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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA – PPGMUS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ACORDES PARA CAVAQUINHO:


CIFRAS E OUTRAS ESCRITAS
NO MÉTODO POPULAR DE
HENRIQUE SOUZA (1913-1990)

CARLOS EDUARDO ROMÃO

FLORIANÓPOLIS, 2020
2

CARLOS EDUARDO ROMÃO

Acordes para cavaquinho:


cifras e outras escritas no método popular de
Henrique Souza (1913-1990)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música


do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre na linha de pesquisa Teoria e História

Orientador:
Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas

Florianópolis
08 de dezembro de 2020
3

Ficha catalográfica elaborada pelo programa de geração automática da Biblioteca


Central/UDESC com dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Romão, Carlos Eduardo


Acordes para cavaquinho: cifras e outras escritas no
método popular de Henrique Souza (1913 - 1990) / Carlos
Eduardo Romão. -- 2020.
169 p.

Orientador: Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas


Dissertação (mestrado) -- Universidade do Estado de Santa
Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação em
Música. Florianópolis, 2020.

1. Música popular no Brasil. 2. Relato de vida. 3. População


negra. 4. Ensino e aprendizagem do cavaquinho. 5. Teoria
musical e harmonia. 6. Análise de material didático musical. I.
Freitas, Sérgio Paulo Ribeiro de. II. Universidade do Estado de
Santa Catarina. Centro de Artes. Programa de Pós-Graduação
em Música. III. Título
4

CARLOS EDUARDO ROMÃO

Acordes para cavaquinho: cifras e outras escritas


no método popular de Henrique Souza (1913-1990)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Artes da
Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre na linha de pesquisa Teoria e História

Prof. Dr. Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas (Orientador)


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

Prof. Dr. Henrique Leal Cazes


Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Prof.ª Dr.ª Viviane Beineke


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

Florianópolis, 8 de dezembro de 2020


5

Agradecimentos

Agradeço a minha ancestralidade que, em forma de resistência, resiliência e musicalidade,


inspiraram e fomentaram cada passo na minha caminhada dentro e fora da vida acadêmica.
Agradeço aos meus familiares que passaram a respeitar a minha vida musical profissional e
acadêmica. Agradeço às minhas mães, Maria das Graças Romão (biológica) e Maria H. Cunha (de criação)
que em diferentes níveis, proporcionaram caminhos em minha educação como cidadão. E, nesse
momento, vale registrar que, nesse período de finalização da dissertação, minha mãe e minha tia de
criação venceram o Covid-19. Em especial, agradeço ao dono da casa de nº 131 da rua Eugênio Portela,
meu avô materno, o saudoso Ascindino Franscico Romão, com quem convivi pouco, mas o suficiente
para influenciar minha musicalidade. Agradeço à minha avó Iracema, vó Cema, que partiu para eternidade
mais ou menos um mês após o início do Mestrado.
Agradeço ao meu sagrado que se faz presente na bandeira de Oxalá e que é representado pelo
terreiro de Vó Cambina e sua falange das Santas Almas Benditas. Deixo um abraço e um beijo para a
zeladora dessa casa de luz, a amorosa Ialorixá D. Tê, por todos os apontamentos e pelo acolhimento.
No ambiente acadêmico, agradeço aos colegas da turma de Mestrado 2018 e aos professores e
técnicos do Programa de Pós-Graduação em Música da UDESC. Em especial ao professor, orientador
e amigo Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas pela forma apaixonada e estimulante que conduziu os estudos
e as orientações dessa pesquisa acadêmica. Além de ser aluno, tive a oportunidade de ter sido seu
orientando em duas oportunidades (Monografia de Graduação e nessa Dissertação de Mestrado).
Professor Sérgio, obrigado por sua generosidade. A minha amiga e parceira de música e trabalhos
acadêmicos Eloisa Gonzaga que, criteriosamente, sempre contribuiu com discussões e reflexões que
abordavam temáticas transversais em nossas pesquisas. De modo especial agradeço à professora Drª.
Viviane Beineke e ao professor Dr. Marcos Tadeu Holler pelos apontamentos e contribuições
apresentadas no Exame de Qualificação e, posteriormente, pelas observações e incentivos no momento
da Defesa da Dissertação. Agradeço ao professor Dr. Henrique Leal Cazes – “o primeiro professor de
cavaquinho na história do funcionalismo público federal” (CAZES in COTRIM, 2015: 31) – pela leitura
inigualável e atenta e pelas contribuições, certeiras e oportunas, apresentadas no momento da Defesa da
Dissertação. Através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
agradeço à nação brasileira pela Bolsa de Demanda Social, que recebi entre os anos de 2018 a 2020,
sem a qual esse trabalho não poderia ter sido realizado.
Agradeço ao grupo de amigos de samba e bate-papo “Samba Sem Motivo” do bairro Procasa:
Thiaguinho do Banjo, Nando do Pandeiro, Júnior Capitão, Rodrigo do Pandeiro, Dedê, Sanderson,
Rodrigo Bokão, Tinho, Marcelinho e Gustavo Sardá. Aos amigos e compositores Petoco e Júlio Souza,
ao professor Marcos Canetta. Ao grupo musical do GRES Embaixada Copa Lord, do carnaval de 2020:
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Nelipe, Dih Silva, Dadá Varela, Thiago Pixaim, Mauricio Bandolim e Thiago Laroyd que me deram carta
branca para poder escolher os ensaios e, dessa forma, me auxiliando nos trabalhos com a dissertação.
Agradeço aos cavaquinistas que contribuíram com a pesquisa: à Pedro Henrique Cantalice
Severiano que, durante minha estada no Rio de Janeiro, sabendo de meu interesse de pesquisa, colocou
em minhas mãos o Antologia do Cavaquinho que originou a presente dissertação; à Jamerson Farias Ribeiro,
por toda colaboração amistosa e acadêmica; à Henrique Cazes pelos concertos de cavaquinho e os bate-
papos nostálgicos; ao Mestre Siqueira pela conversa, risadas e inspiração; à Jean Leiria pelas conversas
sobre afinações, cavaquinistas e situações; aos cavaquinhistas pretos da atualidade que compartilham
comigo os anseios da vida musical e acadêmica, o baiano Duda Almeida o “Cavaco Afro, os paulistas
Mauricio Pazz, Emerson Bernardes e ao meu irmão, de Cabo Verde, Jeff Neferkturu. Aos saudosos
mestres Benedito Costa, Heitor dos Prazeres, Nelson Alves, Esmeraldino Salles, Caninha e Toco Preto;
aos saudosos cavaquinistas de Floripa: Seu Charuto e Andy do Cavaco que são minhas inspirações diárias.
Agradeço aos amigos do Rio de Janeiro que sempre me receberam em suas casas nesses últimos anos em
que minhas pesquisas foram realizadas, meu muito obrigado à Dedeco, Alzira, Rodrigo e o saudoso
William, portelense roxo. Ao grupo de pesquisa Coletivo Negro Teatro e Negras Poesias (UDESC)
pelo aprendizado, em especial aos amigos Marcinho Gonzaga e Meire. Ao meu amigo e músico Estevão
Javela pela contribuição, no que diz respeito, as pronuncias de palavras do tronco kimbundu que
surgiram nessa pesquisa, Tiago Rodrigues e aos meus alunos.
Agradeço também aos funcionários da Biblioteca Nacional pela colaboração; à minha professora
particular de português, Ana Araújo, pela paciência e competência. E, em especial à pessoa que foi o elo
entre a pesquisa e a vida musical de Pechincha, Sonia Couto Souza Feitosa, filha de Henrique Souza, pela
gentil nota biográfica que tanto contribuiu para a pesquisa.
Deixo também minha gratidão aos pesquisadores que foram inspiradores para essa dissertação:
ao pesquisador e sambista Nei Lopes; à professora e pesquisadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva;
ao professor e pesquisador Kabenguele Munanga pelas obras que amparam minhas reflexões sobre o que
é ser negro na sociedade brasileira. Agradeço à minha prima Jeruse Romão que sempre me encoraja e
segue como uma de minhas mais consistentes inspirações.
Sem palavras, agradeço especialmente à minha companheira Fernanda Silva da Fonseca, pelo
amor e apoio incondicional durante todo o período em que cursei o mestrado. Agradeço ao sorriso sapeca
do meu menino, meu filho Breno Eduardo da Fonseca Romão que deu um novo sentido na minha vida
e é minha grande inspiração para ser alguém melhor que fui ontem. Agradeço ao Orixá da Justiça, Xangô,
e à Senhora das águas doces, Oxum, por toda força emanada ao meu ori. E só para esclarecer, cavaquinho
é coisa de preto sim, e é amplamente diverso... Obrigado Seu Pechincha por me mostrar isso. Muito
obrigado a todos.
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Acordes para cavaquinho: cifras e outras escritas


no método popular de Henrique Souza (1913-1990)

RESUMO

Refletindo sobre aquilo que podemos apreender com a leitura de um método voltado para o ensino e
a aprendizagem de um instrumento musical, a presente dissertação propõe uma apreciação comentada
do volume publicado por Henrique Souza, em 1984, intitulado Antologia do cavaquinho – Método Popular
com encadeamentos e cifragens. O trabalho está estruturado em quatro momentos. O primeiro, chamado
Ndônda, como um ponto de partida, situa o propósito e o âmbito da pesquisa, apresenta o objeto de
estudo e o enfoque adotado. Em seguida, o momento chamado Ngóngo, pois remete ao modo de viver,
traz uma narrativa biográfica sobre esse autor, um artista popular, violonista, cavaquinista, cantor,
compositor, humorista, radialista e professor de música também conhecido como Pechincha. Tal
narrativa procura articular informações sobre Henrique Souza e seu mundo, sobre as pessoas com as
quais conviveu e trabalhou e sobre o contexto em que escreveu e editou seu método. Para tanto, a
investigação lidou com dados arquivísticos, memorialísticos e bibliográficos considerando que
circunstâncias socioculturais, históricas, comerciais e políticas não se separam totalmente das
especificidades técnicas e musicais que podemos encontrar nas páginas de volumes didáticos como o
que aqui se aprecia. O próximo momento, chamado Úbangelu, pois diz respeito ao modo de executar
algo, dedica-se ao método publicado por Henrique Souza notando que a leitura do volume requer
atenção à diferentes formas de escrita: texto em língua portuguesa, cifras, partituras e, principalmente,
diagramas. Com isso, abordam-se conotações associadas ao cavaquinho, os recursos empregados, o
repertório recomendado e o conteúdo efetivamente tratado no Antologia do cavaquinho. Nesse exame,
destacam-se assuntos de teoria musical, tais como a montagem de acordes e as diretrizes para o
encadeamento das vozes desses acordes, as progressões harmônicas e as funções tonais e, na apreciação
de uma composição do próprio Pechincha, aspectos das relações entre a fraseologia musical de tradição
clássica centro-europeia e o repertório popular produzido no Brasil. Por fim, no momento chamado
Kizubilu, conclui-se que a ponderação sobre tais assuntos musicais, suas cifras e formas de escrita, pode
contribuir para a compreensão de conflitos e negociações que marcam a trajetória das pessoas negras
que, como Pechincha, buscam nas práticas musicais um meio de levar a vida.

Palavras-Chave: Música popular no Brasil; Relato de vida, População negra, Ensino e aprendizagem do
cavaquinho, Teoria musical e harmonia, Análise de material didático musical.
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Chords for cavaquinho: letters and other writings


in the popular method by Henrique Souza (1913-1990)

ABSTRACT

Based on reflections about what one can learn from reading a musical instrument teaching and learning
method, the current master's degree dissertation presents a commented appreciation of the work
published by Henrique Souza, in 1984, entitled Antologia do cavaquinho – Método Popular com encadeamentos e
cifragens (Anthology of cavaquinho - Popular Method based on part writing and chord making). The study
is structured in four different moments. The first moment, called Ndônda, defines the purpose and scope
of the current research, as well as presents its object of study and the adopted approach. The second
moment, called Ngóngo, refers to the lifestyle of, and brings a biographical narrative about, the
aforementioned author – also known as Pechincha –, who was a popular artist, guitar and cavaquinho player,
singer, composer, comedian, radio broadcaster and music teacher. This narrative aims at articulating
information about Henrique Souza and his world, about individuals with whom he lived and worked,
and about the context in which he wrote and edited his method. In order to do so, the investigation deals
with archival, memorialistic and bibliographic data by taking into consideration that socio-cultural,
historical, commercial and political circumstances are not entirely separated from the technical and
musical specificities that can be found in the pages of didactic volumes, such as the herein presented one.
The third moment, called Úbangelu, concerns the way of performing something – it focuses on the
method published by Henrique Souza and highlights that reading the volume requires paying attention
to different forms of writing: text written in Portuguese, chords, music scores and, mainly, diagrams.
Thus, it addresses connotations associated with cavaquinho, used resources, recommended repertoire and
with the content effectively treated in Antologia do cavaquinho. This analysis highlights topics associated
with music theory, such as chord making and guidelines for voice leading in these chords, harmonic
progressions and tonal functions and, in the appreciation of a composition by Pechincha himself, aspects
of the association between the musical phraseology of classical Central European tradition and the
popular repertoire produced in Brazil. Finally, the fourth moment – called Kizubilu – presents the
conclusion that reasoning about such musical subjects, as well as about their chords and forms of writing,
can help better understanding the conflicts and negotiations marking the path travelled by black
individuals who, like Pechincha, try to find a way to live their lives through musical practice.

Keywords: Popular music in Brazil, Life history, Black population, Teaching and learning cavaquinho,
Music theory and Harmony, Analysis of musical teaching material.
9

Índice de figuras

Fig. 1.1 Henrique Souza, o Pechincha. Fotografia estampada na capa da Antologia do Cavaquinho, 1ª edição, 39
1984
Fig. 1.2 Capa da 6ª edição do Manual de Harmonia (1962) e foto de seu autor, o professor Paulo Silva (1892 - 45
1967)
Fig. 1.3 Aldea de cabocles a Canta-Gallo, Voyage Pittoresque et historique au Brésil (1834) Jean-Baptiste Debret 53
(1834: pl. 6)
Fig. 1.4 Vista da cidade de Cantagalo, Rio de Janeiro. Pintura da década de 1860 (FARIA, 2018: 5) 53
Fig. 1.5 Imagens de Venâncio (ao pandeiro) e Corumba (ao violão) na imprensa em 1951 55
Fig. 1.6 Álbum O Samba é mais samba com Jair Rodrigues (PHILIPS P 632 750 L), 1965, com a canção Eu e a 57
Roseira de Venâncio e Pechincha, como música nº 1 do Lado 2. Fonte: Discogs (2019)
Fig. 1.7 Compacto simples, 7”, 33½ RPM (PHILIPS 365 086 PB) com a canção Eu e a Roseira de Venâncio e 57
Pechincha na voz do cantor Jair Rodrigues. Fonte: Discogs (2019)
Fig. 1.8 Nota sobre a programação da Rádio Mayrink Veiga. Fonte: Correio da Manhã (21 de novembro de 1950: 59
15, grifo nosso)
Fig. 1.9 Anúncio de novas gravações de Pereirinha. Fonte: Revista do Rádio (24 de abril de 1951: 50, grifo nosso) 60
Fig. 1.10 Anúncio em jornal que informa gravações de Pichincha atuando como cantor. Fonte: Diário da Noite, 63
SP (26 de maio de 1952: 9, grifo nosso)
Fig. 1.11 Recorte da coluna Discos e Disticos de Edel Ney, em destaque o retrato de Pichincha. Fonte: Jornal 64
Diário da Noite, Rio (19 de junho de 1952: 21).
Fig. 1.12 Anúncio divulgando compactos com músicas juninas do Selo Odeon, dentre eles o compacto ODEON 65
13446 de Pechincha e Caxangá. Fonte: Revista O Mundo Ilustrado (19 de maio de 1953: 46, grifo nosso)
Fig. 1.13 Comentário sobre a atuação de Pechincha como humorista publicado na coluna “Rua do Pimenta” de 66
Manezinho Araújo. Fonte: Revista do Rádio, nº 217 (7 de novembro de 1953: 24)
Fig. 1.14 Primeira estrofe da canção “Felicidade de Caboclo” de Pechincha e Gino Alves (c.1954), conforme a 69
versão da dupla sertaneja Liu e Léu gravada no álbum O menino da Porteira de 1971. Transcrição: Carlos
Eduardo Romão, 2019.
Fig. 1.15 Matéria sobre o espetáculo “Que boas que elas são” em cartaz no Variety Night Club, destacando a 73
participação de Pichincha no elenco. Fonte: Diário da Noite, SP (12 de maio de 1961: 30, grifo nosso)
Fig. 1.16 Capa e contracapa do LP Brasil com “S” de Venâncio e os Baianos de Aracajú 75

Fig. 2.1 Capas da 1ª e 3ª edição do “Antologia do cavaquinho - Método popular de cifragens por Henrique 79
Souza” (SOUZA, 1984 e 1997)
Fig. 2.2 “Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática”, conforme Pechincha (SOUZA, 1984: 1) 80
Fig. 2.3 Três afinações do Cavaquinho e alguns de seus descritores, a partir de Souza (1984: 2), Cazes (2019: 3-4 e 94
22-24) e Nobre (2008: 38)
Fig. 2.4 Detalhe do “Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática” mostrando a não utilização dos bemóis 96
nos nomes das notas no braço do instrumento, conforme Pechincha (SOUZA, 1984: 1)
Fig. 2.5 Movimento de setas indicando a direção das palhetadas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 3) 98
Fig. 2.6 Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Dó maior proposta por Souza (1984: 7) 103
Fig. 2.7 Diagramas mostrando a progressão de acordes I V7 I (V7/IV) IV IVm I (V7/IIm) (V7/V) V7 e I na 103
tonalidade de Dó maior (SOUZA, 1984: 7)
Fig. 2.8 Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Fá maior (SOUZA, 1984: 18) 105
Fig. 2.9 Diagramas mostrando a progressão de acordes na tonalidade de Fá maior (SOUZA, 1984: 18 grifo 105
nosso)
Fig. 2.10 Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Sol maior (SOUZA, 1984: 21) 106
10

Fig. 2.11 Diagramas mostrando progressão de acordes na tonalidade de Sol maior (SOUZA, 1984: 21, grifo nosso) 106
Fig. 2.12 Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Mi maior (SOUZA, 1984: 37) 107
Fig. 2.13 Diagramas mostrando a progressão de acordes na tonalidade de Mi maior (SOUZA, 1984: 21) 107
Fig. 2.14 Encadeamentos de acordes em Lá menor. Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 8) 108
Fig. 2.15 Diagramas mostrando progressão de acordes na tonalidade de Lá menor (SOUZA, 1984: 8) 108
Fig. 2.16 Encadeamentos de acordes em Si bemol menor. Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 36) 109
Fig. 2.17 Disposições de acordes triádicos no braço do cavaquinho 111
Fig. 2.18 Primeira parte da valsa Tardes de Lindóia de Zequinha de Abreu com a harmonia proposta por Henrique 113
Souza.
Fig. 2.19 Canção Meu limão, meu limoeiro com a harmonia proposta por Henrique Souza e melodia referenciada 114
na versão de Inezita Barroso gravada no álbum Canto da Saudade de 1959 (Transcrição de Carlos
Eduardo Romão)
Fig. 2.20 Primeira parte de Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu, com a harmonia proposta por Henrique 116
Souza
Fig. 2.21 Capa da partitura da canção Down where the Tennessee flows. Fonte: Abreu (2018:45) 118
Fig. 2.22 Imagens de Bob Nelson (1918- 2009). Fonte: Revista A Casa (CURI, 1947: 65) 119
Fig. 2.23 Observações sobre a organização fraseológica da Seção A do choro Pica-Pau de Pechincha 122
Fig. 2.24 Observações analíticas sobre a Seção B do choro Pica-Pau de Pechincha 125
Fig. 2.25 Transcrição dos acordes diminutos apresentados em diagramas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 127
1984: 39)
Fig. 2.26 Acordes diminutos apresentados em diagramas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 39 127
Fig. 2.27 Diminutos cromaticamente combinados na primeira parte do choro-canção Fala Baixinho de 128
Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho. Fonte: Choro (SÈVE, SOUZA e DININHO, 2011: 100-101)
Fig. 2.28 Acordes maiores com sétima menor (SOUZA, 1984: 39) 129
Fig. 2.29 Diferentes posições para o acorde de dominante encontradas no Antologia do Cavaquinho 129
Fig. 2.30 Leitura funcional dos diagramas de acordes diminutos e acordes com sétima de Henrique Souza (1984: 130
39)
Fig. 2.31 Leitura funcional dos diagramas “acordes diminutos” e “acordes com sétima” de Henrique Souza (1984: 131
39) como um estudo cromático para cavaquinho
Fig. 2.32 Acordes de quinta aumentada e suas resoluções na última lição da Antologia do cavaquinho (SOUZA, 132
1984: 40)
Fig. 2.33 Acordes de dominante com sétima e nona e suas resoluções na última lição da Antologia do cavaquinho 133
(SOUZA, 1984: 40)
11

SUMÁRIO

Ndônda
Um homem comum: Henrique Souza (1913-1990) e seu método para cavaquinho 13
Sobre os termos antologia, método e popular 20
Entre métodos impressos e outras maneiras de aprender e ensinar cavaquinho 23
Sobre a estrutura da dissertação: termos, questões e comentários introdutórios 32
Ngóngo
1. Henrique Souza, o Pechincha: autor do método popular Antologia do cavaquinho 37
1.1 – Um retrato da cena na qual Pechincha produz seu método: os anos de 1980 37
1.2 – O método popular de Henrique Souza é recomendado por seus colegas de conservatório 44
1.3 – O autor nas memórias de uma filha 48
1.4 – Rastros de uma caminhada: do garoto Henrique ao jovem Pechincha 51
1.5 – A presença de Pechincha em rádios, discos, jornais e revistas: uma incompleta linha do tempo 58
1.6 – Pechincha nos palcos da vida 70
Úbangelu
2. Uma leitura comentada do método popular de Pechincha 79
2.1 – Abrindo os trabalhos: prefacio, índice e um surpreendente diálogo de apresentação 80
2.2 – O cavaquinho no conjunto regional: através do choro e do samba 82
2.3 – O cavaquinho em verso e prosa: sugestões literárias que ajudam a compor o personagem 85
2.4 – As lições do professor Cavaquinho 93
2.5 – As primeiras lições do professor Pechincha: pelo método é só você olhar e tocar 100
2.6 – Notas sobre o repertório: canções conhecidas e implicações nem sempre lembradas 112
2.7 – O choro de um Pica-Pau: Henrique Souza como um compositor brincalhão 119
2.8 – Outras lições: acordes diminutos, acordes aumentados e suas resoluções 126
Kizubilu
Agô seu Pechincha! Cifras e outras escritas em mãos de ébano 134

Referências 148

Anexos 159
Anexo 1 - Versos de canções gravadas por Henrique Souza conforme o portal Discografia 160
Brasileira do Instituto Moreira Salles - IMS
Anexo 2 - Página 21 do Jornal Diário da Noite, Rio de Janeiro, de 19 de junho de 1952, com 165
foto de Pichincha na coluna Discos e Disticos de Edel Ney
Anexo 3 - Índice Geral - Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e 166
cifragem
Anexo 4 - Melodia e cifra do choro-lento “Pica Pau” de Henrique Souza (Pechincha) 167
Anexo 5 - Listagem de métodos para o ensino do cavaquinho publicados no Brasil 168
12

A grande aspiração do negro brasileiro é ser tratado como um homem comum.

Milton Santos

Entrevista à Mauricio Stycer


Caderno Especial da Folha de São Paulo
(25 de junho, 1995: 8)
13

Ndônda
Um homem comum: Henrique Souza (1913-1990) e seu método para cavaquinho

Salve, /Abridor de caminhos / Conhecedor das encruzilhadas


Desta ilhada e reclusa / América Latina!
Eu te saúdo| E a todos os guerreiros
Que hoje te seguem /Pelas selvas do Orum
Toma teu rum / Toma teu puro
Toma teu fogo | Mostra-nos o fruto maduro
Abre-nos o jogo / Para sair deste logro.
Laroiê, Che!

Ney Lopes, Eleguavara (2014: 21)

No título acima, a expressão um homem comum faz uma espécie de alusão invertida ao conto Um
homem célebre, um dos textos de Machado de Assis, publicado em 1896, “em que a música tem destaque”
(cf. WISNIK, 2003: 14). E essa alusão ao célebre Pestana visa apresentar outro músico: o Pechincha,
nome artístico do cantor, compositor, multi-instrumentista, humorista e professor Henrique Souza
(1913-1990). Chegamos até ele pois, em certo momento de sua vida, Henrique Souza dedicou-se ao
cavaquinho e, em 1984, publicou o Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragem pela
Editora Irmãos Vitale, na cidade de São Paulo. O interesse por esse autor e seu método decorre de
uma atenção mais ampla, voltada para a contribuição de músicos negros brasileiros 1 que, como
Pechincha, publicaram obras dedicadas ao ensino e a aprendizagem do cavaquinho: um instrumento
musical considerado “brasileiro demais e, como tal, historicamente enraizado nas senzalas, favelas e
guetos” (LOPES, 2003: 52).
A presente dissertação, Acordes para cavaquinho: cifras e outras escrituras no método popular de Henrique
Souza (1913-1990), foi desenvolvida entre o segundo semestre de 2018 e o segundo semestre de 2020, no
âmbito da linha de pesquisa Teoria e História do Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de
Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina. 2 Em sua temática, essa dissertação dá continuidade
e aprofunda questões que foram tratadas na monografia de conclusão de curso de graduação intitulada
Cavaquinho em mãos de ébano: três personagens (ROMÃO, 2017). 3 Naquela ocasião, a banca examinadora foi
composta por professores e pesquisadores das áreas de antropologia, etnomusicologia, teoria e educação
musical que colaboraram com reflexões e críticas estimulantes e incentivadoras. 4

1 Ao longo da presente dissertação, por vezes, será utilizado a designação negro brasileiro. Essa designação segue uma
tendência – observável em autores como Munanga (2012), Nunes (2017) e Rocha (2013) – que, problematizando outras
designações, aborda processos de construção da identidade negra no Brasil.
2 No projeto pedagógico do Curso de Mestrado em Música da UDESC, aprovado em 2018, essa linha de pesquisa está assim

definida: “Teoria e História: A linha abarca pesquisas de caráter histórico e teórico fundamentadas em documentação textual,
musical e/ou sonora. Inclui a pesquisa histórico-musicológica a partir de acervos documentais e abordagens históricas e
teóricas da música popular”.
3 Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Música, apresentado ao Departamento de Música da UDESC no dia 4

de dezembro de 2017.
4 Os membros externos da referida banca foram: Jamerson Farias Ribeiro, doutorando em Etnomusicologia na

Universidade Federal do Rio de Janeiro; Marcelo da Silva, doutor em Antropologia Social Universidade Federal do Rio
14

Também motiva a presente dissertação o fato de que, nos últimos anos, o cavaquinho obteve
novas conquistas no campo musical, tais como a expansão da inserção do instrumento em diversos
gêneros e estilos musicais, o desenvolvimento de novas afinações, a ampliação do número de cordas, o
surgimento de novos estudos técnicos e o crescimento do número de fabricantes e luterias especializadas.
De modo especial destaca-se o interesse pelo cavaquinho no âmbito acadêmico, já manifesto em estudos
como o de Ikeda (1992) e, com isso, a efetiva implementação do cavaquinho no quadro de cursos e
disciplinas de graduação, em níveis de Bacharelado 5 e Licenciatura em Música, 6 em nosso país. A
presença do cavaquinho nesses espaços universitários oportuniza a formação de cavaquinistas
professores e pesquisadores e tais esforços, visivelmente, estão impulsionando os campos do ensino e da
pesquisa relacionadas ao cavaquinho, seus temas e histórias, seus usos e repertórios. Numa amostragem
desse processo, o levantamento de Severiano registra como o cavaquinho vem se consolidando no campo
das pesquisas acadêmicas.

A partir da primeira década de 2000, nota-se uma crescente produção de pesquisas e


publicações relacionas ao cavaquinho brasileiro que o abordam em diferentes aspectos.
Para ilustrar tal afirmação cito os seguintes trabalhos: O Aprendizado do cavaquinho: faltou
luz mas a música continua de Luciana Oliveira (UNIRIO, 2000), O Ensino do cavaquinho:
uma abordagem metodológica de Alberto Boscarino Júnior (UNIRIO, 2002), O Cavaquinho
como elemento motivador da iniciação musical de Izabella Lins Neves (UFRJ, 2006), A parte
rítmica do cavaquinho: uma proposta de método de Manoela Marinho Rego (UFRJ, 2010), O
cavaquinho na obra de Waldir Azevedo de Ana Cláudia Cesar (MACKENZIE, 2010), A
construção da práxis dos instrumentos de cordas: o cavaquinho como instrumento mediador no processo
de musicalização de crianças em idade pré-escolar de André de Souza Newlands (UNIRIO,
2011), O aprendizado informal do cavaquinho: um estudo de caso: Marcio Vanderley, de Pedro
Monteiro (UFRJ, 2013), O Aprendizado musical do cavaquinista e compositor José Siqueira de
Alcântara de Wellington Monteiro (2013), O cavaco rítmico-harmônico na música de Waldiro
Frederico Tramontano (Canhoto): a construção estilística de um “cavaco-centro” no choro, de
Jamerson Farias (UFRJ, 2014), O estilo interpretativo de Waldir Azevedo: aspectos técnicos e
expressivos de Leonardo Bodstein Benon (UNB, 2017), Cavaquinho em mãos de ébano: três
personagens de Carlos Eduardo Romão (UDESC, 2017), Antônio da Silva Torres (Jacaré): um
cavaquinho na memória do choro pernambucano de Maíra Macedo (Universidade de Aveiro,
2017) (SEVERIANO, 2019:45).

Outros trabalhos, contando agora com os informalmente elencados pelo cavaquinista


pesquisador Jamerson Farias Ribeiro e com diversas fontes consultadas durante a pesquisa, são:
Cavaquinho do choro versus cavaquinho do samba de Pedro Luís Oliveira dos Santos (UFES, 2009),
Alfabetização musical através do cavaquinho de Davison César Corrêa Gonçalves (UFPA, 2010), Cavaquinho
no choro em Belo Horizonte: uma investigação sobre os processos de ensino e aprendizagem de Lucas Ladeia Ribeiro
(UFMG, 2011), O cavaquinho como instrumento solo no choro de Claudia Coutinho (CBM/CEU, 2011),

Grande do Sul, UFRGS. E os membros internos foram a professora Drª. Vânia Beatriz Müller e o professor orientador
Dr. Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas.
5 O Curso de Bacharelado em Música com habilitação em Cavaquinho foi aprovado na Universidade Federal do Rio de

Janeiro em 08 de junho de 2011. Cf. Escola de Música UFRJ.


