traje-
tória das políticas nos respectivos períodos.
Em relação ao abastecimento de água, a década de 1970 foi, de
longe, a que teve maior incremento na cobertura, o qual alcançou
22%, com um aumento de 40% entre 1970 e 1980. Acrescente-se
a isso o fato de que houve nesse período o mais rápido proces-
so de urbanização (Quadro 2). O período de menor ganho de
cobertura em água foi a década de 1990, como já afirmado, em
decorrência da política econômica e do contingenciamento de
recursos advindos do acordo com o FMI. Nesse período, houve
redução de cobertura de água em dez capitais e em três regiões
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metropolitanas. Nos dois últimos períodos censitários, entre 1991
e 2010, o crescimento da cobertura foi significativamente menor
do que nos decênios anteriores, permanecendo a cobertura em
torno dos 90%. Dessa forma, cerca de 13 milhões de pessoas
não tinham acesso à rede pública na área urbana.

Quadro 2 – Evolução da cobertura dos domicílios particulares perma-


nentes urbanos conectados à rede pública de abastecimento de água e
esgotamento sanitário. Brasil, 1960 a 2010
1960 1970 1980 1991 2000 2010
Incremento %

Incremento %

Incremento %

Incremento %

Incremento %
Tipo de
serviço % % % % % %

Abastecimento
43,4 54,4 11,0 76,4 22,0 87,9 11,5 89,8 1,9 91,9 2,1
de água
Esgotamento
27,7 22,3 -5,4 36,0 13,7 44,6 14,9 56,0 11,4 63,4 7,4
sanitário
Obs.: Nos censos demográficos de 2000 e 2010 a variável referente ao esgotamento sanitário e à
conexão à rede pública incorporou a conexão à rede de drenagem urbana. Dessa forma, a cobertura
é sobre-estimada.
Fonte: censos demográficos IBGE.

Com relação ao esgotamento sanitário, a década de maior


incremento de cobertura foi a de 1980, com 36%. Nesse período,
destaque-se que o censo não foi decenal, mas relativo a 11 anos.
Surpreende que esse incremento tenha ocorrido no período da
grande crise econômica de 1981 e de uma crise institucional na
área do saneamento básico, com a extinção do BNH, além das
constantes mudanças no gestor responsável pela área, como já
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observado aqui. Na década de 1960 houve redução de cobertura,
e o segundo período de menor crescimento foi a década de 2000.
Nessa década, outro aspecto importante foi a maior disponibi-
lidade de recursos para a área. No entanto, o desempenho em
termos de incremento de cobertura tanto para água como para
esgotos foi baixo, o que indica ineficiência alocativa.
A desigualdade do acesso aos serviços públicos de saneamento
no Brasil ainda é significativa, refletindo a estrutural desigual-
dade social no Brasil. A publicação Síntese dos Indicadores Sociais
do IBGE, de 2013, registra que, em 2012, 51,7% dos domicílios
cujas famílias tinham renda menor que meio salário mínimo não
contavam com saneamento adequado. E que 83,6% das famílias
que percebiam mais de dois salários mínimos de renda por mês
viviam em domicílios com saneamento adequado. Na Região
Norte esse valor era de apenas 30,5%, ao passo que o Sudeste se
encontrava próximo da universalização, com 95,5%.
A definição de saneamento adequado adotada pelo IBGE e
utilizada desde a década de 1990 se refere a domicílios com aces-
so concomitante às redes públicas de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário ou fossa séptica e ao serviço público de
coleta de resíduos sólidos. Necessariamente, o acesso a essas
redes e ao serviço de coleta de resíduos sólidos não significa
acesso da população a serviços adequados e de qualidade. No
que se refere ao abastecimento de água, aspectos como quanti-
dade e qualidade da água são características que determinam
condições de acesso. Situações de inadequação são o domicílio
estar conectado à rede pública, mas ter oferta de água intermi-
tente ou sem tratamento; não haver manutenção ou operação do

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sistema de esgotamento sanitário que possa gerar retorno para
os domicílios; e a coleta de resíduos sólidos ter periodicidade e
frequência irregulares.

Breve comparação com outros países


Estamos no ano-chave para a avaliação do alcance das metas
do milênio, traçadas em 2000 pelos Estados-membro da ONU
quando do estabelecimento dos chamados Objetivos de Desen-
volvimento do Milênio (ODM). Especificamente, referimo-nos
à meta de reduzir pela metade, até 2015, a proporção da popu-
lação sem acesso permanente e sustentável à água potável e ao
esgotamento sanitário, este entendido como forma higiênica de
afastamento dos dejetos do contato humano.
Levando-se em conta o percentual de moradores em domicí-
lios particulares permanentes com abastecimento de água potável
por rede geral de distribuição (indicador brasileiro de acesso à
água que mais se aproxima do indicador definido pela ONU), o
Brasil está registrado no relatório Progress on Sanitation and Drinking
Water (WHO, 2015) como um dos 147 países do mundo que
alcançaram a meta em relação ao acesso à água potável. Fazem
parte desse grupo todos os demais países americanos, exceto
a Colômbia e a Venezuela. Apesar disso, a América Latina e o
Caribe, juntamente com determinadas regiões da Ásia, aparecem
como tendo alcançado sua meta. Nessa região das Américas,
a cobertura alcançada foi de 95%, superando a meta de 92%.
Destaque-se que, no período de 1990 a 2015, a cobertura foi
ampliada em 10 pontos percentuais. Em nível mundial, esse
atendimento alcançou o percentual de 91%, superando a meta,
que era de 88%.
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No que diz respeito ao esgotamento sanitário, o indicador
brasileiro que se adequa aos critérios da ONU é o percentual de
moradores em domicílios particulares permanentes ligados à rede
geral de coleta de esgotos ou servidos com fossa séptica. Segundo
o mesmo relatório da ONU, o Brasil faz parte do grupo de 95
países do mundo que alcançaram a meta. Também estão nesse
grupo todos os demais países americanos, com exceção da Bolívia,
Colômbia, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e alguns países da
América Central. Por causa dessas exceções, a América Latina e
o Caribe não alcançaram sua meta, que era de 84%, ficando um
ponto percentual abaixo do esperado, apesar de terem ampliado
em 16 pontos percentuais a cobertura do atendimento no perí-
odo de 1990 a 2015. Em âmbito mundial, chegou-se a 68% de
cobertura, percentual aquém da meta de 77%.

Doenças relacionadas ao saneamento ambiental


inadequado (DRSAI)
O saneamento, na perspectiva da saúde, seja a partir da con-
cepção higienista ou da preventivista, tem o objetivo de contro-
lar doenças infecto-parasitárias. E não pode ser dissociado das
questões que se relacionam à qualidade de vida, de modo que
constitui uma das ações para a promoção da saúde. Ou seja, o
saneamento não deve visar apenas ao controle de doenças, mas
também ao conforto e à qualidade de vida. Dessa forma, pensar
sobre o conjunto de ações necessárias para prevenir doenças e
prover uma qualidade de vida adequada, bem como proteger o
ambiente, é essencial ao saneamento.
Para caracterizar as condições de saneamento e suas con-
sequências, é necessário considerar seus efeitos tanto na saúde
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da população e em sua qualidade de vida como na salubridade
ambiental. Ou seja, é preciso pensar em termos da inadequação
do saneamento.
Há um conjunto de doenças transmissíveis que podem ilustrar
os efeitos do saneamento, as chamadas doenças relacionadas ao
saneamento ambiental inadequado (DRSAI). No Brasil, as doen-
ças desse conjunto que têm expressão epidemiológica são diarreia,
febres entéricas, hepatite A, dengue, febre amarela, leishmanioses,
filariose linfática, malária, doença de Chagas, esquistossomose,
leptospirose, doenças dos olhos, tracoma, conjuntivites, doenças
da pele, micoses superficiais, helmintíases e teníases. Há também
as doenças não transmissíveis relacionadas ao saneamento inade-
quado, como as decorrentes de substâncias químicas e biológicas
presentes na água, da poluição atmosférica, da habitação insalubre,
de campos eletromagnéticos, do clima, de desastres urbanos etc.
No entanto, não há um modelo de análise para as enfermidades
relacionadas a esses fatores.
O Mapa 1 mostra a distribuição espacial, no Brasil, da taxa
média de internação por DRSAI entre 2000 e 2010, com a Região
Norte apresentando o valor mais significativo. Nessa região, a taxa
em Rondônia chega a 604/100 mil habitantes. A Região Nordeste
aparece em seguida. Os clusters de municípios com altas taxas estão
associados a baixo PIB per capita e a baixa cobertura de serviços
públicos de água e esgotos (Fonseca & Vasconcelos, 2011).

[ 59

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Mapa 1 – Mapa de espalhamento de Moran para taxa média de
internação por DRSAI (Taxa DRSAI2000-2010)

Legenda
Não significante
Alto-alto
Baixo-baixo
Alto-baixo
Baixo-alto

Fonte: Fonseca & Vasconcelos, 2011: 450.

Na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) de 2013, analisando


dados referentes a 2010, o IBGE estima para esse ano um valor
médio da taxa de internação por DRSAI para o Brasil de
325,4/100 mil hab.; para a Região Norte de 693,8/100 mil hab.,
mais do que o dobro do Brasil; e para a Região Sudeste de 124,3/
100 mil hab., 5,6 vezes mais baixa do que estimada para a Região
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Norte. O risco atribuível populacional indica o quanto poderia
ser reduzido em termos percentuais de internações hospitalares
(IH), caso todas as regiões tivessem a mesma taxa da Região
Sudeste. Em três regiões poderiam ser evitadas mais de 70% das
internações hospitalares (Quadro 3). Na Região Norte esse valor
chega a 82,1%. Quando consideradas as unidades federativas, esse
valor do risco atribuível populacional é de 90,2%, incluindo os
estados de São Paulo (90,6 IH/100 mil hab.) e do Pará (987,2
IH/100 mil hab.).

Quadro 3 – Distribuição das taxas de internações hospitalares


(TI) no SUS por doenças relacionadas ao saneamento ambien-
tal inadequado (DRSAI) e risco atribuível populacional (RAP).
Brasil, 2010
TI DRSAI* RAP** DRSAI (%)
Brasil 325,4 61,8
Norte 693,8 82,1
Nordeste 533,1 76,7
Sudeste 124,3 Referência
Sul 212,1 41,4
Centro-Oeste 447,7 72,2
* TI/100 mil habitantes.
** O risco atribuível populacional em termos percentuais é a relação do menor valor
(valor de referência) sobre o valor analisado, diminuído de 100%.
Fonte: IBGE, 2013.

Ampliando o objeto do saneamento


A perspectiva do saneamento como prevenção em saúde,
como já visto aqui, tem como consequência nas ações concretas
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a interposição de barreiras sanitárias entre o homem, o ambiente
e o patógeno. O olhar se dirige à doença. Na promoção da saúde
o olhar se dirige à qualidade de vida e ao bem-estar, a políticas
públicas saudáveis, a ambientes favoráveis à saúde e ao empo-
deramento da sociedade. Na perspectiva da promoção da saúde,
novas questões se colocam e novos territórios e novos grupos
sociais estão implicados: os desastres de origens naturais em re-
lação aos quais o saneamento pode significar redução de riscos
e também as respostas imediatas como ações centrais; a gestão
por bacias hidrográficas exigindo um planejamento intersetorial
e a participação de novos atores sociais; a despoluição de recur-
sos hídricos e a contaminação de mananciais por substâncias
químicas e biológicas que não são removidas por tratamento de
água convencional; políticas públicas específicas para saneamen-
to e promoção da saúde voltadas para populações e territórios
indígenas, quilombolas e do campo e da floresta, que reafirmam
identidades historicamente vilipendiadas, entre outros. São frentes
de ação que requerem intersetorialidade e maior interação com
a sociedade.
Diagnósticos sobre efeitos da inadequação do saneamento
baseavam-se apenas nas doenças, mas agora novos olhares e novas
fontes de dados são necessários. É preciso que novos enfoques
teóricos e conceitos sejam operacionalizados em variáveis para
a produção de indicadores que possibilitem inferir qualidade de
vida e salubridade ambiental no entorno dos domicílios.

62 ]

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As condições do entorno dos domicílios
brasileiros
Historicamente, os censos e pesquisas sempre levantaram
dados referentes às famílias e aos domicílios. No Censo 2010, o
IBGE inovou ao realizar o levantamento amostral “Característi-
cas urbanísticas do entorno dos domicílios”. Foram levantadas
variáveis relacionadas a iluminação pública, bueiros de drenagem
de águas pluviais, rampas para cadeirantes, esgotos a céu aberto
e depósitos de resíduos sólidos nos logradouros e nas calçadas,
infraestrutura urbana, arborização, meio-fio e identificação do
logradouro no entorno dos domicílios. Os dados sobre essas
características ambientais e de serviços públicos do local onde
os domicílios se situam ampliam as possibilidades de aferição
da qualidade de vida e, diferentemente dos dados socioeco-
nômicos, demográficos e do domicílio, foram coletados por
observação direta de características previamente definidas em
cada face da quadra das áreas urbanas do país, possibilitando o
estabelecimento de relações entre essas variáveis.
A iluminação pública é a variável que está mais presente
(96,3%) no entorno dos domicílios amostrados, e bueiro de dre-
nagem urbana a menos presente (em apenas 41,5%; e na Região
Nordeste está presente somente em 18%). O quadro em relação
a esta última pode contribuir para um dos principais motivos
de desastres nas cidades brasileiras, tais como as inundações e
os deslizamentos de terras, pois os bueiros e as tubulações para
a coleta e escoamento das águas pluviais são componentes im-
portantes do sistema público de drenagem e manejo de águas
pluviais urbanas.
[ 63

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Os domicílios em cujas ruas corriam esgotos a céu aberto
eram 11%, sendo que 15,4% das crianças de até 5 anos viviam
nessas condições. Na Região Norte esse valor era de 32,2%, no
Nordeste de 26,3% e no Centro-Oeste de apenas 2,9%. A faixa
de municípios entre 500 mil e 1 milhão de habitantes tinha maior
percentual, 14,3%.
Dos domicílios que contavam com rede geral de esgoto
sanitário ou pluvial ou fossa séptica, 6,3% tinham esgoto a céu
aberto; entre os domicílios que tinham outro tipo de escoadouro
para os esgotos, 25,6% também tinham esgotos a céu aberto; e
entre os que não tinham banheiro ou sanitário, 34,4%, estavam
expostos ao esgoto a céu aberto. O risco sanitário é crescente
diante da precariedade da solução para o destino dos dejetos.
Depósitos de resíduos sólidos – recipientes para coleta indireta
do lixo domiciliar – estavam presentes em apenas 5% dos logra-
douros (vale destacar que esses logradouros poderiam receber
resíduos sólidos de domicílios de outras ruas).
Cerca de 45% das famílias que recebiam até ¼ de salário mí-
nimo mensal viviam em domicílios sem calçadas, e 87% das que
recebiam mais de dois salários mínimos tinham esse benefício.
Essa variável – ter ou não ter calçadas – foi a que apresentou a
maior desigualdade de acesso relativa à renda. E ainda, no estrato
de renda menor de ¼ de salário mínimo mensal, 38,5% das famílias
tinham a presença de bueiro, 35,6% tinham acesso a meio-fio/
guia, e 32,3% tinham pavimentação.