6 A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desde 2005 oferece o Curso de Licenciatura em Música, com duas habilitações:

Educação Musical e Instrumento/Canto. Nesse curso o cavaquinho é uma das opções. Cf. (UFPB, 2019).
15

Aprendizagem da função de acompanhamento do cavaquinho de Diego Lima Moreira (UFSCar, 2013), A


utilização do tamborim como ferramenta de aprendizagem do cavaquinho na função de acompanhamento de Braune
Evelane Pinto Rodrigues (2014), O Cavaquinho: da braguinha ao ukelele, metáforas do colonialismo e pós-
colonialismo de Maria Joana Fernandes Alves Pereira (Universidade de Aveiro, 2014), Arranjei-te
cavaquinho: um instrumento a ser (re)conhecido de Marcos Tannuri (2015), O Cavaquinho no cenário musical do
chorinho na cidade de Salvador de Washington Oliveira Souza (UFBA, 2015), Uma reflexão sobre os espaços
formais e informais no ensino de cavaquinho de Cristiane Cotrim (UFRJ, 2015), Proposta de ensino coletivo do
cavaquinho nas escolas regulares de Teresina de Gilberto da Silva Ribeiro (UFPI, 2015), Tradição e inovação na
prática do cavaquinho brasileiro de Luís Carlos Orione de Alencar Arraes (2015), Elementos idiomáticos do
cavaquinho acompanhador aplicados ao piano no choro de Luísa Camargo Mitre de Oliveira (UFMG, 2016), A
rítmica do cavaquinho de Jonas Silva na construção do estilo de Luciana Rabello de Brenna Freire Araújo (UECE,
2017), Análise rítmica do cavaquinho nos grupos para folclóricos de bumba-meu-boi do Maranhão de Jorge Roberto
da Silva dos Reis (UFMA, 2017), Um cavaquinho na memória do choro pernambucano de Maíra Macêdo
Moreira (Universidade de Aveiro, 2017), Metodologias no ensino de cavaquinho no choro brasileiro de Márcio
Lage Coutinho (CBM/CEU, 2018), Dez edições práticas para cavaquinho: do popular ao erudito de Carlos
Henrique da Silva Garcia (UFRJ, 2018), Polifonia e o idiomatismo técnico no cavaquinho brasileiro contemporâneo
de Rafael Milhomem Silva (UFU, 2018), Uma visão etnoarqueológica sobre o cavaquinho no município de Recife
de Matheus da Silva Araújo (UFPE, 2019) e O ensino do frevo no cavaquinho: elaboração de exercícios para
aprendizagem da música “Frevando com o Cavaquinho” de João Paulo Albertim (UFP, 2020).
Ainda que parciais e reunindo trabalhos produzidos em etapas de formação diversas, tais listagens
nos dão uma visão de um processo de inclusão na universidade pública brasileira que, gradual e
decisivamente, vem contribuindo, também, para que possamos repensar questões graves correlacionadas
aos estigmas de um passado marginalizado que acompanha a trajetória do cavaquinho. Instrumento que,
algumas vezes, foi celebrado como um emblema daquilo que é nosso, uma expressão da sonoridade
brasileira e que, por outras vezes, foi visto como um signo da malandragem negra, lembrando que, como
pondera Ikeda (2016: 34), “não se pode esquecer que historicamente os negros e suas expressões culturais
sempre foram motivo de forte depreciação, preconceitos e implacáveis perseguições.” 7 O apontamento de
Ikeda dialoga com outros autores que também nos lembram que, entre nós, existe o chamado “mito dos
três ps: preto, pobre e perigoso” (ANDRÉ, 2007: 129). E que, com isso, no Brasil a vinculação entre negros
e criminalidade é algo que não pode passar em branco quando tratamos de instrumentos e práticas musicais
associados aos pretos pois, como se sabe:

7“O preconceito é, primeiramente, uma opinião que se emite antecipadamente, a partir de informações acerca de pessoas,
grupos e sociedades, em geral infundadas ou baseadas em estereótipos, que se transformam em julgamento prévio, negativo.
‘Os preconceitos são opiniões levianas e arbitrárias, mas que não surgem do nada. Nem, ao contrário do que se possa pensar,
são opiniões individuais. Em geral, nascem da repetição irrefletida de prejulgamentos que já ouvimos antes mais de uma vez.
Finalmente, à força de tanta repetição, terminamos por aceitá-los como verdadeiros. E os repetimos sem sequer nos
preocuparmos em verificar quão certos são’ (INSTITUTO INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS, 1995, p.
17)” (MEC/SECAD, 2006: 221).
16

Na literatura do início do século XIX sobre a criminalidade em comum a afirmação


de que o crime era determinado biologicamente. O médico baiano Nina Rodrigues
(1894) afirmava que as pessoas da raça preta e da mestiça eram mais afeitas ao crime
do que as pessoas da raça branca. Não teriam alcançado a evolução racial, moral e
jurídica dos “povos civilizados europeus”. Nina Rodrigues costumava lançar mão de
estatísticas para corroborar as suas hipóteses sobre as causas do crime, interpretava-
as como uma confirmação da propensão biológica dos pretos e mestiços ao crime. O
escritor sociólogo Euclides da Cunha (1936), seguindo Nina Rodrigues, também
defendia a ideia de que os pretos e os mestiços tinham uma inclinação fisiológica para
o crime, mas advertia que determinadas condições mesológicas [ecológicas] também
condicionavam a predisposição para o crime (RIBEIRO apud ANDRÉ, 2007: 130).

Enfatiza-se assim que, em seu percurso, a presente pesquisa procurou estar atenta a determinados
percalços históricos e culturais observando que, em diferentes momentos da trajetória da música popular
produzida no Brasil, o cavaquinho foi absorvido, ressignificado e difundido como um instrumento musical
associado aos mundos musicais afro-brasileiros. Com isso, observou-se também que, contudo, as
memórias 8 dessa associação nem sempre são visíveis, pois muitas vezes não foram materializadas sofrendo,
então, aquilo que Tinhorão caracterizou como um “desvanecimento histórico”:

Por essa mesma razão do desvanecimento histórico da memória sonora pela ausência
de registros escritos, se ainda antes do século XVII informam os versos de Gregório
de Matos que, na Bahia, os rapazes educados à solta tocavam guitarra [viola] e machete
[cavaquinho] – o que também fazia, aliás, o próprio poeta -, jamais se conhecerá a
melodia e o ritmo do que cantavam e dançavam, mas que sabemos ter constituído os
primeiros gêneros da música popular urbana surgidos no Brasil: a arromba, o gandu
e o paturi. O que as informações dos contemporâneos garantem, de qualquer forma,
é que sempre que tais modalidades de músicas para canto e dança apresentavam
influência dos negros africanos e crioulos, a percussão revela-se [...] marcante
(TINHORÃO, 2000: 158).

Ainda que desvanecido, ora sofrendo diluição e apagamento e ora passando por momentos de
atenção e revigoramento, essa identificação do cavaquinho com as mãos de ébano, isto é, com o mundo
dos “negros africanos e crioulos”, é uma questão que se destaca neste trabalho. Questão que anuncia que,
na medida do possível, a presente dissertação observa aspectos sócio raciais procurando refletir, a partir
de um caso específico, sobre os alcances da aquisição e prática da escrita – textual e técnico musical – em
construções e representações da negritude.
Sendo assim, e novamente na medida do possível, o trabalho também leva em conta o âmbito
sagrado da religiosidade afro-brasileira, posto que, no contexto aqui em apreço, os aspectos musicais,
sócio raciais e religiosos não se separam plenamente. Sobre essa condição, notando que a
desassociação desses aspectos é inconveniente em estudos que enfocam as “tradições” do cavaquinho,
Arraes recupera trechos de um relato elaborado pelo sambista Silas de Oliveira (1916-1972). Nesse relato,

8 Levando em conta que, “a memória individual ou coletiva é sempre uma memória social e, por isso, é seletiva, composta de
rememorações e esquecimentos (POLLACK, 1989) e se apoia em elemento da vida de uma pessoa ou do(s) grupo(s) a que ela
pertence. Os grupos discriminados ou subalternos são portadores de memórias ‘subterrâneas’ que devem ser registradas com
procedimentos adequados. No caso da trajetória da população negra, marcada pela oralidade e por poucos registros escritos, a
memória coletiva é fundamental para a continuidade das coletividades tanto rurais quanto urbanas” (MEC/SECAD, 2006: 220).
17

o sambista descreve uma festa na casa da Ialorixá Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata (1854-1924), 9
um local emblemático na memória dessa música popular. E tal texto nos informa sobre como a
sociabilidade e as práticas musicais e religiosas conviviam em um mesmo tempo e lugar:

Festa de Preto na Tia Ciata – Dia de Ogum: [...] Na sala da frente o baile comia solto,
um crioulão alto com cara de criança tocando uma flauta que Deus me livre! Esse menino
Pixinguinha vai longe, que capeta nessa flauta! Com pose e maestria Donga olhava as
mulatinhas enquanto secundava os trinados, maltratando os bordões do pinho novo.
China ensaiava uma terça. E um escuro com calombo nas costas centrava no
cavaquinho. Êta ferro! Pares enlaçados. Na outra ponta do corredor, tão distante que
nem interferia, partido alto seguia rasgado. João da Baiana de prato e faca na mão raiava
a chula, Tia Perciliana sorrindo orgulhosa, Heitor dos Prazeres machucando o cavaco.
Um grupo de negros cercava os músicos na maior animação, todo mundo envolvido
pelo ritmo nativo. Baianas enchendo pratos de comida, ô que cheirinho bom, a pinga
prá rebater e inspirar. Lá no fundo do quintal, entre as árvores, tambores batucando,
árvore e tambor, África renascida em plena capital federal, a roda, o batuque, palmas e
suor, um casal descalço batendo os pés na terra e negaceando os corpos, que se
encontravam finalmente na umbigada fatal. [...] Sob as bênçãos de Oxalá, Ogum,
Xangô, e sob o olhar jovial e carinhoso de Hilária Pereira de Almeida, a tia Ciata. E
assim o samba se fazia, nas bandas de São Sebastião do Rio de Janeiro... (SILVA &
OLIVEIRA FILHO apud ARRAES, 2015: 67, grifos nossos).

Sobre tais enlaçamentos e indivisibilidades, Lopes (2003: 51) destaca que, desde o período
posterior à assinatura da Lei Aurea, a música teve um papel fundamental para a dignidade cidadã da
população negra. 10 A música foi um canal de ascensão social para os músicos e uma via de resistência e
enfrentamento para que os afro-brasileiros pudessem suportar processos de marginalização e exclusão.
Com isso em mente, o presente estudo leva em conta o argumento de que: a música popular – e nela, a
contribuição que cabe ao cavaquinho – foi moldada pelas mãos dos negros e “se tornou um dado básico
na afirmação da cultura nacional” (LOPES, 2003: 51).
Assim, reconhecendo que, como formulou Ikeda (2016: 34), “a música negra tem servido
historicamente à causa da identidade do país, nos seus diversos gêneros musicais, soando no interesse [...]
da sua fecundação artístico-musical” e que, contudo, “não se nota a correspondente ou paralela inclusão
social dessa população na sociedade brasileira”, podemos constatar que, na avaliação da presença negra
na música popular produzida no Brasil, o conceito de raça deve ser considerado, uma vez que:

Se cientificamente a realidade da raça é contestada, política e ideologicamente esse


conceito é muito significativo, pois funciona como uma categoria de dominação e
exclusão nas sociedades multirraciais contemporâneas observáveis. Em outros termos,
poder-se-ia reter como traço fundamental próprio a todos os negros (pouco importa a
classe social) a situação de excluídos em que se encontram em nível nacional. Isto é, a
identidade do mundo negro se inscreve no real sob a forma de “exclusão”. Ser negro é
ser excluído (MUNANGA, 2019: 15). 11

9 “Ialorixá – Denominação que no Brasil se dá à sacerdotisa-chefe de uma comunidade de candomblé” (LOPES, 2006: 79).
10 “Dignidade, ‘direito de ser distinto, expressando-se cada um de acordo com os valores de seu grupo étnico e de outros grupos
sociais em que se insira, usufruindo de iguais direitos civis’, sociais e políticos, ‘e/ou batalhando para que assim o seja’. Para
tanto, assume ‘funções políticas, a começar pela comunidade onde vive, participando de análise de necessidades, de decisões,
da formulação, execução, avaliação de projetos, de busca de recursos para implementá-los, executá-los’” (SILVA, 2001: 156).
11 “A noção de raça se configurou no pensamento ocidental a partir das obras de filósofos e cientistas dos séculos XVIII e

XIX, que, em geral, caracterizavam os povos apoiando-se nas diferenças aparentes e os hierarquizavam a seu modo, tratando,
18

Nos métodos para o ensino e aprendizagem do cavaquinho, em geral, as questões de raça e


negritude não são propriamente declaradas. Entretanto, o protagonismo dos assuntos da técnica
musical não impede que as publicações tragam informações transversais que deixam pistas sobre a
identidade racial dos indivíduos que escreveram e publicaram tais métodos. No caso do volume
Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragem de Henrique Souza, tais informações
transversais expandiram e complementam sensivelmente a leitura da obra, remetendo a outros
documentos – depoimentos, fotos, textos de jornais e revistas, partituras, livros, gravações e capas de
discos, dissertações, teses etc. – que possibilitaram a elaboração de uma narrativa sobre a vida e
experiência social e músico profissional de um indivíduo que, aqui, representa algo dessa “identidade
do mundo negro” (MUNANGA, 2019: 15). 12
Essa leitura correlata e complementar, que ultrapassa aquilo que está textualmente registrado no
volume de Henrique Souza, nos sugeriu perceber que esse processo de escrita e publicação de obras
didático-musicais, deixa traços de um modo de ser, de viver e de sobreviver. Traços que podem se tornar
mais nítidos com o auxílio de um conceito interdisciplinar e antirracista, sintetizado na expressão
“africanidades brasileiras”. Esse conceito, oriundo da área de educação das relações étnico-raciais no
Brasil, proposto pela educadora Petronilha Silva (2001, 2003) em diálogo com a produção de Maria de
Lourdes Siqueira (2006) e de Kabengele Munanga (1984), foi assim resumido pela autora:

A expressão Africanidades Brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm


origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de
viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às
marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada
brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. [...] Africanidades Brasileiras, pois,
ultrapassam o dado ou o evento material, como um prato de sarapatel, uma
apresentação de rap. Elas se constituem nos processos que geraram tais dados e
eventos, hoje incorporados pela sociedade brasileira. Elas se constituem também dos
valores que motivaram tais processos e deles resultaram. Estudar um jeito de ver a
vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos
descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação, vão deixando
nos outros grupos étnicos com que convivem, suas influências, e, ao mesmo tempo,
recebem e incorporam as daqueles (SILVA, 2003: 26).

sobretudo, as raças brancas como superiores às raças amarelas e mais ainda às negras, dentre outras. As ciências naturais
contemporâneas apontam para a inexistência de raças biológicas, preferindo falar em uma única espécie humana. No entanto,
as ciências sociais, reconhecendo as desigualdades que se estabeleceram e se reproduzem com base no fenótipo das pessoas,
especialmente em países que escravizaram africanos(as), concordam com a manutenção do termo raça como uma construção
social que abrange essas diferenças e os significados a elas atribuídos, que estão na base do racismo. A noção de “raça” para
o Movimento Negro não está pautada na biologia. O que se denomina raça codifica um olhar político para a história do negro
no mundo” (MEC/SECAD, 2006: 222).
12 “A noção de identidade é abordada por diversas áreas do conhecimento. Portanto, podemos tratar de vários tipos de

identidade. No tocante à identidade racial ou étnica, o importante é perceber os seus processos de construção, que podem ser
lentos ou rápidos e tendem a ser duradouros. É necessário estar atento aos elementos negativos, como os estereótipos e as
situações de discriminação. Além disso, é necessário ater-se à vontade de reconhecimento das identidades étnicas, raciais e de
gênero dos indivíduos e dos grupos. Também é preciso compreender que, no mundo contemporâneo, os indivíduos
constroem e portam várias identidades (sociais, étnicas e raciais, de faixa etária, gênero e orientação sexual e outros)”
(MEC/SECAD, 2006: 219-220).
19

Nessa perspectiva compreende-se que, o volume aqui descrito e comentado é também um meio
em circunstâncias de disputas simbólicas, um “instrumento de combate” num ambiente hostil que Munanga
(2019: 18), refletindo sobre o fenômeno da globalização, caracterizou como “negritude na atualidade
diasporana”. Ou seja, observa-se aqui que, para um homem negro como Henrique Souza, escrever e
publicar um método musical é uma ação de expressão social, cultural e econômica. Um instrumento para
fazer ouvir uma voz que, então, é amplificada pelo poder da escrita. Nesse sentido, como destaca Péret, a
“escrita” do volume aqui em estudo pode, também, ser vista como um “ato de resistência”:

A escrita significa diferentes pessoas e áreas de conhecimento. A relação que um poeta


tem com a palavra é completamente diferente da relação que um juiz estabelece com o
mesmo material. Ou seja, uma mesma técnica pode ser usada em nossa sociedade de
múltiplas formas. A escrita é produção e ação material de mulheres e homens. Além de
produzir memória, arte, história, poesia e conhecimento, ela produz as leis, as regras e
também os discursos de ódio. Escrevemos para organizar os nossos pensamentos e para
dar um destino às nossas inquietações, de modo que elas possam ser enunciadas e
expressas. Escrever ajuda a multiplicar o conhecimento que temos de nós mesmos e do
mundo, já que envolve movimentos aparentemente contraditórios (reconhecimento e
negação/recusa), mas fundamentais para o processo de subjetivação, pelo qual as
pessoas descobrem e inventam sua própria singularidade[...]. No entanto, é importante
lembrar que a escrita não é a única forma de compartilhar experiências de mundo,
saberes e afetos (PÉRET, 2018: 31).

A aquisição da escrita, como se sabe, requer acessos que, no geral, dependem de processos mais
formais. E no Brasil, como mostram Silva e Araújo (2015), no que diz respeito à população negra o
problema de acessibilidade na educação formal é histórico. Entre oportunidades formais e informais,
autores negros como Henrique Souza adquiriram a escrita textual e musical, e essa aquisição implicou
muitas coisas. Por um lado, a aquisição da escrita pode implicar situações hostis e solitárias, pois como
notou Fanon (2008: 47), “do negro exige-se que seja um bom preto”, sendo assim, se por ventura e
contraditoriamente o negro não se enquadrar nesse perfil e, de modo altivo, mostrar conhecimento e
erudição, tal negro “deve ser vigiado”. Por outro lado, a aquisição da escrita também significa legitimação,
uma assimilação da cultura do outro que, ciclicamente, remete ao conceito de “africanidades brasileiras”.
Dessas interações complexas resulta que, os saberes veiculados num volume escrito por um autor
negro – incluindo aí a música, as formas de socialização, a educação, a elaboração, os processos de
publicação etc. – reúnem experiências “resultantes do lugar social” (RIBEIRO, 2019: 63). E, sendo assim,
estão atrelados a alguns dos aspectos destacados por Ribeiro:

As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não


humanizada faz com que [suas] produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratados
de modo igualmente subalternos, além das condições sociais os manterem num lugar
silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam
ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias
formas de organização políticas, culturais e intelectuais. A questão é que essas condições
sociais dificultam a visibilidade e a legitimidade dessas produções (RIBEIRO, 2019: 63).
20

Entende-se, com isso, que as questões que envolvem a avaliação dos métodos musicais não
estão exclusivamente atreladas às experiências e capacidades de seus autores. E, por isso, não se
deseja aqui reproduzir discursos que apontam o relativo sucesso individual de uma pessoa negra
como uma norma a ser seguida. E sim destacar aquilo que Ribeiro (2019: 63) interpreta como um
“locus social”, ou seja, destacar características e experiências compartilhadas de determinados grupos
que são reconhecidos como minoria. Então, observadas as devidas distâncias, pois Flávia Péret não
se refere especificamente ao caso aqui em questão, podemos dizer que, escrever um método de
cavaquinho em um território de hegemonia branca mostra como os mestres cavaquinistas negros
também estão numa “posição ativa de pensar sua própria história e questionar os discursos que
fabricaram essa história” (PÉRET, 2018: 30). Ou, de modo mais específico, a leitura aqui proposta
leva em conta que, a posição que Henrique Souza desempenhou aponta para um conjunto de
circunstâncias que, quem sabe, pode nos ajudar a pensar, de maneira problematizadora, o lugar que
os cavaquinistas negros ocupam nas tramas musicais em nosso país.

Sobre os termos antologia, método e popular

Para evitar desencontros de expectativas, convêm chamar atenção para os termos antologia, método
e popular que se destacam no título da publicação aqui em apreço. O vocábulo antologia, conforme o
dicionário Houaiss, diz respeito a uma “coleção de textos em prosa e/ou em verso, geralmente de autores
consagrados, organizados segundo tema, época, autoria etc.”. Tal definição não se ajusta exatamente ao
volume aqui em apreço, mas, por extensão de sentido, lembrando que coleção implica escolher e sugere
estima, prioridade e predileção, folheando a Antologia do cavaquinho de Henrique Souza podemos dizer que
se trata de uma compilação de posições de acordes, organizados segundo seus tipos, dobramentos e
inversões no braço desse instrumento.
Por sua vez, no subtítulo método popular com encadeamentos e cifragens, o termo método não remete
propriamente a uma perspectiva acadêmica ou filosófica, e tão pouco se adéqua aos quesitos de uma
metodologia de ensino formalmente estabelecida. Ainda assim, em sentido amplo, notamos que alguns
traços destacados por Libâneo estão presentes na publicação aqui em pauta, uma vez que:

O conceito mais simples de “método” é o de caminho para atingir um objetivo.


Na vida cotidiana estamos sempre perseguindo objetivos. Mas estes não se
realizam por si mesmos, sendo necessária a nossa atuação, ou seja, a organização de
uma sequência de ações para atingi-los. Os métodos são, assim, meios adequados para
realizar objetivos. [...] O professor, ao dirigir e estimular o processo de ensino em
função da aprendizagem dos alunos, utiliza intencionalmente um conjunto de ações,
passos, condições externas e procedimentos, a que chamamos métodos de ensino. [...]
O método de ensino expressa a relação conteúdo-método, no sentido de que tem
como base um conteúdo determinado [...]. O método de ensino, pois, implica ver o
objeto de estudo nas suas propriedades e nas suas relações com outros objetos e
fenômenos e sob vários ângulos, especialmente na sua implicação com a prática social
(LIBÂNEO, 2006: 150-151).
21

Desse modo, percebendo que algo dessa descrição se conserva no método popular aqui em
questão, convêm assinalar ainda que, como se sabe, no campo musical, usamos o termo método como
uma expressão coloquial, uma maneira de dizer que, com sentidos diversos, pode ser empregada para
designar processos com alguma organização, de conteúdos e práticas, relacionadas aos modos de
aprender, ensinar e praticar determinadas habilidades e conhecimentos voltados para aspectos da ação
performática – no caso aqui em questão, o chamado acompanhamento harmônico – em instrumento
musical. Então, tomando de empréstimo mais algumas colocações de Libâneo (2006: 149-150), vamos
notar que o Método popular de Henrique Souza está “orientado para objetivos”, conforma “uma sucessão
planejada e sistematizada de ações”, requer “a utilização de meios” e expressa, “também, uma
compreensão global do processo educativo na sociedade”. Sendo assim, o método de Henrique Souza
nos convida a pensar, ainda com os termos de Libâneo, sobre os “fins sociais do ensino”, sobre as
“exigências e desafios” colocados por uma “realidade social” e sobre “as implicações da origem de
classe” nos processos de ensino e aprendizagem musical.
Essas abreviadas colocações sobre os termos antologia e método nos levam ao qualificativo popular:
como podemos entender suas implicações na expressão Método popular? A questão é ampla e nos remete
ao debate sobre o que, afinal, é o popular? Debate que, sem dúvida, está presente nesse estudo, mas não
como um tema central. Com isso, assim como ocorre com os termos antologia e método, os muitos sentidos
e conotações do termo popular não serão satisfatoriamente comentados aqui. Como ponto de partida, do
qual não nos afastaremos muito, no dicionário Houaiss encontramos que popular, um adjetivo de dois
gêneros, pode ser entendido como algo que é “relativo ou pertencente ao povo”, que é “feito pelas
pessoas simples, sem muita instrução”, que é “relativo às pessoas como um todo”, que é “encarado com
aprovação ou afeto pelo público em geral”, que é “dirigido às massas consumidoras”, e que está “ao
alcance dos não ricos”, pois é “barato”. Com efeito, tais acepções gerais podem se aplicar ao Método
popular de Henrique Souza.
Entretanto, arriscando um pouco mais, no contexto comercial dos métodos voltados para o
ensino e aprendizagem dos instrumentos musicais, podemos perceber também que, nesse setor, o termo
popular se aproxima daquilo que, por vezes, é chamado de prático. Para argumentar, sobre esse último
termo, vale um parêntese: com Abbagnano (2007: 785-786), podemos localizar um significado que, de
modo geral, acompanha o vocábulo prático. Um significado “que pertence à linguagem comum” e reduz
prático “à tudo aquilo que é fácil ou imediatamente traduzível em ação, no sentido, por exemplo, de
produzir sucesso ou proporcionar vantagem”. Nessa acepção, que “geralmente não tem lugar na
filosofia”, prático é algo que pode ser concretizado e levado a bom termo. Vale então considerar que o
adjetivo popular usado por Henrique Souza guarda proximidade com esse sentido do termo prático notado
por Abbagnano. Se for assim, podemos dizer que o termo popular se aproxima também de uma conhecida
estratégia editorial que visa convencer o público consumidor, ou seja: professores, estudantes e
interessados movidos pela autoaprendizagem. Comentando essa estratégia, embora abordando a presença
22

do adjetivo prático, ou expressões assemelhadas, em métodos para violão, Palma rememora expressões
que promovem a aplicação cômoda, fácil e funcional em títulos como:

“Novo Método de Violão: para aprender a tocar sem música e sem mestre contendo
todas as posições ilustradas” (de A. Ruiz), “Método prático para violão sem mestre” (de
Paraguassú), “Meu violão, meu amigo: método fácil por cifras” (de Dulce Mascarenhas),
“Método de violão: fácil – rápido – garantido, posições, valor das notas musicais” (de
Larevos), “Método para violão prático” (de Dilermando Reis), “Cacique: método
prático para o estudo do violão com lições bem organizadas e de fácil assimilação.
Através de gráficos, as posições dos acordes estão dispostas de maneira clara e objetiva.
Esta obra foi elaborada por Garoto, um dos músicos mais geniais que o Brasil já
produziu” (de Garoto), “Método prático de violão Giannini” (de Attílio Bernardini) e
“Tabela de acompanhamento prático para violão” (de Isaías Sávio). [...] “Método toque
fácil (mesmo): solos de violão” (de Hélio Cortez) e “Solista: números mágicos para solos
de violão” (de Jose Fonseca)” (PALMA, 2015: 8, grifos nossos).

Deste modo, podemos considerar que, na esfera da rotulagem comercial, em boa medida, o
termo método popular resume aquilo que se anuncia como um “método prático para se aprender a tocar
cavaquinho em pouco tempo e sem precisar de mestre, contendo todas as posições completas com as
respectivas variações usadas nos acompanhamentos das músicas brasileiras”, como coloca Ivo Duncan
(1935) na capa de seu método, O Lunático, com 19 páginas, também publicado pela Irmãos Vitale. E,
possivelmente, essa observação já seria suficiente para apreciarmos o alcance do termo popular que
ajuda a compor o título do volume publicado por Henrique Souza.
Entretanto, somando-se aos sentidos até aqui mencionados, podemos pensar o popular a partir
de algumas facetas apontadas por Bosi. Facetas que nos ajudam a perceber sentidos que o termo alcança
nos enredos da cultura brasileira, pois, naturalmente, é daqui que Henrique Souza escreve. Com os
apontamentos de Bosi, um reconhecido crítico e historiador da literatura, podemos então dizer que,
assim como “não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e dos
nossos discursos” (BOSI, 2002: 7), o popular aqui em observação também deve ser compreendido por
seu caráter plural. Algo que resulta “de um processo de múltiplas interações e oposições no tempo e
no espaço”. Assim, parafraseando Bosi, vale dizer que, entre interações e oposições, o método de
Henrique Souza pode ser visto como uma produção popular, posto que justapõe traços
consideravelmente diversos e sinuosos. Digamos: no método de Henrique Souza, por um lado, nota-
se o cuidado com determinados valores que são caros à cultura das progressões harmônicas e, com
isso, caros também aos hábitos da preparação e resolução das dissonâncias e do encadeamento
criterioso das vozes dos acordes. Valores de longa data que remetem a um modo de fazer que dialoga
com prescrições que orientam o repertório tonal centro-europeu. Por outro lado, observam-se marcas
da música popular urbana comercialmente veiculada no Brasil, “sem esquecer a presença norte-
americana, que vem representando, desde a Segunda Guerra Mundial, uma fonte privilegiada no
mercado de bens simbólicos” (BOSI, 2002: 8).
Assim, no popular que perpassa o Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, os “ritmos das
culturas” caminham em descompasso. O pequeno volume é lançado em meio à efervescência musical
23

da década de 1980, quando o “andamento dos meios de comunicação de massa acerta o passo com a
produção e o mercado próprios de uma sociedade capitalista de feições internacionais” (BOSI, 2002:
8). Apesar disso, os acordes recolhidos por Henrique Souza sugerem sintonia com processos de
produção e consumo musical de outro tempo: o tempo das valsas, serestas e choros que, a partir das
rádios, ressoavam país adentro. Ainda com Bosi, podemos dizer que Henrique Souza, como veremos
no perfil biográfico aqui esboçado, vivenciou o “tempo cultural acelerado” das “baterias da civilização
de massas” que valorizam “apenas o material que enriquece seu campo de significações”. E, como
também veremos, o mesmo Henrique Souza experenciou a “cultura das classes pobres” guardando,
intencionalmente ou não, certa capacidade de resistência: e “resistência pressupõe, aqui, diferença:
história interna específica; ritmo próprio; modo peculiar de existir no tempo histórico e no tempo
subjetivo” (BOSI, 2002: 10).

Entre métodos impressos e outras maneiras de aprender e ensinar cavaquinho

Como podemos ver em estudos como os de Boscarino Junior (2002: 17), Oliveira (2000: 16-20),
Rego (2010a, 11-13) e Ribeiro (2017: 5-8), métodos para o ensino e aprendizagem do cavaquinho vêm
sendo escritos e publicados em nosso país desde os anos de 1930. 13 Com isso, importa considerar que,
o Antologia do cavaquinho que Henrique Souza publicou em 1984 é um volume que toma parte de um
segmento editorial que, à época, já possuía uma história. Com tal consideração destaca-se que, os estudos
acadêmicos que revisam o conjunto dos métodos de cavaquinho produzidos no Brasil são contributivos
na avaliação de cada obra e de cada autor, favorecendo o mapeamento dos conteúdos, ênfases e contextos
que cercam o surgimento e o alcance dessas publicações e, também, reconhecendo o que já foi feito e o
que ainda resta fazer. Esse tipo de estudo, mais comparativo, não será desenvolvido nesta dissertação,
entretanto, a partir das revisões realizadas em monografias, dissertações, teses e artigos já publicados, e
da permanente consulta a diversos métodos dedicados ao cavaquinho, podemos colocar em perspectiva
o método de Henrique Souza, contextualizando sua presença e participação num segmento editorial que,
em movimento, segue se expandindo em diversas direções.
Numa listagem selecionada, os estudos acima citados destacam, primeiramente, o Methodo
Andrade para Cavaquinho publicado pela Editora A. C. de Andrade, no Rio de Janeiro, em 1932. Como
ocorre no Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, o Methodo Andrade também adota a afinação Re -
Sol - Si - Ré e emprega formas combinadas de escrita: utiliza textos, cifras, notas e acordes no
pentagrama em clave de sol e diagramas que indicam o posicionamento dos dedos nos trastes e cordas
do instrumento. A exposição das progressões harmônicas no Methodo Andrade está organizada em
tonalidades maiores emparelhadas aos respectivos tons relativos menores. Assim, partindo de Dó
maior e Lá menor, conforme o ciclo de quintas, o Methodo Andrade primeiro mostra os tons com
sustenidos (Sol maior e Mi menor, Ré maior e Si menor, Lá maior e Fá menor etc.) e, depois, os tons

13Vale observar que a trajetória dos métodos de cavaquinho publicados no Brasil guarda proximidades com a trajetória dos
“Métodos para violão publicados no Brasil”, conforme o levantamento comentado de Alfonso (2017: 118-129).
24

com bemóis (Fá maior e Ré menor, Si maior e Sol menor, Mi maior e Dó menor etc.). Considerando
a data de sua publicação, o conjunto de características aqui lembradas, a funcionalidade harmônica e o
encadeamento das vozes nas progressões de acordes encontradas nesse volume pioneiro, pode-se
assumir o Methodo Andrade como uma referência que, em maior ou menor medida, inspirou os demais
métodos de cavaquinho que foram surgindo em nosso país ao longo do século XX.

O Methodo Andrade apresenta uma tendência que será predominante nas publicações
examinadas: o foco didático na transmissão de acordes através de tablaturas do braço
do cavaquinho, e das fórmulas harmônicas mais utilizadas nos acompanhamentos de
choro e samba. Outros autores como Boscarino Junior (2002), Rego (2010b) e Ribeiro
(2015), também identificam essa tendência em métodos como O Lunático: Método prático
para cavaquinho (c. 1935), de Ivo Duncan; Tupan - Método prático para cavaquinho (1938), de
Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) e no Método prático para cavaquinho (1953), de Waldir
Azevedo, dentre outros (RIBEIRO, 2017: 5).

Conforme a “Advertência” que abre o breve volume, o Methodo Andrade foi produzido por três
autores. Um deles dá nome ao método: trata-se de Álvaro Cortez de Andrade, o “proprietário da A.C.
Andrade, uma antiga loja de música situada [Rua Uruguayana, 137] no centro do Rio de Janeiro”
(RIBEIRO, 2017: 5). Outro colaborador é citado apenas como Euclides Cicero, “professor de
harmonia”. 14 E o terceiro autor é um cavaquinista negro cujo nome a história ainda não esqueceu: trata-
se do tipógrafo, sapateiro, alfaiate, marceneiro, funcionário do Ministério da Educação, sambista,
compositor, poeta e artista plástico Heitor dos Prazeres (1898-1966). 15 Para ilustrar repercussões do
Methodo Andrade que nos alcançam ainda hoje, vale citar que, em depoimento a Oliveira (2000: 16), o
Mestre Siqueira – nome artístico de José Siqueira de Alcântara (1937-), cavaquinista pernambucano que
pertenceu à última formação do grupo de Pixinguinha – nos conta que “aprendeu sozinho a tocar seu
instrumento”, que comprou o Methodo Andrade e que, “depois de uns seis meses eu [o Mestre Siqueira] já
tinha memorizado todas aquelas sequências de acordes que o método trazia. Passava horas por dia
ouvindo a Rádio Mayrink Veiga tentando tirar alguma coisa e botando em prática os acordes que tinha
aprendido no método”.
O Methodo Andrade, por assim dizer, inaugurou um nicho de mercado e, na primeira década após
o seu lançamento, outros três métodos dedicados ao cavaquinho foram publicados: por volta de 1935
surge O Lunático de Ivo Duncan; entre 1938 e 1940 surgem o Tupan de Garoto e O Bohemio de Paraquassú.
O primeiro desses métodos, o mencionado O Lunático de Duncan (c. 1935), personagem atualmente

14
Sobre Euclides Cícero, o folheto de divulgação publicado pela fábrica de instrumentos de cordas “Ao Cavaquinho de
Ouro” para a 1ª Feira de Amostra do Districto Federal, em junho de 1928, traz a seguinte informação: “O Cavaquinho de Ouro
tem a subida honra de ter, porém, como o mais antigo de seus frequentadores, a alma da casa, ao raro mestre de
harmonia Euclydes Cicero, que, por sua vez, tem sido o mestre de muitos artistas tornados insignes. É um genuíno pedagogista
da música. Natural da Bahía, onde foi grande musico, ao lado de musicistas Aragão e Alipio Rebouças, até 1889, veio para o
Rio de Janeiro em 1890, havendo aqui regido grandes orchestras: da antiga ‘Phoenix Dramatica’, da velha rua d'Ajuda, em
1891; organizou a ‘Estudantina Arcas’, de que ainda existe varios executantes; foi, em 1900, o organizador da ‘Estudantina do
Club Euterpe’, presidida pelo sr. Ramalho Ortigão; o organizador da ‘Estudantina Real Club Gymnastico Português’, regente
da ‘Recreio dos Artistas’, sob a presidencia do sr. Moreira Mesquita. É ainda o consumado professor, referenciado por todos
os que frequentam O Cavaquinho de Ouro.”
15 Sobre a vida e obra de Heitor dos Prazeres, cf. D’Ávila (2009), Dias e Eleutério (2003), Lírio e Prazeres Filho (2003) e

Romão (2017: 61-65).


25

pouco conhecido, é breve e sua coleção de posições nos tons maiores e relativas menores, escalonadas
numa sequência consideravelmente singular, mostra-se menos abrangente do que aquela que
encontramos no Methodo Andrade. A segunda publicação, o também mencionado Tupan, método prático para
cavaquinho, ainda hoje editado e comercializado, traz um prefácio assinado pelo autor, o memorável
compositor e multi-instrumentista paulistano Garoto (Annibal Augusto Sardinha, 1915-1955), 16 que
registra interpretações e referências que nos informam sobre como o autor percebia, em 1938, o mundo
do cavaquinho no país:

Este método é essencialmente prático e destina-se [...] a ensinar os segredos do difícil instrumento,
que é o Cavaquinho. Digo difícil, porque o cavaquinho não é como muitos pensam um
instrumento banal e corriqueiro. [...] O Cavaquinho, instrumento puramente brasileiro, tem sido
ultimamente muito esquecido, por serem poucos os que conseguem tocá-lo, tem escassos
cultivadores e apreciadores. Acresce, infelizmente, a ausência de meios para cultivá-lo melhor,
como sejam, métodos eficientes, práticos e por música. [...] Não existe método por música para
Cavaquinho, por isso o fim deste, essencialmente prático, feito com todo o carinho, é preparar
ambiente entre os que o estudarem, os quais, uma vez conhecendo bem os nomes das diversas
posições e passagens aqui contidas, poderão compulsar com maior proveito, assim o espero, o
Método por Música, a aparecer futuramente, de minha autoria. Lembro aqui alguns nomes de
músicos que se tornaram populares com o cavaquinho. Nelson Alves e Canhoto (cariocas), Ary
Valdez e Carne Assada (gaúchos), Portela (paulista). Estes tocam cavaquinho de 5 cordas.
Zezinho do Banjo toca cavaquinho de 4 cordas. O autor [Garoto] de 4 ou 5 cordas. Todos se
fizeram conhecidos no Brasil com o cavaquinho (SARDINHA, 1940: 4).

Contrariando um pouco as estimativas de um esquecimento, ou procurando atender a carência


de “métodos eficientes” e “práticos” apontada por Garoto, o setor vai se ampliando. Nos primeiros
anos da década de 1940, edita-se O Bohemio: método prático para aprender a tocar cavaquinho, volume assinado
“pelo conhecido” Paraguassú, codinome regional do cantor, compositor e violonista Roque Ricciardi
(1890-1976), artista paulistano que alcançou sucesso sem sair de São Paulo, que foi primeiramente
conhecido como “Italianinho do Brás” e sobre o qual voltaremos a falar. 17 Por tratar do mesmo tema
mais ou menos à mesma época, esses métodos possuem pontos em comum. Nesse sentido, pode-se
notar que a exposição dos acordes nas tonalidades maiores e relativas menores de O Bohemio segue uma
ordenação similar à encontrada em O Lunático. E essa ordenação parece ter influído também naquela
que encontraremos no Método popular de Henrique Souza. A descrição do modo como se afina o
cavaquinho que encontramos em Paraguassú (c. 1940: 3) aproxima-se da descrição elaborada por
Henrique Souza (1984: 2) que, por sua vez, em sua Antologia do cavaquinho, a exemplo daquilo que
podemos ver em Paraguassú, também utiliza diagramas de 12 trastes e representa a mão do instrumento
deitada à esquerda (SOUZA, 1984: 1).
Com muitas edições, o método Paraguassú, título pelo qual O Bohemio passou a ser conhecido, foi
referendado por um dos grandes expoentes do instrumento: o cavaquinista e compositor Waldir de

16 Para informações artísticas e biográficas sobre Garoto, cf. Mello, Gomide e Teixeira (2017). Sobre os três “Métodos
Práticos” que Garoto publicou pela Irmãos Vitale, em São Paulo, na primeira metade da década de 1940 (Tupan para
cavaquinho; Bandeirantes para violão tenor e banjo e Cacique para violão), cf. Delneri (2009: 22-25).
17 O anteriormente citado Método prático para violão sem mestre de Paraquassú foi lançado, em 1932, pela editora Irmãos Vitale.
26

Azevedo (1923-1980) que, como cita Bernardo (2004: 32), em entrevista afirmou: “Orgulho-me da
felicidade e da facilidade que tive, nos começos, aprendendo pelo Método Paraguassú, que é um exímio –
também – nesse instrumento”. Pouco mais tarde, em 1953, pelo selo musical e editora Todamérica, chega
a vez do próprio Waldir de Azevedo assinar um Método prático para cavaquinho, volume que, atualmente, se
encontra à venda em lojas especializadas. No release reproduzido em diversos sites que comercializam o
Método de Waldir de Azevedo, encontra-se que: “este breve método ensina a afinação do cavaquinho e
possui as cifras dos principais acordes de todos os tons musicais, maiores e menores, para este instrumento.
Trata-se de um guia prático, um dicionário de acordes para cavaquinho”.
Nessa década foi escrito também aquele que, mais tarde, seria publicado como o Método do Índio para
cavaquinho. Prático e cifrado de autoria de outro dos mais destacados cavaquinistas do Brasil, o solista e centrista
alagoano Ednaldo Vieira Lima (1924-2003), mais conhecido pelo nome artístico de Índio do Cavaquinho. 18
Em entrevista cedida a Oliveira (2000: 17), Índio do Cavaquinho registrou que, “nos anos ‘50 eu escrevi
um método de cavaquinho, [...] o meu objetivo era encurtar o tempo e o caminho das pessoas”. Pelas
informações obtidas, possivelmente revisado e modificado, o Método do Índio só foi publicado em finais da
década de 1980 em “edição e distribuição independente”. Na primeira página do volume, Índio dedica seu
método aos que “foram em vida os maiores executantes do cavaquinho”, citando os notáveis: Ary Valdez,
conhecido como Tatuzinho (1906-1961); Nelson Miranda (falecido em 1964); José Moura, o Zé
Cavaquinho; Aníbal Augusto Sardinha, o supracitado Garoto; Ary Duarte; Pinguim, nome artístico de
Vicente de Paula José Soares; Esmeraldino Sales (1916-1979); e, por fim, Waldir Azevedo. Após a
dedicatória à esses músicos de referência, Índio faz uma “Apresentação” do método firmando sua intenção
de “mostrar o que se pode fazer com o pequeno instrumento de quatro cordas” e, destacando a dificuldade
da execução melódica, rebatendo “a ideia de muitas pessoas que o consideram vulgar, atribuindo-lhe uma
posição inferior a outros instrumentos”. 19 Dentre os pontos em comum que podemos notar numa
comparação com o Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, destaca-se que: o Método do Índio também
adota as cifras alfanuméricas defendendo-as como “um código mundialmente conhecido que vem facilitar
a maneira como escrever os mais perfeitos acordes de onde obteremos as mais lindas harmonias”,
entretanto, diferindo-se do que já ocorre no Antologia do cavaquinho, que opta por uma única forma de
cifragem (C G7 etc.), o Método do Índio superpõe três maneiras de indicar os acordes (C, Dó maior, 1ª do
Tom; G7, Sol com 7ª; 2ª do tom etc.). Seja como for, notando que a progressão em Dó maior (C G7 C C7
F Fm C A7 Dm G7 C) é a mesma nos dois volumes, destaca-se a diferença das digitações, decorrente da

18 Sobre a trajetória e vasta produção musical de Índio do Cavaquinho, e sobre sua participação na delegação brasileira que
esteve presente no I Festival Mundial de Arte Negra, na cidade de Dacar no Senegal, em 1966, cf. Lopes (2004: 340).
19 Não se pode dizer, ao certo, a quem Índio do Cavaquinho teria endereçado tais palavras, mas, para contextualizá-las

minimamente, podemos recuperar que, na matéria intitulada “Os reis do cavaquinho” publicada na Revista Manchete (Edição
03999 de 1959: 66-68), o cavaquinho é referido como “violão anão” e como “harpinha de crioulo”. Na página final dessa
matéria, assinada por José Freire de Freitas, encontra-se uma foto de Índio do Cavaco, retratado como um dos “cobras” do
instrumento por Jankiel Gonczarowska.
27

especificidade das afinações: Ré - Sol - Si - Mi no Método prático e cifrado de Índio do Cavaquinho e Ré - Sol
- Si - Ré no Método popular com encadeamentos e cifragens de Pechincha.
Neste mínimo elenco de métodos que vão conformando um campo editorial específico, deve
constar que, antes do lançamento da Antologia do cavaquinho aqui em estudo, surgiram mais dois métodos
que podem ter passado pelas mãos de Pechincha. Em 1980, foi editado o Método de cavaquinho assinado
pela violonista, cantora e compositora Rosinha de Valença (Maria Rosa Canellas, 1941-2004). Sobre esse
método, realçando vínculos que vão se formando entre o cavaquinho e a sociedade brasileira, vale
destacar que a publicação contou com o apoio estatal do Ministério da Cultura (MEC) e da Fundação
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Rosinha de Valença, artista já internacionalmente
conhecida e que, também em 1980, de destacou lançando o LP “Violões em dois estilos” em parceria
com o maestro e violonista Waltel Blanco (1929-2018), dedicou seu Método de cavaquinho a Waldir Azevedo,
músico “que deu a vida ao instrumento e o tornou popular”, e ao pesquisador e presidente do MOBRAL,
o engenheiro Arlindo Lopes Corrêa que, conforme escreve a autora em sua dedicatória, “pôde fazer
caminhar lado a lado Música e Cultura”.
Um ano depois, em 1981, na cidade de São Paulo, a Casa Wagner Editora lança “O completo”,
método para cavaquinho de autoria de um nome menos conhecido no mundo artístico musical, o professor
Luiz Soares de Freitas que, à época, lecionava na Escola de Música e Arte (EMARTE) localizada no
Largo do Paissandu, na região central da cidade de São Paulo. Pelos assuntos em comum, “O completo”
do professor Luiz Soares de Freitas guarda semelhanças com os métodos anteriores aqui citados. E
guarda semelhanças também com a Antologia do cavaquinho que será publicada pelo professor Henrique
Souza três anos mais tarde. Semelhanças que podemos notar na maneira de ensinar a afinação, no modo
de descrever as cifras alfanuméricas, nas posições de acordes selecionadas, na escolha da canção
Parabéns a você como repertório didático, ou mesmo no bordão destacado entre aspas por Luiz Soares
de Freitas (1981: 1) – “O cifrado é universal” – que reencontraremos reelaborado na Antologia do
cavaquinho de Henrique Souza (1984: 2). Estudando os métodos até aqui mencionados, pode-se dizer
que, “O completo” de Luiz Soares de Freitas é, de fato, o mais completo, uma vez que contempla duas
afinações (Ré - Sol - Si - Ré e Ré - Sol - Si - Mi), trata de acordes com dissonâncias necessários ao
repertório popular da época, e, como escreve o autor na seção que encerra o volume, nesse método “o
cavaco passa a ser tocado por música, como um outro instrumento qualquer, oferecendo [...] a
possibilidade de tocar por partitura, escrita para qualquer instrumento musical” (FREITAS, 1981: 37).
Após a publicação do Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, em 1984, diversos métodos
foram escritos e editados. 20 No final desta década, destaca-se o atualmente bem conhecido Escola Moderna
do Cavaquinho, volume escrito por Henrique Cazes em 1986 e que foi publicado, em 1988, sob a supervisão

20Outros autores e seus métodos, não comentados na presente oportunidade, podem ser consultados no Anexo 5 (Listagem
de métodos para o ensino do cavaquinho publicados no Brasil), ao final da presente dissertação.
28

editorial de Almir Chediak, na cidade do Rio de Janeiro. 21 O trabalho de Cazes foi reconhecido nacional
e internacionalmente e, por seus méritos, pode ser considerado como um marco na trajetória dos métodos
musicais especificamente dedicados ao cavaquinho escritos ao longo do século XX. Sendo assim,
contando já com quinze edições, o frutífero e influente Escola Moderna do Cavaquinho é citado e
analiticamente estudado em trabalhos como os de Benon (2017: 26), Boscarino Júnior ( 2002: 19), Cezar
(2011: 43 e 53), Cotrim (2015), Freire (2017: 13-16, 20, 22-25), Moreira (2017), Neves (2006: 10, 21-23),
Oliveira (2000: 4, 20, 24), Rego (2010b: 9 e 11), Ribeiro (2014) e Rodrigues (2014).
As semelhanças entre os métodos acima destacadas são praticamente inevitáveis, posto que os
métodos que antecedem o Escola Moderna do Cavaquinho estão, basicamente, comprometidos com a
apresentação em diagramas de “sequências harmônicas” em “tons maiores e, em seguida, nos tons
relativos menores” (OLIVEIRA, 2000: 18). Tais semelhanças geram redundâncias que foram, então,
observadas pelos pesquisadores que, já no século XXI, se dedicam a analisar academicamente – como
ocorre na presente dissertação –, os métodos que foram surgindo no decorrer do século XX. Sendo
assim, para lidar com as questões que ora se apresentam, é necessário uma permanente atenção ao que
deve ser visto como uma sensível diferença: os métodos de cavaquinho aqui em foco resultam de
longos e embaralhados processos da cultura popular, foram escritos por músicos populares que
puderam contar com momentâneas oportunidades comerciais. Por seu turno, sabemos que a
investigação acadêmica atual ocupa outro lugar: conta a institucionalização da música popular, do
cavaquinho e dos estudantes e professores cavaquinistas nas universidades públicas; conta com o
suporte dos cursos de extensão, de graduação e pós-graduação; conta com a avaliação dos artigos,
dissertações, teses, livros, palestras, workshops, encontros, simpósios e, de maneira mais efetivamente
direcionada, com o amparo dos projetos de pesquisa financiados pelas agências públicas de fomento.
A partir desse lugar, de modo geral, as análises acadêmicas mais recentes chamam atenção para
o fato de que, predominantemente, tais métodos de cavaquinho “têm foco no conteúdo harmônico e
melódico do instrumento, em detrimento da parte rítmica” (RIBEIRO, 2017: 5). Notam que,
“geralmente, os métodos de cavaquinho se resumem a meros dicionários de acordes, não apresentando
informações sobre melhor postura e empunhadura para uma produção de som mais eficiente,
digitações de escalas etc.” (BENON, 2017: 42). E notam também que, sendo assim, tais métodos não
contemplam, ou contemplam bem pouco, as “batidas”, “a direção da palhetada”, não mencionam “a
acentuação nem as articulações rítmicas que são abafadas pela mão esquerda” (REGO, 2010a: 12-13).
Ao resumir esse cenário, Ribeiro (2017: 1) reitera o diagnóstico: “a análise de métodos publicados no
Brasil durante o século XX mostra que há um déficit de conteúdo relacionado à transmissão da
condução rítmica”, transmissão que, “ao longo dos anos, tem sido realizada através da oralidade.”

21 Sobre o Escola Moderna de Cavaquinho, o contexto de seu surgimento, sua trajetória e desdobramentos ver a entrevista de

Henrique Cazes em Cotrim (2015: 19-39).


29

Em outros termos, podemos então dizer que: entre as ênfases e ausências que se destacam nesses
métodos populares dedicados ao cavaquinho, nota-se uma espécie de desequilíbrio. De um lado, pesa a
ênfase na montagem e combinação de acordes em diferentes posições e tonalidades. E, de outro, pesa a
ausência de uma ampla somatória de saberes e fazeres necessários para efetivar uma performance músico
instrumental convincente, adequada estilística e culturalmente. Como tal desequilíbrio também se faz
indisfarçavelmente presente na Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, vale propor, ainda que
brevemente, algumas ponderações acerca de tal desequilíbrio: mas por que isso é assim? Porque os métodos
desassociam “transmissão de acordes através de tablaturas” e “fórmulas harmônicas mais utilizadas” 22
(RIBEIRO, 2017: 5) de tantas outras coisas necessárias ao cavaquinista profissional em formação?
Questões desse tipo podem nos ajudar a repensar variáveis que são conhecidas. Dentre outras,
está uma que diversos estudos apontam: bem antes dos métodos de cavaquinho começarem a ser
publicados no século XX, e de maneira concomitante ao gradual surgimento dessas publicações, esse
instrumento se toca e se ouve, se ensina e se aprende em meio a experiências de contato e interação
social, em processos de cultura e de entretenimento popular, em situações em que a oralidade é
preponderante. Ou, como formulou Cazes:

Esses músicos aprenderam informalmente, copiando os acordes que viam os mais


velhos executarem, tirando de ouvido o que escutavam no rádio ou em discos, cada
um à sua maneira. Nesse aprendizado informal, cada cavaquinista encontrou
diferentes soluções técnicas e musicais, criando formas diversas de acompanhar o
samba (CAZES, 2019: 1).

Essas dinâmicas informais de ensino, aprendizagem e pesquisa não excluem as diferentes formas
de escrita, mas, ao apontar que traços essenciais da performance não estão suficientemente redigidos em
tais métodos, há de se convir que, no cavaquinho, quando as digitações e palhetadas estão em plena ação
em seu meio, a notação e a leitura daquilo que podemos ver e ouvir não são algo propriamente simples
de se grafar e decodificar, mesmo para aqueles que possuem pleno acesso ao letramento e aos mais
atualizados recursos de registro e transcrição. Deve-se considerar, então, a variável dos meios técnicos de
produção e reprodução, pois, nos casos aqui comentados (digamos, métodos de cavaquinho publicados
no Brasil entre a década de 1930 até meados dos anos de 1980), os recursos de edição e transmissão
possuíam limitações que hoje estão atenuadas, ou mesmo superadas.
Outra variável a ser mencionada diz respeito ao fato de que, ao realçar as limitações dos métodos
impressos e para ilustrar o reconhecido argumento de que os processos de ensino e aprendizagem do
cavaquinho envolvem um múltiplo e amplo “conjunto de saberes musicais” (CAZES, 2019: 1), tornou-
se mais ou menos frequente citar depoimentos em que cavaquinistas de renome relatam como
aprenderam o instrumento. Nesses depoimentos, legítimos e legitimadores, entrecruzam-se muitos

22 Levando o assunto mais longe, pode-se considerar que, entretanto, a preponderância da Harmonia sobre as demais
disciplinas musicais não é uma questão exclusivamente ligada ao universo popular e aos métodos de cavaquinho.
30

aspectos que, de fato, não se ajustam tão bem àquilo que podemos encontrar nos métodos que tem
apenas o papel como suporte. Aspectos como a densidade do entorno sócio cultural, a trama do ambiente
familiar, as ligações profundas com as figuras paterna e materna, a transcendência religiosa, o encanto da
proximidade com músicos tocando seus instrumentos ao vivo, a atenção afetiva, visual e auditiva aos
gestos, a complexa imersão nas rodas, a atenção às ondas do rádio e aos inesquecíveis momentos musicais
guardados nos sulcos dos discos. Enfim, os resumos não podem dizer tudo, mas sabemos que se procura
considerar aqui uma confluência de inigualáveis vias de ensino e aprendizagem. Confluência que não
acusa os métodos impressos de serem incompletos, mas sim realça que as experiências vividas por cada
depoente não podem ser propriamente metodizadas, reproduzidas e socialmente distribuídas. Tais
depoimentos são conhecidos, pois estão transcritos e registrados em diversos trabalhos acadêmicos e
biográficos. Mesmo assim, a partir de fontes já públicas, vale recuperar algumas falas que, com autoridade,
concisão e profundidade nos informam sobre experiências múltiplas, híbridas e pulsantes:

Calma, moço! Logo falaremos dela [da flauta]! Aos 11 anos de idade eu [Pixinguinha,
Alfredo da Rocha Vianna Filho, 1897-1973] comecei a tocar... cavaquinho. Lá em casa
quase todo mundo era apaixonado por música, mas o único instrumento que consegui
foi o cavaquinho. Meu pai, que gostava de compor e de tocar flauta, não era bom
instrumentista. Quando nos mudamos para a Rua Vista Alegre, eu já acompanhava
alguns choros. Léo e Henrique, meus irmãos tocavam violão (PIXINGUINHA in
SODRÉ, 1998: 79).

Eu [Heitor dos Prazeres, 1898-1966)] costumava sair tocando cavaquinho. Às vezes,


quando olhava para trás, via mais de duzentas pessoas que me seguiam, dançando. Eu
levava nos ombros um pano da costa, de cores vivas, usado normalmente pelas
baianas. Meus acompanhantes seguravam-no pelas pontas e o levantavam como uma
bandeira. Acontecia o mesmo com outros instrumentistas (HEITOR DOS
PRAZERES in SODRÉ, 1998: 89).

Eu [Canhoto, Waldiro Frederico Tramontino, 1908-1987] tinha oito anos de idade, e ia


sempre uma turma lá em casa, quando eles saíam dos bares eles iam pra minha casa
tocar... quatro, cinco horas da manhã eles iam tocar. E eu vi o cavaquinho e gostei
muito! Então falei com meu pai e ele colocou um professor de cavaquinho
(CANHOTO in RIBEIRO, 2014: 17).

Foi ainda na época do convívio no Arrepiados que Cartola [Angenor de Oliveira, 1908-
1980] se iniciou no cavaquinho. Começou a aprender sem o auxílio de ninguém.
Aproveitava as ausências do velho Sebastião e dava escondido, umas voltinhas no
instrumento, procurando repetir o que via o pai e os outros “cobras” do rancho
fazerem. O resto do aprendizado ia ser feito, também como autodidata, fora do mundo
dos ranchos. O morro da Mangueira, com as rodas de samba, de jongo, de batuque,
estava lá mesmo, pronto para receber de braços abertos o garoto que ia chegar
(BARBOSA in OLIVEIRA, 2000: 3-4).

Nelson Cavaquinho (Nelson Antônio da Silva, 1911-1986) [...] era filho de um tubista
da banda da Polícia Militar, fez o seu primeiro cavaquinho a partir de uma caixa de
charutos em que adaptou um braço. Colocou cordas velhas do violino que um tio tocava
e assim iniciou seu aprendizado. Mais tarde, [...] ganhou desenvoltura no instrumento
praticando com chorões (CAZES, 2017: 30).
31

Eu [Jair do Cavaquinho, Jair Araújo da Costa, 1922-2006], comecei a tentar aprender


cavaquinho. Sabe como é que eu aprendi? A Portela tinha uns velhinhos e esses
velhinhos em Oswaldo Cruz se reuniam num bar com cavaquinho. O Alvaiade tocando
cavaquinho. Aí começavam a tocar ali, tocar partido, entendeu? Minha mãe mandava
eu comprar pão, eu esquecia que ia comprar pão, ficava ouvindo, olhando aquilo ali,
com olho no cavaquinho (JAIR DO CAVAQUINHO in CAZES, 2017: 31).

Aprendi por conta própria, eu [Dona Yvone Lara, Yvonne Lara da Costa, 1922-2018]
prestava bem atenção no que eles faziam, quando eles saíam pra trabalhar, eu pegava
o cavaquinho e aquelas duas cordas mesmo, eu ia aprendendo, e ali eu já compunha
porque quando eu pegava o cavaquinho já queria acompanhar alguma música, alguma
coisa, então eu começava a cantar (DONA IVONE LARA in CAZES, 2017: 31)

Meu pai tocava violão e me passou alguns acordes, por isso eu [Edinaldo Vieira Lima,
1924-2003] comecei a estudar na afinação Ré - Sol - Si - Mi, que são as quatro primeiras
cordas do violão. Esta afinação na realidade eu mantenho até hoje. Fui tomando gosto
cada vez mais pelo instrumento, mas não tinha ninguém que me ensinasse. A minha
salvação foi o rádio. Foi o rádio que me ensinou a tocar cavaquinho (ÍNDIO DO
CAVAQUINHO in OLIVEIRA, 2000: 11).

Todos os dias eu [Mestre Siqueira, José Siqueira de Alcântara (1937-)] estava ali, ouvindo
a rádio, até que consegui tirar uma música inteirinha. [...]. Depois de um tempo, eu
resolvi frequentar as rodas de choro e tocava baixinho no meu cantinho, então meu
ouvido foi aprimorando cada vez mais. Eu estudava muito. Inventava exercícios, porque
eu acho que em música não existe quem toca mais, mas quem estuda mais. Eu tive que
pescar meu próprio peixe. Era o jogo da paciência. O que eu levei anos para aprender,
hoje em dia se leva meses (SIQUEIRA in OLIVEIRA, 2000: 11).

Eu [Marcio Vanderlei] fui pra Niterói de ônibus, tinha um cara tocando cavaquinho e
aquela coisa me encantou. Cara, que som bonito! O cara tocava bonito! E eu comentei
com meu pai, “Pai, quero aprender a tocar cavaquinho.” “Meu pai falou: eu te ensino.”
Mas ele achou que eu tava brincando. Aí fui na rua da Carioca comprar um cavaquinho.
Cheguei em casa com o cavaquinho, meu pai disse “Rapaz, tu tava falando sério”?”
(VANDERLEI in MONTEIRO, 2013: 31).