Aglomerados subnormais
No Censo 2010, o IBGE define aglomerado subnormal
(AGSN) como o conjunto constituído de, no mínimo, 51 uni-
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dades habitacionais (barracos, casas...) carentes, em sua maioria,
de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até
período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particu-
lar) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa.
Três aspectos são definidores dos AGSNs: a ilegalidade no
uso do terreno (atual ou recente, há menos de dez anos); urba-
nização fora dos padrões vigentes (vias estreitas, lotes desiguais
e construções não regularizadas) e precariedade dos serviços
públicos essenciais. Os dois últimos itens têm relação direta com
o saneamento. Esses aspectos dizem respeito à tríade tecnologia-
gestão-aspectos socioculturais, detalhada no capítulo 1.
Nos anos 1980, em contraposição às tecnologias caras e
convencionais do Planasa, iniciou-se o desenvolvimento das
chamadas tecnologias sociais, que deveriam ser adequadas às
realidades ambientais, de urbanização e socioeconômicas da
população. Muitas vezes a tecnologia social não atendia às normas
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou reque-
ria esforço contínuo da população para sua manutenção. Essas
características geravam novas demandas de gestão e participação
social, como a descentralização de escritórios de manutenção,
uma educação continuada e problematizadora da realidade que
atendesse às características socioculturais, além de ações integra-
das e intersetoriais, elementos que nem sempre estiveram pre-
sentes nas intervenções. No entanto, quando se tem em mente
a promoção da saúde, esses aspectos devem ser considerados.
Em 2010, foram identificados no Brasil 6.329 AGSNs em ape-
nas 323 municípios. Viviam nesses aglomerados 11,4 milhões de
pessoas (6% da população), em cerca de 3,2 milhões de domicílios
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particulares ocupados (5,6%). Metade desses domicílios está na
Região Sudeste, 29% no Nordeste e 5,3% no Sul.
Em Belém, 88% dos domicílios estão em aglomerados com
mais de mil domicílios, ao passo que em Curitiba essa relação é
quase inversa: 83,4% estão em aglomerados com menos de mil
domicílios. E na cidade de São Paulo esse percentual é de 30,5%.
Com relação à adequação dos serviços públicos de sanea-
mento – domicílio ligado à rede geral de água, ligado à rede de
esgoto, mais rede de drenagem e fossa séptica, e com coleta
direta e indireta de resíduos sólidos –, os domicílios em AGSNs
tinham percentual sempre menor em relação aos localizados
em áreas regulares. Os valores encontrados em relação ao
acesso direto à água (88,3%) e à coleta de resíduos sólidos
(95,4%) eram próximos aos das áreas regulares – água (91,3%)
e resíduos sólidos (6,3%) –, mas os de esgotamento sanitário
apresentavam maior diferença. Nesses casos, mais do que o
aspecto quantitativo de cobertura, é importante compreender
e avaliar a sua qualidade.
É interessante observar a adequação do esgotamento sanitá-
rio em domicílios situados em AGSNs e em áreas urbanas sem
AGSNs. A diferença é pequena: para os domicílios situados
em AGSNs a adequação é de 67,3%, e para as áreas urbaniza-
das sem AGSNs é de 65,6%. Como a maior parte dos AGSNs
situa-se em municípios mais ricos e com melhor infraestrutura,
estes têm condições de ofertar serviços melhores que os demais
municípios. No entanto, quando comparada a cobertura de es-
gotamento adequada em AGSNs (67,3%) com a cobertura dos
domicílios nos 323 municípios que têm AGSNs (85,1%), a dife-
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rença se mostra significativa. E ainda assim, ressalte-se que, no
critério de adequação de esgotamento sanitário do IBGE, a fos-
sa séptica é incluída, o que em áreas urbanas adensadas não pode
ser entendido como solução adequada, como é o caso da maioria
dos municípios que têm AGSNs.
A distribuição da adequação do abastecimento de água apre-
senta, em vários estados do Brasil, uma situação não esperada,
em que a cobertura é maior nos AGSNs do que nas áreas urba-
nas regulares dos municípios que têm AGSNs. Essa situação
ocorre em 11 estados muito díspares, como Rio de Janeiro e
Amapá. Em todas as unidades federativas (UFs) essa diferença
é de menos de 4%. A exceção é o estado do Amapá, em que tal
diferença é de 85,5% em AGSNs e de 54,3% em áreas regulares.
Nas demais UFs da Região Norte a diferença é significativamen-
te maior nos domicílios situados em áreas regulares.
Com relação ao esgotamento sanitário em AGSNs, 56,3%
dos domicílios brasileiros estavam ligados à rede geral de esgotos
sanitários ou pluviais, e 11% a fossas sépticas. Em nenhuma UF
a cobertura em AGSNs foi maior do que nas áreas regulares.
Apenas no Ceará esses valores são quase iguais. Em 11 UFs
essa diferença é de mais de 20%. Nas regiões Sul e Sudeste essa
discrepância é menor e as coberturas são maiores. Por outro lado,
nas regiões Norte e Centro-Oeste as discrepâncias são maiores e,
no caso da Região Norte, as coberturas são as menores do país.
Com relação à coleta de resíduos sólidos, não ocorre, nas UFs,
situação em que a cobertura é maior nos AGSN. Em geral, as
coberturas são próximas, exceto no Distrito Federal, em Alagoas,
no Piauí, em Roraima e em Tocantins, onde as diferenças são
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significativas, sobretudo nestas duas últimas UFs, em que são
maiores que 40 pontos percentuais.
Esses dados sobre as condições do entorno e dos AGSNs são
interessantes, mas devem ser vistos com certa ressalva porque
esse foi o primeiro censo em que foram gerados, podendo haver
implicações metodológicas. Será preciso considerar mais indi-
cadores que possam inferir a qualidade de vida em decorrência
da qualidade do acesso aos serviços públicos de saneamento.
Como já visto, o acesso não se restringe à implantação de uma
infraestrutura ou serviço, mas implica também sua efetiva uti-
lização pela população. Por isso é preciso que os indicadores
produzidos pela área de saneamento sejam mais consistentes.

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4 Mudando o Foco do Saneamento
para a Promoção da Saúde e a
Sustentabilidade Ambiental

Como vimos no capítulo 1, a relação entre saneamento,


ambiente e saúde é reconhecida desde a Antiguidade. E desde
as intervenções realizadas por Chadwick, na Inglaterra, o sanea-
mento tem sido abordado em uma perspectiva preventivista, cujo
foco é o afastamento da doença pela interposição de barreiras,
no ambiente físico, entre o agente da doença e seu hospedeiro.
No Brasil, essa concepção também tem sido hegemônica,
tanto na esfera legal quanto no universo da literatura científica
correlata, assim como entre profissionais e instituições que atuam
na interface saneamento-ambiente-saúde.

A Hegemonia da Concepção Preventivista de


Saneamento Básico
As principais peças que compõem o marco legal nacional nas
áreas de saneamento, ambiente e saúde são: a lei n. 11.445/2007
(LNSB), que estabelece as diretrizes nacionais para o sanea-
mento básico; o decreto n. 7.217/2010, que regulamenta a
LNSB; 3) a lei n. 12.305/2010, que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos; o decreto n. 7.404/2010, que regulamenta
a lei n. 12.305/2010; a lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre as
condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços corresponden-
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tes; a portaria n. 687/2006, que institui a Política Nacional de
Promoção da Saúde, substituída pela portaria n. 2.446/2014; a
lei n. 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional de Meio
Ambiente; e a lei n. 9.433/1997, que institui a Política Nacional
de Recursos Hídricos.
A análise desses textos revela a predominância de conceitos
que associam o saneamento a um conjunto de ações de enge-
nharia, voltadas para o abastecimento de água, o esgotamento
sanitário, a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos e a
drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, com o fim de in-
terromper ou comprometer fortemente o ciclo vital dos agentes
causadores de doenças, assim prevenindo doenças.
Na literatura científica, da mesma forma, é nítida a presença
hegemônica da perspectiva preventivista na produção nacional
indexada pela Scientific Eletronic Library (SciELO), especial-
mente no que se refe­re à concepção e aos objetivos do sanea-
mento, o que resulta em uma forma limitada de conceber as ações
de educação sanitária e ambiental, voltadas para o treinamento de
indivíduos e comunidades no uso dos equipamentos e sistemas
de saneamento, assim como as adaptações tecnológicas, estrita-
mente voltadas para a engenharia sanitária.
Em relação às concepções de profissionais que atuam na
interface saneamento-ambiente-saúde, um estudo qualitativo re-
alizado com 13 profissionais (Souza & Freitas, 2008) identificou
entre estes a predominância de discursos em que o saneamento
é visto como ação de prevenção de doenças. Se tais discursos
vierem a constituir um pensamento predominante no conjunto
dos profissionais das três áreas em questão, isso estará indicando
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que a prática do saneamento no país está centrada em pressupos-
tos limitados. E que, por isso mesmo, se ajusta com dificuldade
ao contexto do mundo atual, marcado pela complexificação das
sociedades, pela crise da saúde pública e pela eclosão da proble-
mática ambiental.
Como uma extensão da prática dos profissionais, é possível
identificar na postura de instituições que atuam na área, como a
Funasa, por exemplo, aproximações com os referidos pressupos-
tos. Conforme os critérios definidos para a aplicação dos recursos
financeiros gerenciados por essa instituição, são reconhecidos
como financiáveis, visando ao controle de agravos à saúde: obras
de construção e ampliação de sistemas de abastecimento de água;
construção e ampliação de sistemas de esgotamento sanitário;
implantação e ampliação ou melhoria de sistemas de tratamento
e destinação final de resíduos sólidos; implantação de melhorias
sanitárias domiciliares.

O Saneamento como Medida de Prevenção de Doenças


O saneamento, no enfoque preventivista, pode ser definido
com base em oito categorias de análise: conceito de saneamen-
to; objetivos dos projetos de saneamento; preocupação com a
sustentabilidade das ações; articulação entre políticas, institui-
ções e ações; participação técnica e não técnica; estratégias de
educação sanitária e ambiental; responsabilidade pelas ações;
adaptabilidade das ações.
Nesse enfoque, o saneamento é uma intervenção ambiental
da alçada exclusiva da engenharia, uma vez que lhe cabe apenas
implantar os sistemas responsáveis por manter limpo e salubre o
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ambiente, afastando a doença dos indivíduos e, consequentemen-
te, melhorando o desempenho dos indicadores epidemiológicos
e ambientais na localidade-alvo. Tem por objetivo interromper
ou comprometer fortemente o ciclo vital de agentes biológicos
causadores de doenças na população residente no ambiente onde
é executado, entendendo-se este como espaço físico. Além disso,
também visa a controlar fatores químicos e físicos desse ambiente
que possam prejudicar a saúde da população, aqui compreendida
como ausência de doenças e agravos.
A sustentabilidade das ações é reduzida à sustentabilidade
dos sistemas, com vistas a garantir seu pleno funcionamento
para o alcance dos objetivos a que se propõem, assegurando o
afastamento da doença. Desse modo, a articulação entre políticas,
instituições e ações limita-se ao consorciamento com outros se-
tores técnicos para garantir o funcionamento dos sistemas. Esse
processo fortalece a ideia de que o saneamento deve se centrar
no conhecimento técnico específico dominado pelos engenheiros,
os quais tomam, se não todas, pelo menos a maioria das decisões,
restringindo, assim, a participação não técnica (dos usuários e não
usuários dos serviços).
As estratégias geralmente empregadas se baseiam no con-
vencimento da população-alvo a respeito das decisões tomadas.
Para isso, a equipe de educação ambiental que assessora a de
engenharia busca transmitir à comunidade informações e conhe-
cimentos, em geral, ligados à incorporação de novos hábitos e
estilos de vida, por meio da distribuição de prospectos e cartilhas
e da realização de palestras em centros comunitários, escolas e
agremiações.

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Os engenheiros são os responsáveis por todas as ações.
A gestão dos sistemas implantados, sem controle social real e
efetivo, é realizada pelo titular do serviço (o município) e pelo
ente regulador e fiscalizador. O primeiro atua como planejador e,
muitas vezes, também como prestador direto do serviço, caso não
tenha delegado tal função a terceiros. O segundo é responsável
pelo estabelecimento de regras e normas de operação e qualidade,
assim como do valor das tarifas que assegurem a sustentabilidade
econômico-financeira, dentro do que julga ser mais conveniente
para o serviço.
Há preocupação em realizar adaptações com vistas a otimizar
custos e facilitar a operação dos sistemas de engenharia. Para tan-
to, são observadas adaptações tecnológicas que levam em conta
as características físicas do ambiente em que os sistemas serão
implantados, tais como topografia, clima, hidrografia, entre outras.

A Promoção da Saúde: uma nova fundamentação


para o saneamento básico

Com o fim de atualizar e enriquecer – e não de substituir – a


concepção preventivista de saneamento, pode-se lançar mão do
referencial teórico da promoção da saúde, passando-se a concebê-
lo como importante estratégia de atuação sobre o ambiente e a
saúde, alterando-se o seu foco: da doença para uma visão am-
pliada de saúde.
No passado, dadas as características que marcavam o mundo
na segunda metade do século XIX – há, portanto, mais de 150
anos –, era possível realizar ações baseadas em pressupostos pre-
ventivistas e obter, de alguma forma, o êxito desejado. Contudo,
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no contexto atual, ações fundamentadas nesses mesmos conceitos
encontram inúmeras dificuldades para se sustentar ao longo do
tempo, incorrendo em fracasso parcial ou total. O enfrentamento
da complexidade, o desafio da intersetorialidade e o imperativo do
controle social (não somente legal, mas sobretudo como condição
essencial para a apropriação das intervenções em saneamento no
dia a dia das comunidades) são questões emergentes e urgentes,
das quais os diversos atores sociais que atuam na área de sanea-
mento básico não poderão deixar de tomar conhecimento caso
queiram agir com eficiência, eficácia e efetividade.
A promoção da saúde é “uma das estratégias de produção de
saúde, ou seja, (...) um modo de pensar e de operar articulado
às demais políticas e tecnologias desenvolvidas no sistema de
saúde brasileiro” (Brasil, 2010a: 10). Em tal estratégia leva-se em
conta a determinação múltipla da saúde, afastando-se de uma
compreensão exclusivamente biomédica; destaca-se a interseto-
rialidade como estratégia para a implementação de ações para o
enfrentamento integral dos fatores comprometedores da saúde;
percebe-se o setor Saúde como promotor da saúde, e não apenas
afeto à doença; e percebem-se as áreas de ambiente e de sanea-
mento como também responsáveis pela saúde. A promoção da
saúde pode, portanto, constituir um referencial importante para
que o saneamento básico ocupe, de forma efetiva e competente,
o seu lugar nas agendas intersetoriais para a construção de ações
que permitam responder às necessidades sociais em saúde.
Nesse novo contexto, o objetivo do saneamento não se resume
a afastar doenças de indivíduos suscetíveis, pois contribui também
para impulsionar o processo de resolução social de problemas, in-

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cluindo a participação e a aprendizagem mútua entre os diferentes
atores envolvidos, ao invés da busca de “soluções” definitivas ou
implementações simplesmente tecnológicas. Assim, tendo como
referência a promoção da saúde, o saneamento básico deve ser
concebido e executado levando-se em conta o campo de ação
onde aquela se manifesta, os princípios sobre os quais se edifica,
e observando-se outros conceitos de destacada importância,
como veremos a seguir.