Depoimentos assim nos falam de aspectos que, em regra, estão ausentes naquela transmissão
de conhecimentos que um método impresso pode dividir com seus leitores. E evidenciam também que,
por suas histórias de vida, época e lugar, nem sempre os leitores podem acessar experiências
semelhantes às vivenciadas e internalizadas por esses personagens de referência. Com isso, retomando
a colocação de Ribeiro (2017: 1), vamos notando que tais depoimentos nos falam de muitos “déficits”:
não é somente a chamada “condução rítmica” (RIBEIRO, 2017: 1) que fica de fora das páginas de um
método, pois muito daquilo que podemos entender como “transmissão [...] realizada através da
oralidade” se perde. Mas essa insuficiência não nos impede perceber que, assim como ocorre com os
dicionários em geral, os “meros dicionários de acordes” (BENON, 2017: 42) possuem também seu
lugar, seu valor e sua serventia. Perceber que o préstimo dos métodos populares – a proveitosa
utilização por tantas pessoas, ao longo de décadas, desses volumes que socializavam “o aprendizado
de instrumentos através dos ‘tons’ e das ‘posições’, como costumavam dizer” (RIBEIRO, 2014: 58) –,
também pode ser visto como um depoimento de uma história compartilhada.
32

Digamos: talvez, para os mais velhos, i.e., para aqueles cavaquinistas que viveram a “dor e a
delícia” 23 dos contextos musicais que marcaram o século XX, de modo geral, a descoberta da digitação
dos acordes, encadeamentos e progressões harmônicas – uma das grandes alegrias da aprendizagem
musical em qualquer instrumento – era algo mais raro. Um conhecimento mais velado, uma espécie de
tesouro que, grafado em tablaturas e diagramas de baixo custo, ajudou a constituir a chamada música
popular do novo mundo que, atravessando os sete mares, ressoou em todo o mundo. Um
conhecimento desejado e, portanto, com valor de venda, de inserção social e de subsistência
profissional. Tais valores não se separam do repertório de uma época que, como sabemos, exigia e
continua exigindo o conhecimento técnico e mecânico, funcional e auditivo das harmonias tonais.
Assim, para participar de experiências mais amplas e significativas de aprendizagem, para poder tocar,
no mundo real, todos aqueles acordes e progressões que, em várias tonalidades, os demais instrumentos
também tocavam, importava saber aquilo que, com suas limitações e insuficiências, esses métodos de
cavaquinho podiam e ainda podem oferecer. Tal conhecimento corresponderia, então, a um
significativo pré-requisito: saber os “tons” e “posições” seria uma espécie de ingresso, algo que
autorizaria um cavaquinista aprendiz a frequentar e a interagir nas rodas e, aí sim, tendo acesso a outros
meios, saberes e vivências, aprendendo com diversas pessoas (não só com músicos e não só com outros
cavaquinistas), se aproximar daquilo que, certamente, sentia falta e almejava conquistar. Então os
métodos no papel, tinham o seu papel: não visavam, e nem poderiam, monopolizar ou substituir outras
formas e conteúdos de aprendizagem, mas poderiam auxiliar na complexa construção de um pedido
de licença, um sofisticado “posso entrar?” que subentendia um esforço compromissado, “pois já
alcancei algum conhecimento.” Nesse pedido de licença estaria incluída a conquista da chamada “parte
rítmica” (RIBEIRO, 2017: 5), considerando aqui tudo aquilo que, no âmbito da música popular, pode
estar pressuposto nesta expressão. Algo que significaria, então, um atestado de aceitação – um aceno
de que um contexto social e musical estaria “pronto para receber de braços abertos o garoto que ia
chegar” (BARBOSA in OLIVEIRA, 2000: 3-4) –, um reconhecimento de que o cavaquinista mereceu
sua iniciação e que sua presença foi acolhida pelos demais.
Por outro lado, talvez também possamos dizer que, para os mais jovens, isto é, para aqueles que
vivenciam a dor e a delícia da escolarização musical universitária e de tantos outros meios de acesso e
transmissão, pode ser que o conhecimento desejado agora seja outro. Pode ser que, para uma geração
que possui pronta solução para o problema mecânico das posições, acordes e funcionalidades
harmônicas, aquilo que realmente tem feito falta é, a agora mais rara, possibilidade de uma imersão
musical e sociocultural em um idealizado e saudoso mundo do cavaquinho que, inevitavelmente, vem
passando por mudanças, transformações e impossibilidades próprias ao nosso tempo. Nessas mudanças,

23 Lembrando o verso “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” que ouvimos na canção Dom de Iludir de Caetano Veloso,
lançada por Gal Costa no LP “Minha Voz” de 1982.
33

pode ser que pré-requisitos contemporâneos se coloquem como tesouros a serem conquistados por
aqueles que sonham encontrar alguns “braços abertos” em ambientes de aprendizagem que, recuperando
o valor da oralidade, possibilitem experiências profundas de imersão, inclusão, acolhimento, vivência e
convivência social e profissional. Simplificando bastante a discussão, talvez possa ser útil um consabido
ditado: “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Entre o acessível e o inacessível, os mais jovens
desejam aquilo que imaginam ser um tesouro que os mais velhos possuíam, e os mais velhos almejavam
um tesouro que sequer podiam imaginar que, aos mais jovens, seria franqueado.

Sobre a estrutura da dissertação: termos, questões e comentários introdutórios

Formalmente a dissertação está dividida em quatro momentos que, numa reminiscência


simbólica, em respeito aos laços rompidos e àquilo que ainda se conserva entre nós e os africanos bantos
que nos antecederam, foram assim nomeados: Ndônda (para o momento de introdução), Ngóngo (para a
primeira parte ou primeiro capítulo), Úbangelu (para a segunda parte) e Kizubilu (para a conclusão).
Com o Dicionário kimbundu-português publicado em Luanda, em 1942, pelo escritor angolano
Antônio de Assis Júnior (1887-1961), a partir da língua kimbundu falada na África Bantu, 24 tais termos
podem ser entendidos assim: o substantivo Ndônda possui sentidos de ponto de partida, de procedência
ou de fato de que provém outro. O substantivo Ngóngo remete ao modo de viver, ao pelo mundo ou pela
vida afora, implica martírio e padecimento, as necessidades da vida, a labuta e o trabalho árduo, as relações
com a sociedade e os modos de convivência. O substantivo Úbangelu possui acepções de maneira de fazer,
método, sistema ou modo de executar algo, ou meio empregado para consegui-lo. E o substantivo kizubilu
pode ser compreendido como conclusão, remate, termo, fim ou resultado.
A Ndônda, como vamos lendo e como é de se esperar, procura refletir um pouco sobre o texto
que apresenta: fala sobre o tema do trabalho, situa o propósito da pesquisa, a especificidade do assunto
e algo sobre o como, o quando e o porquê o Método popular de Henrique Souza se tornou objeto da leitura
comentada, algo analítica e ampliada, que anima o estudo que se segue. Mas o teor dessa Ndônda visa
também preparar o leitor para o fato de que a metodologia empregada nesta pesquisa exploratória é
consideravelmente livre e híbrida. Em alguns momentos, para adensar a discussão via revisão
bibliográfica, o texto recorre a conhecimentos históricos, sociais, poéticos e literários, bem como aos

24 Prandi informa que “os bantos, povos da África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil
línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo as terras que vão
do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança. O termo “banto” foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Willelm Bleek
e significa “o povo”, não existindo propriamente uma unidade banto na África. [...] Em anos recentes, estudos linguísticos
demonstraram a sobrevivência no Brasil de elementos originários principalmente do quicongo, quimbundo [ou Kimbundu] e
umbundo, o que nos dá uma boa pista da superioridade demográfica, entre os bantos no Brasil, dos africanos provenientes
do Congo e de Angola, onde estas línguas são faladas. De fato, reminiscências culturais desses grupos são conhecidas entre
nós como congo, angola e cabinda, hoje usando-se genericamente o termo angola para todos os bantos, sobretudo quando se
trata da designação de religião afro-brasileira de origem banto ou de outra modalidade cultural, como a capoeira, luta marcial
afro-brasileira (PRANDI, 2000: 53-54).
34

saberes que nos chegam através dos versos das canções. O trabalho arrisca-se ao abordar relações entre
história, memória, oralidade e registros midiáticos que, como se sabe, exigem cuidados e formação
específica. No âmbito mais técnico e musical, o estudo utiliza expedientes analíticos da teoria harmônica
e da morfologia, recorre a gravações e partituras e faz uso de rotinas de audição e transcrição através da
experimentação empírica em instrumento musical. Com isso, a dissertação propõe algumas transcrições
e comparações entre os diagramas que mostram as notas no braço do instrumento e o pentagrama
convencional. Além disso, o desenvolvimento dessa dissertação se fez acompanhar da vivência informal
em ambientes musicais marcados pela forte presença do cavaquinho.
Esses comentários sobre como o trabalho foi realizado permitem observar uma relação cíclica:
por um lado, da somatória dessas atividades exploratórias resultaram as perguntas de pesquisa aqui
levantadas e, ao mesmo tempo, por outro lado, tais perguntas instigaram a combinação dos meios
utilizados para abordá-las. Assim, chegamos à questão que impulsiona a presente pesquisa: o que podemos
apreender com a leitura de um método voltado para o ensino e a aprendizagem de um instrumento musical?
Com tal formulação – a começar pela escolha do verbo apreender, que tanto indica o “assimilar
mentalmente”, o “abarcar com profundidade” e o “compreender, captar”, quanto a ação de “tomar,
agarrar, segurar, prender” (HOUAISS) – percebemos que, contudo, esse tipo de pergunta orientadora
não espera resposta única e exata. Antes é uma espécie de mote de investigação que se abre para outras
indagações. Vale então apresentar algumas perguntas que não se separam dessa questão central se, com
esse desdobramento, pudermos também ressalvar que não se pretendeu, neste trabalho, estabelecer uma
rígida dinâmica de perguntas e respostas objetivas. Assim, abrindo caminhos que certamente continuarão
em aberto, com a leitura do volume Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragem de
Henrique Souza, a dissertação se volta para perguntas mais ou menos assim: quem é esse autor? Quais
são os principais recursos pedagógicos empregados nessa publicação? Posto que esse método aborda
principalmente o acompanhamento, como são apresentados os conteúdos harmônicos, progressões e
encadeamento das vozes dos acordes? Como os conteúdos se relacionam com o repertório? Entre cifras,
diagramas, notação musical e a escrita em língua portuguesa, questões de oralidade se entrelaçam nesse
método? Nas linhas e entrelinhas desse volume, a abordagem aos elementos de teoria musical pode
contribuir para a problematização de aspectos sociais, históricos e culturais que se conflitam na formação
da identidade de autores pretos que, como Pechincha, se dedicam a esse tipo de produção bibliográfica?
Para pensar tais questões, com o vocábulo Ngóngo – que, como vimos, implica o modo de viver,
o pela vida afora – o segmento intitulado Henrique Souza, o Pechincha: autor do método popular Antologia do
cavaquinho, apresenta o autor descrevendo e comentando a trajetória desse homem comum que, como
tantos outros artistas populares, viveu sua vida entre os ofícios artísticos musicais. Reunindo dados de
sua aventura biográfica, procurando fatos que marcam as fases de sua vida e considerando aspectos mais
gerais, relacionados a setores do espetáculo e da produção radiofônica e fonográfica no Brasil entre as
35

décadas de 1950 a 1980, a “história de vida”(ABRAHÃO, 2001: 17) 25 aqui contada procura articular
informações sobre Pechincha e seu ambiente de atuação profissional, sobre os artistas com os quais
conviveu e trabalhou e sobre o contexto em que escreveu e editou sua Antologia do cavaquinho. Para traçar
esse incompleto perfil, operacionalmente, a investigação lidou com dados arquivísticos, memorialísticos
e bibliográficos, consultando jornais, revistas, encartes de discos e, de modo especial, informações que
foram obtidas através de um depoimento inédito gentilmente escrito para a presente dissertação por uma
das filhas de Henrique Souza: a professora Sonia Couto Souza Feitosa. Assim, vale já observar que a
presente dissertação parte da hipótese de que circunstâncias e aspectos diversos, em maior ou menor
amplitude, ressoam nas escolhas e elaborações técnicas e especificamente musicais que conformam esse
tipo de publicação didático popular. Com o termo Úbangelu – que, vale repetir, remete à maneira de fazer,
ao modo de executar e ao meio empregado para consegui-lo – o texto Uma leitura comentada do método
popular de Pechincha traz uma descrição e um conjunto de ponderações acerca o volume Antologia do
cavaquinho. Essa leitura segue o texto de Henrique Souza, quase que página por página, procurando, por
um lado, apreciar aquilo que está de fato escrito nesse volume. Por outro lado, numa espécie de decifração
expandida do volume, essa segunda parte da dissertação também procura refletir sobre temas e problemas
que os não-dito do texto de Henrique Souza puderam nos sugerir, enquanto o convívio musical e a prática
da técnica instrumental prosseguiam ao longo da pesquisa. Por fim, o termo Kizubilu anuncia um texto
de conclusão que, procurando propor uma síntese da dissertação, destaca tópicos, méritos, repercussões
e argumentos que acompanham aquilo que foi apresentado ao longo do trabalho: reflexões que podem
contribuir participando dos debates que buscam respostas para as inquietações musicais, técnicas,
históricas e sociais que preocupam a presente investigação.

25 Abrahão retoma a diferença entre os termos “relato de vida” e “história de vida”. Enquanto o primeiro refere-se à história
narrada pela pessoa que a viveu e faz o seu relato, o termo história de vida “diz respeito ao estudo de caso referido a uma dada
pessoa [...], compreendendo não somente seu relato de vida, mas qualquer outro tipo de informação ou documentação
adicional que permita uma reconstrução da forma mais exaustiva possível” (ABRAHÃO, 2001:17).
36

Os meninos à volta da fogueira


Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão perceber como se ganha uma bandeira
E vão saber o que custou a liberdade

Palavras são palavras não são trovas


Palavras deste tempo sempre novo
Lá os meninos aprenderam coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo

Aqui os homens permanecem lá no alto


Com suas contas engraçadas de somar
Não se aproximam das favelas nem dos campos
E têm medo de tudo que é popular

Mas os meninos deste continente novo


Hão de saber fazer história e ensinar

Rui Mingas, Manuel Rui Monteiro e Martinho da Vila


À volta da fogueira

(Novas Palavras, 1983)


37

Ngóngo
1. Henrique Souza, o Pechincha: autor do método popular Antologia do cavaquinho

Escuta, cavaquinho, as minhas preces


Senão o tempo passa e a gente esquece
Esquece de aprontar a fantasia
De celebrar a dor e a alegria

Escuta, Cavaquinho!
Martinho da Vila e Geraldo Carneiro, 1985

O volume Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragens foi publicado em 1984,
e tem como autor o cantor, compositor, violonista, cavaquinista, humorista e professor de música
Henrique Souza (1913-1990), também conhecido como Pechincha ou Pichincha. Atualmente, este nome
não é prontamente lembrado na cena musical e, sendo assim, para apresentar o autor, o presente capítulo
levanta algumas perguntas: quem foi Henrique Souza? Qual a sua trajetória? De onde ele vem e em qual
cenário sociofamiliar cresceu? Como se deu sua formação musical e qual foi o seu ambiente de atuação?
Com quais músicos e artistas Henrique Souza conviveu e trabalhou? Em que contexto e com quais
propósitos Henrique Souza escreveu e editou seu método?
Ainda que resultando em narrativas parciais e fragmentadas, a busca de respostas para perguntas
desse tipo passa por considerações amplas, de ordem econômica, política e sociocultural que, direta ou
indiretamente, podem se relacionar com o modo de vida, a prática musical e as atividades de ensino
desenvolvidas por Pechincha e, com isso, também com a escrita dessa Antologia dedicada ao ensino e
aprendizagem do cavaquinho como instrumento acompanhador. Ou em outras palavras, ainda que vagas
ou gerais, tais perguntas sugerem caminhos a serem investigados, e essa investigação pode contribuir para
o exercício de análise de um método popular de cavaquinho. Desse modo, evidencia-se uma diretriz: no
presente estudo, admite-se que, dados arquivísticos, memorialísticos e bibliográficos podem nos inteirar
sobre circunstâncias e aspectos diversos que, em maior ou menor amplitude, ressoam nas escolhas e
elaborações técnicas e especificamente musicais que conformam esse tipo de volume didático.

1.1 – Um retrato da cena na qual Pechincha produz seu método

Velho cavaco tão forte / Que suingou sul e norte


E embalou quem ouviu / Essa mistura é o Brasil.

Festa o ano inteiro


Arlindo Cruz, Marquinhos Pqd e Sombrinha, 1998

No início da década de 1980, um acontecimento sensibilizou o mundo do cavaquinho. Na


madrugada de 20 de setembro de 1980, na cidade de São Paulo, morreu um ícone do instrumento: o
virtuose Waldir Azevedo (1923-1980), criador de sucessos como “Delicado”, “Pedacinhos do Céu” e
“Brasileirinho”, o consagrado chorinho, de meados dos anos 40, que se tornou uma espécie de assinatura
38

sonora do cavaquinho em nosso país. O nome Waldir Azevedo tornou-se sinônimo do instrumento, e a
alcunha “o mestre do cavaquinho” – postumamente atribuída por editoras, jornais, revistas, encartes de
discos e outros veículos formadores de opinião – tornou-se inseparável de sua imagem. 26
A repercussão da morte desse “célebre solista de cavaquinho [...] que elevou seu instrumento à
categoria de concertista” (ARRAES, 2015: 16) influiu, certamente, na popularização e decorrente
aumento do número de pessoas interessadas em aprender a tocar cavaquinho, fato que impactou a
vendagem e a fabricação de cavaquinhos, pois, como se sabe, o legado de Waldir Azevedo interferiu
inclusive na construção, estilo e sonoridade desse instrumento. O site Waldir Azevedo informa que,
como uma espécie de garoto propaganda, desde a sua primeira aparição no programa da Rádio Clube
do Brasil em 1945, Waldir Azevedo se manteve fiel aos modelos produzidos pela fábrica Do Solto,
fundada por Miguel Jorge Souto, em 1929, na cidade do Rio de Janeiro. 27 E essa fábrica de
“instrumentos para concertistas”, mesmo após o falecimento do músico, continuou lançando
cavaquinhos com a assinatura “Waldir Azevedo”.
À época da publicação da Antologia do cavaquinho de Pechincha, dando sinais de que as vendas do
instrumento iam bem, a empresa Giannini, que já comercializava cavaquinhos desde meados do século
XX, divulga no “Folheto serie MPB – 1985” o lançamento de seu novo modelo: o cavaquinho ACSM8,
descrito como um “cavaquinho profissional” com “tampo de pinho sueco maciço, faixas e fundo de
jacarandá. Sonoridade e afinação perfeita” (GIANNINI, 2015). E dez anos após a morte de Waldir
Azevedo, estrategicamente, com a letra “V” e ocultando o sobrenome do “mestre”, a Casa Del Vecchio
lança os modelos Valdir e Valdir Super procurando atrair a empatia dos fregueses.
Essas breves menções, aos reflexos do nome Waldir Azevedo na fabricação e comercialização
de instrumentos no Brasil, oportunizam um comentário sobre a fotografia estampada na capa do
volume Antologia do cavaquinho (Fig. 1.1). Nessa imagem em preto e branco vemos o autor, Henrique
Souza, um negro brasileiro de meia idade, com feição concentrada e trajando terno e gravata numa
postura que denota respeito ao cavaquinho e ao seu estudo. Em suas mãos está o instrumento que,
com o auxílio da identificação realizada pelo professor Henrique Cazes, pelos triângulos brancos e
negros que circundam a roseta que ornamenta a boca desse cavaquinho, pelas dimensões do corpo do
instrumento e pela menos visível assinatura centralizada na cabeça ou mão do instrumento, é um
cavaquinho de primeira linha fabricado pela Giannini.

26Sobre a trajetória de Waldir Azevedo, ver estudos como os de Bernardo (2004) e Benon (2017).
27Sobre a estreia de Waldir Azevedo na rádio e sua ligação com a loja Bandolim de Ouro, do proprietário e luthier Miguel Jorge
Souto, cf. Cazes (2019: 18-20) e Bernardo (2004: 28-31).
39

Fig. 1.1 - Henrique Souza, o Pechincha. Fotografia estampada na capa da Antologia do Cavaquinho, 1ª edição, 1984

Nessa consideração sobre fatores que podem ter contribuído para fomentar o interesse pelo
cavaquinho nas últimas décadas do século passado, vale também recuperar que, os anos que antecedem
o falecimento de Waldir Azevedo são lembrados como um período de “revitalização do choro” e, com
isso, também de “renovação” do cavaquinho. Ribeiro sintetiza destacando que, na década de 1970,

Houve grande interesse dos jovens pelos instrumentos ligados ao choro, principalmente
cavaquinho e violão. Segundo o cavaquinista e professor Henrique Cazes é também
nesta época que ‘o cavaquinho se renovou e surgiu uma nova geração da qual eu [Cazes]
faço parte, juntamente com Alceu Maia, Walmar Amorim, Luciana Rabello e Márcio
Almeida, dentre outros’ (RIBEIRO, 2019: 273).
40

Na interpretação de Barbosa e Devos – publicada também em 1984, ano da primeira edição da


Antologia do cavaquinho de Pechincha –, esse “movimento de revitalização”, que estimulou o interesse dos
jovens por instrumentos musicais associados a uma “identidade nacional” (TABORDA, 2011), não se
separa de causas comerciais e políticas, uma vez que:

Na década de 1970, iniciou-se no Rio de Janeiro um movimento de revitalização da


música brasileira que, naquele momento se encontrava completamente absorvida [...]
pela música estrangeira. Politicamente o Brasil atravessava uma de suas mais graves
crises: a ditadura militar instalada no poder desde março de 1964 atingia, nos fins da
década de 1960 até meados dos anos 70, o seu estágio mais crucial. A música brasileira
era impedida de expressar-se em versos, pelos constantes e implacáveis cortes do
Departamento de Censura da Polícia Federal. Como tentativa de preservação e defesa
de nossa cultura musical, a música instrumental constituía-se como única saída. E o
choro tomava impulsos através do incentivo de pessoas e instituições preocupadas com
a situação perigosamente ameaçada da música popular brasileira. Os antigos chorões
retomavam os seus instrumentos e jovens descobriam [...] a genuína música carioca
urbana (BARBOSA e DEVOS, 1984: 67). 28

Para as autoras, esse “movimento” não esteve exclusivamente associado ao choro, trata-se de
uma “revitalização da música brasileira”. Nesse sentido, quando Barbosa e Devos nos contam que “os
antigos chorões retomavam os seus instrumentos”, parecem recuperar acontecimentos como o
lançamento, em 1974, do LP “Cartola” (Discos Marcus Pereira, MPL 1003), álbum de estreia do sambista
carioca Cartola (Angenor de Oliveira, 1908-1980). O LP “Cartola” se tornou uma referência para os
músicos mais jovens, uma vez que reuniu um grupo de notáveis que viveram a era do rádio, músicos da
geração de Henrique Souza, experientes no choro e no samba, dentre os quais se destacam: o cavaquinista
Canhoto (Waldiro Frederico Tramontino, 1908-1987), 29 os violonistas Dino 7 Cordas (Horondino José
da Silva, 1918-2006) e Meira (Jaime Tomás Florence, 1909-1982), o trombonista Raul de Barros (1915-
2009), o flautista Copinha (Nicolino Cópia, 1910-1984), e os percussionistas Gilberto D’Avila (1915-),
Jorginho do Pandeiro (Jorge José da Silva, 1930-2017), Wilson Canegal e Mestre Marçal (Nilton Delfino
Marçal, 1930-1994). Em entrevista, mostrando que as histórias não andam em linha reta, o próprio
Canhoto nos dá uma versão abreviada de outro dos fatores midiáticos que fomentaram esse esforço de
revitalização: “É que teve um tempo aí com esse negócio de Iê iê iê ninguém tocava choro. Agora quando
veio aquela novela Carinhoso, é que colocaram o choro Carinhoso no fundo. Aí foi que essa mocidade
pensou até que aquilo fosse novo” (CANHOTO in RIBEIRO, 2017: 121). 30 Destaca-se ainda, como

28 Dentre os músicos dessa nova geração, associados ao nome do maestro Radamés Gnattali (1906-1988) e a uma “nova
roupagem” de sua composição sinfônica, a “Suíte Retratos”, Barbosa e Devos destacam: o bandolinista Joel Nascimento, o
violonista de sete cordas Rafael Rabello, os violonistas João Pedro Borges, Luiz Otávio Braga e Maurício Carrilho e, ao
cavaquinho, Luciana Rabello e Henrique Cazes. Sobre a “Suíte Retratos” – obra que Radamés dedicou a Jacob do Bandolim
e que, em seus movimentos, homenageia “os ícones da tradição” (Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de
Medeiros e Pixinguinha) – e seu papel como “marco fundamental na historiografia” oficial do choro, cf. Lima Rezende, 2015.
29 Sobre as palhetadas de Canhoto no LP “Cartola” (1974), cf. Cazes (2019: 73-75).
30 Escrita por Lauro Cézar Muniz e dirigida por Daniel Filho, a telenovela Carinhoso foi produzida e exibida pela Rede

Globo entre 1973 e 1974. A trama principal gira em torno de Cecília (interpretada pela atriz Regina Duarte) a partir de Sabrina
Fair, peça teatral de Samuel Taylor que, em 1954, já havia sido adaptada para o cinema, com Audrey Hepburn no papel da
41

voltaremos a mencionar, outro “movimento de ‘reinvenção’ do samba e resgate da tradição” (PINTO,


2013: 3) que resultou no lançamento de artistas e álbuns ligados ao bloco Cacique de Ramos, tais como
o LP “De pé no chão” (RCA, Victor – 103.0280), lançado por Beth Carvalho (1946-2019) em 1978. Esse
LP contou com a participação de um exitoso conjunto de sambistas negros, ainda desconhecidos do
grande público: o Fundo de Quintal que, em sua primeira formação, contou com os nomes de Almir
Guineto (1946-2017), Bira Presidente (1937-), Jorge Aragão (1949-), Neoci (1937-c.1980), Sereno (1940),
Sombrinha (1959-) e Ubirany (1940-2020).
Pouco adiante, em meados da década de 1980, também a partir do polo cultural e midiático do
Rio de Janeiro, produções de grande audiência e repercussão econômica podem ter contribuído para a
comercialização e o aumento do interesse pelo ensino e aprendizagem do cavaquinho. No mês de
lançamento da Antologia do cavaquinho de Pechincha, em novembro de 1984, a TV Globo exibiu os
capítulos finais de Partido Alto, telenovela escrita por Glória Perez e Aguinaldo Silva, produzida no ensejo
da recente inauguração do Sambódromo do Rio de Janeiro e que foi ao ar “justamente no ano em que a
Globo perdeu os direitos de exibição dos desfiles [de carnaval] do Rio” (TRIGO, 2009). Mesclando
estereótipos de escola de samba e contravenção em sua trama, a telenovela tirou seu título – Partido Alto
– de uma expressão do mundo do samba. E nesse mundo, essa polissêmica expressão guarda, sobretudo,
o sentido de “samba da ‘elite dos sambistas’, bem-humorado, encantador e espontâneo” (LOPES,
2007). 31 Como tema de abertura de seus 174 capítulos, contando com a produção funk soul de Guto Graça
Melo e a voz da jovem cantora Sandra de Sá, a telenovela repercutia a canção “Enredo do meu Samba”
de D. Ivone Lara e Jorge Aragão. 32 E outros sambas e bambas – tais como “Amar como eu te amei” ´de
Roberto Ribeiro, sambista da Império Serrano, e “Retiro” do portelense Paulinho da Viola – também
compunham a chamada “trilha sonora nacional” da telenovela. 33

protagonista. Na trilha sonora dessa novela, Carinhoso não foi interpretado por um regional, a maneira de choro, senão por
um arranjo orquestral que ambienta a modernizadora performance do trompetista Márcio Montarroyos (1948-2007).
31 O cantor, compositor, escritor e estudioso das culturas africanas no Brasil, Nei Lopes (2005: 27) elaborou uma definição de

“Partido Alto” que é citada em diversas fontes: “No passado, espécie de samba instrumental e ocasionalmente vocal (feito
para dançar e cantar), constante de uma parte isolada, chamada ‘chula’ (que dava a ele também o nome de samba-raiado ou
chula-raiada) e de um refrão (que o diferenciava do samba corrido). Modernamente, espécie de samba cantado de uma parte
coral (refrão ou ‘primeira’) e uma parte solada com versos improvisados ou do repertório tradicional, os quais podem ou não
se referir ao assunto do refrão. Sob essa rubrica se incluem, hoje, várias formas de sambas rurais, as antigas chulas, os antigos
sambas corridos (aos quais se acrescenta o solo), os refrões de pernada (batucada ou samba duro), bem como os chamados
‘partidos cortados’, em que a parte solada é uma quadra e o refrão é intercalado (raiado) entre cada verso dela. Entretanto,
transcendendo qualquer aspecto formal, partido-alto é, sobretudo, o samba da ‘elite dos sambistas’, bem-humorado,
encantador e espontâneo.”
32 A canção “Enredo do Meu Samba” foi gravada pela primeira vez pelo citado grupo de samba Fundo de Quintal no álbum

Nos Pagodes da Vida (RGE – 308.6043) lançado em 1983.


33 Sobre as representações do popular nas telenovelas brasileiras, cf. Souza (2004). Sobre as trilhas sonoras das telenovelas da

TV Globo e o mercado de difusão musical gerido pela gravadora Som Livre, cf. Toledo (2010). Vale acrescentar que, à época,
o termo “Partido Alto” já marcara presença em produções audiovisuais: em 1972, para o longa metragem Quando o carnaval
chegar, comédia dirigida por Caca Diegues, Chico Buarque escreveu a canção Partido Alto. E, em 1982, Leon Hirszman lançou
Partido Alto, documentário com diversos sambistas que, conforme sinopse da Embrafilme, informa: “Com raízes na batucada
baiana, o Partido Alto sofre naturais variações porque, ao contrário do samba comprometido com o espetáculo, é uma forma
livre de expressão e comunicação imediata, com versos simples e improvisados, de acordo com a inspiração de cada um.
Partido Alto é uma forma de comunhão, reunindo sambistas em qualquer lugar e hora, pelo simples prazer de se divertir.”
(Extraído de Embrafilme/Catálogo 1986). Sobre esse documentário de Hirszman, cf. Rosell (2016).
42

Contudo, convém relativizar o espaço que essas representações do mundo do samba – e, com
elas, as representações do cavaquinho – ocupavam nos meios de comunicação de massa da década de
1980. Pois, nesses anos, a segmentação da música popular em diversas fatias mercadológicas também
disputava o interesse daqueles que procuravam aprender a tocar um instrumento musical. Assim, como
nem tudo era samba, para ampliar a descrição das circunstâncias musicais, midiáticas e econômicas que,
de modo geral, ambientavam a época em que Pechincha idealizou, escreveu e publicou seu método, será
útil uma mínima referência a segmentos que ganharam rótulos comerciais como: MPB, música brega,
música religiosa, bailes soul, música pop e rock.
Ouvindo cancionistas, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Milton Nascimento, num estudo
sobre a “trilha sonora” da época, o historiador Marcos Napolitano (2010: 389) observa que “as canções
rotuladas como parte da ‘MPB – Música Popular Brasileira’ eram extremamente valorizadas pela indústria
fonográfica brasileira” e, “no período que vai de 1975 a 1982, os artistas ligados à MPB afirmaram-se
como arautos de um sentimento de oposição cada vez mais disseminado, alimentando as batidas de um
‘coração civil’ que teimava em pulsar durante a ditadura”. Entretanto, lendo o trabalho de Araújo (2002),
Napolitano também observa que “em plena consolidação do prestígio sociocultural da MPB [...], surgia
um outro gênero que funcionou como contraponto das conhecidas qualidades representadas pela sigla:
a chamada “música popular cafona” (posteriormente, nos anos 80, conhecida como “música brega”),
uma música que, na voz de nomes como Agnaldo Timóteo, Benito di Paula, Dom e Ravel, Lindomar
Castilho, Luiz Ayrão, Nelson Ned, Odair José e Waldik Soriano, foi se tornando “a trilha sonora cotidiana
dos segmentos mais populares das periferias das grandes cidades e do interior” (NAPOLITANO, 2003:
378). Sintonizando os ouvidos em outra direção, agora com o auxílio do estudo de Vicente (2008),
podemos rememorar que, ao longo dos anos 70, começa a ganhar volume o “segmento fonográfico da
música religiosa no Brasil”, um setor comercial variado que, “vinculado às tradições católica e
protestante”, a partir dos anos 80, profissionalizou sua cadeia de produção, investiu na carreira de seus
artistas e bandas e, através de grandes gravadoras e de iniciativas independentes, solidificou um amplo
mercado religioso. O contraponto ganha mais vozes se, com Naves (2010: 126-140), ouvirmos os sons
dos Bailes Soul, outra “negritude musical” que, “orientada pelo lema black is beautiful” e referenciada em
nomes como James Brown, Marvin Gaye e Isaac Hayes, atraiu milhares de jovens cariocas, pois, “entre
1975 e 1985, havia quase 300 equipes de som black [...]. Eram cerca de 700 bailes nos fins de semana”
(OLIVEIRA, 2014: 42). A época foi marcada por fenômenos da música pop internacional que dispensam
comentários, tais como Michael Jackson e Madonna. E, como se sabe, foi também nessa década de 1980
que, em alto volume, as bandas do “Rock Nacional” – Barão Vermelho, Capital Inicial, Ira, Legião
Urbana, Lulu Santos, Marina Lima, Paralamas do Sucesso, Plebe Rude, RPM, Titãs e outras mais –
cativaram seus fãs. 34
Nesse meio tempo, entre telenovelas e o polifônico mercado musical, mudanças significativas
marcam a história civil brasileira e, assim também as diferentes formas de ensinar e aprender música em

34 Cf. O Som e a fúria de um novo Brasil: juventude e rock brasileiro na década de 1980 (AFONSO, 2016).
43

nosso país. Entre aproximadamente 1968 a 1973, passamos pelo chamado “milagre econômico”, quando
o crescimento do PIB chegou a 11% ao ano e a inflação manteve-se sob controle. 35 Contudo, nos anos
seguintes, enfrentamos um cenário de muitas inconstâncias e algumas conquistas:

Voltando aos anos 1980, cabe mencionar um fato notório no histórico de altos e baixos
do híbrido desenvolvimento brasileiro e da sua política social: paralelamente à recessão
econômica, que também atingiu o Brasil —, acompanhada de inflação, endividamento
do setor público e de baixas taxas de crescimento —, o país assistiu, em 1985, ao fim
da ditadura e ao advento de um novo período de redemocratização; e, nesse período, a
conquista de maior simbolismo foi a promulgação, em 1988, da Constituição da
República (CF/88), conhecida como “cidadã” (PEREIRA, 2012: 734).