Origens e vertentes da promoção da saúde


O termo promoção da saúde foi proposto pela primeira vez
pelo sanitarista Henry Sigerist, no início do século XX, para
designar uma das funções da medicina, ligada às ações de edu-
cação em saúde e às ações estruturais do Estado para melhorar
as condições da vida humana (Sigerist, 1946). Outros sanitaristas
como Hugh Leavell e Edwin Clark, em meados do mesmo século,
também fizeram uso do termo para se referir a uma das medidas
de prevenção primária a ser implementada ao longo da chamada
história natural da doença (Leavell & Clark, 1976).
A partir da publicação do documento denominado The New
Perspective for the Health of Canadians, conhecido como Informe La-
londe, no Canadá, em 1974, surgiu um novo sentido para o termo,
dessa vez associado a intervenções que tinham por fim combater
estilos de vida considerados perniciosos à saúde humana. Contri-
buições a essa compreensão de promoção surgiram em 1978 na
Conferência de Alma-Ata, na antiga União Soviética, e em 1984
no Congresso Canadense de Saúde Pública, denominado “Para
além da Assistência à Saúde”. Nesse evento foram avaliados
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os progressos alcançados ao longo da década que se seguiu ao
Informe Lalonde e estabelecidos, de acordo com os termos desse
documento, os princípios da chamada promoção da saúde.
Como já dito, em um primeiro momento o foco da promoção
esteve voltado para os estilos de vida inadequados à saúde, no
contexto de uma proposta de atuação que visava a promover
comportamentos saudáveis, constituindo a chamada corrente
behaviorista. A partir daí, nas décadas que se seguiram, novas
correntes se delinearam, enfatizando, contudo, os determinantes
socioambientais na compreensão do processo saúde-doença.
O eixo dessa abordagem gira em torno de pré-requisitos essen-
ciais para a saúde, tais como a justiça social, a equidade, a edu-
cação, o saneamento, a paz, a habitação e salários apropriados,
os quais são alcançados por meio de estratégias como coalizões
para advocacia e ação política, promoção de espaços saudáveis
e empoderamento da população, entre outros.
Entre as correntes socioambientais está a que se constituiu
em torno da Carta de Ottawa, documento resultante da I Confe-
rência Internacional de Promoção da Saúde, realizada no Canadá
em 1986.

Campos de ação da promoção da saúde


A Carta de Ottawa, importante documento que orienta uma
das vertentes da promoção da saúde, preconiza que esta deva se
dar em cinco campos de atuação: construção de políticas públi-
cas saudáveis; criação de ambientes favoráveis; reforço da ação
comunitária; desenvolvimento de aptidões pessoais; reorientação
dos serviços sanitários.

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Construção de políticas públicas saudáveis
A saúde deve ter prioridade entre políticos e dirigentes de
todos os setores e em todos os níveis, com responsabilização
pelas consequências das políticas sobre a saúde da população.
Essas políticas são expressas por leis, medidas fiscais, taxações,
mudanças organizacionais, distribuição equitativa de renda e
políticas sociais.

Criação de ambientes favoráveis


A proteção do ambiente, a conservação das riquezas naturais,
o acompanhamento do impacto do ambiente sobre a saúde e a
conquista de ambientes que facilitem e favoreçam a saúde, tais
como o ambiente de trabalho, o lar, a escola, a cidade como um
todo, devem fazer parte das prioridades de todas as estratégias
de promoção da saúde.

Reforço da ação comunitária


Deve haver participação popular efetiva e concreta na fixa-
ção das prioridades, nas tomadas de decisão, no estabelecimento
e execução de estratégias para alcançar um nível mais elevado
de saúde.

Desenvolvimento de aptidões pessoais


A promoção da saúde também requer a divulgação de in-
formações sobre educação para a saúde no lar, na escola, no
trabalho, entre outros, de modo a reforçar a ideia de empodera-
mento individual, que consiste na aquisição de conhecimentos e
consciência política.

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Reorientação dos serviços sanitários
As responsabilidades pela promoção da saúde devem ser
divididas entre os próprios indivíduos, as comunidades, os
profissionais da saúde, as instituições, os serviços sanitários e
os governos. Isso porque cabe a todos estabelecer um sistema
de proteção da saúde, na direção da concepção de promoção,
com provimento dos serviços assistenciais, visão abrangente e
intersetorial e implementação dessas mudanças na formação dos
profissionais da saúde.

Princípios e conceitos importantes da promoção


da saúde
Entre os princípios e conceitos relevantes no âmbito da pro-
moção da saúde, estão a concepção holística de saúde voltada
para a multicausalidade do processo saúde-doença; a equidade;
a intersetorialidade; a participação social; a sustentabilidade;
o empoderamento; a governança; ações multiestratégicas.

Concepção holística de saúde voltada para a


multicausalidade do processo saúde-doença
A situação de saúde reflete as condições de vida e bem-estar,
de modo que é o resultado de um processo dinâmico e mul-
tidimensional, não podendo se limitar à ausência de doenças.
Como fatores sociais e ambientais que afetam a saúde, além do
saneamento, podem-se citar o emprego e a distribuição de renda,
as condições de vida e trabalho, a qualidade e a sustentabilidade
do ambiente, as redes sociais e de suporte social, a participação
e o empoderamento, entre outros que afetam a qualidade vida e
bem-estar coletivo e individual.
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Essa compreensão orienta as ações de fomento da saúde
física, mental, social e espiritual, as quais, evidentemente, extra-
polam os limites do chamado setor Saúde. Assim, para não se
correr o risco de analisar um problema de forma fragmentada e
incompleta, propondo soluções desarticuladas e parciais, é útil
promover a conexão dos determinantes com uma visão holísti-
ca de saúde. Devem-se propor múltiplos recortes do problema
para equacioná-lo em níveis diferenciados, com base na visão
de profissionais com diferentes formações e na participação de
indivíduos e comunidades que vivenciam o problema.

Equidade
Equidade é o reconhecimento do direito e o atendimento das
necessidades de cada indivíduo ou comunidade, de forma que
estas sejam os fatores orientadores da distribuição das oportu-
nidades de bem-estar. Tem suas raízes ligadas ao conceito de
justiça social e, segundo Westphal (2006), tal como tem sido
trabalhada no campo da promoção da saúde, ajuda a discutir
a noção de necessidades diferenciadas, baseada na compreensão de
que as desigualdades sociais estruturais produzem diferenças
nas condições sociais e, em uma relação de consequência, nas
necessidades sociais. Alicerça-se, portanto, segundo essa autora,
no materialismo histórico, definido como a concepção marxista
acerca dos modos de produção, seus elementos constituintes e
determinantes, sua gênese, transição e sucessão.
A equidade é assegurada por meio do acesso diferenciado
para os que mais necessitam, permitindo-se constituir um acesso
igualitário a serviços e recursos básicos que afetam a vida e a ca-
pacidade dos indivíduos de atuar como membros produtivos da
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comunidade. Para isso, como estratégias possíveis no nível local,
podemos citar a participação da comunidade, especialmente dos
seus membros mais vulneráveis e menos representados, nos pro-
cessos de tomada de decisões, e as políticas públicas de redução
das desigualdades entre os membros das comunidades.

Intersetorialidade
Surge como uma consequência natural do deslocamento da
questão da saúde para o centro das discussões sobre o processo
de desenvolvimento social, pois, diante da complexidade do que
significa intervir sobre a saúde, as políticas e as ações a imple-
mentar exigem a superação de visões setorizadas, assistencialistas
e compensatórias.
Intersetorialidade fundamenta-se na articulação de saberes e
experiências, dentro de uma lógica que se opõe à fragmentação,
pois considera o indivíduo, o cidadão, na sua totalidade, levan-
do em conta suas relações com a natureza e com seus pares na
construção social da cidade. Nesse sentido, o grande desafio está
em também superar velhos hábitos, práticas e até mesmo precon-
ceitos, engendrados ao longo do tempo nas lidas diárias de cada
setor enclausurado em si mesmo, o que mina sua capacidade de
diálogo e trabalho em conjunto. Significa, portanto, sobrelevar-se
às resistências naturais ao processo, em nome de algo que fala
diretamente à promoção da qualidade de vida – à promoção do
ser humano, em última instância.

Participação social
Participação é uma necessidade básica inerente aos seres
humanos, evidente em qualquer análise de sua vida social, desde
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os primórdios de sua evolução até os dias de hoje. Possibilita aos
humanos realizar, fazer, afirmar-se a si mesmos, de modo que,
uma vez frustrada, produz mutilação. Assim, a participação pro-
porciona o prazer de atuar em conjunto com os outros e, além
disso, aumenta a eficácia e a eficiência do ato de realizar, que é
mais produtivo quando compartilhado.
Participação é, portanto, um processo social que envolve dife-
rentes grupos e atores sociais, os quais identificam suas necessi-
dades e problemas e atuam conjuntamente desde o planejamento
até a execução das ações para solucioná-los. Trata-se de estimular
e fortalecer o protagonismo dos cidadãos na formulação, imple-
mentação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas.
Além disso, antepõe-se às práticas clientelistas e paternalistas,
fortalecendo a democracia e a cidadania. Segundo a Política Na-
cional de Promoção da Saúde, o exercício da cidadania vai além
dos modos institucionalizados de controle social, implicando, por
meio da criatividade e do espírito inovador, a criação de mecanis-
mos de mobilização e participação, como os vários movimentos
e grupos sociais, organizando-se em rede (Brasil, 2010a).
Nesse caso, a participação comunitária deve se posicionar nos
níveis mais altos da chamada escada de participação de Arnstein,
designados pela autora como poder cidadão. São eles, em ordem
crescente: a parceria (participação ativa da minoria dos membros
da comunidade), a delegação de poder (da comunidade para
cidadãos que ocupam os assentos dos fóruns decisórios), o con-
trole cidadão (participação plena com gerenciamento e controle
financeiro dos projetos). Abaixo desses níveis a autora considera
que não há participação, ou que esta se dá apenas aparentemente,
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sem que haja questionamentos a respeito da ordem vigente, que
continua sendo determinada por instâncias que não contemplam
a população (Arnstein, 1969).

Sustentabilidade
Envolve as dimensões social, cultural, ambiental, econômica,
política e intergeracional e está relacionada à criação de iniciativas
que assegurem: 1) os princípios de desenvolvimento sustentável
e 2) um processo de desenvolvimento duradouro e forte. No
que diz respeito ao ao primeiro aspecto, deve ser fundamentada
no princípio ético da equidade em relação às gerações presentes
e futuras, no concernente à sustentabilidade tanto dos determi-
nantes da saúde (emprego, renda, desigualdades e condições de
vida) quanto dos determinantes ambientais (saneamento ambien-
tal e manutenção dos serviços dos ecossistemas que servem de
suporte à vida) para o alcance de melhores condições de vida,
bem-estar e saúde.
Relativamente ao segundo aspecto, a sustentabilidade de pro-
gramas, projetos e ações deve levar em conta a continuação dos
benefícios deles decorrentes por um largo período, mesmo depois
de cessado o auxílio financeiro, gerencial e técnico proporcionado
por um agente externo à comunidade-alvo das ações.

Empoderamento
Termo que traduz a expressão inglesa empowerment e designa
um dos núcleos filosóficos e uma das estratégias-chave do movi-
mento de promoção da saúde, pois está presente nas definições de
saúde e de sua promoção, bem como no âmago de estratégias de
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participação comunitária, educação em saúde e políticas públicas
saudáveis.
Podemos considerá-lo em dois sentidos principais: o psi-
cológico e o social/comunitário. O primeiro consiste em um
processo que objetiva promover nos indivíduos e comunidades
um sentimento de maior controle sobre suas vidas, fortalecer
sua autoestima e capacidade de adaptação ao meio e desenvolver
mecanismos de autoajuda e solidariedade. O segundo está ligado
à ideia de saúde como um processo e uma resultante de lutas
sociais que conduzem ao aumento da capacidade de indivíduos
e comunidades para definirem e analisarem seus próprios pro-
blemas, atuando sobre eles mediante a aquisição de habilidades.
Assim, o empoderamento não consiste apenas – embora isto
seja necessário – na sensação psicológica do poder e da autocon-
fiança, que pode ser – e muitas vezes de fato o é – fomentada
como mecanismo de controle e manipulação social por parte de
grupos interessados em criar estratégias para a manutenção do
status quo. Mais do que isso, trata-se de algo que incide sobre a
distribuição do poder na sociedade, a partir do qual há o comparti-
lhamento desse poder entre professor e alunos e entre profissional
da saúde e usuários dos serviços, por exemplo.
A lógica que norteia o empoderamento passa a ser a do exer-
cício do “poder com o outro”, e não mais a do “poder sobre o
outro”. Em outras palavras, empoderamento constitui um proces-
so de natureza social que promove a participação de indivíduos,
organizações e comunidades em prol de maior controle individual
e comunitário, eficiência política, melhoramento da qualidade de
vida e justiça social.
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Governança
É o processo marcado pela interação entre instituições gover-
namentais formais e sociedade civil, na qual se exercem poder e
autoridade, influenciando a tomada de decisões e a implementação
de políticas que orientam a vida pública e o desenvolvimento
econômico e social. Trata-se de processo dinâmico, em meio
ao qual competências e responsabilidades são continuamente
transformadas no contexto da gestão.
Governança tem três dimensões: econômica, política e ad-
ministrativa. A econômica está ligada à tomada de decisões que
afetam as atividades econômicas de um país e suas relações com
outras economias, com repercussão sobre a equidade, a pobreza e
a qualidade de vida; a política se refere à formulação de políticas;
a administrativa reporta-se à execução de políticas.
Assim, constitui o exercício participativo, transparente e res-
ponsável da autoridade política, econômica e administrativa em
todos os níveis de gestão de um país. Promove o estado de direito,
pois assegura que as prioridades econômicas, políticas e sociais se
baseiem em um amplo consenso da sociedade, no qual as necessi-
dades dos setores mais pobres e vulneráveis sejam levadas em conta
para o direcionamento dos recursos em prol do desenvolvimento.

Ações multiestratégicas
Dizem respeito à implementação de ações que envolvam e
combinem entre si diferentes disciplinas e métodos de aborda-
gem complementares, tais como: desenvolvimento de políticas
públicas, legislação, mudanças organizacionais, fortalecimento
comunitário, educação e comunicação.
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A importância desse princípio evidencia-se de forma inequí-
voca diante da constatação de que, para que seja possível atuar
sobre a complexidade e a abrangência das questões ligadas à
saúde, é preciso mobilizar diversas estratégias e frentes de ação.
Assim, tais ações multiestratégicas podem ser consideradas como
a concretização das práticas orientadas pela intersetorialidade.

O Saneamento como Estratégia da


Promoção da Saúde
O saneamento, na perspectiva da promoção da saúde, atua
nos campos de ação propostos na Carta de Ottawa e busca resgatar
princípios e conceitos nos quais a promoção se fundamenta, em
termos teóricos e práticos. Pode ser compreendido e organizado
com base nas categorias de análise do saneamento preventivista
já apresentadas aqui, havendo, contudo, a respeito de cada uma
delas uma concepção bastante diferenciada. O Quadro 4 resume
tais categorias, ao mesmo tempo que destaca essas diferenças.

Quadro 4 – Saneamento na perspectiva da promoção da saúde e sa-


neamento baseado na concepção de prevenção de doenças
Saneamento como Saneamento como
Categoria
promoção da saúde prevenção de doenças
Conceito de Engenharia; ações Engenharia
saneamento educativas; política e
gestão
Objetivos dos projetos Promover qualidade de Impedir a manifestação da
vida doença

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Quadro 4 – Saneamento na perspectiva da promoção da saúde e sanea-
mento baseado na concepção de prevenção de doenças (cont.)
Saneamento como Saneamento como
Categoria
promoção da saúde prevenção de doenças
Sustentabilidade das Para promoção da saúde Para prevenção de doenças
ações e benefícios

Articulação entre Para empoderamento e Para implantação de


políticas, instituições governança sistemas de engenharia
e ações

Participação técnica e Controle social; Tecnicismo;


não técnica intersetorialidade ampla intersetorialidade entre
setores técnicos
Estratégias de educação Múltiplas estratégias para Múltiplas estratégias para
sanitária e ambiental o empoderamento instalar novos hábitos

Responsabilidade pelas Órgãos gestores Órgãos gestores


ações e organizações da (engenheiros e sua equipe
sociedade de educação ambiental)
Adaptabilidade das Adaptação tecnológica, Adaptação tecnológica e
ações econômico-financeira e econômico-financeira
cultural

O conceito de saneamento
O saneamento, segundo o enfoque da promoção da saúde,
deve ser compreendido e executado como uma mediação entre
os humanos e o ambiente, marcada por sua natureza multidi-
mensional, conforme ilustrado na Figura 1 (cap. 1). Abrange a
implantação de uma estrutura física composta por soluções tec-
nológicas de porte variado, desde obras e sistemas de engenharia
sanitária e ambiental de grande envergadura até tecnologias sociais
(dimensão tecnológica referida na terceira seção do cap. 1), o que
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o caracteriza como uma ação sobre o meio físico. Mas não se
restringe à dimensão física do ambiente, pois o percebe, também,
em suas dimensões social, econômica, política e cultural, cujos
desequilíbrios geram as doenças. Busca atuar com e sobre outras
áreas, pois concebe a saúde com uma visão holística e multicausal.
Por isso, saneamento inclui, também: 1) um conjunto de ações
de educação (dimensão sociocultural referida na terceira seção
do cap. 1), voltadas para aquisição de consciência política por
parte dos indivíduos e comunidades para atuar em prol de sua
saúde, com base no fortalecimento das pessoas e em materiais
disponíveis (empoderamento); 2) um conjunto de políticas que
estabeleçam direitos e deveres dos usuários e dos prestadores, e
que sejam articuladas com as demais áreas ligadas aos determinan-
tes da saúde, além de uma estrutura institucional responsável por
conduzir as ações estritamente técnicas norteadas por uma visão
intra e intersetorial e que seja capaz de compartilhar decisões com
os usuários e não usuários, atenta à importância da participação,
do controle e da inclusão social (dimensão de gestão referida na
terceira seção do cap. 1).
Podemos dizer, então, que se trata de uma ação de mediação
entre os humanos e determinados fatores de seu meio físico
com ampla repercussão além dos limites do espaço físico. O que
torna necessário cercá-la de diversos cuidados quanto à forma
como é realizada, para que seja sustentável, assegure um ambiente
saudável (entendido em suas dimensões física, social, econômica,
política e cultural) e contribua para a saúde (compreendida como
mais do que ausência de doenças) e qualidade de vida, pois se
malconduzida também pode gerar impactos negativos tanto
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sobre o ambiente quanto sobre a saúde e a qualidade de vida
dos indivíduos.

Objetivos dos projetos de saneamento


O saneamento como promoção da saúde tem por objetivo
propiciar mudanças na situação dos indivíduos e comunida-
des e de seu ambiente, contribuindo para o atendimento das
demandas do mundo atual, à luz dos princípios da equidade e
da sustentabilidade. Por essa razão, busca mais do que apenas
e tão somente afastar a doença. Por exemplo, uma criança que
não sofre acometimento de diarreia e parasitoses intestinais,
em decorrência de ter sido beneficiada pela implantação de
um sistema de abastecimento de água, mas vive na miséria, se
alimenta mal, não tem acesso aos serviços de saúde, não tem
escola, mora em um barraco insalubre e tem pais analfabetos e
desempregados não pode ser considerada saudável. Tais condi-
ções adversas acabam por comprometer a própria manutenção
desse efeito positivo – o afastamento da doença pelo acesso à
água potável –, pois interferem na forma como a criança vive,
pensa e sente a vida, ou seja, em suas idiossincrasias, reduzindo,
ou até mesmo eliminando, ao longo do tempo, esse impacto
positivo.
É claro que, isoladamente, o saneamento, mesmo considera-
do em sua multidimensionalidade, como explicado na categoria
conceito de saneamento (como estrutura física, educacional, política
e institucional), não dá conta de atuar em todas essas frentes. Daí
a preocupação em articulá-lo intensamente com as outras áreas
ligadas aos determinantes da saúde, em ações intersetoriais e
multiestratégicas, para que seu alto objetivo de propiciar mudanças
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na situação de saúde das populações e de seu ambiente seja efetiva e am-
plamente alcançado.

Preocupação quanto à sustentabilidade das ações


e benefícios
No que diz respeito à sustentabilidade de suas ações e benefí-
cios ao longo do tempo, o saneamento como promoção da saúde
preocupa-se com “o depois” da obra concluída ou do serviço
implantado. É a partir desse momento que, em geral, o órgão
executor se afasta do contexto no qual permanece apenas a po-
pulação beneficiada, tendo que se adaptar às mudanças ocorridas.
O que interessa são os impactos não apenas epidemiológicos
(redução de morbidade por diarreia, por exemplo) ou ambientais
(controle da poluição e da contaminação de recursos hídricos,
por exemplo), mas também sociais. É preciso se perguntar sobre
a sustentabilidade e a efetividade das ações de saneamento ao
longo do tempo para a melhoria da qualidade de vida da comu-
nidade-alvo, ou seja, para a implementação de mudanças na situ-
ação de saúde das populações e de seu ambiente, no presente e
no futuro.
Não se trata, aqui, apenas da sustentabilidade econômico-
financeira, em que pese sua importância, mas da manutenção da
estrutura multidimensional do saneamento ao longo do tempo.
Tal manutenção depende do poder público (vontade política
dos governantes) e da população beneficiada (apropriação da
estrutura como sua beneficiária e responsável), em um pro-
cesso que deve ser duradouro e forte, segundo o princípio da
sustentabilidade.
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O saneamento promocional não é subalterno a interesses
de grupos políticos. É um conjunto de ações suprapartidárias,
entendidas como política de Estado, e não de governo, sem
mandato e sem prazo de validade, a despeito de haver o que
tecnicamente chamamos de horizonte de projeto definido para as
obras e instalações físicas.

Articulação entre políticas, instituições e ações


A política de saneamento como promoção da saúde, no campo
das políticas públicas saudáveis, e as ações das instituições e órgãos
atuantes na área, em observação aos princípios da visão holística e
multicausal da saúde, intersetorialidade, multiplicidade de estraté-
gias, governança e empoderamento, devem estar em consonância
com as políticas de saúde, educação, transporte, desenvolvimento
urbano, ambiente, recursos hídricos, geração de emprego e renda
e outras que também exercem impacto sobre a saúde.
Cabe lembrar que o sentido do termo empoderamento está
relacionado aos processos empreendidos para proporcionar
conscientização e autonomia dos indivíduos e comunidades,
contrapondo-se às práticas que fortalecem o conformismo, a
passividade e até mesmo a autoculpabilização por suas desditas.

Participação técnica e não técnica


O modelo de realização das ações de saneamento orientado
para a promoção da saúde prevê a participação das outras áreas
técnicas relacionadas aos determinantes da saúde, bem como das
comunidades em que as ações serão realizadas. Particularmente
em relação às comunidades, sua participação, para que seja ampla
e efetiva, no sentido do empoderamento e fortalecimento da ci-
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dadania, deve se dar em todos os momentos e instâncias, desde
os processos decisórios do planejamento até a conclusão da ação,
obra ou implantação do serviço. Trata-se de uma participação
amplamente intersetorial e substantiva.
Mesmo reconhecendo a importância do saber técnico-cien-
tífico, a participação efetiva da comunidade deve ser assegurada
como consequência de todo um processo de empoderamento
individual e coletivo. Com ela, indivíduos e comunidade alcançam
um nível de consciência que lhes permite compreender meca-
nismos e processos, opinar, contribuir, concordar e discordar
com base em sua experiência cotidiana e nas informações que
lhe chegam ao conhecimento em processos educativos formais
e informais.
A participação se dá por meio dos mecanismos de controle
social estabelecidos pelo decreto n. 7.217/2010, entre os quais
conferências e órgãos colegiados presentes na área da saúde
dentro da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como
daqueles adotados na área ambiental, tais como as audiências e
consultas públicas.
Levando em conta a imposição legal de elaboração dos pla-
nos municipais de saneamento, destacamos aqui a importância
da participação não técnica, ou seja, dos usuários e não usuários
dos serviços, como cidadãos, no processo de construção desses
planos. Esse é um requisito fundamental para que se apresentem:
um diagnóstico fidedigno das condições de saneamento vigentes
em todo o território e em cada localidade do município; objetivos
e metas, programas, projetos e ações que venham ao encontro da
resolução eficaz, eficiente e efetiva dos problemas diagnosticados,
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ainda que de forma gradual; mecanismos e procedimentos claros
e consistentes de avaliação do cumprimento das metas estabe-
lecidas produzidos, com base não simplesmente em números e
estatísticas, mas também na experiência cotidiana vivenciada por
cada membro da comunidade e cidadão.
Evidentemente, não é apenas no nível de planejamento que
a participação deve se concretizar. Na verdade, o controle social
deve perpassar todas as funções que constituem a gestão em
saneamento: planejamento, regulação, prestação e fiscalização,
como ilustra a Figura 3.

Figura 3 – Articulação entre as funções de gestão em saneamento


básico
l

Co
cia

nt
so

ro
le

le
ro

so
nt

cia
Co

Fiscalização
l

Co
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so
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Co

Fonte: Moraes et al., 2008.

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Estratégias de educação sanitária e ambiental
As estratégias utilizadas pelo saneamento promocional são
múltiplas e baseadas na negociação entre todos os setores e atores
participantes, privilegiando abordagens facilitadoras e que pro-
porcionem o empoderamento. A educação sanitária e ambiental
aparece como um recurso que se diferencia de sua abordagem
mais comum, porque se propõe a romper com a manutenção de
práticas modeladoras do comportamento e a concorrer para que
indivíduos e comunidades tenham acesso a informações, delas se
apropriando para que possam se mobilizar e encontrar alternativas
práticas de superação das situações que os vulnerabilizam.
A concepção de educação vinculada ao conceito de empodera-
mento deriva da educação libertária preconizada por Paulo Freire.
Constitui um ato político que se preocupa em romper com uma
educação voltada para o “poder sobre o outro”, privilegiando “o
poder com o outro”.
Para o saneamento básico, a educação, como uma de suas di-
mensões, é estratégia de grande importância, pois pode contribuir
para a apropriação de serviços, estruturas e instalações por parte
das comunidades-alvo de intervenções de engenharia.

Responsabilidade pelas ações


Para o saneamento promocional, são considerados executo-
res todos os atores envolvidos – técnicos e população – em um
processo que pode ser demorado e exaustivo, pois implica trocas
de experiências, adaptação de tecnologias, debates, avaliações,
mutirões. Nesse processo, os atores técnicos exercitam e ampliam
sua capacidade de negociação com os atores “leigos”.
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Trata-se do compartilhamento da responsabilidade, o que
está diretamente ligado aos princípios da participação social e do
empoderamento, na medida em que técnicos e comunidade se
voltam para trabalhar em conjunto a fim de assegurar o alcance
dos altos objetivos do saneamento. Não se trata de desvalorizar
o saber técnico-científico em favor da valorização do saber leigo,
mas de buscar uma aliança entre os saberes, viável, democrática
e marcada pela sabedoria.

Adaptabilidade das ações


A gestão das intervenções e interações, para o saneamen-
to promocional, tem caráter adaptativo, contextualizado e de
inclusão social (universalização e acessibilidade dos serviços),
embasada nos princípios da sustentabilidade e da participação.
Nesse sentido, as adaptações à realidade de cada local se dão em
três principais dimensões: 1) tecnológica, optando-se por soluções
que estejam de acordo com as características do ambiente físico;
2) econômico-financeira, buscando otimizar custos e assegurar
subsídios, tarifas sociais e outras formas de remuneração do
serviço que possibilitem o atendimento de populações carentes;
3) cultural, possibilitando o atendimento das populações, princi-
palmente, rurais, indígenas, quilombolas, extrativistas, de forma
que leve em conta suas crenças e seus valores e hábitos.