Nesse pêndulo, as lutas dos movimentos sociais se intensificaram contando com o engajamento
de diversos músicos e instituições artísticas e culturais. Considerando o âmbito e a temática da presente
dissertação, com apoio dos estudos de Oliveira (2014) e Treece (2018), vale destacar ao menos a
representativa militância do sambista Antônio Candeia Filho (1935-1978), o Mestre Candeia que, no Rio
de Janeiro, em 1975, empenhou-se na fundação de um “núcleo de resistência contra a colonização cultural
e de irradiação de conteúdos afro-brasileiros” (LOPES, 2004: 160). Esse núcleo de resistência consolidou-
se como o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo (G. R. A. N. E. S. Quilombo) e esse
movimento social, 36 aquilombou artistas como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Elton Medeiros,
Monarco, Ismael Silva, D. Ivone Lara e Wilson Moreira. Tais artistas foram notados pela indústria
fonográfica que, apesar de defender princípios e propósitos diferentes, não deixou de monetizar trabalhos
comprometidos com as causas do movimento, tais como os álbuns Canta, canta minha gente (RCA –
103.0110) lançado por Martinho da Vila em 1974, e o emblemático A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei
Lopes (EMI – Odeon, 062 421196), lançado em 1980.
Com essa menção aos propósitos e realizações do “G. R. A. N. E. S. Quilombo”, destaca-se que,
desde a década de 70, época em que “a elite brasileira defendia tenazmente a imagem do Brasil como
uma democracia racial”, rotulando como “não brasileiros” aqueles que levantassem “sérias questões sobre
relações raciais no Brasil” (SKIDMORE apud DOMINGUES, 2007: 111), iniciativas diversas,
defendendo temáticas e atitudes afirmativas e antirracistas, surgiram em diferentes localidades do país.
Em São Paulo, cidade em que Pechincha viveu, atuou e logrou publicar seu método,

em 1972, um grupo de estudantes e artistas formou Centro de Cultura e Arte Negra


(CECAN); a imprensa negra, por sua vez, timidamente deu sinais de vida, com os jornais
Árvore das Palavras (1974), O Quadro (1974), em São Paulo; Biluga (1974), em São
Caetano/SP, e Nagô (1975), em São Carlos/SP. Em Porto Alegre, nasceu o Grupo
Palmares (1971), o primeiro no país a defender a substituição das comemorações do
13 de maio para o 20 de novembro. No Rio de Janeiro, explodiu, no interior da
juventude negra, o movimento Soul, depois batizado de Black Rio. Nesse mesmo
estado, foi fundado o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), em 1976.

35Cf. Reformas, endividamento externos e o “Milagre” Econômico (HERMANN, 2005: 69-92).


36De modo geral, podemos entender “movimento social” como um “grupo mais ou menos organizado, sob uma liderança
determinada ou não; possuindo programa, objetivos ou plano comum; baseando-se numa mesma doutrina, princípios valorativos
ou ideologia; visando um fim específico ou uma mudança social” (SCHERER-WARREN apud DOMINGUES, 2007, 101).
44

Entretanto, tais iniciativas, além de fragmentadas, não tinham um sentido político de


enfrentamento com o regime. Só em 1978, com a fundação do Movimento Negro
Unificado (MNU), tem-se a volta à cena política do país do movimento negro
organizado (DOMINGUES, 2007: 112). 37

Nessa conjuntura, a partir de um entendimento extensivo a respeito do que são ações de afirmação
e antirracismo, também podemos compreender a escrita e publicação de um método musical como uma
dessas ações. Isso porque, levando em conta que a cultura escrita goza de prestígios que são determinantes
para a inserção e reconhecimento do indivíduo na sociedade, a publicação de um volume produzido por
um autor negro é uma realização que, certamente, decorre e tem decorrências em processos de inclusão.
Processos anti-discriminatórios que, como coloca Domingues (2007: 101), favorecem a “luta dos negros”
no enfrentamento da marginalização “no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e
cultural” (DOMINGUES, 2007: 101). No caso da iniciativa de Pechincha, destaca-se um valor de
pertencimento, pois o conteúdo do volume está explicitamente vinculado a um instrumento musical que é
identificando com manifestações da cultura negra.
Em suma, essa mínima seleção de dados e comentários pode retratar algo das relações complexas
que se dão entre história, política, mercado, sociedade e cultura e o campo musical. Nesse caso, focando
um pouco mais os mundos em que, como ocorre com o samba e o choro, os sons do cavaquinho estão
mais presentes. Para prosseguir nesse exercício de contextualização, outras perguntas podem ser
levantadas: como aprender e ensinar a tocar o cavaquinho? Em que cenário e de que maneira essa
aprendizagem pode ocorrer? Podemos estudar esse instrumento com professores em escolas de música
e conservatórios? Sujeitos e instituições de ensino desse tipo podem contribuir para a socialização desse
saber? As respostas, novamente, continuarão em aberto, mas essas e outras interrogações sugerem que,
continuar seguindo a trajetória de um músico, professor e autor como Pechincha é uma boa oportunidade
para que possamos pensar um pouco mais sobre tudo isso.

1.2 – O método popular de Henrique Souza é recomendado por seus colegas de conservatório

Algumas impressões sobre o professor Henrique Souza e seu livro se encontram nos dez
pequenos depoimentos publicados nas páginas finais da Antologia do cavaquinho: método popular com
encadeamentos e cifragens. Tais textos foram escritos por instrumentistas, maestros e professores que, à época,
eram colegas de Pechincha no Conservatório Artístico e Musical “Béla Bartók”, instituição situada no
bairro Penha de Franca, distrito de classe média na Zona Leste da cidade de São Paulo.

37Em complemento, Domingues cita a definição elaborada por Joel Rufino dos Santos: “[Movimento negro compreende]
todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que visavam
à autodefesa física e cultural do negro], fundadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades religiosas [como terreiros
de candomblé, por exemplo], assistenciais [como as confrarias coloniais], recreativas [como “clubes de negros”], artísticas
[como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], culturais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas
[como o Movimento Negro Unificado]; e ações de mobilização política, de protesto anti-discriminatório, de aquilombamento,
de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta,
extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro” (SANTOS apud DOMINGUES, 2007: 102).
45

Esses textos parabenizam o professor Henrique Souza e destacam méritos de sua publicação.
Frente ao tom elogioso dos depoimentos, convêm ressalvar que tal prática é usual em métodos de
instrumentos e matérias musicais (harmonia, improvisação, arranjo etc.) que circulam no mercado
musical. Nesse âmbito editorial, tais falas cumprem funções diversas, são como cartas de recomendação
que amplificam e validam o conteúdo da obra situando o autor em determinado campo, atestando sua
competência e demarcando uma rede de relações, hierarquias e influências. Depoimentos como estes
são, portanto, estratégias de legitimação e, com isso, também de propaganda. Visam tanto alcançar o
público quanto encorajar as editoras a investirem num projeto potencialmente lucrativo.

Fig. 1.2 – Capa da 6ª edição do Manual de Harmonia (1962) e foto de seu autor, o professor Paulo Silva (1892 - 1967).
Fonte: Site da Academia Brasileira de Música

Para ilustrar esse comentário – e antes de apreciarmos os depoimentos sobre Henrique Souza e
seu método –, é oportuno citar a produção de outro músico negro brasileiro, um professor de teoria
musical que nos servirá de referência na definição de alguns termos e conceitos ao longo do presente
estudo: trata-se do regente e compositor Paulo Silva, fundador da cadeira de nº 13 da Academia Brasileira
de Música que, entre outros trabalhos, publicou cinco livros dedicados aos assuntos da teoria (Cartilha de
Música de 1926, Manual de Harmonia de 1932, Curso de Contraponto de 1933, Manual de Fuga de 1935,
e Linguagem da música de 1954). 38 Numa das edições do Manual de Harmonia (SILVA, 1962: IX a XIX)
encontramos várias páginas que, sobre os livros de Paulo Silva (Fig. 1.2), reproduzem depoimentos, cartas
e matérias de jornal assinadas por notáveis como: Barroso Neto, Eurico Nogueira França, Francisco

38Trata-se de José Paulo da Silva, professor de música e compositor nascido em Niterói (RJ) no ano de 1892 e falecido na
cidade do Rio de Janeiro em 1967. Iniciou seus estudos musicais na antiga Escola Professional Quinze de Novembro como
executante de bombardino. Estudou no Instituto Nacional de Música, atual Escola de Música da UFRJ, onde obteve o diploma
em Trombone, Teoria Musical, Solfejo, Harmonia, Contraponto e Fuga. No ano de 1921 conquista o cargo de livre docente
dessa instituição. Além de seu trabalho como professor de música Paulo Silva foi Doutor em Direito. Em 1935 conquista
a cátedra de Contraponto e Fuga no Instituto Nacional de Música com a nota máxima e, nessa função, foi responsável pela
formação de diversos músicos brasileiros. Cf. Lopes (2006: 131-132).
46

Mignone, José Siqueira, Luiz Heitor, Octavio Bevilacqua, Oscar Guanabarino e Rossini de Freitas. Para
o compositor e crítico João Itiberê da Cunha “O seu Manual de Harmonia [de Paulo Silva] prima pela
clareza, concisão e ordem didática. As combinações harmônicas consideradas na sua essência, na sua
sucessão, e com todas as suas distinções, são tratadas com método excelente e intuitivo”. Numa
mensagem de 19 de dezembro de 1932, o compositor e educador Heitor Villa-Lobos escreve ao “prezado
amigo” Paulo Silva: “ Li com máximo cuidado o seu Manual de Harmonia e tive o prazer de constatar o
quanto esta obra é útil e interessante para os professores e alunos desta matéria, porque resolve um dos
problemas da síntese pedagógica de hoje, que é explicar rápido, claro, lógico, oportuno e prático”.
Contando com abonações desse tipo, breves e elogiosas, os métodos de ensino musical
conformam um gênero bibliográfico que, focando a especificidade técnica, nem sempre trazem
informações biográficas sobre seus autores. No caso aqui em questão, as declarações transcritas a seguir,
conservando a ortografia impressa na primeira edição, são também documentos que nos dizem algo a
respeito de Henrique Souza, sobre seu modo de ser e sobre o ambiente sócio profissional ao seu entorno.
Destacando o valor metodológico, a abrangência e a atualidade da Antologia do cavaquinho, os
primeiros depoimentos são assinados pelas professoras Helena Barban, Elizabete Barban e Sandra
Colombero:
São Paulo, 13 de Novembro de 1984. É muito importante para nós, estudantes e
Professores de Música, que existam métodos novos, mais completos e que nos ofereçam
uma estrutura simples e de fácil compreensão. E tudo isso se resume no método para
Cavaquinho do Professor HENRIQUE SOUZA. Helena Barban e Elizabete Barban.
Professoras de Piano Erudito e Popular e Violão Popular do Conservatório Artístico e
Musical “Bela Bartók” (BARBAN e BARBAN in SOUZA, 1984: 41).

São Paulo, 13 de Novembro de 1984. Um método, imprescindível a quem deseja obter


um conhecimento básico e sólido para o aprendizado do Cavaquinho. Aprovado!
Sandra Regina Colombero. Professora de Estruturação Musical, Percepção Musical,
Piano Erudito e Popular do Conservatório Artístico e Musical “Bela Bartók”
(COLOMBERO in SOUZA, 1984: 41).

O diretor do Conservatório que, no período da publicação afirma ter contribuído vistoriando o


método, recomenda o trabalho destacando o uso da “cifragem”.

São Paulo, 11 de Outubro de 1984. Eu, Afonso Henrique da Costa Alcaraz, Professor
e Diretor do Conservatório Artístico e Musical Béla Bartók, tendo vistoriado este
método; achei-o ótimo, à todos que querem aprender por “cifragem”. Afonso
Henrique da Costa Alcaraz. Professor e Diretor do Conservatório Artístico e Musical
“Béla Bartók” (ALCARAZ in SOUZA, 1984: 41).

O professor e violonista Valdir Guedes destaca o equilíbrio entre os exercícios práticos e a


dosagem e distribuição da matéria:

São Paulo, 11 de Outubro de 1984. Sem dúvida um método especial, não só pela
quantidade de acordes em exercícios, mas também pela qualidade exposta em cada
página. Valdir Guedes. Professor de Violão Clássico e Popular do Conservatório
Artístico e Musical “Bela Bartók” (GUEDES in SOUZA, 1984: 41).
47

O próximo depoimento foi escrito por Roberto Expedito Casemiro, professor e maestro negro
brasileiro que, ao longo de sua trajetória profissional, atuou como cantor e diretor do coral do Teatro
Municipal de São Paulo. 39 Em seu texto, o Maestro Roberto parabeniza o esforço de Henrique Souza
salientando o valor nacional do trabalho.

São Paulo, 17 de Novembro de 1984. Além de conhecer o trabalho que desenvolve o


querido e renomado Professor Henrique Souza, tenho a oportunidade de ter mais um
trabalho de expressão e contribuição à cultura brasileira tão achatada pela influência
extrangeira, por intermédio de um método de Cavaquinho que expressa a nossa raíz da
Música Brasileira e vai diretamente [ao] encontro à ansiedade de trabalho de nível musical
e pesquisado como este. Parabéns. Roberto Expedito Casemiro. Maestro e Professor do
Conservatório Artístico e Musical “Bela Bartók” (CASEMIRO in SOUZA, 1984: 41).

Os professores Yone de Moura Beraldo, Elizabeth Elias João e Dimas Fernando Edison Faria,
consideram que o trabalho aborda especificidades, possui objetividade, boa conduta pedagógica musical
focando na aprendizagem do aluno de cavaquinho:

São Paulo, 08 de Novembro de 1984. Com evolução da nossa Música Popular e desse
belo instrumento que é o Cavaquinho, se fazia necessário um método como este que se
propõe a explicar tudo sobre esse instrumento: Divisão, Tons, Cifras e Afinação. Tenho
certeza de que ele será de grande ajuda aos que se dedicam ao estudo desse instrumento.
Yone de Moura Beraldo. Professora de Piano Erudito e Matérias Complementares do
Conservatório Artístico e Musical “Béla Bartók” (BERALDO in SOUZA, 1984: 42).

São Paulo, 08 de novembro de 1984. Conhecendo o Prof. Henrique Souza, como


profissional altamente gabaritado, posso afirmar, analisando o seu trabalho, que seu
método, sempre muito consciente, tem como objetivo o melhor para o aluno, por isso
seu trabalho merece a minha admiração e respeito, pois desenvolve-se num sistema
simples e bastante pedagógica do ensino do Cavaquinho, atingido plenamente os seus
objetivos. Elizabeth Elias João. Professora de Piano Erudito e Matérias
Complementares do Conservatório Artístico e Musical “Bela Bartók” (JOÃO in
SOUZA, 1984: 42).

São Paulo, 08 de Novembro de 1984. Espero que todos que se interessam pelo
ESTUDO DO CAVAQUINHO, encontrem neste método do meu grande amigo
HENRIQUE SOUZA (PECHINCHA), o princípio para se tornar um grande solista,
de um instrumento que começa a ganhar admiração do estudante. Dimas Fernando
Edison Faria. Professor do Conservatório Artístico e Musical “Bela Bartók” (FARIA in
SOUZA, 1984: 42).

O mais longo e último depoimento foi escrito pelo prestigiado concertista de violão Carlos Iafelice,
autor do método A Escola do Violão lançado em 1967, dos livros Gênios da Música lançado em 1974 e Beethoven
e a X Sinfonia lançado em 1990, e compositor de obras como “Uma harpa ao luar” de 1969.

São Paulo, 08 de Novembro de 1984. Manuseando o método para cavaquinho “Antologia


do Cavaquinho” do competente professor Henrique Souza, pude observar com minha
experiência de 25 anos no campo de instrumentos de cordas, que esse trabalho é “sui

39Sobre Roberto Expedito Casemiro (1954 - ), a Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (LOPES, 2004: 177) destaca: “Músico
brasileiro nascido na cidade de São Paulo. Formado em composição e regência, é professor de teoria musical e maestro, sendo
o primeiro afrodescendente a dirigir o coro do Teatro Municipal de São Paulo”. Para outras informações sobre o maestro
Casemiro, cf. Cantero (2011), Casemiro (2017), Costa (2010), Godoy (2018) e Purcino (2015).
48

generis”, e feito com rara inspiração pelo autor. Sou violonista com mais de 600
apresentações em público, várias delas no Teatro Municipal de São Paulo, com 6 LPs
gravados pela Copacabana, e mais de 30 obras editadas. Posso dizer com absoluta
sinceridade que o trabalho acima mencionado, é um presente para aqueles que pretendem
se tornar um exímio cavaquinista, com um sistema de estudo agradável e progressivo,
fazendo com que o interessado em aprender esse instrumento, domine-o em pouco
tempo. Minha Academia passará doravante a usar para o ensinamento do cavaquinho a
inspirada “Antologia do Cavaquinho”. Está de parabéns a Editora Vitale por ter lançado
uma obra de tal envergadura e também o autor Henrique Souza, que além de sua
capacidade como músico já comprovada foi muito inspirado para a realização de tal obra.
Carlos Iafelice. Professor e Concertista de Violão (IAFELICE in SOUZA, 1984: 42).

Com a leitura desses depoimentos, que nos informam sobre o trabalho do professor Henrique
Souza e, ao mesmo tempo, sobre os próprios depoentes, podemos passar a tratar de outros aspectos
da história de vida de Pechincha, agora seguindo uma pista sutil e frutífera que se encontra no texto de
apresentação do volume.

1.3 – O autor nas memórias de uma filha

Comecemos pelo prefácio. Pois “os prefácios”, como afirma Sales (2003: 15) em tese dedicada
ao assunto, “assumem finalidades que vão além de uma simples introdução”: são “parte essencial do texto
que o segue”, estabelecem um “diálogo entre autor e leitor”, orientam “o maior aproveitamento do texto”
e, idealmente, visam “atrair seu desejado interlocutor e consumidor”. Investigando manuais pedagógicos,
Silva (2018: 285) nota que os “prefácios não fornecem apenas descrições do conteúdo”, são “também
estratégias para se legitimar esses livros e seus autores”, para tanto, procuram “a precisão, a objetividade
e a simplicidade dos enunciados”, expondo, por vezes, o “porque foram escritos” e “a partir de quais
necessidades” e, com isso, amplificam “o interesse não só pelos conteúdos como também pelos seus
escritores”. Teses do campo literário e pedagógico, como os de Sales e Silva, pautam-se pela erudição
acadêmica e, sendo assim, não se ajustam com total propriedade ao caso aqui em questão, uma vez que
o cultismo dos termos encontrados na publicação de Henrique Souza – tais como “antologia”, “método”,
“compêndio” e “prefácio” – não nos devem fazer esquecer que o volume aqui em apreço é, efetivamente,
uma produção da cultura popular. Com isso em mente, abrindo a primeira página da Antologia do
cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragens, encontramos o seguinte Prefácio assinado pelo autor:

Como não poderia deixar de ser, um instrumento tão rico como o cavaquinho, não
poderia deixar de vir acompanhado de uma obra que desse aos seus admiradores uma
perfeita noção de como ele funciona. Para isso foi cuidadosamente selecionado neste
compêndio, uma coletânea de informações, resultando neste método prático e de fácil
aceitação. Por ser um instrumento de alta ressonância o cavaquinho obtém uma grande
aceitação nos meios regionais, destacando-se como um instrumento vibrante e de
grande efeito musical. 40 Com este método, o aluno terá um ensino completo, com
acordes, cifrados e encadeamentos, o que lhe favorecerá sobremodo a aprendizagem.

40Sobre a “alta ressonância” e o efeito “vibrante” destacados por Pechincha, ver o tópico “Funcionalidade do cavaquinho no
acompanhamento do samba” em Cazes (2019: 25-29).
49

Para os alunos iniciantes em teoria foi incluída nesta obra a escala de Dó maior além da
escala cromática que dará ao aluno conhecimento mais amplo do instrumento. Espero
com isto, que a satisfação que tenho alcançado na companhia deste maravilhoso
instrumento, seja contagiantemente sentida por todos aqueles que desta obra fizerem
uso. O AUTOR (SOUZA, 1984, s.n.).

Abaixo da assinatura que valida e identifica esse Prefácio, “o autor” Henrique Souza acrescentou a
seguinte observação: “Nesta obra quero prestar a minha singela homenagem a minha filha. Prof.ª Sonia
Couto Souza Feitosa”. E essa observação traz duas informações que não passaram despercebidas, o nome
e a profissão de sua filha. Com alguma investigação, essas informações se desdobraram em muitas outras:
por meio da Plataforma Lattes, foi possível localizar a filha de Pechincha, a professora Sonia Feitosa, 41
comunicá-la a respeito da presente pesquisa e consultá-la sobre a trajetória de seu pai. A professora Sonia
foi generosa e prestativa, fornecendo esclarecimentos e informações. Assim, especialmente para a
presente pesquisa, após quase quarenta anos da “singela homenagem” que seu pai lhe dedicou nesse
Prefácio, em recíproca e afetuosa atenção, 42 a professora Sonia Feitosa escreveu um relato sobre seu pai.
Dado o teor e a raridade do texto, passamos a transcrevê-lo na íntegra:

Henrique Souza, conhecido com o nome artístico de Pechincha, nasceu no dia 07 de


setembro de 1913 na cidade de Cantagalo, Rio de Janeiro. Filho caçula de Manoel
Antonio de Souza e Leocádia Maria da Conceição, teve três irmãos: Maria Francisca,
Manoel e Agenor de Souza.

Perdeu sua mãe quando ainda era bebê e o pai quando era muito pequeno. Após a morte
do pai, foi com seus três irmãos morar em uma fazenda, em troca de casa e comida. Lá,
desde a mais tenra idade, teve que trabalhar em regime análogo à escravidão.

Em função desse contexto, Henrique frequentou escola somente até o segundo ano do
antigo ensino primário, mas lia com fluência e escrevia com poucos erros ortográficos.

Insatisfeitos com a vida que levavam, seus irmãos se ofereceram para trabalhar em um
circo que chegou na cidadezinha onde ficava a fazenda e levaram Henrique com eles.
Iniciaram com pequenos serviços, mas logo começaram a aprender as artes circenses e,
em pouco tempo, os quatro começaram a trabalhar como trapezistas.
Ao contrário da vida sofrida na fazenda, o circo colocou Henrique Souza em contato
com a alegria e com a música, que o encantou tanto que o levou a construir um violão
improvisado, com pedaços de madeira e linhas de nylon. Nas horas vagas ficava a
dedilhar aquele instrumento improvisado, até que um integrante do circo, vendo o
pequeno Henrique, Henriquinho, como era chamado, com aquele objeto tão precário,

41 Sonia Couto Souza Feitosa trabalha no Instituto Paulo Freire na cidade de São Paulo. Possui duas graduações: em Letras
pela Universidade Camilo Castelo Branco Unicastelo (1988), e em Pedagogia pela Universidade de Guarulhos UNG (1995).
Obteve seus títulos de Mestre em Educação (com a dissertação “Método Paulo Freire, princípios e práticas de uma concepção
popular de Educação”, 1999) e Doutora em Educação (com a tese “Das grades às matrizes curriculares participativas na EJA:
os sujeitos na formulação da Mandala Curricular”, 2012) pela Universidade de São Paulo – USP. Entre os anos de 1976 a
2007, foi professora da Prefeitura Municipal de São Paulo. Portanto, em 1984, quando a Antologia do Cavaquinho de seu pai foi
editada, Sonia atuava como professora há aproximadamente oito anos. Sonia Couto Souza Feitosa é autora, coautora e
organizadora de oito livros, dentre os quais se destacam títulos como Método Paulo Freire, a reinvenção de um legado (2008), Tecendo
o saber (2005) e Almanaque histórico Paulo Freire (2005). Publicou também capítulos em livros e diversos artigos em jornais e
revistas da área de educação.
42 Com efeito, nas primeiras linhas da dedicatória que escreve em sua Dissertação de Mestrado (FEITOSA, 1999), Sonia

escreve: “A Henrique Souza (in memorian) e Erotildes Couto, meus queridos pais que me iniciaram na arte de amar o outro”.
50

confeccionou um violão um pouco mais elaborado, que permitiu a Henrique Souza tirar
os primeiros acordes. Assim que conseguiu um dinheirinho, ele comprou um violão de
verdade, instrumento que o acompanhou ao longo de toda a sua vida.
A partir daí ele começou a explorar o instrumento e a cada dia descobria novos sons,
novos acordes e, em pouco tempo, já conseguia acompanhar as músicas que conhecia.
Autodidata, tornou-se um exímio violonista.
Já adulto, começou a trabalhar em shows e festas tocando e cantando. Adotou o codinome
de Pechincha por sugestão de seu amigo Marcos Cavalcante de Albuquerque, o Venâncio
da dupla Venâncio e Corumba. Trabalhou no teatro de revista e em casas noturnas.
Na década de 1950 formou a dupla Pechincha e Caxangá. Essa dupla fez sucesso na
Rádio Tupi no Rio de Janeiro por vários anos.

Mesmo já sabendo tocar violão muito bem, resolveu estudar teoria musical, o que lhe
garantiu a certificação como músico profissional e licença para lecionar. Foi professor
do Conservatório Artístico Musical Béla Bartók e professor particular em sua residência.

Henrique Souza tocava violão, cavaquinho, viola e também compunha e como musicista,
cantor e compositor trilhou uma trajetória musical ao lado de vários artistas. Trabalhou
muitos anos com a dupla Venâncio e Corumba e foi violonista de Jair Rodrigues.

Em 1977, integrou com Venâncio, Clovis Albuquerque e Bolinha, o conjunto musical


intitulado Venâncio e os baianos de Aracaju. Em 1978, o grupo gravou o LP intitulado
Brasil com “S”, onde Henrique participou como compositor em duas faixas.

Como compositor, sua música mais conhecida é Felicidade de Caboclo, interpretada


por Liu e Leo e por outros intérpretes como Bré e Lucas Ventania, entre outros.

Compôs também O que Passou (Zacarias Mourão e Pechincha), São João no Arraiá
(Pechincha e Venâncio), Rio de Ontem (Pechincha e Venâncio), João Crioulo e Maria
Mulata (Pechincha e Venâncio), Tatu tá no pau, Tabuada dos sapos e muitas emboladas.
Como professor de música, violão e cavaquinho, Henrique percebeu a dificuldade que os
alunos tinham para aprender o instrumento e, para facilitar a aprendizagem, Henrique
resolveu criar um Método que denominou de Antologia do Cavaquinho. A primeira e a
segunda edições aconteceram em 1984 e a terceira edição foi 7 anos após seu falecimento.
Teve três companheiras e uma filha de cada casamento: Sueli de Souza, Suemi de
Souza e Sonia Couto Souza. Sonia foi fruto de seu casamento mais duradouro, com
Erotildes Couto Braga.

Henrique Souza recebeu formação religiosa católica, pois seu pai era extremamente beato,
mas adulto optou pelo espiritualismo de Alan Kardek. Por um período de sua vida foi
adepto do esoterismo e se engajou no movimento filosófico Rosa Cruz, na filosofia
espiritualista Racionalismo Cristão e no sistema religioso-filosófico Kabbalah. Henrique
Souza faleceu com 77 anos no dia 17/07/1990 às 18h de infarto agudo do miocárdio.

Sonia Couto Souza Feitosa


(Texto enviado por e-mail em 15 de fevereiro de 2019)

Este relato é um documento que, reunindo recordações, vivências e fatos particulares, conforma
uma narrativa que é própria das memórias de vida. E tais memórias acrescentam uma “dimensão viva”
(MATOS e SENNA, 2011: 96) e trazem novas perspectivas ao perfil biográfico que, aos poucos, vai se
delineando aqui: um retrato do autor Henrique Souza como um sujeito de seu tempo e lugar. Antes de
prosseguir nas investigações das pistas sugeridas nesse informativo documento, com Matos e Senna é
51

proveitoso considerar que, atualmente, no campo historiográfico, os registros das memórias são
reconhecidos como uma fonte “primordial para compreensão e estudo do tempo presente”, pois “através
delas podemos conhecer os sonhos, anseios, crenças e lembranças do passado de pessoas anônimas,
simples, sem status político ou econômico, mas que viveram os acontecimentos de sua época” (MATOS
e SENNA, 2011: 101). Enfatizando essa linha de argumentação, as autoras citam Pierre Nora, historiador
francês que se notabilizou por seus estudos sobre o tema:

A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história,


uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda
a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais
ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas,
censuras ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda
análise e discursos críticos. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a
liberta e a torna sempre prosaica [...] (NORA apud MATOS e SENNA, 2011: 103).

Sobre as críticas dirigidas à utilização historiográfica desse tipo de documento, Matos e Senna
(2011: 101-103) ponderam que, embora as memórias sejam vistas como “fontes subjetivas”, “falíveis” e
“fantasiosas”, deve-se levar em conta que “nenhuma fonte está livre da subjetividade, seja ela escrita, oral
ou visual. Todas podem ser insuficientes, ambíguas ou até mesmo passíveis de manipulação” (MATOS
e SENNA, 2011: 102). E endossando a alegação, as autoras citam Paul Thompson, sociólogo inglês
considerado um dos pioneiros na defesa da história oral como registro histórico: “a evidência oral pode
conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. [...] transformando os ‘objetos’ de
estudo em ‘sujeitos’” (THOMPSON apud MATOS e SENNA, 2011: 102).
No caso aqui em questão, as informações prestadas por Sonia Feitosa – num registro escrito que
conserva traços do relato oral – sugeriram investigações, buscas, confirmações e ampliações diversas. E,
a partir daí, entrecruzando memória particular e memórias públicas registradas em jornais, revistas,
encartes de discos, sites especializados dentre outros, foi possível construir outra narrativa sobre a
trajetória de Henrique Souza: um homem comum que, “enganando entre a dor e o prazer”, 43 viveu seu
tempo e lugar em condições sociais, culturais, econômicas e tecnológicas que lhe permitiram tanto o
desenvolvimento do ofício como cantor, multi-instumentista, compositor e professor, quanto a
experiência de se tornar “o autor” do método popular para cavaquinho aqui em apreciação.