Um Processo em Andamento: a mudança de foco do


saneamento básico visando à promoção da saúde

Apesar da hegemonia da concepção preventivista de sanea-


mento, tanto na esfera legal quanto na literatura científica corre-
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lata e entre profissionais e instituições que atuam na interface
saneamento-ambiente-saúde podem-se encontrar alguns pontos
de contato com uma percepção ligada à promoção da saúde.
Pode-se dizer, portanto, que está em curso um processo de
mudança de foco, marcado por discursos, preceitos legais e prá-
ticas que se contradizem, constituindo, nesse sentido, desafios a
superar. Exemplo clássico é o que ocorre relativamente ao con-
trole social, abordado aqui no âmbito da categoria participação
técnica e não técnica.
Na lei n. 11.445/2007 encontra-se a afirmativa de que o
controle social é um dos princípios fundamentais que devem
embasar os serviços públicos de saneamento básico, no que
diz respeito tanto às políticas quanto às ações – desde a fase de
formulação e planejamento até a implementação, a fiscalização
e a avaliação, cabendo aí, inclusive, a realização de audiências e
consultas públicas. Além disso, encontra-se presente nos discur-
sos de profissionais da interface saneamento-saúde-ambiente a
compreensão de que a participação da população-alvo das ações
de saneamento nas decisões acerca destas é importante e deve
estar ligada à divulgação de informações precisas.
Porém, mesmo instituída pela legislação e presente nos dis-
cursos, a participação social ainda se encontra bastante limitada
no seu exercício, haja vista a natureza apenas consultiva dos
fóruns participativos, tais como os órgãos colegiados. Como
supor a possibilidade de sua influência real nas tomadas de de-
cisão sobre políticas, planos, projetos e aplicação de recursos se,
em áreas como a da saúde e a de gestão das águas, por exem-
plo, em que essas instâncias de controle social são deliberativas,
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ainda há desafios grandiosos a enfrentar, principalmente no que
tange à participação livre e consciente dos usuários no âmbito
do saneamento?
Para melhor compreender esse aspecto, Melo (2009) inves-
tigou o funcionamento do Conselho Municipal de Saneamento
Ambiental do município de Alagoinhas, Bahia, criado em 2001,
e identificou fatores diversos que comprometeram sua atuação
propositiva e eficaz, mesmo sendo ele deliberativo. Entre tais
fatores podem-se citar a incipiência de experiências em participa-
ção e controle social no saneamento, a cultura política arraigada
há anos no município de Alagoinhas e no estado da Bahia e a
reduzida experiência local com órgãos de controle social, o que se
pode extrapolar para todo o país, com os contornos e as variações
específicos de cada lugar.
Pelo exposto, ficam evidentes os pontos em que a área de sa-
neamento deve atuar para impulsionar o andamento da mudança
de foco: o aprimoramento da legislação e a formação de cidadãos
participativos. Cabe, então, aos setores progressistas da área atuar
como catalisadores e incentivadores para que o marco legal passe
a determinar que os fóruns de participação assumam caráter
deliberativo; que os municípios, ao criar instâncias colegiadas de
controle social, não o façam apenas e tão somente para atender
aos critérios de repasse de recursos estabelecidos pelos decretos
n. 7.217/2010 e n. 8.211/2014; que a participação e o controle
social sejam aprimorados na direção da efetividade, para além
da letra, ou seja, com ações concretas voltadas para o empode-
ramento individual e comunitário por meio de oficinas e cursos
de capacitação de comunidades e de conselheiros membros de
órgãos colegiados, por exemplo.
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Além do exemplo de aproximação da categoria participação
técnica e não técnica com o ideário da promoção da saúde, há outros,
que envolvem as categorias objetivos dos projetos, estratégias de educação
sanitária e ambiental e responsabilidade pelas ações.
Quanto aos objetivos dos projetos, podemos constatar, no
campo da produção técnica e científica nacional, trabalhos que se
referem ao saneamento como contribuição para a promoção do
ser humano, com a melhoria de sua qualidade de vida, o estímulo
às lideranças comunitárias, o estar de bem com a vida, para além
do combate às doenças.
No que diz respeito às estratégias de educação sanitária e ambiental,
também está presente nos discursos de profissionais a percepção
de que a educação ambiental e em saúde tem por fim despertar
na população uma consciência para a vida, além da adoção de
novos hábitos e estilos de vida. Esses discursos parecem estar
tratando de algo mais profundo, como o entendimento da própria
vida; uma consciência de saúde e de ambiente; o compromisso
individual e coletivo; direitos e deveres.
Sobre a categoria responsabilidade pelas ações, na lei n. 11.445/2007
se afirma que o titular dos serviços, ou seja, o município, é o res-
ponsável pela formulação de políticas, pela prestação dos serviços
diretamente ou por delegação a outrem, assim como pela defini-
ção do ente regulador e fiscalizador. Essa é uma postura que, em
si, não parece revelar nenhuma aproximação com a promoção,
posto que apenas estabelece a existência de um ente responsável
pelo saneamento. Mas, se conjugada com a instituição do controle
social como princípio fundamental do saneamento, estabelecida
por essa mesma lei, pode ser considerada mais próxima da pro-
moção do que da prevenção.
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Analisando-se todas essas aproximações com o ideário da
promoção da saúde, vê-se que não são derivadas de uma postu-
ra consciente por parte de seus propositores. Na verdade, são
consequentes da influência que a promoção exerce sobre a área
da saúde, que, por sua vez, a estende à área de saneamento ao
influxo natural dos acontecimentos sociais e políticos. Nesse
sentido, merecem destaque as conquistas alcançadas na saúde
pelo Movimento Brasileiro pela Reforma Sanitária e a realiza-
ção da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que introduziram na
pauta nacional de discussões, por exemplo, a universalização do
acesso, o fortalecimento do papel do município, a equidade e
a participação social, que se refletiram fortemente sobre a área
de saneamento.

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5 Propondo Saneamento Orientado
um
para a P romoção da S aúde e a
Sustentabilidade Ambiental

Apesar dos ganhos obtidos com a evolução do saneamento


e de sua importância no Brasil e no mundo, desde a sua institu-
cionalização como estratégia de saúde pública no século XIX,
como visto no capítulo 2, questões relacionadas à complexidade
das ações que o compõem e à necessidade de abordá-lo de forma
mais sistêmica sempre estiveram em pauta. Os inúmeros desafios
atuais vão além da cobertura dos serviços, pois um saneamento
alicerçado na promoção da saúde, conforme estabelecido no
capítulo 4, e orientado para a sustentabilidade ambiental exige
mudanças não só nos conceitos (que são a forma de olhar um
problema), mas também nas práticas e ações para que ancorem
os princípios que fundamentam tal promoção.
Diante dos grandes desafios relacionados à relação homem-
natureza, é necessário criar as condições para que se inaugure
uma nova ética ambiental, pautada em novos paradigmas sociais,
ou seja, caminhos alternativos àqueles até agora estabelecidos.
Nesse cenário, o saneamento tem papel relevante, pois seu campo
de ação envolve a busca de alternativas tecnológicas e de gestão
para a promoção da saúde e a prevenção e controle da poluição,
e pode contribuir para a sustentabilidade ambiental.

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A Prática de Fazer Engenharia e a
Necessidade de Mudança
Ainda que a busca de alternativas tecnológicas e de gestão para
a promoção da saúde e a sustentabilidade ambiental não esteja
restrita às engenharias, é nessa área que se encontra grande parte
da produção do conhecimento e desenvolvimento de tecnologias,
particularmente nas engenharias de saneamento e saúde pública
e seus desdobramentos na engenharia sanitária e ambiental.
A atuação dos agentes dessas engenharias apresenta algumas
características importantes:

• Tem sido tecnicista, fortalecendo a ideia de que a técnica, in-


dependentemente das políticas, poderá nos salvar em função
de sua supremacia.
• Dissocia a técnica da política, desconsiderando que a técnica
não é neutra, pois se constitui na materialização de políticas
por outros meios.
• Resiste ao diálogo entre a teoria e a prática, de modo que se
entorpece de prática, no cotidiano, não refletindo sobre a
eficácia, a efetividade e a eficiência das ações.
• Orienta-se por um conhecimento reducionista que se desdobra
em práticas também limitadas, não se permitindo compreender
a realidade em sua complexidade.
• Ancorada na convicção de que os conhecimentos e as técnicas
adquiridos na formação e na experiência prática são suficien-
tes, mostra-se arrogante; essa arrogância fica bastante eviden-
te quando obras e ações de saneamento adentram as periferias
das cidades, assentamentos rurais, comunidades quilombolas,
aldeias indígenas etc., ignorando as obras já feitas, a dinâmica
social e a lógica da relação com o espaço e com a água.
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• Ignora as técnicas locais adaptativas utilizadas há décadas
(como as de convivência com a seca), baseadas na cultura local,
e impõe uma nova técnica, que muitas vezes não é apropriada
pela população.
• Não promove o diálogo do saber técnico-científico com o
popular, porque seus agentes não compreendem que a solução
de engenharia passa pelo conhecimento de realidades que só
podem ser descritas por quem as vivencia. Com isso, a elabo-
ração dos projetos não passa pela compreensão das condições
e dos modos de vida das populações, ainda que muitas vezes
as obras e as ações envolvam mudanças de práticas e incorpo-
ração de novas práticas, tais como utilizar o vaso sanitário,
lavar as mãos, efetuar a manutenção da fossa séptica ou do
ramal do sistema condominial de esgoto, captar e utilizar a
água de chuva, segregar o lixo e dispô-lo no horário estabele-
cido para a coleta etc.
• Desqualifica a participação social, vista como um acessório à
obra física, que tem supremacia em relação ao processo social
de fazer saneamento.
• Baseia-se em projetos pautados em concepções convencionais,
resultando em uma “ditadura tecnológica”. Um exemplo é o
pensamento único e padronizado que orienta a construção de
redes de distribuição de água, de coleta de esgotos, de drenagem
de águas pluviais, assim como a construção de aterros sanitários,
sem considerar as diferentes realidades sociais e ambientais.
• Considera apenas a viabilidade econômica para a elaboração
dos projetos, deixando de lado aqueles atores sociais que não
dispõem de capacidade de pagamento pelo serviço, o que re-
sulta em uma das formas de exclusão social.
• A partir do momento em que permite o predomínio de pro-
jetos de saneamento “encomendados”, com a solução tecno-

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lógica previamente definida, desconsidera as dimensões social,
cultural, política, institucional e ambiental, entre outras; assim,
deixa de praticar a função da engenharia e de estudar alterna-
tivas tecnológicas e a sua viabilidade social, cultural, ambiental,
financeira, política, legal, institucional etc., as quais representam
subsídios para selecionar as soluções mais eficientes, eficazes
e efetivamente capazes de promover a transformação da rea-
lidade (Borja, 2009).

Compreender as características ainda dominantes nas enge-


nharias de saneamento e saúde pública e seus desdobramentos
na engenharia sanitária e ambiental é fundamental quando se
pretende reorientá-las em direção à promoção da saúde e à
sustentabilidade ambiental. Isso significa contribuir para que
elas se conectem com o movimento emergente de revisão dos
paradigmas das engenharias em nível mundial, considerando
alguns determinantes como as crises ambiental, energética e da
água, entre outros.
A adoção de novos paradigmas envolve tecnologias apropriadas
à realidade local e indutoras de novos comportamentos em face
dos padrões atuais de consumo de água e de energia e de geração
de resíduos líquidos e sólidos. As tecnologias e as ações de sa-
neamento devem privilegiar a não geração, ou a minimização, de
resíduos, o reúso e a reciclagem das águas e dos resíduos sólidos
com a utilização do ecossaneamento; integrar a análise de ciclo
de vida (ACV) e a permacultura, orientadas para tecnologias
sustentáveis que implicarão modificações profundas nas práticas
das engenharias. É preciso que estas vençam as resistências às
mudanças e sejam mais engenhosas e generosas para com a vida
no planeta.
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Práticas e Tendências no Saneamento
A prática no abastecimento de água é orientada pelo impera-
tivo de fornecer água tratada, usá-la e descartá-la como esgoto
(99,9% de água e 0,1% de sólidos), com padrões de consumo
elevados (per capita de projeto; descarga de vaso sanitário de 5 a
20 litros; máquina de lavar; tempo excessivo de uso do chuveiro)
e utilização perdulária desse bem. Os sistemas convencionais
de abastecimento de água, em geral, apresentam alto consumo de
energia e elevadas perdas físicas de água. O padrão de qualidade
da água é único para todos os usos. Os mananciais utilizados são
superficiais e subterrâneos. A água meteórica, ou seja, a água de
chuva, principalmente nas cidades, é tratada como esgoto pluvial,
e as águas utilizadas são descartadas!
Porém, as tendências de mudanças têm indicado: a minimi-
zação dos padrões de consumo de água; a revisão da lógica de
veiculação hídrica para o descarte da matéria sólida; a medição
de consumo de água individualizada; o uso de água de chuva
como manancial (nas áreas rurais e urbanas); o reúso – ciclo fe-
chado de matéria e energia; e diversas medidas relacionadas à
conservação da água. No Quadro 5 são apresentadas algumas
dessas medidas.

Quadro 5 – Medidas a serem adotadas em relação ao abasteci-


mento de água
Adoção de programa de controle de perdas e de energia envolvendo a
ampliação da macromedição e micromedição.
Controle de vazamentos e de pressões na rede de distribuição de água, aferição
ou substituição de hidrômetros, setorização, monitorização, entre outros.
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Quadro 5 – Medidas a serem adotadas em relação ao abasteci-
mento de água (cont.)
Revisão da estrutura tarifária visando a garantir o consumo adequado para
a saúde e a desestimular altos consumos e desperdícios.
Estímulo ao uso de aparelhos e peças hidrossanitárias de baixo consumo,
o que implica o desenvolvimento de tecnologias que venham baratear tais
equipamentos e a implementação de normas técnicas e de programas de
educação sanitária e ambiental.
Estímulo às práticas de conservação em domicílios, com o conserto de
vazamentos, desestímulo ao desperdício, uso de vaso sanitário de descarga
reduzida, entre outros.
Adoção da medição individualizada em prédios e apartamentos, com a
definição de exigências legais e normas técnicas.
Adoção de práticas de reúso de água.
Promoção de programas de educação sanitária e ambiental para uma nova
cultura de manejo da água, envolvendo o ensino formal, a população em
geral e aquela que é beneficiada por projetos de saneamento básico.
Disseminação da prática de captação de água de chuva para usos menos
nobres, inclusive em áreas urbanas e em espaços públicos e privados
(estacionamentos, casas, condomínios, apartamentos), com definição de
exigências legais e normas técnicas.

Em relação ao esgotamento sanitário, a prática tem sido a


utilização de sistemas coletivos e o descrédito das soluções indivi-
duais e a seco; o uso de sistemas centralizados de alto consumo de
energia em detrimento dos descentralizados; o descarte de águas
e nutrientes (N, P, K), gerando desperdício e poluição.
As tendências de mudanças têm se orientado para o manejo
dos excretas humanos (urina e fezes), que têm propriedades muito
diferentes, são produzidos em quantidades variáveis e requerem
cuidados e processamento específicos. Estudos indicam que
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um ser humano adulto produz por dia mais de 1 litro de urina e
pouco menos de 200 g de fezes – incluindo a sua umidade –, com
variações conforme o tipo de dieta, idade, atividade, localização
e condições de saúde (Del Porto & Steinfeld, 1999).
O ecossaneamento, caracterizado pela separação da urina,
pode contribuir para reduzir a poluição e impactar positivamente
o gerenciamento das águas, dos solos e dos nutrientes. Consiste
em tecnologias que, operadas no nível da família ou da comuni-
dade, mais viáveis financeira e ecologicamente que as tecnologias
convencionais, têm como princípios básicos: a conservação da
água; a proteção do ambiente da contaminação dos excretas;
o reconhecimento de que a urina e as fezes são recursos que,
geridos de forma adequada, podem contribuir para a produção
de alimentos/segurança alimentar e nutricional e para o desen-
volvimento (Esrey & Andersson, 2001). O Quadro 6 apresenta
alguns exemplos dessas tecnologias e formas de manejo.

Quadro 6 – Tecnologias e formas de manejo de excretas huma-


nos/esgotos sanitários
Vaso sanitário separador de urina.
Soluções on site.
Reúso de nutrientes da urina e das fezes.
Separação das correntes líquidas em edificações e seu encaminhamento
para o devido tratamento e reúso.
Utilização de filtros à base de pedras, areia e plantas aquáticas.
Utilização de sistemas de coleta de esgotos simplificados e
descentralizados, ligados a estações de tratamento dotadas de reatores
anaeróbios de fluxo ascendente, wetlands (leitos filtrantes, áreas úmidas ou
banhadas) e lagoas de estabilização aeróbias ou anaeróbias.

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No que tange às águas pluviais urbanas, também tratadas
como “esgotos pluviais”, a abordagem tradicional, representada
no país pela busca do sistema hidraulicamente mais eficiente,
resulta na concepção de que “sanear é drenar o ambiente”. As
águas urbanas são consideradas indesejáveis em função do seu
alto grau de degradação e, assim, os corpos d’água são levados
a receber obras de retificação, canalização e até mesmo de reco-
brimento, como tem acontecido, equivocadamente, em muitas
cidades brasileiras.
A drenagem de águas pluviais tem sido entendida como
o ato de criar estruturas de drenagem (micro e macro) para
conduzir a água para pontos o mais distantes possível, sendo
os sistemas de drenagem associados a obras de canalização
e, mais recentemente, combinados com estruturas de arma-
zenamento para amortecimento de vazões (Souza, Moraes &
Borja, 2013). A situação é agravada pelo fato de os municípios
apresentarem capacidade institucional limitada para enfrentar
problemas tão complexos e interdisciplinares, pois, em geral, a
disponibilidade de pessoal técnico capacitado é inversamente
proporcional às atribuições da instituição responsável pela
drenagem (Pompêo, 2000).
No entanto, as tendências de mudanças indicam que o siste-
ma de drenagem de águas pluviais deve ser visto como um dos
componentes do espaço urbano, pois é impossível dissociá-lo
da infraestrutura das cidades. Esse sistema compõe a paisagem
urbana, promovendo sua valorização (quando bem integrada ao
urbanismo) ou sua degradação (quando também está degradado).
Seu conceito deve ser, portanto, ampliado, para abranger mais

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do que elementos de infraestrutura. Em uma abordagem que
privilegia a sustentabilidade, drenagem urbana pode ser enten-
dida como um
conjunto de medidas que têm como finalidades a minimização
dos riscos aos quais a sociedade está sujeita e a diminuição dos
prejuízos causados pelas inundações, possibilitando o desenvol-
vimento urbano da forma mais harmônica possível, articulado
com as outras atividades urbanas. (Pompêo, 2000: 17)
Essa nova visão de que os problemas estão relacionados en-
tre si, com destaque para a degradação do ambiente, e de que as
políticas públicas também deveriam estar integradas é, de certa
forma, encontrada na lei n. 11.445/2007, a LNSB, em que a dre-
nagem e o manejo de águas pluviais urbanas são considerados como
componentes do saneamento básico, assim definidos:
o conjunto de atividades, infraestruturas e instalações opera-
cionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte,
detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de
cheias, tratamento e destinação final das águas pluviais drenadas
nas áreas urbanas. (Brasil, 2007: 3)
O termo manejo aparece pela primeira vez associado à drena-
gem, rompendo com o paradigma de que “drenar é necessário”.
Os processos naturais, em particular o ciclo hidrológico e os
impactos que a cidade causou sobre eles, passam a ganhar visi-
bilidade (Souza, Moraes & Borja, 2013). Além disso, nos termos
do novo paradigma a gestão deve se basear em uma combinação
de medidas estruturais (obras) e estruturantes (capacitação de
pessoas, fiscalização para o cumprimento da legislação urbano-
ambiental, entre outras), que permita à população minimizar as
suas perdas e manter uma convivência harmônica com os corpos
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d’água, incluindo, além das medidas de engenharia, as de cunho
social, econômico, legal e gerencial.
Em relação aos sistemas de limpeza urbana e manejo de resí-
duos sólidos, cabe, antes de tratar da abordagem em si da prática
atual e das tendências de mudança tecer comentários acerca do
sistema capitalista de produção, dentro do qual vivemos. Nesse
sistema, a natureza é considerada como um subsistema e a so-
lução para os problemas sociais é delegada ao mercado, o qual
tem crescido pela reprodução e ampliação do capital, baseada na
produção e consumo permanente e ilimitado de bens materiais.
Nesse processo em que aumentam a geração e a diversificação
de resíduos sólidos, não faltam evidências de ser esse modelo
indesejável ao contexto socioambiental da Terra.
No Brasil, a geração média per capita diária de resíduos
sólidos domiciliares nas cidades aumentou de 0,75 kg por
habitantes por dia, em 2002, para 1,01 kg por habitantes por
dia, em 2013 (SNIS, 2015). Em relação aos resíduos sólidos,
tem se notado desde as décadas de 1930 e 1940 um fenômeno
industrial e mercadológico conhecido como descartalização.
Trata-se de uma estratégia que visa a garantir o consumo per-
manente por meio da insatisfação do consumidor, de forma a
que os produtos que satisfazem às necessidades daqueles que
os compram parem de funcionar ou se tornem obsoletos em
um curto período, devendo obrigatoriamente ser substituídos
por outros mais modernos.
Essa insatisfação, que resulta em maior consumo e descarte
de produtos/materiais, gerando maior quantidade e diversidade
de resíduos sólidos, é produzida por meio da chamada obsoles-
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cência. São três as modalidades sob as quais a obsolescência se
apresenta: a planejada ou programada; a perceptiva ou percebida;
a funcional ou técnica.
Segundo a estratégia de obsolescência planejada ou progra-
mada, a indústria passa propositalmente a desenvolver, fabricar
e distribuir produtos de forma que sua vida útil seja curta,
forçando o consumidor a comprar as novas versões disponibi-
lizadas no mercado.
A estratégia de obsolescência perceptiva ou percebida induz
o consumidor a efetuar a substituição de um produto/merca-
doria, como celulares, computadores, televisores, carros, peças
do vestuário, por exemplo, mesmo que ainda esteja em perfeitas
condições de uso, apenas para adquirir a nova versão lançada no
mercado, com aparência inovadora e mais atraente, ou aquilo
que está na moda.
A estratégia de obsolescência funcional ou técnica se dá
quando: um produto perde a sua utilidade porque outro mais
funcional foi desenvolvido para substituí-lo; torna-se mais dis-
pendioso consertar o produto em uso do que adquirir um novo;
não faz mais sentido para a indústria continuar a fabricação de
um produto devido à evolução funcional dos novos produtos.
As tendências de mudança, submetidas a um sistema capita-
lista, indicam o consumo sustentável, a não geração, a redução,
reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, e
a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Na
próxima seção apresentamos uma proposta de gestão integrada
e sustentável dos resíduos que inclui todos os aspectos aqui
tratados.
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É também importante considerar, nas cidades, as inter-
relações entre as diferentes medidas de saneamento básico: o
abastecimento de água é realizado a partir de mananciais que
podem ter sua qualidade alterada pelo lançamento de esgotos
ou resíduos sólidos; a solução da drenagem urbana depende da
existência de rede coletora de esgotos sanitários; e a limpeza das
ruas e logradouros públicos, a coleta, o transporte e a disposição
dos resíduos sólidos interferem na quantidade e na qualidade da
água pluvial, o que mostra a importância da integralidade das
medidas e da intrasetorialidade. Assim, para tornar a ação pú-
blica mais efetiva e articulada com os pressupostos do nosso
tempo torna-se necessário criar condições para a formação e
capacitação de pessoas, com novos paradigmas tecnológicos
e de gestão pública.
Formar e capacitar pessoas e profissionais no campo do sanea-
mento envolve uma série de conteúdos que vão além da questão
tecnológica em seu sentido restrito. A complexidade da realidade
contemporânea exige um número maior de pessoas que a com-
preendam e de profissionais no campo do saneamento capazes
de atuar com uma abordagem interdisciplinar, pois cada vez mais
a análise da realidade e a identificação de alternativas tecnológicas
exigem um olhar que contemple as dimensões sociais, culturais,
política, ambiental, institucional, entre outras.
No campo da tecnologia, os novos paradigmas envolvem a
adoção de tecnologias apropriadas à realidade local e também indu-
toras de novos comportamentos, em face dos padrões atuais de
consumo de água e energia e de geração de resíduos líquidos e
sólidos. Em outras palavras, tecnologias que busquem: privile-

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giar a não produção de mercadorias que não possam retornar
ao processo produtivo; controlar e minimizar a geração de tais
resíduos; estimular o reúso e a reciclagem. Com essa abordagem
será necessário imprimir modificações profundas no modo de
produção e nos atuais padrões de consumo e, consequentemente,
na concepção de projetos de saneamento.
O uso de tecnologias apropriadas no saneamento tem sido
estimulado em nível internacional desde a década de 70 do século
XX por diversas instituições, entre as quais a Organização Mun-
dial da Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde. No Brasil,
esse estímulo se iniciou na década de 80. Naquele momento, as
discussões e as críticas às tecnologias denominadas convencio-
nais começaram a tomar corpo em relação tanto aos custos de
implantação, operação e manutenção quanto à sua adequação às
diferentes realidades socioambientais e culturais.
A tecnologia apropriada é um conceito multidimensional.
Conforme a definiu o engenheiro e professor Ysnard Machado
Ennes, em um texto intitulado “O saneamento no Brasil, repassa-
do à luz da tecnologia apropriada”, publicado em 1989 na Revista
Mineira de Engenharia (não mais editada), tecnologia apropriada é
aquela que permite atender às comunidades com serviços
de saneamento em condições sanitárias seguras e eficientes,
que seja aceita pelas comunidades e que contemple aspectos
construtivos, operacionais e de custos compatíveis com as
características socioeconômicas, ambientais e culturais das
respectivas comunidades. (Ennes, 1989: 14)
Ela pode também ser considerada como inovação, ou seja,
“uma ideia, prática ou objeto que é percebida como nova por
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um indivíduo ou outra unidade de adoção” (Rogers, 2003: 11), e
a sua utilização é um dos princípios fundamentais estabelecidos
pela LNSB (Brasil, 2007).
Preocupações com os impactos ambientais das tecnologias
implantadas, com a eficiência energética dos projetos e com
a capacidade institucional dos gestores em implantar, operar,
manter e administrar os sistemas/soluções projetados e implan-
tados, entre outras, passam a compor o elenco de variáveis para
a adoção de tecnologias apropriadas às realidades locais. Por sua
vez, o processo de democratização e a ampliação da participação
cidadã têm impulsionado a participação social na seleção, implan-
tação e funcionamento de uma determinada tecnologia. Nessa
perspectiva, a adoção de tecnologias apropriadas assume papel
estratégico para a garantia da eficácia, efetividade e eficiência das
ações implementadas, contribuindo para a promoção da saúde
(Moraes & Borja, 2009).
No entanto, no Brasil, o maior desafio nesse campo envolve
a resistência de determinados setores da sociedade, da comu-
nidade técnica e dos gestores a realizar alterações nos padrões
tecnológicos vigentes, como mostrado, nos sistemas/soluções de
abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de drenagem e
manejo de águas pluviais e de manejo de resíduos sólidos. Con-
tudo, o mais relevante para a orientação das políticas públicas
é empreender esforços para a alteração do quadro sanitário do
país, o que depende da adoção de tecnologias compatíveis com
as realidades sociais, culturais, ambientais, econômicas, finan-
ceiras, institucionais, legais, e da capacidade de pagamento dos
usuários-cidadãos.

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No campo do saneamento, um dos maiores desafios do novo
milênio é a busca de outro paradigma para o adequado manejo
das águas e dos resíduos sólidos. As soluções até aqui pratica-
das, geralmente isoladas e estanques, cometem o equívoco de
tratar de forma parcial a problemática das águas e dos resíduos
sólidos. A solução pode estar no desenvolvimento de modelos
integrados e sustentáveis, por exemplo, como o apresentado a
seguir em relação aos resíduos sólidos, que considerem todas
as fases relacionadas à produção, desde o momento da concep-
ção do produto, passando pela geração dos resíduos e pela
maximização de seu reaproveitamento e reciclagem, até o pro-
cesso de seu tratamento e a destinação final ambientalmente
adequada dos rejeitos (aquilo que não pôde ser reintegrado ao
ambiente).

Uma Proposta de Gestão Integrada e Sustentável


de R esíduos S ólidos U rbanos (GISRSU) na
Perspectiva da Promoção da Saúde
O desenvolvimento do conceito de gestão integrada e susten-
tável de resíduos sólidos urbanos (GISRSU) deve compreender
quatro elementos fundamentais:

• a integração de todos os protagonistas no sistema municipal


de resíduos sólidos;
• a integração de todos os elementos da cadeia dos resíduos sólidos;
• a integração dos aspectos técnicos, ambientais, sociais, insti-
tucionais e políticos para assegurar a sustentabilidade do sis-
tema; e

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• a relação da problemática dos resíduos sólidos com outros
sistemas urbanos, tais como drenagem de águas pluviais, es-
gotamento sanitário, recursos hídricos e abastecimento de água,
saúde pública (PMPA/CNUAH/Ipes, 2000).

Para um entendimento mais aprofundado da ideia que sustenta


a proposição desse conceito, pode-se analisar o significado e os
desdobramentos das expressões sistema integrado, sistema sustentável
e serviço integrado.
Um sistema integrado é aquele que: utiliza as distintas, porém
complementares, atividades de manejo de resíduos sólidos, consi-
derando as diferentes escalas da cidade (domicílio, bairro, cidade);
envolve todos os atores da área, sejam governamentais ou não,
formais ou informais, lucrativos ou não, entre outros; considera
interações entre sistemas de manejo de resíduos sólidos e outros
sistemas (ex.: drenagem pluvial urbana, esgotamento sanitário
etc.). Trata-se, portanto, de um sistema de ciclo fechado que, no
entanto, é parte de um “sistema” maior e interage com outros,
mantendo o equilíbrio sistêmico.
Um sistema sustentável é entendido como aquele que se adequa
às condições locais em vários aspectos – técnico, social, eco-
nômico, financeiro, institucional e ambiental – e é capaz de se
autossustentar no tempo, sem comprometer os recursos de que
necessita para operar, salvaguardando o atendimento às necessi-
dades das gerações futuras, e também sem reduzir os benefícios
que proporciona.
Por serviço integrado entende-se aquele que apresenta as se-
guintes características: uso de uma escala de diferentes opções
de coleta e tratamento; compromisso e participação de todos os
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protagonistas urbanos; interações entre o sistema de manejo de
resíduos sólidos e outros sistemas relevantes; enfoque interdis-
ciplinar.
A seguir, cada uma dessas características é apresentada na
perspectiva da promoção da saúde.