1.4 – Rastros de uma caminhada: do garoto Henrique ao jovem Pechincha

No relato da professora Sonia Feitosa encontramos indicações esparsas sobre as condições da


infância de Henrique Souza (1913 - 1990) e a informação sobre o local de seu nascimento: o município
de Cantagalo, fundado em 1814 na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro a uma distância de

Menção aos versos de Peter Gast, canção de Caetano Veloso lançada em 1983: “Sou um homem comum. Qualquer um.
43

Enganando entre a dor e o prazer. Hei de viver e morrer, como um homem comum...”.
52

aproximadamente 200 km da capital. E tais indicações e informação já levantam o pano de fundo que
nos acompanhará em todas as leituras e considerações que se seguem: a trajetória do artista músico
Henrique Souza traz consigo as marcas daqueles que nascem ou descendem diretamente dos locais onde
o chamado sistema da plantation prosperou. 44 Os locais dos grandes latifúndios e da monocultura voltada
para a exportação, do controle social centralizado na figura do proprietário, e onde “a escravidão se deu
de forma mais violenta, ao mesmo tempo em que a racionalização para a produtividade e o lucro foi mais
intensa”, conforme sintetizam Souza e Pierobon (2018: 106) citando análises do sociólogo Paul Gilroy e
do historiador Robin Blackburn. Ou ainda, o local “onde foi possível a construção da ‘vida indigna de
ser vivida’, da ‘vida matável’, da ‘vida não qualificada’” (SOUZA e PIEROBON, 2018: 106), como as
autoras procuram descrever recuperando expressões do filósofo italiano Giorgio Agamben.

As plantations foram unidades agrícolas que tiveram grande força entre os séculos XV e
XIX, implantadas nos Estados Unidos, Brasil e Caribe, com ampla escala territorial e
certa autonomia de gestão onde se cultivavam produtos tropicais, tais como açúcar,
tabaco e café, por meio da exploração da mão-de-obra escrava negra. No entanto, o
sistema de plantation não foi originariamente constituído apenas pela mão-de obra
escrava. Além dos negros africanos, as metrópoles dos países colonizadores, Inglaterra,
Portugal, Holanda e França, enviaram para trabalhar em suas colônias, pessoas que
haviam cometidos crimes em seus países de origem, ou trabalhadores livres ansiosos
por enriquecer, e mesmo outros aventureiros [...]. O sistema da plantation exigia extrema
organização burocrática com planejamento técnico em todo o seu andamento, desde a
captura até o transporte dos cativos africanos, no cultivo, na distribuição, na
comercialização das mercadorias, fossem escravos ou produtos tropicais, inclusive na
formação e no sentido do saber racional instrumental da utilização de escravos para
funções específicas. Foi um modo de produção pensado para funcionar em sua
totalidade, demandava racionalidade para atingir o objetivo da produção em larga escala
e em terras cada vez maiores para abastecer o crescimento das metrópoles europeias
(SOUZA e PIEROBON, 2018: 111-112).

Os estudos sobre o município em que Henrique Souza nasceu apontam características desse
sistema, uma vez que Cantagalo “tem sua história ligada à exploração de ouro, criação de porcos e
produção de alimentos para o mercado interno, e à cafeicultura escravista e mercantil exportadora”
(FARIA, 2018: 1). A cidade surgiu nos Sertões das Cachoeiras de Macacu, ou Sertões de Cantagalo,
região habitada pelos índios Coroados e Goytacazes, que desapareceram da região por volta de 1855.
Data, portanto, de meados do século XVIII a colonização dessa área que é descrita como repleta “de
riquezas auríferas, e suas terras, de boa qualidade, propícia ao plantio e à domesticação de animais”
(OLIVEIRA, 2008: 107) e que, até finais do século XIX, tinha sua economia cafeeira baseada na
escravidão de homens, mulheres e crianças oriundas do continente africano. Dentre as ocorrências que
marcam a história da região de Cantagalo destaca-se o fato de que a localidade foi rota de passagem de
bandeirantes que, desde as primeiras décadas do século XVII, “adentravam as montanhas florestadas, os
sertões e as caatingas mineiros em busca de presas indígenas destinadas à escravidão” (LIBBY, 2018:
314). Algo desse denso movimento ficou gravado, como mostra a Fig. 1.3, no relato iconográfico da
região realizado pelo viajante, pintor, desenhista e professor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848).

44Sobre a atuação dos negros escravizados como músicos e cantores em propriedades rurais agrícolas no estado de Rio de
Janeiro ao longo do XIX, ver o estudo de Santos (2012).
53

Fig. 1.3 - Aldea de cabocles a Canta-Gallo, Voyage Pittoresque et historique au Brésil (1834)
Jean-Baptiste Debret (1834: pl. 6)

Fig. 1.4 - Vista da cidade de Cantagalo, Rio de Janeiro. Pintura da década de 1860 (FARIA, 2018: 5)
54

No século XVIII, a região de Cantagalo foi cenário das façanhas de Mão de Luva, que conforme
Oliveira (2008: 104-134), foi um “sujeito oriundo das Minas Gerais, chamado Manoel Henriques”, que
comandava um copioso grupo de “bandoleiros e salteadores” composto por “brancos pobres, escravos,
libertos e indígenas que se ocupava do extravio de ouro para o Rio de Janeiro”. E, em destaque, a cidade
de Cantagalo (Fig. 1.4) é lembrada por seu filho mais célebre, o militar, engenheiro, matemático, escritor
e jornalista Euclides da Cunha (1866-1909), autor de “Os Sertões”, o livro que narra acontecimentos da
Guerra de Canudos ocorrida no estado da Bahia entre 1896-97, e que foi publicado em 1902, onze anos
antes do nascimento de Henrique Souza.
Essas mínimas notas sobre Cantagalo podem sinalizar que, a caminhada de Henrique Souza
começa numa localidade marcada pela economia escravagista, apenas vinte e cinco anos após a assinatura
da chamada Lei Áurea, “nome pelo qual passou à posterioridade a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888,
que, com apenas um artigo, declarou extinta a escravidão no Brasil” (LOPES, 2006: 96). Um cenário de
complexa reconstrução documental, mas que, em linhas gerais, nos remete ao comentário de Fraga:

Depois do treze de maio [de 1888] houve crescente controle sobre a população liberta.
A repressão à vadiagem foi um recurso frequentemente utilizado pelos poderosos para
expulsar das localidades indivíduos considerados “insubordinados” ou que não se
submetiam à autoridade senhorial. Essa era também uma tentativa de controlar e limitar
a liberdade dos egressos da escravidão de escolher onde e quando trabalhar, e de circular
em busca de alternativas de sobrevivência (FRAGA, 2018: 356).

Assim se ambienta o processo de formação do garoto Henrique Souza. Processo que,


conforme vimos, se iniciou no seio familiar, foi interrompido pelo óbito de seu pai levando o garoto
Henriquinho a começar a tanger seus primeiros acordes no violão sob a lona do picadeiro, no circo
em que trabalhava com seus irmãos. Após esse período, o jovem Henrique Souza seguiu atuando em
diversas atividades musicais, tocando e cantando em festas, casas noturnas e outras oportunidades.
Conforme Sonia Feitosa, quem deu a Henrique Souza o apelido de Pechincha, codinome
artístico que o acompanhou por toda a vida, foi o cantor Venâncio, uma das vozes da dupla
nordestina Venâncio e Corumba (Fig. 1.5). Assim, conservando algo da origem interiorana de
Henrique Souza, esse codinome provém do setor artístico comercial da chamada música “caipira”
(AMARAL PINTO, 2008; VILELA, 2017) de meados do século passado. Nesse ambiente, onde os
chamados erros ortográficos, como “Pichincha”, ganham outras conotações, codinomes desse tipo
(tais como: Tonico, Tinoco, Carreiro, Pardinho, Douradinho, Barreirinho, Campeirinho, Cascatinha,
Cravinho, Canário, Passarinho, Cuitelinho, Mulatinho, Tostão etc.) são corriqueiros, ou mesmo
necessários. Para apreciá-los, ressalvando o deslocamento e relativizando as proporções, a partir da
leitura feita por Wisnik (2003: 32-33), vale rememorar colocações de Mario de Andrade a respeito de
títulos de obras musicais de Ernesto Nazareth, pois tais apelidos caipiras também tiram partido de
um “caldo de cultura”, brincando com nomes cheios de “argúcia, pernosticidade, meiguice e
humorismo”. Nomes “dengosos” ou “amorosos” que, nos termos de Mário de Andrade, são
55

espirituosas manifestações “de carinho, de sensualidade, e por vezes dessa vontade de falar bobagens
metafóricas [...], costume tão inconfessavelmente nacional”. Nomes “chistosos” que, como
acrescenta Wisnik, são “um campo fértil para a manipulação dos editores”, e das gravadoras e
emissoras que, com isso, ajudam a compor “uma rede velada de cifras alusivas a circunstâncias
históricas envolvendo a Lei do Ventre Livre e as idas e vindas da Abolição” (WISNIK, 2003: 33).
Pechincha, o apelido dado por Venâncio, portanto, ganha tons diversos: entre os cariocas, sabe-
se que Pechincha é nome de um bairro da zona oeste do Rio de Janeiro que se desenvolveu a partir do
“Largo do Pechincha”, ponto de intenso comércio popular no século XIX, e que esse bairro acolhe o
Retiro dos Artistas, fundado em 1918, situado em frente ao Cemitério de Jacarepaguá, inaugurado em
1914, e popularmente conhecido como Cemitério do Pechincha. O substantivo “pechincha” é feminino
e, no português contemporâneo, segundo Borba (2004: 1043), possui “origem duvidosa” e pode ser
entendido como “tentativa de obter preço mais baixo; regateio do preço”, ou como “mercadoria de baixo
custo”. Do dicionário Houaiss podemos ainda tirar a acepção de que pechincha é “qualquer coisa cujo
preço é muito baixo; barganha”. Então, num apadrinhamento que deixa marcas de um jogo de
distinção, o codinome artístico dado por Venâncio é jocoso, algo carinhoso e leve sem deixar de se
mostrar como uma categorização consideravelmente agressiva.

Fonte: “Venâncio e Corumba: a dupla que venceu”. Fonte: O sertão é assim... (Jornal das Moças nº 1902, Rio de
(Revista da Rádio. 1951: 19) 45 Janeiro, 29 de novembro de 1951: 17) 46
Fig. 1.5 – Imagens de Venâncio (ao pandeiro) e Corumba (ao violão) na imprensa em 1951

45 Venâncio (Marcos Cavalcanti de Albuquerque, 1909) e Corumba (Manuel José do Espírito Santo, 1914) são músicos
naturais do estado do Pernambuco. Venâncio atuou como músico, compositor, radialista, poeta, humorista e empresário. A
dupla começou suas atividades musicais na década de 1920 em festas e outros eventos na cidade de Recife, atuando em
programas musicais humorísticos na Rádio Club de Pernambuco. Nos anos de 1940, Venâncio e Corumba migraram para a
cidade do Rio de Janeiro, atuando em diversas rádios, tais como: Tupi, Tamoio, Nacional e outras. Na década de 1950 a dupla,
já bastante conhecida, ganha mais prestígio com a canção Último pau de arara, composta em 1954 por Venâncio, Corumba e
José Guimarães. Essa canção foi regravada posteriormente por artistas consagrados da música popular brasileira, tais como
Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Clara Nunes. A dupla passou a se apresentar em diversos shows, programas de
rádio e localidades da região sudeste com repertório focado em música regional. No ano de 1968, a dupla Venâncio e Corumba
foi desfeita. E, em 1970, Venâncio fundou a Associação de Repentista, Poetas e Folcloristas do Brasil, a ARPOFOB na cidade
de São Paulo. Cf. Costa (2014), Hoffman (2019), Rosa (2011) e Santos (2012: 22).
46 Transcrição da legenda: “Venancio e Corumba uma das mais aplaudidas duplas caipiras do nosso rádio. Aí estão eles –

Venancio, com o pandeiro, e Corumba, ao violão – quando tomavam parte na irradiação de “O sertão é assim”, com
Zépraxedi, o poeta-vaqueiro.” José Praxédes Barreto (1916-1983), o Zépraxedi, foi poeta, compositor, violeiro e cantor.
56

Na década de 1950, a dupla Venâncio e Corumba alcançou sucesso na sociedade carioca e


conquistou espaço no disputado ambiente musical das emissoras de rádio e das gravadoras do estado
do Rio de Janeiro, como nota Conceição em estudo sobre o cancioneiro rural brasileiro:

A música em geral, na década de 50, foi influenciada pelo clima de otimismo econômico
que se vivia, o qual permitiu o surgimento de várias gravadoras no Brasil, caso da
Colúmbia, Continental, Todamérica (criada por Braguinha em 1950) e a Chantecler,
criada em 1958. Foram também inúmeros os nomes de destaque como Luizinho e
Limeira, Palmeira e Biá, Irmãs Cavalcante, Venâncio e Corumba, Jacó e Jacozinho, Zé
Tapera, Silveira e Barrinha, Leôncio e Leonel, Torrinha e Canhotinho, Zé Bétio, Zico e
Zeca, Zilo e Zalo, Zé Carreiro (CONCEIÇÃO, 2013: 104, grifo nosso).

Venâncio e Corumba – destacados na imprensa como “as grandes estrelas” (PEDROSA, 1953:
33), “a dupla que venceu” (DOMINGOS, 1951: 19) e “uma das mais aplaudidas duplas caipiras do nosso
rádio” (MENEZES, 1951: 17) –, no início da década de 1960, criaram sua própria empresa, a “VEMBA”.
Agência que além de cuidar da autoadministração da dupla, também empresariou diversos artistas, tais
como os ainda hoje famosos Luiz Gonzaga e Anastácia e, de modo especial para a trajetória de Pechincha,
o cantor Jair Rodrigues.
Em 1973, no Caderno B do Jornal do Brasil, o cantor Jair Rodrigues (1939-2014) menciona o
papel de Venâncio e Corumba em sua carreira artística. E, em entrevista cedida ao repórter Dirceu Soares
da Revista Manchete, Jair Rodrigues relembra como Corumbá possibilitou sua entrada no quadro de
artistas de uma conhecida gravadora:

Foi o Corumba que me lançou e me ajudou muito desde o início. Até hoje é meu
empresário. Nesse mesmo ano, 1963, a Philips estava organizando um show
beneficente do Lions Club. A dupla Venâncio e Corumba foi convocada para se
apresentar e o último resolveu falar de Jair na gravadora. Mas o pessoal só queria
profissionais do nível de Tito Madi e Hebe Camargo. No entanto, no palco, Corumba,
no peito e na raça, anunciou o nome do seu protegido que, ao fim de Eu e o Rio, foi
muito aplaudido (RODRIGUES in SOARES, 1973: 63).

O ambiente das rádios e das gravadoras, os contatos e contratos profissionais da VEMBA, a


música e a amizade com a dupla nordestina, aproximaram Pechincha de um grupo de artistas, músicos,
cantores, compositores, produtores e noticiaristas. E tais fatos estão sugeridos no relato da professora
Sonia Feitosa: “como musicista, cantor e compositor [Pechincha] trilhou uma trajetória musical ao lado
de vários artistas. Trabalhou muitos anos com a dupla Venâncio e Corumba e foi violonista de Jair
Rodrigues”. Não foi possível localizar evidência documental sobre a atuação de Pechincha como músico
de Jair Rodrigues, entretanto essa informação nos levou aos jornais e revistas da época e, com isso,
revendo capas de LP’s e outros documentos, foi possível notar que a dupla Venâncio e Corumba
aproxima momentos das carreiras musicais de Jair Rodrigues e Pechincha. Dados sobre essa coligação
encontram-se no portal Discogs, estudo e catalogação de discos de vinil, que nos informam sobre gravações de
Jair Rodrigues de uma canção de Venâncio e Pechincha, intitulada Eu e a Roseira, em duas ocasiões pelo
57

selo Philips. Uma delas faz parte do álbum O samba é mais samba com Jair Rodrigues, de 1965, que possui
treze canções (Fig. 1.6). A outra encontra-se no single “Jair Rodrigues” (Fig. 1.7), sem data, que no lado
A traz Eu e a roseira e, e no B a canção Tá engrossando.

Fig. 1.6 – Álbum O Samba é mais samba com Jair Rodrigues (PHILIPS P 632 750 L), 1965, com a canção Eu e a Roseira de
Venâncio e Pechincha, como música nº 1 do Lado 2. Fonte: Discogs (2019)

Fig. 1.7 – Compacto simples, 7”, 33½ RPM (PHILIPS 365 086 PB) com a canção Eu e a Roseira de Venâncio e Pechincha na
voz do cantor Jair Rodrigues. Fonte: Discogs (2019)

Os dados e comentários apresentados até aqui dialogam com as memórias da professora Sonia
Feitosa. E com esse diálogo, aos poucos, vamos construindo uma narrativa acerca da vida de Pechincha,
revendo cenários, imagens e sonoridades que esse multifacetado personagem, à maneira de um persistente
trapezista, viveu, viu, ouviu e produziu. E tudo isso convida novas buscas e investigações.
58

1.5 – A presença de Pechincha em rádios, discos, jornais e revistas: uma incompleta linha do tempo

As buscas na Hemeroteca Digital Brasileira, através do portal da Biblioteca Nacional, permitiram


localizar registros em notas, notícias e anúncios publicados em jornais e revistas que trazem informações
sobre eventos, programações e gravações nas quais Henrique Souza esteve presente. As principais
ocorrências revelam o envolvimento de Pechincha (ou Pichincha, como seu nome artístico também
aparece escrito) com o mundo do disco e das rádios e, a partir desses registros publicitários e comerciais,
foi possível percorrer uma incompleta linha do tempo.
De janeiro de 1950, data a mais antiga menção ao nome de Pichincha encontrada nos periódicos
da Hemeroteca Digital Brasileira. Tal registro se encontra na Revista do Rádio, edição nº 23, ano III. Nesse
volume, com tiragem de 50 mil exemplares, numa seção de perguntas e respostas entre leitores e editores,
provavelmente mantidas por meio de cartas, chama atenção uma resposta endereçada à ouvinte Jandira
Lopes, do município de Rio Bonito no estado do Rio de Janeiro:

Aurélio de Andrade continua na Rádio Nacional. Não temos nenhuma informação


sobre a dupla Pechincha e Brejinho. Olivinha Carvalho é solteira. Os componentes da
dupla Zoologica [formada pelos cantores sertanejos França e Monteiro] nãão [sic] são
irmãos. Quanto ao estado civil do mencionado duo Barreto e Barroso, não podemos
informá-la por carência de dados (REVISTA DO RÁDIO, 1950: 36, grifo nosso).

Essa resposta não é muito contributiva, mas registra a participação de Pechincha, com talvez 37
anos, numa dupla caipira que deixou saudades em alguns ouvintes.
No dia 7 de setembro de 1950, dia do aniversário de Henrique Souza, a página 7 do jornal Diário
de Notícias (RJ, edição 8603) estampa a grade da programação da Rádio Mayrink Veiga informando ao
público que o programa Galho de Urtiga tem a presença confirmada da dupla Pereirinha e Pichincha. Dois
meses mais tarde, em 7 de novembro, o jornal Tribuna da Imprensa divulga a programação da Rádio
Mayrink Veiga e aqui somos informados que Pereirinha e Pichincha vão atuar no quadro musical
“Caipiradas”, ao lado de outros importantes artistas do ramo: “Com Barreto e Barroso, Zé Trindade,
Pereirinha e Pichincha e mais uma “troupe” de humoristas caipiras, cantores sertanejos e sanfoneiros, a
Rádio Mayrink Veiga volta a apresentar, hoje, às 21 horas, diretamente do seu auditório, outra audição
de Caipiradas” (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1950: 7, grifo nosso).
Conforme se lê no anúncio publicado no jornal Correio da Manhã de 21 de novembro de 1950
(Fig. 1.8), Pereirinha e Pichincha voltam a figurar no programa Galho de Urtiga levado ao ar às 18 horas e
50 minutos. E outros jornais de 1950 – tais como a Tribuna da Imprensa de 24 de novembro (edição 280)
e o Diário de Notícias de 20 de dezembro (edição 8639) –, citam a dupla nos anúncios das mudanças e
atualizações na programação da Rádio Mayrink Veiga.
Observa-se então que, antes da participação na dupla Pechincha e Caxangá rememorada pela
professora Sonia Feitosa, seu pai atuou, ao menos, em duas outras duplas: Pichincha e Brejinho e
59

Pereirinha e Pichincha. Sem fugir demasiadamente do fio narrativo aqui proposto vale ponderar que, com
diferentes níveis de sucesso, essas tentativas de formação de duplas devem ser vistas como dinâmicas
inerentes a determinado setor artístico comercial da época. Para ilustrar minimamente essa observação,
com o estudo que Amaral Pinto, podemos citar o caso do influente cantor e violeiro Tião Carreiro (1934-
1993) que, em início de carreira, tocando e cantando em circos e programas de rádio entre finais dos anos
de 1940 e começo dos anos de 1950, também buscou alcançar sucesso passando por diferentes duplas:
“Zezinho e Lenço Verde, Palmeirinha e Coqueirinho, Palmeirinha e Tietêzinho e Zé Mineiro e
Tietêzinho” (AMARAL PINTO, 2008: 33).

[Transcrição]
Rádio Mayrink Veiga: 18,00 - “Uma luz no caminho”;
18,05 - Programa com Ary Cordovil e Paulo Bob; 18,35 -
Programa com Souza Lima e Marilene; 18,45 - Galho de
Urtiga; 18,50 - Pereirinha e Pichincha; 19,00 - Esportes,
com Oduvaldo Cozzi; 20,00 - Grito de carnaval; 20,15 -
Pausa para meditação; 20,30 - Panorama político; 20,33 -
Ronaldo Lupo; 21,00 - Caipiradas; 21,30 - Continuação
do grito de carnaval; 21,53 - Esportes; 22,00 -
Comentários e panorama político; 22,10 - Conversa em
família; 22,55 - Esportes; 24,00 - O mundo em sua casa.

Fig. 1.8 – Nota sobre a programação da Rádio Mayrink Veiga.


Fonte: Correio da Manhã (21 de novembro de 1950: 15, grifo nosso)

Assim, as iniciativas de Pichincha, incluindo aí a própria adesão ao peculiar nome artístico, se


mostram não como ações isoladas, e sim como empreendimentos inseridos num contexto comercial
bastante sério e promissor. O contexto que, articulando o imaginário rural e a vida nos centros urbanos,
e a sonoridade acústica e as ondas radiofônicas, viu surgir recordistas de venda como as duplas Tonico e
Tinoco, Zé Carreiro e Carreirinho e Sulino e Marrueiro lembradas por Vilela (2017: 271). Leve-se em
conta também que, como mostra Malaquias, já em meados da década de 1940, a música produzida por
essas duplas caipiras correspondia “a 40% do mercado de consumo”, e que, “nesse período surgiram
duplas de enorme sucesso junto ao público, tais como: “Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho,
Mineiro e Mineirinho e Tião Carreiro e Pardinho” (MALAQUIAS, 2013:16).
Em 1951, conforme os dados e áudios disponibilizados pelo portal Discografia Brasileira do
Instituto Moreira Salles - IMS, surgem aquelas que, provavelmente, são as primeiras gravações de
canções de autoria de Henrique Souza, ou de autoria conjunta com alguns de seus diversos parceiros. 47
Nesse ano, o nome de Pichincha aparece em dois compactos 78 rpm lançados pela Star Discos. No
primeiro, Pereirinha e Pichincha cantam o cateretê Roda Morena, de autoria da dupla, no lado A (S 227-

47 Cf. Anexo 1: Versos de canções gravadas por Henrique Souza.


60

A) 48; e o calango A mulher e o serviço, de autoria de Pereirinha, no lado B (S 227 B) 49. No segundo
compacto, Pereirinha canta com Ruth Barros, e aqui ouvimos o balanceio O tempo do balancê de
Pereirinha e Pichincha no lado A (S 299 A); 50 e o baião Vida de Boiadeiro de Pereirinha e Zé Trindade
no lado B (S 299 B). 51 É significativa a presença do nome de Pichincha como um dos autores das
canções do lado A em ambos os compactos, pois, como se sabe, no vocabulário da indústria
fonográfica o lado A promove a canção de sucesso, a chamada “música de trabalho” ou a “música de
divulgação”. Sobre a repercussão comercial desses dois lançamentos da Star Discos, a Fig.1.9 mostra
que, em 24 de abril de 1951, a Revista da Rádio publicou uma nota com o seguinte cabeçalho: “Novas
Gravações de Pereirinha”. O texto apenas menciona Pichincha, destacando o nome de Pereirinha,
personagem que alcançou relativo sucesso. 52

[Transcrição]
NOVAS GRAVAÇÕES DE PEREIRINHA

O acordeonista Silvio Pereira de Araújo, que os ouvintes da


Rádio Mayrink Veiga conhecem como Pereirinha, acaba de
gravar em discos Star quatro interessantes melodias: “A mulher e
o serviço”, calango; “Roda, Morena”, cateretê; “Linda
caboclinha”, baião, e “Rio de Janeiro”, valsa. As duas primeiras
foram gravadas com Pichincha e as duas últimas com a cantora
Ruth Barros, também da Rádio Mayrink Veiga.

Fig. 1.9 – Anúncio de novas gravações de Pereirinha. Fonte: Revista do Rádio (24 de abril de 1951: 50, grifo nosso)

Sobressai, nesses registros, um hábito do mercado musical da época, a indicação de gêneros e


subgêneros acompanhando os títulos das canções por meio de termos como: calango, cateretê, baião, valsa,
marcha, rancheira, marcha-rancheira, valsa-rancheira, moda cômica, polca, quadrilha caipira, xote, valsinha de roda,
baião-marcha, marchinha, batucada, mambo. A definição e diferenciação desses termos é tarefa complexa
mesmo para especialistas, mas, por ora, podemos considerar que “gêneros”, como os que encontramos
mencionados nesses recortes e compactos, “são categorias reconhecidas e aprovadas por determinadas
convenções de diversas naturezas, e que atravessam os anos baseadas no princípio da repetição, sendo
sujeitas a mudanças e transformações” (AMARAL PINTO, 2008: 6-7). Conforme Fabbri, citado por
Amaral Pinto (2008: 6), a definição de um gênero depende de “regras” de diferentes categorias, tais

48 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/91474/roda-morena
49 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/81713/a-mulher-e-o-servico
50 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/92842/o-tempo-do-balance
51 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/92845/vida-de-boiadeiro
52 Sylvio Pereira de Araújo (1913-1990), o Pereirinha. Na contracapa do álbum “Pereirinha e sua gente – São João de outrora”

(Gravadora Equipe/84, 1967), o texto assinado por Paiva de Rezende informa que, Pereirinha nasceu “no exuberante estado
do Paraná e criado na cidade de Ponta Grossa, tendo a felicidade de ser filho de pai e mãe musicistas, veio ao mundo com a
alma talhada pelos domínios da arte. É um enamorado da música e um cultor apaixonado da poesia e, como acordeonista,
compositor e intérprete de suas canções já brindou a essa tão apurada plateia brasileira com o belíssimo texto humorístico O
CASAMENTO DA ROSINHA e desta feita volta com o CASAMENTO DA ROÇA”. Mugnaini Jr. (2001: 153) acrescenta
que, como acordeonista, Pereirinha ficou conhecido como o “Rei da Quadrilha Caipira” e que entre seus feitos se destaca a
primeira gravação de um disco de quadrilha no Brasil, intitulado “Quadrilha para Dançar”, lançado em 1952.
61

como: “formais e técnicas (onde estariam incluídos conceitos como estilo, forma, e outros elementos
técnicos pertencentes à esfera da análise musical); semióticas; comportamentais; sociais e ideológicas;
econômicas e jurídicas”.
Pensando em tais regras e categorias vale reiterar que: nos gêneros e subgêneros aqui citados
ressoam as marcas do sistema da plantation. Pois nesses registros estamos tratando de manifestações
musicais que, nas tramas desse sistema, se espalharam pelo Brasil nas vozes, versos, instrumentos e
corpos de “mulatos ou outros, quase brancos que são tratados como pretos só pra mostrar aos outros
quase pretos (e são quase todos pretos), e aos quase brancos pobres como pretos, como é que pretos,
pobres e mulatos, e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados”, como versejam Caetano
Veloso e Gilberto Gil na canção Haiti, de 1993. Versos que, por sua vez, lembram a perplexa exclamação
de outro mestre negro das palavras: “como se nesse país todos nós não fôssemos mais ou menos pretos
e todos nós não fizéssemos versos” (LIMA BARRETO apud SCHWARCZ, 2017: 417).
Posto isso, e mesmo sem o devido aprofundamento do conceito, vale observar que a variedade
de “gêneros” e “subgêneros” que vão aparecendo nessa narrativa pode sugerir que, seguramente, o
ouvido musical do jovem Pechincha era bastante multifacetado. E que, sendo assim, na soma de vivências
que caracterizam a aprendizagem da música popular, podemos conjecturar que, traços dessas múltiplas
facetas podem ter alimentado a imaginação de Henrique Souza, mais tarde, no momento da formulação
das lições de seu “método popular para cavaquinho”. Ou seja, podemos supor que, esses saberes que
decorrem da repetição, mudança e transformação se refletiram nas “regras” - formais e técnicas,
comportamentais, sociais, econômicas ou outras – que, posteriormente, orientaram as escolhas e
encadeamentos de acordes que vieram a compor esse método. E supor ainda que, essas “regras” podem
se refletir inclusive na exiguidade de instruções sobre como tocar as “batidas” que, como voltaremos a
tratar adiante, são valores consabidamente centrais nas práticas da música popular. Mas que, inclusive
por isso, podem ser consideradas como algo que está dado, isto é: um item de aprendizagem
subentendido, ou um saber inseparável da própria experiência do que é e como é, quando e onde ocorre,
para quem e por qual valor monetário e social é que se toca, canta e dança determinado gênero popular.
Em 16 de julho de 1951, a coluna Discos na página 5 do jornal A Noite publica a seguinte nota:
“O novo artista que começa a sua carreira na etiqueta Odeon – ‘Pichincha’ – possui uma maneira ‘sui
generis’ de interpretar suas emboladas, assegurando um futuro dos mais brilhantes e promissores. Tomem
nota das emboladas: ‘Tabuada dos sapos’ [Odeon 13.146], de autoria de Henrique Souza e ‘Tatu tá no
pau’ [Odeon 13146] de J. Santos”. Em 19 de junho de 1951, a Revista Carioca reitera a notícia: “Pechincha
gravou na fábrica de Felisberto Martins duas emboladas interessantes. ‘Tatu tá no pau’ e ‘Tabuada dos
Sapos’. O Pechincha canta na Rádio Mayrink Veiga” (REVISTA CARIOCA, 1951: 8). Vale lembrar que
a professora Sonia Feitosa destacou essas canções: “[Pechincha] compôs também [...] Tatu tá no pau,
Tabuada dos sapos e muitas emboladas”. 53

53As gravações ocorreram em março de 1951 e foram lançadas em julho. Segundo o Dicionário Cravo Albin, Felisberto
Augusto Martins Filho (1904-c. 1980) foi compositor e letrista, “diretor artístico da gravadora Odeon. Sócio fundador da
SBACEM, [...] incansável batalhador na defesa dos direitos autorais.” Foi parceiro de Lupicínio Rodrigues, com quem compôs
62

Em abril de 1952, a Revista da Rádio veicula uma breve nota a respeito dos recentes feitos do
artista: “Pechincha, novo astro da Odeon gravou a toada ‘Cabelos Brancos’  54 e o côco ‘Coqueiro Véio
Cansado”  55 (REVISTA DO RÁDIO, 1952: 42). E, em 23 de maio de 1952, o compositor e jornalista
Edel Ney, em sua coluna Discos e Disticos no jornal Diário da Noite (RJ), destaca o nome de Pichincha
como intérprete de canções regionais e juninas:

PICHINCHA, o famoso cantador de emboladas de etiqueta ODEON, já tem na rua,


além de seu disco de São João, com a “Quadrilha Caipira” [ 56] e “Festeiro do Arraiá”
[ 57], outra chapa, com o côco da conhecida dupla Venâncio e Corumba, cujo o título
lembra um samba antigo e, a toada “Cabelos pretos”  58, de Zé Ferreira e Pichincha
(Diário da Noite, nº 5376, 23 de maio de 1952: 8).