Uso de uma escala de diferentes opções de coleta


e tratamento
A gestão de resíduos sólidos urbanos é ampliada da coleta
tradicional e dos sistemas de disposição para um sistema que
inclua, entre outros, a não geração, a redução da geração e a
recuperação de resíduos. A “hierarquia de gestão de resíduos
sólidos”, que prioriza as diferentes opções de manejo, pode ser
usada como guia geral:

• não geração de resíduos na fonte;


• redução de resíduos na fonte;
• reutilização;
• reciclagem;
• tratamento;
• disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

A minimização é um novo procedimento que, ao focalizar


como ponto principal a redução da quantidade ou da toxicidade
do resíduo na fonte geradora, permite abordar, de forma simul-
tânea, a prevenção dos riscos ambientais gerados pelos resíduos
e a prevenção e o controle da poluição ambiental que os resíduos
acarretam. Reduzir os resíduos na fonte geradora significa pensar
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nos resíduos antes mesmo que sejam gerados, ou seja, buscar
formas de não os gerar e de combater o desperdício.
Sobre a nova visão sobre a gestão de resíduos sólidos urbanos,
Moraes (2000) observa que as alternativas de solução passam pela
adoção de modelos integrados e sustentáveis, que considerem o
momento da geração dos resíduos, passando pela maximização de
seu reaproveitamento e reciclagem, até o processo de tratamento e
disposição final dos rejeitos. O autor faz referência à necessidade
de mudança das práticas atuais de manejo, pautada na coleta, no
transporte e na destinação final, para as que privilegiam a não
geração, a minimização da geração, a reutilização e a reciclagem
desses resíduos (Figura 4).

Figura 4 – Mudança de paradigma da gestão dos resíduos sólidos

Não gerar

Minimizar a TENDÊNCIA MUNDIAL


geração
1 1 Não gerar
Reutilizar
2 2
Reciclar Minimizar a
3 3 geração
Tratar 4 4 Reutilizar
Dispor 5 5
adequadamente 6
Reciclar
6
os rejeitos
Tratar
PRÁTICA ATUAL
Dispor
adequadamente
os rejeitos

Fonte: Moraes & Borja, 2009.

116 ]

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Essa mudança significa ancorar as novas práticas, neste caso,
em dois dos princípios da promoção da saúde: a intersetoriali-
dade e a promoção de ações multiestratégicas. Parece evidente
ser necessário mobilizar o conjunto da sociedade, articulando
saberes e experiências, para produzir estratégias diversas, eficazes,
eficientes e efetivas, que lidem com a complexidade intrínseca a
esse processo de mudança.

Compromisso e participação de todos os


protagonistas urbanos
O compromisso dos protagonistas urbanos nos processos de
planejamento e implementação é vital para o estabelecimento de
uma GISRSU. Isso porque, primeiro, tal compromisso amplia a
consciência pública, tão necessária para melhorar a qualidade do
ambiente urbano, em especial nas áreas onde reside a população
pauperizada; segundo, porque a população, o serviço municipal
e o setor privado podem ser complementares entre si e produzir,
assim, um sistema eficiente e efetivo para a GISRSU; e terceiro,
porque a participação da população e de cooperativas ou pequenas
e microempresas pode gerar emprego e renda, além de contribuir
para reduzir a pobreza.
Esse compromisso incorpora quatro dos princípios da pro-
moção da saúde discutidos no capítulo 4: o empoderamento, a
governança, a participação social e a equidade. Nesse caso, enseja
a distribuição do poder na sociedade e o exercício do “poder com
o outro”, possibilita a interação entre governo e sociedade civil,
fortalece o protagonismo cidadão na formulação, implementação,
acompanhamento e avaliação da política pública em questão, de
modo que as necessidades de indivíduos e comunidades sejam
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os parâmetros orientadores dessa política, contribuindo assim
para seu controle e sua eficiência, com reflexos positivos sobre
a qualidade de vida e a justiça social.

Interações entre o sistema de manejo de resíduos


sólidos e outros sistemas relevantes
Os resíduos sólidos urbanos gerados e não manejados de
forma adequada podem, entre outras consequências: obstruir a
drenagem natural das águas ou os canais de drenagem de águas
pluviais e ocasionar alagamentos e deslizamentos de terra; pre-
judicar os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário pela instabilidade do solo decorrente da obstrução da
drenagem natural; prejudicar a captação e a qualidade da água
bruta, incrementando os custos dos sistemas de abastecimento
de água. E quando manejados adequadamente, produzem impac-
tos positivos sobre a saúde pública, a salubridade ambiental e as
condições de vida, por meio não apenas dos sistemas de manejo
de resíduos sólidos, mas também do melhor funcionamento dos
sistemas de esgotamento sanitário e de abastecimento de água.
Essas interações, tanto as negativas (a serem superadas) quanto
as positivas (a serem amplificadas), são flagrantes e evidenciam
que as ações de saneamento básico requerem um olhar marcado
pela multiplicidade de estratégias, como preconiza a promoção
da saúde. Tal aspecto não se refere à intersetorialidade, mas à
concretização da intrasetorialidade, ou seja, à articulação entre
os saberes e experiências vivenciados no âmbito de cada um de
seus componentes.
Além disso, tais interações também estão relacionadas à pre-
ocupação com a sustentabilidade dos sistemas, ainda que apenas
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e tão somente em uma visão reducionista, para assegurá-la do
ponto de vista técnico. Entretanto, como já dito no capítulo 4,
em uma perspectiva mais ampla, como propõe a promoção da
saúde, para que se alcancem os altos objetivos do saneamento é
imprescindível buscar essa sustentabilidade observando também
suas demais dimensões.

Enfoque interdisciplinar
A GISRSU amplia o enfoque técnico e financeiro da gestão
de resíduos sólidos urbanos ao incluir aspectos ambientais, so-
ciais, institucionais e políticos. Além disso, requer um enfoque
interdisciplinar. Isso tem relação direta com a visão holística da
saúde preconizada pela promoção da saúde, pois, uma vez que o
objetivo fim da GISRSU é a promoção da saúde pública e am-
biental, é importante reconhecer os múltiplos determinantes da
saúde, afetos a campos diversos do conhecimento e de práticas,
e sobre eles atuar.
Como já visto, o saneamento não é apenas da alçada da enge-
nharia sanitária e ambiental. Portanto, para alcançar seus objetivos,
a GISRSU deve, necessariamente, envolver uma gama de profis-
sionais das áreas correlatas, inclusive arte-educadores, assistentes
sociais, antropólogos e outros da área das ciências sociais.

Os critérios básicos para uma GISRSU na


perspectiva da promoção da saúde
Para aplicar o conceito de sustentabilidade à gestão de resí-
duos sólidos urbanos, alguns critérios devem ser considerados
(Lardinois & Van de Klundert, 2000), dentro do que propõe a
promoção da saúde:
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• sociais e culturais – incluem a universalização dos serviços pres-
tados a toda a população, independentemente do nível socio-
econômico e do grupo étnico, bem como a redução de riscos
à saúde humana, atendendo ao princípio da equidade;
• ambientais – relacionados ao uso mais adequado das riquezas
naturais e aos sistemas de ciclo fechado, à minimização de
resíduos, à recuperação de materiais reutilizáveis e ao trata-
mento o mais próximo possível da fonte de geração, contri-
buindo para a criação de ambientes favoráveis;
• institucionais e políticos – incluem a integração ou articulação
inter e intrainstitucional, a clara divisão de atribuições entre os
protagonistas locais, a elaboração de legislação e regulação
adequadas, a instituição de processos de tomada de decisão
democráticos e a formação e capacitação das equipes técnicas,
ancorando os princípios da intersetorialidade e da participação
social;
• técnicos – incluem o uso de tecnologias apropriadas e limpas,
associando-se à construção de políticas públicas saudáveis e à
criação de ambientes favoráveis;
• econômicos – incluem a redução da pobreza por meio da geração
de emprego e renda, vinculando-se ao princípio da equidade;
• financeiros – incluem análises de todos os custos e possibilidades
de sua recuperação, sistemas de taxas, tarifas ou outros preços
públicos baseados em custos reais (de forma a permitir a
possibilidade de pagamento) e sistemas que possam ser ope-
rados e mantidos adequadamente, considerando os princípios
de equidade e estratégias múltiplas.

Esses critérios podem ser usados como um roteiro prático


de ações e medidas que devem ser tomadas para a criação de
um sistema de GISRSU. E mais: com as devidas adaptações
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que cada caso requisitar, esse roteiro pode ser empregado para
a construção de qualquer prática em saneamento alicerçada na
promoção da saúde.

Tecnologias Apropriadas para o Manejo de


Resíduos Sólidos Urbanos
O manejo dos resíduos sólidos deve se sustentar em outro
paradigma tecnológico pautado na minimização, no uso de tec-
nologias limpas, na ecoeficiência, na análise do ciclo de vida e na
permacultura, bem como em outro paradigma de gestão pública
pautado na qualificação do gasto público e na efetiva participação
e controle social.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Am-
biente, produção mais limpa é entendida como a aplicação
contínua de uma estratégia ambiental integrada e preventiva a
processos, produtos e serviços, com a finalidade de aumentar
a eficiência e reduzir riscos aos seres humanos e ao meio am-
biente. Com sua aplicação, um mesmo produto pode ser fabricado
utilizando-se menos energia, menos água, menos matéria-prima
e gerando-se resíduos para tratamento final.
A ecoeficiência tem por objetivo buscar a oferta de produtos
e serviços a preços competitivos que satisfaçam às reais necessi-
dades humanas e tragam qualidade de vida, enquanto, progres-
sivamente, reduzem os impactos ecológicos e a quantidade de
material utilizado na produção, conceito introduzido em 1997
pelo World Business Council for Sustainable Development.
É essencial aumentar a ecoeficiência dos processos de produ-
ção, articular a cadeia produtiva e repensar os seus produtos.
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O objetivo é construir uma sociedade sem resíduos, que passaria
por futuros estágios mais avançados de ecoeficiência.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos tem como um de
seus princípios a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre
fornecimento, preços competitivos, bens e serviços qualificados
que satisfaçam às necessidades humanas e tragam qualidade de
vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de riquezas
naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sus-
tentação estimada do planeta (Brasil, 2010b). A análise do ciclo
de vida do produto se constitui no conjunto de etapas necessárias
para que um produto cumpra sua função, desde a obtenção das
riquezas naturais utilizadas na sua fabricação até a disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos.
A permacultura busca utilizar os benefícios da natureza
de forma a incorporá-los às necessidades do homem, sem, no
entanto, degradá-la, como na produção de composto a partir
da fração orgânica dos resíduos sólidos (restos de alimentos e
material resultante de poda de árvores, capinação e roçagem de
terrenos e áreas verdes). Visa ao recondicionamento e à melhoria
da qualidade do solo, bem como ao reúso de materiais da cons-
trução civil, pneus, papel, garrafas PET, latas de alumínio, entre
outros, dependendo da disponibilidade, necessidade e criatividade
do utilizador.
O Quadro 7 resume as diferenças entre a tecnologia conven-
cional e a produção mais limpa.

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Quadro 7 – Diferenças entre a tecnologia convencional e a produção
mais limpa
Aspecto de
Tecnologia convencional Produção mais limpa
comparação
Procedimentos que evitem
Aceitação do inevitável
a geração de resíduos/
lançamento de poluentes no
eliminação da poluição a
meio ambiente
montante dos processos
Enfoque/
Visão Tratamento/disposição final/ Prevenção da poluição,
tratamento fim-de-tubo (end em vez do tratamento e
of pipe, denotando processos transporte para um destino
controlados apenas na etapa final; prevenção de emissões
final) e resíduos na fonte
Adequação das emissões aos Modificação do processo
padrões exigidos: filtros e de produção para gerar
Controle
unidades de tratamento, soluções menos poluentes; processos
ambiental
fim-de-tubo. Tecnologia do e materiais potencialmente
reparo, estocagem de resíduos menos tóxicos
Controle Assunto para especialistas
Tarefa de todos
ambiental competentes
Abordagem voltada para
Abordagem da época em que os
a criação de técnicas
Paradigma problemas ambientais não eram
de produção para um
conhecidos
desenvolvimento sustentável
Fonte: adaptado de CNTL*5 (Centro Nacional de Tecnologias Limpas, Manual 5), apud Coelho,
2002.

A Política Nacional e os Sistemas Integrados


e S ustentáveis de R esíduos S ólidos

No Brasil, após quase duas décadas de discussão, foi promul-


gada, em 2010, a lei n. 12.305, que institui a Política Nacional de
Resíduos Sólidos, cujos objetivos são, entre outros:

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• a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental;
• a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem e o trata-
mento de resíduos sólidos, bem como a disposição final am-
bientalmente adequada dos rejeitos;
• o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e
consumo de bens e serviços; 
• a adoção, o desenvolvimento e o aprimoramento de tecnologias
limpas como forma de minimizar impactos ambientais;
• o incentivo ao uso de matérias-primas e insumos derivados de
materiais recicláveis e reciclados;
• a gestão integrada de resíduos sólidos; 
• a prioridade, nas aquisições governamentais, de produtos re-
cicláveis e reciclados;
• a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo
ciclo de vida dos produtos (Brasil, 2010b).

Essa lei, ao estabelecer a classificação dos resíduos, define os


“resíduos sólidos reversos”, que são os resíduos restituíveis, por
meio da logística reversa, visando ao seu tratamento e reaproveita-
mento em novos produtos, na forma de insumos, em seu ciclo ou
em outros ciclos produtivos. Em seus termos, a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos tem por objetivo:

• promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionan-


do-os para a sua cadeia produtiva ou para outras cadeias
produtivas;
• reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de mate-
riais, a poluição e os danos ambientais; 

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• incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao
meio ambiente e de maior sustentabilidade; 
• compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais
e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os
de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; 
• estimular a produção e o consumo de produtos derivados de
materiais reciclados e recicláveis;
• propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e
sustentabilidade;
• incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental
(Brasil, 2010b).

Dessa forma, um sistema integrado e sustentável de resíduos


sólidos urbanos (SISRSU) deve prover uma estrutura básica que
permita selecionar tecnologias apropriadas para a gestão e o de-
senvolvimento do manejo de resíduos sólidos urbanos apoiado
na promoção da saúde. Para isso, os critérios apresentados na
seção “Os critérios básicos para uma GISRSU na perspectiva da
promoção da saúde” constituem ferramenta importante.
O desafio, portanto, está colocado, tornando-se necessária, em
um processo marcado pela participação social e pela educação
ambiental, a contribuição de todos os protagonistas sociais inte-
ressados na questão para a implementação do modelo, visando
ao seu desenvolvimento e à sua avaliação, e contribuindo para a
implementação da lei n. 12.305/2010 nessa perspectiva.
A maior possibilidade da sustentabilidade é resultado da
participação consciente e democrática da sociedade na definição
de seus próprios rumos, na construção e escolha de alternativas
(Pompêo, 2000).

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Considerações Finais

Este livro nasceu do desejo e do esforço de contribuir para


que o saneamento, em nosso país, possa superar os grandiosos
desafios que o têm marcado ao longo de sua história pelos ca-
minhos percorridos e que se projetam, ainda, nos caminhos do
futuro. Entre tais desafios está o de reduzir e eliminar a dívida
social da universalização do acesso ao saneamento em um pro-
cesso acompanhado de mudanças qualitativas de modo que o
saneamento seja norteado pelos princípios de sustentabilidade
e promoção da saúde.
Trata-se, como vimos, de uma ação de intervenção e interação
no e com o ambiente; antiga; que veio se tornando complexa; que
foi apreendida por diversos vultos da história e da saúde pública;
que passou a marcar presença nas agendas mundiais; que foi,
finalmente, reconhecida como direito humano.
No Brasil, sob a inspiração das concepções hegemônicas no
campo da saúde e constituídas em torno de marcos históricos
ocorridos na gestão dos serviços públicos de saneamento básico,
diversas etapas vem se sucedendo, ao longo desses caminhos, até
os dias de hoje. Com o advento do Plansab em 2013 e o início
de sua implementação em 2014, é possível que uma nova etapa
se inaugure, a depender dos rumos que tomarem as políticas e
ações dos governos e, principalmente, a pressão da sociedade.
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Não temos a ingenuidade de supor que o simples estabeleci-
mento de um conjunto de objetivos e metas, programas, projetos
e ações possa, por si só, alterar positivamente as condições de
saneamento no país. Isso seria, além de tudo, esquecer os obstá-
culos que se levantaram, decorrentes dos interesses do capital
e distantes da concepção de saneamento como direito humano e
responsabilidade do Estado, e que tornaram longo e árduo o per-
curso das forças de vanguarda para que tivéssemos, hoje, o
marco legal do saneamento e o Plansab.
Temos pela frente, então, até 2033, prazo final para a vigência
do plano, um imenso desafio de natureza política e econômica a
enfrentar; um futuro de muitas lutas, em que não poderá haver
retrocesso. O volume de recursos financeiros necessários para
investimento é vultoso. Para tanto, consideramos que esses re-
cursos precisam ser aplicados com qualificação do gasto público
na promoção da saúde e não apenas na prevenção de doenças,
muito menos para enriquecer bancos, empreiteiras, políticos e
outros agentes por meio dos ductos da vergonhosa e insidiosa
corrupção, que temos que combater permanentemente.
É necessário considerar o conjunto de princípios e conceitos
relevantes no âmbito da promoção da saúde aqui trabalhado:
concepção holística de saúde voltada para a multicausalidade do
processo saúde-doença; equidade; intersetorialidade; participação
social; sustentabilidade; empoderamento; governança; ações
multiestratégicas.
Como também mostrado, a adoção de tecnologias apropriadas
assume papel estratégico para a garantia da eficácia, efetividade e
eficiência das ações implementadas, contribuindo para a promo-
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ção da saúde. Políticas e ações de um saneamento orientado para
a promoção da saúde, a qualidade de vida e a sustentabilidade
ambiental exigem que se ultrapassem as resistências de setores
da sociedade, da comunidade técnica e dos gestores a alterar os
padrões tecnológicos dos sistemas/soluções de abastecimento
de água, de esgotamento sanitário, de drenagem e manejo de
águas pluviais e de manejo de resíduos sólidos até aqui utilizados.
E isso requer esforços por parte de uma multiplicidade de atores
sociais, técnicos ou não, para a alteração do quadro sanitário do
país, com a utilização de tecnologias apropriadas às diferentes
realidades e os serviços prestados a preços módicos.
A busca de outro paradigma para o adequado manejo das
águas e dos resíduos sólidos é um dos maiores desafios do novo
milênio, pois as soluções até aqui adotadas não se mostraram
adequadas no tratamento dessas questões. A solução pode estar
no desenvolvimento de modelos integrados e sustentáveis, como,
por exemplo, o que foi aqui apresentado em relação aos resíduos
sólidos, que considerem todas as fases relacionadas à produção,
desde o momento da concepção do produto, passando pela não
geração e minimização da geração dos resíduos, sua reutilização
e reciclagem, até o processo de tratamento e a destinação final
ambientalmente adequada dos rejeitos.
O saneamento orientado para a promoção da saúde, da
qualidade de vida e sustentabilidade ambiental pode contribuir
substancialmente para o alcance de objetivos e metas e para a
execução de programas, projetos e ações como os propostos
no Plansab, os quais incluem medidas estruturais e estruturan-
tes. Cabe a nós, agentes sociais – professores, pesquisadores,
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estudantes, profissionais, militantes, usuários, não usuários,
gestores – fazer isso acontecer! É no que acreditamos e com o
que estamos comprometidos pessoal e visceralmente, no desejo
de também estender esse compromisso a você, caro leitor.

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Sugestões de Leitura

Há um conjunto de textos que abordam aspectos históricos


e atuais para todos os que pretendem penetrar o universo de um
tema tão antigo quanto o saneamento, ainda um desafio para
milhões de pessoas no mundo contemporâneo e que vem atua-
lizando seus paradigmas.
Em Uma História da Saúde Pública, livro publicado pela Hu-
citec, Editora Unesp e Abrasco, George Rosen demonstra que
os temas relacionados ao saneamento já eram encontrados em
antigas civilizações, há quatro mil anos, como no norte da Índia,
com cidades planejadas e construções com banheiros e esgotos
comuns.
O texto hipocrático Ares, Águas e Lugares, escrito no contexto
do século V a.C. (entre 500 e 401 a.C.), ou seja, cerca de 1.500
anos depois das construções encontradas no norte da Índia, é um
clássico que demonstra o primeiro esforço sistemático de abordar
os temas relacionados às habitações e à qualidade das águas, e
ao modo como estas conformam as condições de saúde. Pode
ser encontrado em um livro da própria Editora Fiocruz, Textos
Hipocráticos: o doente, o médico e a doença.
No livro Sobre a Maneira de Transmissão do Cólera, publicado
pela Hucitec e Abrasco, John Snow trata do surto de cólera que
ocorreu em 1854 na cidade de Londres. Combinando a sistema-
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tização de dados sobre mortes e doentes, a organização e distri-
buição de mapas, o diálogo com vários outros especialistas, a
coleta de materiais, visitas às áreas atingidas e entrevistas com
moradores, o autor revela como a doença estava sendo veicula-
da em razão do abastecimento inadequado de água contaminada
por esgotos.
Em Mapa Fantasma, um verdadeiro thriller científico e publi-
cado pela Jorge Zahar, Steven Johnson relata como a cidade de
Londres de meados do século XIX, onde as condições de higie-
ne e saneamento eram bastante precárias, tornou-se um lugar
privilegiado para os surtos de cólera, e como o médico John
Snow e o padre Henry Whitehead superaram preconceitos para
organizar outra forma de compreender a origem das doenças e
realizar sua prevenção.
Em A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no
Brasil, publicado pela Hucitec, Gilberto Hochman analisa as ba-
ses históricas das ações de saneamento e reforma dos serviços
de saúde em nosso país, articulando poder e políticas de saúde,
interdependências, alianças e conflitos entre o Estado nacional,
oligarquias e grupos profissionais.
Em O Saneamento no Brasil: políticas e interfaces, publicado pela
Editora UFMG, de abordagem também histórica, Sonaly C. Re-
zende e Léo Heller descrevem as ações de saneamento do Brasil
Colônia até o fim do século XX, incluindo uma análise crítica
dos seus avanços e recuos.
O volume organizado por Léo Heller e José Esteban Castro,
Política Pública e Gestão de Serviços de Saneamento, publicado conjun-
tamente pelas editoras Fiocruz e UFMG, contém 26 capítulos
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em que diferentes autores de nacionalidades diversas analisam
as dimensões teóricas e conceituais das políticas públicas de
saneamento e apresentam experiências nacionais e regionais,
com casos de países europeus, norte-americanos, africanos e
asiáticos.
No livro Envase de Água: mercantilizando a sede, publicado pela
Annablume e Fapemig, Josiane Queiroz desmonta o mito de
que água envasada é sinônimo de qualidade, apresentando resul-
tados de pesquisa que podem contribuir para a implementação
de melhorias nos serviços públicos de abastecimento de água,
reforçar critérios de normatização, fiscalização e informação ao
público, além de suscitar reflexões sobre implicações do consumo
de águas envasadas.
Dois vídeos sobre resíduos, poluição e a água, ambos tendo
como protagonista Annie Leonard e disponíveis no Youtube, são
bastante interessantes. No primeiro, A História das Coisas, em cerca
de 21 minutos Annie Leonard demonstra que para cada galão de
lixo outros setenta são gerados da extração ao consumo final, e
que para o total de produtos comprados, apenas 1% permanece
nas casas após seis meses. No segundo vídeo, A História da Água
Engarrafada, ela demonstra como as grandes empresas têm se
apropriado de um bem comum, com custos sociais e ambientais
enormes, e contribuído para gerar mais poluição.
Ainda no Youtube pode-se encontrar o documentário Ouro
Azul: as guerras mundiais pela água, em que se mostra o que estamos
fazendo com a nossa água potável e o que faremos quando esta
faltar. As demandas de água pela agricultura e pela indústria têm
contribuído para o processo de desertificação do planeta, para a
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contínua poluição e para esgotamento desse recurso renovável,
e para que guerras se realizem no presente e no futuro.
Um interessante filme brasileiro sobre o tema é Saneamento
Básico, o Filme, que trata de mobilização comunitária para so-
lucionar antigo problema de esgotamento sanitário em uma
localidade rural do Rio Grande do Sul. Surpreendentemente, a
solução depende da produção de um filme que assume propor-
ções inesperadas.
O filme A Lei da Água (novo Código Florestal), produzido por
Cinedelia, esclarece questões referentes às mudanças no Códi-
go Florestal Brasileiro, visando a informar a nação brasileira e
aprofundar o debate. Mostra que para um bom abastecimento de
água não basta chover, e que é preciso manter as florestas para
se garantir água para a sociedade.
O filme Water Makes Money (Água Faz Dinheiro) aborda o
processo de privatização dos serviços públicos de abastecimento
de água e de esgotamento sanitário em países europeus.
Bolívia, a Guerra da Água, de Carlos Pronzato, é um documen-
tário que retrata a luta vitoriosa da população e de camponeses
de Cochabamba contra a privatização da água.
Sugerimos também dois sites, um nacional e um internacional:
o do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento e o da
Aliança Saneamento Sustentável (Sustainable Sanitation Alliance,
SuSanA). Gerido pelo Ministério das Cidades/Secretaria Nacional
de Saneamento Ambiental, o site do Sistema Nacional de Informa-
ções sobre Saneamento – www.snis.gov.br – constitui o maior e
mais importante banco de dados do setor Saneamento brasileiro,
servindo a múltiplos propósitos nos níveis federal, estadual e
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municipal, entre os quais se destacam: 1) planejamento e execução
de políticas públicas de saneamento; 2) orientação da aplicação
de recursos; 3) conhecimento e avaliação do setor saneamento;
4) avaliação de desempenho dos prestadores de serviços; 5) aper-
feiçoamento da gestão, elevando os níveis de eficiência e eficácia;
6) orientação de atividades regulatórias; e 7) benchmarking e guia de
referência para medição de desempenho. A série histórica anual
do SNIS para abastecimento de água e esgotamento sanitário se
inicia em 1995 e para resíduos sólidos, em 2002.​
O site da SuSanA – www.susana.org –, uma comunidade global
de saneamento em que se pode participar e contribuir com ideias,
inclusive tornando-se membro ativo nos grupos de trabalho
temáticos, tem uma biblioteca de acesso aberto contendo mais
de 1.700 publicações sobre o tema do saneamento sustentável.

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Títulos da Coleção Temas em Saúde

• Aids na Terceira Década – Francisco • O que é o SUS – Jairnilson Paim


Inácio Bastos • O que é Saúde? – Naomar de Almeida
• Avaliação de Políticas e Programas de Saúde Filho
– Ligia Maria Vieira da Silva • Paleoparasitologia – Luiz Fernando Ferrei-
• Assistência Farmacêutica e Acesso a Medi- ra, Karl Jan Reinhard e Adauto Araújo
camentos – Maria Auxiliadora Oliveira, • Planejamento e Gestão em Saúde: conceitos,
Jorge Antonio Zepeda Bermudez e história e propostas – Francisco Javier
Claudia Garcia Serpa Osório-de-Castro Uribe Rivera e Elizabeth Artmann
• Bioética para Profissionais da Saúde – Ser- • Saúde Bucal no Brasil: muito além do céu
gio Rego, Marisa Palácios e Rodrigo da boca – Paulo Capel Narvai e Paulo
Siqueira-Batista Frazão
• Como e por que as Desigualdades Sociais • Saúde Global: uma breve história – Marcos
Fazem Mal à Saúde – Rita Barradas Barata Cueto
• Comunicação e Saúde – Inesita Soares de • Saúde Mental e Atenção Psicossocial – Paulo
Araújo e Janine Miranda Cardoso Amarante
• Correndo o Risco: uma introdução aos riscos • Saúde, Ambiente e Sustentabilidade – Carlos
em saúde – Luis David Castiel, Maria Machado de Freitas e Marcelo Firpo
Cristina Rodrigues Guilam e Marcos Porto
Santos Ferreira
• Sentidos da Saúde e da Doença, Os – Dina
• Discriminação e Saúde: perspectivas e métodos Czeresnia, Elvira Maria Godinho de
– João Luiz Bastos e Eduardo Faerstein Seixas Maciel, Rafael Antonio Malagón
• Educação Profissional em Saúde – Isabel Oviedo
Brasil Pereira e Marise Nogueira Ramos • Som do Silêncio da Hepatite C, O – Fran-
• Medicalização em Psiquiatria – Fernan- cisco Inácio Bastos
do Ferreira Pinto de Freitas e Paulo • Violência e Saúde – Maria Cecília de
Amarante Souza Minayo
• Mestrado Profissional em Saúde Pública: • Viroses Emergentes no Brasil – Luiz
caminhos e identidade – Gideon Borges Jacintho da Silva e Rodrigo Nogueira
dos Santos, Virginia Alonso Hortale e Angerami
Rafael Arouca
• Obesidade e Saúde Pública – Luiz Antonio
dos Anjos

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Formato: 12,5 x 18 cm
Tipologia: Letter Gothic e Garamond
Papel: Off set 75g/m2 (miolo)
Cartão supremo 250g/m2 (capa)
CTP, impressão e acabamento: Imo’s Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, novembro de 2015

Não encontrando nossos títulos em livrarias,


contactar a Editora Fiocruz:
Av. Brasil, 4036, térreo, sala 112 – Manguinhos
21040-361, Rio de Janeiro – RJ
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Telefax: (21) 3882-9006
editora@fiocruz.br
www.fiocruz.br/editora

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Você também pode gostar