Outra menção foi localizada num anúncio (reproduzido na Fig. 1.10) publicado pelo jornal Diário
da Noite de São Paulo, em 26 de maio de 1952: “Últimos Sucessos para as festas de São João”, com selo
da Odeon e comercializados pela Casa Ricordi. 59 Nessa seleção de sucessos, Pichincha figura ao lado de
grandes nomes da era do rádio, tais como: Francisco Alves (1898-1952), Dircinha Batista (1922-1999),
Hebe Camargo (1929-2012), Odete Amaral (1917-1984) e a célebre dupla sertaneja Alvarenga (1911-
1978) e Ranchinho (1912-1991). As duas canções juninas cantadas por Pichincha que são citadas nesse
anúncio (Fig. 1.10), já aparecem na acima mencionada coluna de Edel Ney, são elas: “Festeiro do Arraiá
(marcha)” de Fernando Martins e “Quadrilha caipira (quadrilha)” de Pereirinha. Essas duas faixas foram
gravadas em 25 de setembro de 1951 e lançadas no primeiro semestre de 1952 pela Odeon (3446).
Nas edições de 9 e 16 de junho de 1953, no jornal Diário da Noite (RJ) encontramos a nota
publicitária “Gravações para os Festejos Juninos” que cita dois compactos lançados com a voz de
Pichincha. O primeiro é, novamente, esse exitoso Odeon (3446), e nessa nota percebe-se um deslize: a
marcha “Festeiro do Arraiá” é anunciada como “Forasteiro do Arraiá”. No segundo compacto citado
(ODEON 5195), gravado em 11 de fevereiro e lançado em junho de 1953, as canções já são interpretadas
pela dupla Pichincha e Caxangá: no lado A ouvimos a valsa “Festa Juanina”  60 de J. Diniz e Ulisses Silva,
e no lado B o baião “Maria Chica”  61 de Beduíno.

o samba “Se acaso você chegasse”, mas sua obra é vasta. Seus sambas e canções “foram registradas pelos grandes nomes da
música popular brasileira como Carlos Galhardo, [...] Orlando Silva, Moreira da Silva, Cyro Monteiro, [...] Linda Batista,
Dircinha Batista, Risadinha, Elza Soares, Lúcio Alves, Jair Rodrigues, Simone, e Paulinho da Viola.”
54 Trata-se da toada “Cabelos Pretos” de Venâncio e Corumba, gravada em 25 de setembro 1951 e lançada apenas em abril de

1952 [Odeon 13257]. https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65130/cabelos-pretos


55 De Venâncio e Corumba [Odeon 13257]. https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65124/coqueiro-veio-cansado
56 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/69897/quadrilha-caipira
57 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/69900/festeiro-do-arraia
58 Trata-se da toada “Cabelos Pretos” de Venâncio e Corumba, gravada em 25 de setembro 1951 e lançada apenas em abril de

1952 [Odeon 13257]. https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65130/cabelos-pretos


59 A Casa Ricordi, principal editora das óperas de compositores de vulto como Rossini, Bellini, Donizetti e Verdi, foi fundada

em 1808, na cidade de Milão, pelo violinista Giovanni Ricordi (1785-1853). Em 1929 a editora se instalou em São Paulo,
passando a publicar compositores brasileiros, tais como Barroso Neto, Agostinho Cantú, Lorenzo Fernandez e Henrique
Oswald, tornando-se a proprietária de um dos maiores catálogos musicais do país. Cf.: site da Ricordi.
60 https://discografiabrasileira.com.br/disco/70835/odeon-13446
61 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70836/maria-chica
63

Fig. 1.10 - Anúncio em jornal que informa gravações de Pichincha atuando como cantor.
Fonte: Diário da Noite – SP (26 de maio de 1952: 9, grifo nosso)

Em 19 de junho de 1952, a coluna Discos e Disticos de Edel Ney é novamente elogiosa ao comentar
as realizações artísticas do jovem Henrique Souza: “Pichincha, o notável cantor de embolada da Odeon,
está obtendo expressivo êxito com seu disco junino. Principalmente a ‘quadrilha caipira’ [ 62 ], de
Pereirinha, está aparecendo bem” (Diário da Noite, 1952 – edição 05399). 63 E mais, nesse dia a coluna
Discos e Disticos estampa um raro retrato de Pichincha (Fig. 1.11), a única fotografia de Henrique Souza
que foi possível encontrar nas diversas fontes consultadas no decorrer da presente pesquisa. Indo um
pouco adiante, poderíamos dizer que o fato é ainda mais raro se, com Lilian Schwarcz (2017: 408-409),
recuperarmos que retratos de pessoas negras na imprensa eram, de modo geral, infrequentes. E que,
como argumenta a autora, são questões de fundo moral e social que explicam essa raridade. Essa
requintada forma de exclusão através da invisibilização se valeu, inclusive, de condições técnicas, pois,
como lembra Schwarcz, citando estudos da socióloga canadense Lorna Roth,

62https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/69897/quadrilha-caipira
63Cf. Anexo 2: Página 21 do Jornal Diário da Noite, Rio de Janeiro, de 19 de junho de 1952, com foto de Pichincha na
coluna Discos e Disticos de Edel Ney.
64

A Kodak, durante muito tempo não fabricou filmes apropriados para captar a cor negra.
A calibragem configurada para a revelação das fotos não reproduzia peles mais escuras,
cujas imagens, quando captadas, surgiam com uma coloração pálida ou tão pretas que
só se podia distinguir o branco dos olhos e dos dentes. O padrão era outro: brancura.
Foi somente nos anos 1960, com a afirmação dos movimentos de direitos civis, que o
impasse ganhou solução e a diversidade étnica começou a ser mostrada. A questão é,
assim, moral e está vinculada às práticas estabelecidas de uma repressão visual
(SCHWARCZ, 2017: 408).

Fig. 1.11 – Recorte da coluna Discos e Disticos de Edel Ney, em destaque o retrato de Pichincha.
Fonte: Jornal Diário da Noite, Rio (19 de junho de 1952: 21).

Com esses recortes nota-se que, provavelmente, entre 1952 e início de 1953 a parceria entre
Henrique Souza, o Pechincha, e o acordeonista Silvio Pereira de Araújo, o Pereirinha, havia se desfeito.
E, nesse momento, percebe-se que, além de conseguir lançar canções de sua autoria em fonogramas,
Pechincha estava se destacando como cantor quando partiu para uma nova dupla, ao lado de Caxangá,
numa empreitada que foi registrada pela imprensa e pela indústria fonográfica da época. Com dados dos
portais Música e Arquivo Sonoro (Biblioteca Nacional), Discografia Brasileira (Instituto Moreira Salles), Instituto
Memória Musical Brasileira (IMMuB) e do site Mundo Caipira de Moacyr Filho, e contando com as canções até
aqui citadas, nesse início de década o nome de Pichincha aparece em 12 fonogramas: em três, Pichincha
é citado como compositor; em oito é o cantor principal e, nos últimos quatro, Pichincha já canta em
dupla com Caxangá. Cronologicamente, tais registros são:

1951 – 2 faixas em 1 compacto 78 rpm

“Tabuada dos sapos”, embolada de Henrique Souza gravada em 31 de março de 1951 e lançada
em disco (Odeon 13146) em julho de 1951; e

“Tatu tá no pau”, embolada de J. Santos gravada em 31 de março de 1951 e lançada em disco


(Odeon 13146) em julho de 1951.
65

1952 – 6 faixas em 3 compactos 78 rpm

“Quadrilha Caipira”  64, quadrilha de Pereirinha; e “Festeiro do Arraiá”  65, marcha de Rubens
Campos e Fernando Martins. Faixas gravadas em 1 de abril de 1952 e lançada em disco (Odeon
13279) em julho de 1952.

“Coqueiro véio cansado”  66, côco de Venâncio e Corumba; e “Cabelos Pretos” 67, toada de Zé
Ferreira e Pichincha. Faixas gravadas em 25 de setembro 1951 e lançadas em disco (Odeon 13257)
em abril de 1952.

“Caboclo decidido”  68, toada sertaneja de Pieri Jr e Nelson Matos; e “Prepara o bolo”  69,
embolada de Álvaro F. Gonçalves. Faixas gravadas em 25 de setembro de 1951 e lançadas em
disco (Odeon 13316) em agosto de 1952.

1953 – 4 faixas em 2 compactos 78 rpm da dupla Pichincha e Caxangá

“Maria Chica”  70, baião de Beduíno gravado em 11 de fevereiro de 1953 e lançado em disco
(Odeon 13446) em junho de 1953, e

“Festa Junina”  71, valsa de J. Diniz e Ulisses Silva gravada em 13 de fevereiro de 1953 e lançada
em disco (Odeon 13446) em junho de 1953.

“Ai moreninha”, arrasta pé de Leite e Caxangá; e “A gente no mato é feliz”, valsa de Venâncio e
Corumba. Faixas gravadas em 11 de fevereiro de 1953 e lançadas em disco (Odeon 13491) em
agosto de 1953.

Em 19 de maio de 1953, a seção especializada “No domínio dos discos” da revista O Mundo
Ilustrado anuncia (Fig. 1.12) o primeiro dos dois compactos da dupla Pichincha e Caxangá lançados em
1953 (o disco Odeon 13446).

[Transcrição]
SÊLO ODEON
Novidades Juninas: Com Odette Amaral – “Cheirando bem”
e “Carneirinho de São João”; com Zé Gonzaga - “Criança
levada” e “Siry sem môio”; com Pato Prêto - “No rancho do
Tio Pedro” e “Um pedido a Sto. Antonio”; com Trigêmeos
Vocalistas - “Vamos brincar, São João” e “Homenagem a São
João”; com Pichincha e Caxangá - “Festa Junina” e “Maria
Chica”; com Dê Morais e Dóquinha - “Balão cruz de malta”
e “Ai São João”; com Laranjinha e Zequinha - “Cai balão” e
“Carta da baianinha” e, finalmente, com Antenogenes Silva e
Alcides Gerardi - “Chegou a banda” e “Noite na roça”.

Fig. 1.12 – Anúncio divulgando compactos com músicas juninas do Selo Odeon, dentre eles o compacto ODEON 13446
de Pechincha e Caxangá. Fonte: Revista O Mundo Ilustrado (19 de maio de 1953: 46, grifo nosso) 72

64 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/69897/quadrilha-caipira
65 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/69900/festeiro-do-arraia
66 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65124/coqueiro-veio-cansado
67 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/65130/cabelos-pretos
68 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70031/caboco-decidido
69 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70036/prepara-o-bolo
70 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70836/maria-chica
71 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70831/festa-junina
72 Esse anúncio das “Novidades Juninas” do Selo Odeon foi publicado também na Revista Carioca de 27 de setembro de 1953

(p. 47) e em alguns números do jornal Correio da Manhã do mesmo ano.


66

E, em 27 de setembro de 1953, a nota “Novidades no Rio em música sertaneja”, publicada pelo


jornal Correio da Manhã, cita o compacto seguinte (Odeon 13491) dessa dupla que, 66 anos depois, foi
lembrada pela professora Sonia Feitosa: “na década de 1950 formou a dupla Pechincha e Caxangá. Essa
dupla fez sucesso na Rádio Tupi no Rio de Janeiro por vários anos”.

Novidades no Rio em música sertaneja: “Onde Tá Tu” e “Valsa de Flores”, por


Alvarenga e Ranchinho. – “Zé Pretinho” e “Devoção de Pescador”, por Torrinha,
Pinheiro e Hamilton. – “Filhos e Fazendeiro” e “Linda Cabocla”, por Brinquinho e
Brioso. – “Aí Moreninha” e “A Gente no Mato é Feliz”, por Pichincha e Caxangá. –
“Pião de Fama” e “Minha Herança”, por Laranjinha e Zequinha. – “Meu Rio Grande”
e “Vida de Carreiro”, por De Moraes e Doquinha (CORREIO DA MANHÃ, 27 de
setembro de 1953: 2, grifo nosso).

Pelo cruzamento dos registros, é possível supor que Pechincha e Caxangá atuaram nas novas
instalações da Rádio Tupi, consideradas um dos maiores orgulhos da emissora na época: um “auditório
que possuía mil e seiscentos lugares e ficou conhecido como Maracanã dos auditórios” (AZEVEDO,
2002: 141). 73 Moreira também comenta as novas instalações da emissora: “na região portuária da Saúde,
atrás da Estação de Ferro Central do Brasil, os estúdios da Rádio Tupi ocupam salas no prédio de linhas
modernas projetado nos anos 1950 por Oscar Niemeyer para a sede dos Diários Associados”
(MOREIRA, 2002/2003: 6). Entretanto, mesmo sem comprovações dessa atuação, é válido considerar
que o nome da Super Rádio Tupi, sua audiência e seus esforços publicitários, contribuíram para o sucesso
de seu elenco, alavancando a carreira de atrações como a dupla Pichincha e Caxangá. 74
Em 7 de novembro de 1953, na coluna “Rua do Pimenta” de Manezinho Araújo (Fig. 1.13), a
Revista do Rádio traz um comentário sobre outro ramo de atuação de Pechincha nas ondas dessa influente
emissora, popularmente conhecida por seu prefixo PRG-3 ou, apenas, G-3:

[Transcrição]

A Tupi está apresentando um humorista novo


chamado Pechincha, que tem saído caro aos ouvidos
sintonizadores da popular onda da G-3.
Decididamente, aquelas anedotas da pelanca da velha e
do peixe fresco não são para o rádio. Fiooo...
(REVISTA DO RÁDIO, 7 de novembro de 1953: 24).

Fig. 1.13 – Comentário sobre a atuação de Pechincha como humorista publicado na coluna “Rua do Pimenta” de
Manezinho Araújo. Fonte: Revista do Rádio, nº 217 (7 de novembro de 1953: 24)

73 Conforme Azevedo (2002), a Super Rádio Tupi (ou Rádio Tupi) foi fundada em 1935 no bairro do Santo Cristo, no Rio
de Janeiro. Foi a primeira emissora vinculada ao grupo Diários Associados de Assis Chateaubriand. Em 1949, as instalações
da emissora foram atingidas por incêndio e, por ocasião da Copa do Mundo de 1950, a PRG-3 inaugura aquele que foi
considerado o maior estúdio da América Latina (daí o apelido “Maracanã dos Auditórios”), onde foram realizados programas
produzidos por personagens de grande sucesso (tais como Almirante, Ary Barroso, Antônio Maria).
74 Desde 1952, Caxangá já vinha gravando em outra dupla, Caxangá e Sanica, com quem seguiu atuando até a década de 1960.
67

Como “um humorista novo”, ao que se pode deduzir, Pechincha está novamente no trapézio,
arriscando-se em outra especialidade de entretenimento e, nesse caso, recebendo comentário negativo sobre
o tom inapropriado de suas anedotas por parte de um profissional que entende do ramo: o popular colunista
e cantor de emboladas Manezinho Araújo. 75 Como sempre, essa nota de imprensa pode ser colocada em
perspectiva. Por um lado, vale levar em conta que, como mostra o mesmo número da Revista do Rádio, a
questão daquilo que deveria ou não ser veiculado na rádio estava em pauta. Na página 19, há uma “pergunta
da semana” sobre o tema “Que pensa do Decreto de Restrições ao Rádio?”, e os respondentes são
expoentes do meio: a comediante Ema D’Ávila (1916-1985) diz que “Sou contra a aplicação dêsse decreto
do governo Linhares, 76 pois o rádio deve ter ampla liberdade, desde, é claro, que não cometa desmandos”;
e o ator Rodolfo Mayer (1910-1985) é mais rígido: “Acho que censura deve existir em tudo, mas que seja
usada racionalmente e que não cerceie a liberdade da imprensa falada. O excesso é condenável” (In: Revista
do Rádio, nº 217, 7 de novembro de 1953: 19). Pouco antes, nas páginas 16 e 17 da mesma revista,
encontramos outro desdobramento do debate “sobre o rádio e sua linha ideal de conduta”, agora
envolvendo nomes como o do locutor esportivo Gagliano Neto, do noticiarista Carlos Lacerda e do Sr.
Roberto Marinho que, nesse momento, acusava ameaças antidemocráticas contra sua emissora.
Por outro lado, a veia humorística fazia parte do personagem Pechincha e está presente nos
versos, ritmos, timbres e arranjos das toadas, côcos e embolados que compôs e cantou, como podemos
conferir, para citar ao menos um verso, no baião “Maria Chica”  77, de Beduíno, na voz de Pichincha e
Caxangá: “Maria Chica, nega do beiço vermêio. Não dá pipoco que o negócio fica feio”. 78 Assim,
Henrique Souza parece tentar a sorte recorrendo a uma inclinação artística que pode ter aflorado na
infância, nos tempos de circo, e ter amadurecido, mais tarde, nas experiências com o teatro de revista. O
fato é que não temos dados suficientes para prolongar o assunto: Pechincha estaria se afastando da
música? Ou, conciliando as atividades, estaria buscando uma fonte de renda complementar com as
habilidades humorísticas que possuía? Podemos supor que essa inserção humorística na Rádio Tupi e sua
repercussão na imprensa estariam relacionadas a outras questões? Pode ser que sim, se pensarmos em

75 Manoel Pereira de Araújo (1913-1993), conhecido como Manezinho Araújo, o “Rei da Embolada”, foi cantor, compositor,
jornalista, ator, pintor e mestre de culinária. Apresentou diversos programas radiofônicos, entre os quais, “Pandemônio”, por
sete anos, na Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Atuou em diversos filmes e participou em cerca de 22 cinejornais da Atlântida.
Foi parceiro de vários nomes de destaque (João da Baiana, Fernando Lobo, Hervê Cordovil etc.) e suas composições foram
gravadas por artistas de renome (Linda Batista, Luiz Gonzaga, Os Cariocas, Jackson do Pandeiro, Marlene, Gilberto Gil etc.).
Ao longo de sua carreira, do final de 1930 até a década de 1950, gravou mais de 50 compactos 78 rpms e quatro LPs, cantando
cocos, frevos, sambas e diversas emboladas, muitas das quais faziam uma espécie de crônica bem-humorada das situações
sociais e políticas. Em 1945, gravou um de seus maiores sucessos, o samba "Dezessete e setecentos", de Luiz Gonzaga e
Miguel Lima. Em 1954, afastou-se do meio artístico, passando a atuar em seu restaurante “O Cabeça Chata”, no bairro de
Copacabana (RJ) com atrações típicas do Nordeste. Essas e muitas outras informações sobre Manezinho Araújo estão
disponíveis no portal Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
76 José Linhares (1886-1957), magistrado que, interinamente, foi Presidente da República durante aproximadamente 3 meses

após a deposição de Getúlio Vargas em 1945.


77 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/70836/maria-chica
78 Conforme o Houaiss, por “beiço” entende-se “boca de lábio grosso”; e “pipoco” pode ser entendido como “contenda

acalorada; situação confusa; rolo”.


68

questões como aquelas que, como aprofunda Moreira (2019), surgem da relação entre humor e racismo
em programas de entretenimento que, entre anedotas e personagens caricatos, reproduzem estereótipos
raciais. 79 Estereótipos que não são vistos como violências discriminatórias por, de maneira extrovertida,
promoverem a diversão das plateias. Questões de “racismo recreativo” (MOREIRA, 2019) que se tornam
desconfortáveis quando, como talvez possa ser o caso aqui, a extroversão controlada ultrapassa
determinados limites e, gerando imediata reação, passa a ser criticada como exagerada ou inadequada.
Seja como for, entre jocosidades e outros humores, Pechincha seguiu compondo canções que
ressoaram em discos, rádios e, logo adiante, nas TVs. Em abril de 1954, Caxangá e Sanica lançaram um
compacto pela Columbia (CB-10.034) e, no lado A desse 78 RPM, podemos ouvir a canção “Felicidade de
caboclo”  80 de Gino Alves e Pichincha. 81 A Fig. 1.14 mostra uma versão dessa que, provavelmente, tenha
sido a mais exitosa canção de Pichincha.

Felicidade de Caboclo
Gino Alves e Pichinha, c. 1954

Todo caboclo tem Todo caboclo tem


Uma viola, uma cabocla e uma canção. Uma viola, uma cabocla e uma canção.

Tenho na mente uma canção bem decorada Minha cabocla tem os olhos tão ligeiros
Uma viola pendurada no meu rancho de sapé Um olhar tão feiticeiro, delicada no falar
Uma cabocla pra cuidar dos meus trapinhos Tenho ciúme dos ares dessa cabocla
Na gaiola um passarinho que me acorda ao amanhecer. Porque ela prende a gente só no jeito de olhar
Felicidade não se compra, não se vende Mas se algum dia essa cabocla for embora
Quando dois amor se entende é de graça e até morrer! Juro por Nossa Senhora que eu vou morrer de chorar.

Segundo o portal do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), a canção “Felicidade de


Caboclo” foi gravada onze vezes entre os anos de 1956 a 1997. 82 A versão de maior sucesso talvez
tenha sido a gravação da dupla sertaneja Liu e Léo, lançada em 1971, no Álbum “O Menino da Porteira”
(Tropicana/CBS - 01153). Ainda hoje, a canção “Felicidade de Caboclo” é lembrada entre os músicos
que atuam no setor da canção regional ou caipira. Dois registros mais recentes foram realizados no
programa “Sr. Brasil”, da TV Cultura de São Paulo, apresentado pelo ator, cantor e compositor Ronaldo
Boldrin: em 24 de novembro de 2013, a canção foi interpretada pelo cantor mineiro Bré  83; em 5 de
outubro de 2014, a canção foi ao ar na voz do cantor e compositor mineiro Lucas Lander Lopes Freire,
o Lucas Ventania  84.

79 “Estereótipo: Opinião preconcebida, difundida entre os elementos de uma coletividade; conceito muito próximo de

preconceito. Sant’Ana define estereótipo como: ‘uma tendência à padronização, com a eliminação das qualidades individuais
e das diferenças, com a ausência total do espírito crítico nas opiniões sustentadas’ (2004, p.57)” (MEC/SECAD, 2006: 218).
80 https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/name/Felicidade%20de%20caboclo/
81 Em 1956, na voz de Caxangá e Sanica, “Felicidade de Caboclo” aparece também numa coletânea chamada “Saudosa Minas

Gerais” (Columbia, LPCB 3010, LP 10’).


82 Cf. Anexo 1: Versos de canções gravadas por Henrique Souza.
83 https://www.youtube.com/watch?v=Rv-63quknKk
84 https://www.youtube.com/watch?v=eBNBzLBKwd4
69

Fig. 1.14 - Primeira estrofe da canção “Felicidade de Caboclo”  85 de Pechincha e Gino Alves (c.1954),
conforme a versão da dupla sertaneja Liu e Léu gravada no álbum O menino da Porteira de 1971.
Transcrição: Carlos Eduardo Romão, 2019.

85 https://immub.org/album/o-menino-da-porteira-1
70

A canção “Felicidade de Caboclo” representa, portanto, a produção de Henrique Souza como


autor de canções que foram lançadas por outros artistas e grupos musicais, de diversas gravadoras,
entre finais da década de 1950 e meados dos anos 1970. Além das canções que estão citadas ao longo
do presente trabalho, Pechincha e diferentes parceiros também assinam: o bolero “O que passou” de
Zacarias Mourão e Pichincha, gravado pela dupla sertaneja Estrela D’alva em 1957 (Columbia CB-11021);
e pelo cantor Sid Biá (Chantecler 78-0044-a) em 1958. O arrasta-pé “No Buraco de Otília”, de Pechincha
e Venâncio, gravado pelo cantor Zé do Baião, em 1965, no LP Forró dos Namorados  86 (Odeon, MOFB
3426); e também pela cantora e compositora Anastácia, a “Rainha do Forró” responsável por grandes
hits da música nordestina, no LP Canta para o Nordeste  87 (Continental, PPL 12321) lançado em 1967.
E a canção “Migalhas de Amor”, de Pechincha, Gino Alves e Clóvis Cavalcanti, gravada por Cascatinha
e Inhana, uma das mais famosas duplas sertanejas do Brasil, no LP Romper da Aurora  88
(Caboclo/Continental, CLP 9205) lançado em 1974.

1.6 – Pechincha nos palcos da vida

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão


Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se foi assim, assim será
Cantando me disfarço e não me canso de viver, nem de cantar

Milton Nascimento e Fernando Brant, Bailes da Vida, 1981

As memórias de Sonia Feitosa destacam outras iniciativas de seu pai: Henrique Souza “trabalhou
no teatro de revistas e em casas noturnas”. E é convidativo imaginar que essa atuação profissional da fase
adulta guarda relações, ainda que indiretas, com a já destacada circunstância de que o menino Henrique
e seus irmãos, após a morte do pai, passaram a morar num circo onde “logo começaram a aprender as
artes circenses e, em pouco tempo, os quatro começaram a trabalhar como trapezistas”. Tais iniciativas
de Pechincha podem ser colocadas em perspectiva mostrando algo da dimensão histórica e social do
trabalho de artistas negros nesse setor de entretenimento. Para traçar algumas linhas dessa perspectiva,
vale citar ao menos o resumo do estudo que Veneziano dedica ao tema do teatro de revista em nosso
país, pois nesse breve texto a autora já demarca pontos que indicam que, entre os costumes da sociedade
brasileira e os enredos desse gênero teatral, estende-se uma espécie de via de mão dupla:

Ao se falar de teatro de revista, nos vem as ideias de vedetes, bananas, tropicália,


irreverência e, principalmente de humor e de música. Mas que também se tenha a
consciência de um teatro que contribui para nossa formação cultural, que fixou nossos
tipos, nossos costumes, várias faces do anedotário nacional combinado ao (antigo)
sonho popular de que Deus é brasileiro e de que o Brasil é o melhor pais que há, enfim
este teatro contribuiu com o modo genuíno do falar à brasileira. Ao estudar o teatro de
revista e tentar compreender sua fase áurea, estar-se-á buscando um encontro com

86 https://immub.org/album/forro-dos-namorados
87 https://immub.org/album/canta-para-o-nordeste
88 https://immub.org/album/romper-da-aurora-1
71

nossas raízes e com tradições culturais. Este teatro caracterizou uma época e todo um
povo, enfocando-os na animada passarela revisteira, repleta de plumas, lantejoulas e
balangandans, numa frenética mistura de ingredientes bem temperados sob o ritmo
alucinante de nossa música popular (VENEZIANO, 1993).

Retendo o tom da formulação de Veneziano podemos observar que, no teatro de revistas ou no


campo das artes cênicas em geral, as iniciativas individuais dos artistas negros se dão entre “idas e vindas”
(WISNIK, 2003: 33) numa história de lutas de pessoas e coletivos organizados que, gradualmente,
abriram espaços de atuação. As circunstâncias dessas lutas exigem estudos específicos e, com o auxílio
de Aguiar, vale assinalar a longa duração desse processo:

Com a vinda da família real e com a independência do Brasil, buscou-se apagar qualquer
traço da cultura negra na formação de uma arte nacional. [...] Assim, atores mulatos
passaram a ser maquiados para disfarçar sua condição racial, tornando-se muito raro
que um ator negro ou mestiço ocupasse a posição de primeiro ator. Além disso, a
presença de atores mulatos ou negros em espetáculos teatrais era reduzida em
comparação aos atores brancos. [...] não há uma precisão sobre quando os atores
mestiços passaram a fazer parte do quadro profissional de atores na cena carioca. Porém
[...], no início do século XX, ― um espaço possível para o ator reconhecidamente
mestiço começa a se formar (AGUIAR, 2013: 88).

Discorrendo sobre o “drama histórico do negro” no teatro brasileiro do início do século XX,
Rocha recupera que:
Na primeira metade do século XX disseminou-se no Brasil o gênero “teatro de revista”.
Semelhante à comédia de costumes [...] o teatro de revista polemiza e satiriza os hábitos
comuns na sociedade e a vida política de sua época. Os textos geralmente são cômicos,
irônicos, com trocadilhos de duplo sentido e metáforas maliciosas. [...] Do gênero de
revista, a peça Forrobodó (1912) de Luís Peixoto e Carlos Bittencourt, com música de
[...] Chiquinha Gonzaga, se utilizou de uma série de estereótipos atribuídos aos negros:
mulata dengosa e casadoira, mulata sensual, mulato capoeirista briguento, malandro
festeiro e avesso ao trabalho. Na comédia de costumes Terra Natal (1920) de Oduvaldo
Vianna as personagens negras são os empregados da fazenda: Benedicto, um menino
peralta, engraçado e ignorante; Felisbina, menina dócil, ingênua e ignorante; e Carmen,
“mulata faceira”, prostituta carioca. [...] A presença do negro nas artes cênicas brasileiras
do século do XIX até as duas primeiras décadas do XX – quando o teatro se tornara
ambiente de encontro das classes dominantes – se restringia à participação como
músico, junto à orquestra que geralmente não aparecia no palco (ficava escondida em
um fosso entre o palco e a plateia). O artista negro era impedido de mostrar-se.
(ROCHA, 2017: 44-45).

Sobre o período seguinte, entre finais da década de 1920 até meados do século XX, Rocha relata
esforços empreendidos por artistas negros que, então, formaram suas próprias companhias:

Em julho de 1926 no Rio de Janeiro, no Teatro Rialto, estreou o primeiro grupo de


teatro formado por atores e atrizes negras, a Companhia Negra de Revistas (CNR),
fundada pelo artista baiano João Candido Ferreira, também conhecido como De
Chocolat, e pelo cenógrafo português Jaime Silva, reunindo atores, atrizes e músicos,
alguns dos quais já consagrados na época: Bonfiglio de Oliveira, Alfredo da Rocha
Vianna Filho (mais conhecido como Pixinguinha) [...]. O Brasil veio a conhecer outra
companhia de teatro negro de considerável envergadura somente duas décadas depois.
Em 13 de outubro de 1944, no Rio de Janeiro, Abdias Nascimento, Sebastião Rodrigues
Alves e Aguinaldo de Oliveira Camargo fundaram o Teatro Experimental do Negro
72

(TEN), que veio a se tornar uma referência na luta histórica do movimento negro contra
o racismo (ROCHA, 2017: 46-48). 89

Lima (2015) também nos informa sobre essa história, acrescentando outras companhias e
reiterando que, a seu modo, o teatro de revista abriu oportunidades de atuação profissional para negros,
proporcionando sustentabilidade econômica e oportunizando o exercício político social da negritude.

Até por volta de 1950, as revistas negras foram bastante atuantes, dando espaço para
artistas negros em todas esferas: dançarinos, músicos, cantores, comediantes,
produtores, entre outros. Dentre essas companhias de destaque, três são pertinentes:
Companhia Negra de Revistas (1926), Companhia Bataclan Negra (1927), Companhia
Mulata Brasileira (1930). Destas, a mais célebre é a Companhia Negra de Revistas [...].
Em suas mais de quatrocentas apresentações, excursionou pelo Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul (Nepomuceno, 2006).

Na opinião de Nepomuceno (2006), a Companhia Negra de Revistas, entre outras,


ampliou o “espaço para a discussão de temas caros a [...] uma plateia diversificada
racial, social e culturalmente” (Nepomuceno, 2006, 26). Ou seja, dentro de uma
atmosfera lúdica e através da comicidade, o grupo consegue trazer ao palco a
discussão e a reflexão sobre “relacionamentos étnico-culturais - e de partilhas de
experiências negras do viver urbano” (Nepomuceno, 2006, 14). Por essa razão, a
autora considera que foram as revistas negras, e não o Teatro Experimental do Negro
[TEN], as pioneiras a trazerem a questão negra para os palcos brasileiros
(NEPOMUCENO apud LIMA, 2015: 101-102).

Chamando atenção para outros aspectos, a partir de matérias publicadas no jornal Quilombo, 90

Romão destaca que o Teatro Experimental do Negro (TEN) propunha-se a “trabalhar pela valorização e
valoração do negro em todos os setores: social, cultural, educacional, político, econômico e artístico”
(ROMÃO, 2005: 126). E nesse sentido, acrescenta Romão, essa companhia impulsionou ações diversas: o
TEN promoveu o “curso de alfabetização de adultos” coordenado pelo professor Ironides Rodrigues, 91
que alcançou pessoas marcadas pela exclusão social, negras ou não, desempregadas ou das mais diversas
profissões. Tais ações foram determinantes na vida de muitas pessoas, dentre essas o ator, escritor, produtor
e sambista nascido em 1930, Haroldo Costa: “Meu primeiro contato com o TEN foi em 1948 [..], tive
conhecimento dos cursos de alfabetização de adultos ministrados pelo grupo, por um panfleto que meu pai
encontrara” (COSTA apud ROMÃO, 2005: 125).

89 Esses dados e datas são lembrados aqui, pois, cronologicamente, coincidem com o amadurecimento de Pechincha. Contudo,
vínculos artísticos profissionais entre músicos negros e o mundo do teatro musical já se destacam desde o século anterior. A
esse respeito, no estudo de Augusto (2014: 167-238), veja-se o caso da destacada atuação do músico Henrique Alves de
Mesquita durante a “Época das mágicas”, ao longo das últimas décadas do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro.
90 O jornal Quilombo foi uma criação do Teatro Experimental do Negro, foi publicado entre os anos de 1948 a 1950. Os artigos

sobre educação, instrução e alfabetização foram publicados entre os anos de 1949 e 1950. Cf. Romão (2005: 126-127).
91 Como informam algumas fontes, Ironides Rodrigues (1923-1987) nasceu em Uberabinha, atual Uberlândia, em Minas

Gerais. Ingressou no curso de direito em meados de 1940, porém, devido a diversos problemas, se bacharelou 34 anos mais
tarde, em 1974. Foi coordenador do processo de alfabetização de adultos promovida pelo Teatro Experimental do Negro
atuando como professor de Português, História, Aritmética e Educação Moral e Cívica, ensinando também noções de História
e Evolução do Teatro Universal, sempre entremeando lições do folclore afro-brasileiro, façanhas e lendas dos maiores vultos
da raça negra. Foi também tradutor de pensadores negros estrangeiros. Para uma análise crítica da trajetória e concepção
educacional de Ironides Rodrigues, cf. Romão (2005: 120-126).
73

Jornais e revistas da década de 1960 indicam que Pechincha circulava por São Paulo e trazem
algumas informações a respeito do seu “trabalho no teatro de revistas e em casas noturnas”. Em 12 de
junho de 1961, a coluna Roteiro Noturno do jornal paulista Diário da Noite publicou um comentário sobre
o show-revista “Que Boas Que Elas São” que ficou em cartaz na casa de espetáculos Variety Night Club
durante alguns meses, e aqui o nome de Pichincha está no elenco principal (Fig. 1.15).

[Transcrição]
ROTEIRO NOTURNO

“QUE BOAS QUE ELAS SÃO” – Este é um


sugestivo título do ‘Show-revista’, que
atualmente está sendo apresentado no
‘VARIETY NIGHT CLUB’, no horário das 2
da manhã. Neste espetáculo que é dos melhores
estão atuando famosas ‘vedettes’ do teatro
musicado e o ‘show’ tem agradado bastante.
‘QUE BOAS QUE ELAS SÃO’ conta com a
participação dos seguintes artistas: SILVANA
(o monumento moreno do Brasil), VALERIA
LUERCY (a mais graciosa ‘vedette’), 92
PICHINCHA (super comico da Rádio Tupi),
Rony Rios 93 e a mais recente revelação IRENE
SILVA. No clichê admiramos hoje a
encantadora Valeria Luercy.

Fig. 1.15 – Matéria sobre o espetáculo “Que boas que elas são” em cartaz no Variety Night Club, destacando a participação
de Pichincha no elenco. Fonte: Diário da Noite, SP (12 de maio de 1961: 30, grifo nosso)

92 Como informam alguns sites e a Wikipédia, Valéria Luercy (Luerci Moreira Banack, 1938-1993) foi atriz, redatora, autora,
diretora, apresentadora, compositora, letrista, cantora, locutora, radialista, produtora, garota-propaganda e modelo. No final
dos anos 1950, no Rio de Janeiro, iniciou carreira como modelo tornando-se vedete no teatro de revista. Em 1960 foi eleita a
Melhor Atriz do Teatro Musicado Popular pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT). Na televisão atuou em
diferentes emissoras (Record, Globo e SBT) interpretando, no programa “Praça da Alegria”, a caipira Ofélia, esposa de
Simplício, e a ingênua Pureza. Sua cidade natal, Jaguariaíva (PR), homenageou a atriz dando seu nome ao
“Cine Teatro Municipal Valéria Luercy”.
93 A Wikipédia informa que Rony Rios, ou Roni Rios, é o nome artístico de Ronald Leite Rios (1936-2001), médico veterinário

e comediante que atuou em teatro, rádio e televisão. Na década de 1960 integrou o elenco da TV Rio e TV Record,
interpretando, na “Praça da Alegria”, personagens como o Seu Explicadinho (famoso pelo bordão “nos mínimos detalhes”),
o velho Philadelpho e Bizantina Scatamáfia Pinto, a Velha Surda, seu maior sucesso. Na década de 1970 atuou na TV Tupi,
participando dos programas “Balança, Mas Não Cai”, “Deu a Louca no Show” e “Apertura”.
74

A Revista do Rádio (de 22 de julho de 1961: 42), na coluna “São Paulo Não Pode Parar” assinada por
Mário Júlio, também divulga o espetáculo: “O Variety Night Club nos oferece a revistinha ‘Que Boas Que
Elas São’, com Valeria Luercy, Silvana, Rony Rios, Pichincha e outros”. Entre maio e julho de 1961, esse
show-revista aparece em outras matérias e anúncios publicados no Diário da Noite de São Paulo destacando
Pichincha como o “supercômico da Rádio Tupi” (Diário da Noite, SP, 12 de maio de 1961: 30) e o “impagável
cômico das Associadas Pichincha” (Diário da Noite, SP, 15 de junho de1961: 16). 94 Tais matérias, entretanto,
não informam se Pichincha, nesse show-revista, atuava também como cantor, compositor ou
instrumentista. No dia 6 de julho de 1963, o mesmo Diário da Noite publica uma coluna divulgando eventos
da ARESP – Associação dos Radialistas do Estado de São Paulo. 95 Nessa coluna encontra-se um
comemorativo subtítulo “Aniversariantes” que traz o seguinte texto:

Vocês que já se habituaram a cumprimentar aos radialistas aniversariantes, poderão


fazê-lo, entre hoje e a próxima sexta-feira. Hoje, Sills Bondezan, sonotectnico da Rádio
Difusora; Aleixo Molinar e Pedro Tozzi, do Departamento Técnico do Canal 4;
Amanhã [dia 07 de Julho], Mário Gennari Fino, musicista e compositor do Canal 5; dep.
Cid Franco, outro parlamentar que não perde o ensejo de se declarar radialista atuante;
Daniel Leite, ex-radialista, hoje industrial; Henrique de Souza, o Pichincha, cantor-
humorista independente (Diário da Noite, SP, 6 de julho de1963: 5, grifo nosso).

Esse texto indica que, possivelmente, “o Pichincha, cantor-humorista, independente” fez parte
da ARESP, e comete dois leves equívocos: o nome de Henrique Souza não faz uso da preposição “de”
entre o prenome e o nome de família, e o dia de seu aniversário, como informa sua filha, não é 07 de
julho, e sim 07 de setembro.
Em 1977, a convite de Venâncio, Pechincha passa a integrar o recém-criado grupo musical
Venâncio e os Baianos de Aracajú. Esse grupo, como já declara o desencontro geográfico estampado no
nome, mescla humor e regionalismos e, com essa proposta, ironizando as conotações dos erros de
ortografia, em 1978, lançou o álbum Brasil com ‘S’  96 pela gravadora Premier RGE (Fig. 1.16). No LP
Brasil com “S”, que parece ter sido o último álbum gravado por Venâncio, além de instrumentista e
cantor, Pechincha também participa como autor com duas canções em parceria com Venâncio, são
elas: “Rio de Ontem”, terceira faixa do lado A, e “João Crioulo e Maria Mulata” na segunda faixa do
lado B. Nesse disco percebe-se a presença e a sonoridade do cavaquinho de Pechincha, uma vez que o
instrumento assume protagonismo em cinco faixas: “Segura a louça”, “Rio de ontem”, “O ensaio”,
“João Crioulo e Maria Mulata” e “Zé de Olinda”.

94 Sobre a questão do preconceito de cor na integração profissional do negro no mundo radiofônico de São Paulo nos anos
de 1959 a 1961, cf. Borges Pereira (2001).
95 A ARESP – Associação dos Radialistas do Estado de São Paulo foi fundada em março de 1945 e reestruturada em outubro

de 1962. Atualmente corresponde ao Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão no Estado de
São Paulo, representando trabalhadores das empresas de Rádio, TV e Produtoras de Áudio e Vídeo.
96 https://immub.org/album/brasil-com-s-venancio-e-os-baianos-de-aracaju
75

Fig. 1.16 - Capa e contracapa do LP Brasil com “S” de Venâncio e os Baianos de Aracajú
(Premier/RGE, 307.3328 – 1977)

Com os dados até aqui localizados, podemos concluir que o cavaquinho aparece, ou ganha maior
destaque, já nas últimas décadas da carreira profissional de Pechincha. As causas que provocaram a
entrada em cena desse instrumento são incertas. Mas certamente, ao fundo, estão associadas aos ciclos
de tensão geracional, musical e comercial que, no âmbito da música popular produzida no Brasil,
distinguem aquilo que Napolitano percebeu como “O terceiro período histórico (1958/1969): o corte
sociológico e epistemológico na música popular e a invenção da MPB” e “O quarto período histórico: a
MPB como o centro da história musical brasileira – tradição, mainstream e pop (1972-1979)”. Nesse quarto
período, como podemos ouvir nessas faixas em que o cavaquinho de Pechincha ganha protagonismo no
disco Brasil com “S”, o samba tem o seu lugar como um ramo da indústria fonográfica que, “mesmo
incorporado ao mainstream sintetizado pela sigla MPB, manteve certa independência”, oportunizando

o grande sucesso de nomes como Martinho da Vila, Beth Carvalho, que atravessará toda
a década, o prestígio em torno de Paulinho da Viola, bem como a valorização de nomes
lendários, como Nelson Cavaquinho, Cartola, Adoniran Barbosa e Lupicínio Rodrigues,
resgatados na década de 70 pelo gosto da classe média. Mas, dentro da tradição do
samba, também se esboçou uma certa hierarquização do gosto, sobretudo por parte da
audiência musical da classe média intelectualizada, com a desqualificação do chamado
“sambão-jóia” (Originais do Samba, Luiz Ayrão, Benito de Paula, entre outros)
(NAPOLITANO, 2002: 71-72).

Nessa panorâmica sobre as relações entre, por um lado, o expressivo sucesso de um ramo
comercial da música da década de 1970 e, por outro, a decisão de um músico, à época, se dedicar ou
não ao cavaquinho, pesam também escolhas que são de ordem mais técnica. Por conta de sua específica
tessitura, alguns cavaquinistas migram para outros instrumentos que, em princípio, oferecem
possibilidades mais amplas. Contudo, ao que se nota, Pechincha percorreu um caminho inverso: após
76

anos tocando e cantando ao violão, se aproximou do cavaquinho passando a explorá-lo de modo mais
sistemático e profissional. E esse novo interesse certamente contribuiu para um próximo
empreendimento: a elaboração e publicação do volume Antologia do cavaquinho: método popular com
encadeamentos e cifragens, produto que demonstra o interesse do músico em formalizar, compartilhar e
monetarizar seus conhecimentos musicais.
Enquanto isso, conforme sua filha nos relata, Henrique Souza buscou uma formação teórico
musical que impulsionou seu trabalho para outros rumos, tais como a titulação de músico profissional
e o licenciamento para atuar como professor de música. A vinculação a uma instituição como o
Conservatório Artístico e Musical Béla Bartók representa uma diversificação de sua inserção social e
profissional como um músico negro que, como professor de cavaquinho, contribuiu para que esse
instrumento, gradativamente e contando com esforços de muitos, encontrasse o lugar que atualmente
ocupa nos ambientes formais de ensino e aprendizagem musical.
Articulando as memórias da professora Sonia Feitosa e as esparsas informações encontradas na
imprensa, pode-se concluir que, como tantos outros músicos negros brasileiros, Pechincha atuou em
diversas frentes, passou por fases e enfrentou mudanças de diferentes naturezas e intensidades
equilibrando-se entre questões de ordem pessoal e circunstancias associadas ao trabalho musical que,
por sua vez, não se separa da conjuntura histórica, social, política, econômica e cultural. Nascido em
1913, vinte e cinco anos após a abolição da escravatura no Brasil, Henrique Souza viveu as vicissitudes
do conturbado século XX, tendo que entender, lidar e sobreviver no instável e competitivo ambiente
dos espetáculos, das emissoras de rádio, das gravadoras, das aulas de música e das editoras musicais.
Como frequentemente ocorre com as pessoas comuns e, de modo especial em nosso caso, com
as pessoas comuns negras, as histórias de vida quase sempre não se preservam de maneira
suficientemente completa. E se os fragmentos aqui reunidos, e nem sempre comprovados, permitem
apenas uma narrativa presumida, resta-nos ainda, e novamente, a sabedoria da canção popular que,
desde há muito, dá voz aos sem história com “h” maiúsculo. Nesse registro, que não é rigorosamente
historiográfico e nem biográfico, mas que nem por isso deixa de ser informativo, talvez o próprio
Pechincha pudesse compor e cantar versos como: “Eu já passei por quase tudo nessa vida / Em matéria
de guarida / Espero ainda a minha vez / Confesso que sou de origem pobre / Mas meu coração é
nobre / Foi assim que Deus me fez”.
Abrindo um parêntese nesse conhecido samba de Serginho Meriti e Eri do Cais, essa deferência
ao ente criador, infinito e eterno pode ser realçada se reiterarmos que, como nos contou sua filha,
Henrique Souza foi homem dedicado às coisas da alma, “recebeu formação religiosa católica, pois seu
pai era extremamente beato, mas adulto optou pelo espiritualismo de Alan Kardek”, por um período
“foi adepto do esoterismo” e, no decorrer da vida, “se engajou no movimento filosófico Rosa Cruz,
na filosofia espiritualista Racionalismo Cristão e no sistema religioso-filosófico Kabbalah”. Voltando ao
77

samba, profissionalmente, por aquilo que foi possível encontrar, podemos presumir que Pechincha se
identificaria com os versos “Se não tenho tudo que preciso / Com o que tenho, vivo / De mansinho
lá vou eu / Se a coisa não sai do jeito que eu quero / Também não me desespero / O negócio é deixar
rolar / E aos trancos e barrancos, lá vou eu!”
Não se trata aqui de uma simples apologia ao conformismo. Pois, como vimos, Henrique Souza
deixou produções que atestam que, entre trancos e barrancos, sua capacidade laboral foi vigorosa e
perseverante. Trata-se, então, de sublinhar que, na vida desse homem comum, como para tantos
homens comuns negros, a música não é pura ou autônoma: a música não é só música. É também uma
forma de vida, uma forma de levar a vida e de deixar a vida nos levar. Aprender e ensinar música, fazer
música ativamente, escrever sobre música, tudo isso é também um modo de aprender e ensinar a viver:
uma maneira de fazer a vida.
78

Graus comparativos

Onde mais alegria


Que num funeral em New Orleans
Ou no país dos Axantis;
Mais fidalguia
Que em dois corpos recôncavos
Rachando um samba complexo
Miudinho, semba, sexo
No umbigo da baía;
Ou mais tecnologia
No equilíbrio
Das longas pausas no discurso,
No deslocamento das tônicas
E dominantes,
Na análise combinatória
Dos odus,
Na química dos humores
De nossos corpos comburentes
Fundindo seus negrumes,
Nus.

Nei Lopes

Poétnica
Rio de Janeiro: Mórula, 2014
79

Úbangelu
Uma leitura comentada do método popular de Pechincha

Do ponto de vista semântico, a palavra “método” pode significar: “caminho para


chegar a um fim; caminho pelo qual se atinge um objetivo; programa que regula
previamente uma série de operações que se devem realizar, apontando erros
evitáveis, em vista de um resultado determinado; processo ou técnica de ensino:
método direto; modo de proceder; maneira de agir; meio”
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
citado por Sonia Couto Souza Feitosa (1999: 5)

O Antologia do Cavaquinho: Método popular com encadeamentos e cifragens - por Henrique Souza, conforme
vimos, surgiu em meados da década de 1980 e, desde então, passou a fazer parte de um conjunto de
métodos dedicados ao ensino do cavaquinho publicados no Brasil ao longo do século XX. 97 Com os
estudos realizados e as informações coletadas acerca desse autor e seu método, é possível perceber que
esse Método popular é decorrente do acúmulo de experiências diversas de um músico e professor que,
naquele momento, contava com 71 anos de idade.

Fig. 2.1 - Capas da 1ª e 3ª edição do “Antologia do cavaquinho - Método popular de cifragens por Henrique Souza” (SOUZA,
1984 e 1997)

O Antologia do cavaquinho foi impresso, publicado e comercializado pela Editora Irmãos Vitale
S.A. - Indústria e Comércio, localizada, ainda hoje, na rua França Pinto, nº 42, no bairro da Vila Mariana
na cidade de São Paulo. Conforme os dados obtidos na Agência Brasileira do ISBN, e com as
informações encontradas nos próprios volumes, o Antologia do cavaquinho conta ao menos com três
edições que foram lançadas pela mesma editora: a primeira e a segunda, com o ISBN 85-85188-47-2,
em 1984; e a terceira edição, com o ISBN: 978-85-851-8847-4, contando com acréscimos foi publicada,
postumamente em 1997. Os volumes foram impressos em papel ordinário, no formato 32,5 por 23 cm.
Uma diferença entre essas edições pode ser observada na arte da capa (Fig. 2.1), uma vez que, na

97 Cf. Anexo 5: Listagem de métodos para o ensino do cavaquinho publicados no Brasil entre 1932 e 2005.
80

primeira edição, o fundo possui cor azul clara e traz a foto de Henrique Souza no canto superior
esquerdo. Abaixo dessa foto, ganha destaque o nome artístico do autor: Pechincha. O título Antologia
do cavaquinho está destacado, levemente alinhado à direita e, na parte inferior, está centralizado o
subtítulo Método Popular com Encadeamentos e Cifragens por Henrique Souza. No canto inferior direito
encontra-se o número da edição e o selo da editora. 98 Conservando a mesma fotografia, a capa da
terceira edição possui fundo colorido e suas fontes tipográficas são distintas das anteriores (Fig. 2.1).

2.1 – Abrindo os trabalhos: prefacio, índice e um surpreendente diálogo de apresentação

Na primeira página da Antologia do cavaquinho encontramos aquele Prefácio, já comentado e


integralmente transcrito acima. 99 Vale relembrar que, é neste Prefácio que Henrique Souza presta “singela
homenagem” à sua filha Sonia Couto Souza Feitosa. Após a Capa e o Prefácio, o método popular traz um
Índice Geral que endereçam trinta e nove itens que, como veremos, contemplam enunciados pedagógicos,
questões idiomáticas, canções, progressões harmônicas e outros detalhes. 100
Após o Índice Geral encontra-se o Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática, uma imagem pouco
usual do cavaquinho deitado à esquerda com indicações de suas partes constituintes e o nome das notas
grafadas no braço do instrumento. 101 Para a correspondência entre essa imagem (Fig. 2.2) e seu
instrumento, o estudante deve repousar o cavaquinho em seu colo.

Fig. 2.2 - “Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática”, conforme Pechincha (SOUZA, 1984: 1) 102

98 A segunda edição não foi obtida para essa pesquisa, contudo, considerando que o seu ISBN é o mesmo da primeira edição,
podemos supor que a segunda edição não sofreu alterações.
99 Cf. o item “1.3 – O autor nas memórias de sua filha” na presente dissertação.
100 Cf. Anexo 3: Índice Geral - Antologia do Cavaquinho.
101 Uma referência para esse tipo de representação são os diagramas de acordes encontrados no método prático O Bohemio de

Paraguassú (c. 1940: 7-30).


102 No Antologia do Cavaquinho é usada a nomenclatura “mão”, entretanto, outros autores empregam o termo de “cabeça”. Cf.

Cazes (2019: 20).


81

Para se ter um parâmetro das dimensões do instrumento à época, podemos reler o depoimento de
Arraes (2015), que se baseia nas medidas dos modelos signature “Waldir Azevedo”:

Tirando as medidas do meu cavaquinho, da marca Do Souto Modelo Waldir 1984, pude
constatar que seu comprimento total é de 59 cm, sendo 13 cm para a cabeça, 18 cm
para o braço e 28 cm para a caixa; seu bojo tem de largura, 22,5 cm na parte maior e
16,5 cm na parte menor; as cordas, da pestana ao cavalete, medem 35 cm. A caixa de
ressonância tem uma altura de 08 cm, próximo da conexão com o braço, e de 09 cm em
sua base. Sua escala tem 19 trastes e sob a primeira corda 20 trastes, o que aumenta em
três notas a extensão do instrumento (ARRAES, 2015: 50-51). 103

Voltando ao Antologia do Cavaquinho, na página 2 encontramos um Diálogo de Apresentação do


Cavaquinho com o Aluno. Aqui, com leveza e coloquialidade, como que relembrando, por um lado, a tradição
dos diálogos gregos 104 e, por outro, a corporalidade narrativa dos mestres Griots da antiga África, 105
Pechincha propõe uma fala imaginária. O cavaquinho é antropomorfizado, ganha vida, se transforma em
professor e, em primeira pessoa enuncia: “Meu nome é CAVAQUINHO, mas na roda de samba sou
conhecido por «Cavaco». Pertenço à família Regional. Possuo quatro cordas e sou afinado em Ré-Sol-Si-
Ré. Pertenço também à Clave de Sol” (SOUZA, 1984: 2). Assim, nesta colocação inicial, o professor
Cavaquinho sintetiza histórias e cenários nos quais o instrumento se situa. E, ainda que a afirmação seja
breve, podemos notar que se trata de uma noção de pertencimento que é ampla e consideravelmente
intrincada.
Com o auxílio de Cazes, alguns aspectos desse Diálogo de Apresentação, ou mais precisamente, dessa
declaração de situação e pertencimento, podem ser realçados. Comecemos com uma ponderação sobre
local, tempo e contexto:

No Brasil o cavaquinho desempenha importante função no acompanhamento dos mais


variados estilos, desde gêneros musicais urbanos como o samba e o choro, até
manifestações folclóricas diversas como folia de reis, bumba-meu-boi, pastoris,
chegança de marujos (CAZES, 1998: 8).

Tais delimitadores socioculturais correlacionados, a partir de onde o personagem Cavaquinho fala,


amplificam e se somam àquilo que pode ser escrito nas páginas de um método de ensino desse instrumento
musical. Nas entrelinhas, a declaração de pertencimento do professor Cavaquinho nos informa sobre aquilo
que Finnegan, citado por Arroyo (2002: 101), conceituou como um “mundo musical”. Tal mundo, dizem
as autoras, pode ser compreendido como um “espaço social marcado por singularidades estilísticas”, um

103 Para referências sobre a organologia e a luteria do Cavaquinho, cf. Cazes (2019: 13-24).
104 “Diálogo. Para grande parte do pensamento antigo [Sócrates, Platão etc.] e até Aristóteles, o diálogo não é somente uma das
formas pelas quais se pode exprimir o discurso filosófico, mas a sua forma própria e privilegiada, porque esse discurso não é feito
pelo filósofo a si mesmo e não o encerra em si mesmo, mas é um conversar, um discutir, um perguntar e responder entre pessoas
associadas pelo interesse comum da busca. O caráter conjunto dessa busca da forma como os gregos a conceberam no período
clássico tem expressão natural no diálogo” (ABBAGNANO, 2007: 274).
105 “GRIOT. Termo do vocabulário franco-africano, criado na época colonial, para designar o narrador, cantor, cronista e

genealogista que, pela tradição oral, transmite a história de personagens e famílias importantes às quais, em geral, está a serviço.
Presente sobretudo na África ocidental, notadamente onde se desenvolveram os faustosos impérios medievais africanos (Gana,
Mali, Songai etc.), recebe denominações variadas: dyéli ou diali, entre os Bambaras e Mandingas; guésséré, entre os Saracolês; wanbabé,
entre os Peúles; aouloubé, entre os Tucolores; e guéwel (do árabe qawwal), entre os Uolofes” (LOPES, 2004: 310).
82

espaço “de valores, de práticas compartilhadas, mas que interagem com outros mundos musicais,
promovendo o recriar de suas próprias práticas, bem como o ordenamento de diferenças sociais”. Por isso,
quando o professor Cavaquinho afirma que “pertenço à família Regional”, tal pertencimento traz consigo
uma série de implicações. Para realçá-las, dando asas ao diálogo proposto pelo mestre Cavaquinho, seguem
duas digressões: a primeira refere-se à presença do cavaquinho no chamado “conjunto regional”, a “base
rítmico-harmônica de dois ou três violões, cavaquinho e percussão” (CAZES, 2019: 170) empregada em
gêneros musicais urbanos. Depois, na segunda digressão, destacam-se ressonâncias do cavaquinho em
âmbito literário, nas linhas e entrelinhas dos poemas, contos e romances que nos informam sobre
conotações associadas ao instrumento em nosso país.

2.2 – O cavaquinho no conjunto regional: através do choro e do samba

Oi foi só pegar no Cavaquinho / Prá nego bater


Mais seu eu contar o que é que pode / Um cavaquinho os "home" não vai crer

Kid Cavaquinho, João Bosco e Aldir Blanc, 1975

Quando o professor Cavaquinho se apresenta dizendo: “Pertenço à família Regional” (SOUZA,


1984: 2), em princípio, podemos considerar que essa família está relacionada ao universo do choro, e sendo
assim, também ao mundo do samba, pois, como emenda o professor: “na roda de samba sou conhecido
por «Cavaco». Ou seja, nessa imagem de família se nota aquela flexibilidade apontada por Menezes Bastos
(2009: 188): “o choro e o samba mantêm desde os tempos da casa da Tia Ciata – no início do século XX –
uma relação do tipo ‘através’, segundo a qual um conduz ao outro e vice-versa”. A seu modo, seguindo
outras vias de investigação e interpretação das histórias que nos informam sobre o mundo musical do
cavaquinho, como notou Cazes, o historiador José Ramos Tinhorão também assinala interações entre choro
e samba realçando, com a imagem do “casamento musical”, a consagrada metáfora biológica da família:

Sob o nome logo popularizado de conjunto regional, o que tais grupos [à base de flauta,
violão e cavaquinho com a percussão dos sambas populares] vieram a realizar [...] era o
casamento da tradição do choro da pequena classe média com o samba das classes
baixas. Um casamento musical que se revelaria por sinal muito fecundo (TINHORÃO
apud CAZES, 2019: 8).

Comentando as histórias e identidades dessa fecunda “família”, autores como Cazes e Taborda
consideram que a trajetória do “Regional” pode ser dividida em dois períodos. 106 O primeiro remete ao
início do século XX, quando esses conjuntos ou grupos musicais, devido ao uso de vestimentas
características de determinadas regiões do Brasil, passaram a ser conhecidos como “Regionais”. Em seu
estudo, Taborda observa que:

Um novo momento na trajetória dos conjuntos de choro, ainda nos primeiros anos do
século XX, deveu-se à onda de exacerbação do “que é nosso”; imbuídos do espírito de

106 Para uma revisão bibliográfica sobre a formação do conjunto regional, cf. Pessoa (2019).
83

divulgar a produção e a identidade “verdadeiramente nacional” os choros passaram a se


apresentar com programa de variedades e obras de temática regional. Nesta linha de
atuação, alcançou destaque o “Grupo do Caxangá”, conjunto de inspiração nordestina,
tanto no repertório, na indumentária, e até mesmo no nome dos integrantes que
adotaram para si codinome sertanejo (TABORDA, 2008: 62). 107

A partir da década de 1930, conforme Cazes, esses conjuntos musicais ganharam maior projeção
quando passaram a acompanhar as vozes de sucesso da era do rádio:

Para uma estação de rádio da época era indispensável o trabalho de um conjunto do tipo
“regional”, pois, sendo uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinha a
agilidade e o poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que
se referisse ao acompanhamento de cantores. O nome ‘regional’ se originou de grupos
como Turunas Pernambucanos, Voz do Sertão e mesmo Os Oitos Batutas, que, na década
de 20 [1920], associavam a instrumentação de violões, cavaquinho, percussão e algum
solista a um caráter de música regional (CAZES, 1999: 85).

Esse “acompanhamento de cantores” aponta para as funções do cavaquinho no Regional. Como


qualificar o seu papel nesses conjuntos musicais? Procurando respostas para questões desse tipo, não
raro, também encontramos metáforas biológicas que tendem a legitimar ou naturalizar a pertença do
cavaquinho nessa “família”. Nesse sentido, retomando a matéria anos depois, Cazes faz acréscimos que
nos ajudam a situar tanto a produção métodos de acompanhamento, como é o caso da Antologia do
cavaquinho de Henrique Souza, quanto o surgimento do cavaquinista profissional:

Ao falarem da importância do cavaquinho no conjunto regional, músicos de diferentes


gerações com quem convivi sempre ressaltaram o fato de ser “o meio de campo”, “a
espinha dorsal” ou, nas palavras de Canhoto [...] “a parte principal", “o centro”. O
uso recorrente do termo “centro” gerou a designação “centrista” para os cavaquinistas
acompanhadores, designação que foi muito usual até a década de 1990, persistindo
por muitos anos uma clara separação entre cavaquinho centro e cavaquinho solo
(CAZES, 2019: 28).

Amparado no binômio praticidade e baixo custo, a hegemonia do conjunto regional


resultou diretamente no aparecimento do profissional do cavaquinho, que até a década
de 1930 praticamente não existia. Em cada estação de rádio ou gravação de samba, um
cavaquinista esteve trabalhando e procurando se aperfeiçoar para obter mais trabalho e
prestígio. O acompanhamento com o regional não abrangia apenas o samba, embora
este fosse o gênero preferencial. Valsas, marchinhas, canções, música junina, tudo era
embalado por esta instrumentação (CAZES, 2019: 160).

E, ao comentar, a partir de depoimentos de artistas negros – tais como Nelson Cavaquinho, Jair
do Cavaquinho, Cartola, Monarco, Bide, Manacéa, Alvaiade, Chico Santana e Mauro Diniz – as relações
entre o cavaquinho e a iniciação musical em ambientes onde o samba e choro não se separam, Cazes

107Conforme Cazes (1999: 57), Lacerda (2019: 44) e Neto (2017: 77-78), o Grupo do Caxangá, posteriormente Grupo
Caxangá, foi batizado com esse nome devido ao sucesso de Cabocla de Caxangá no carnaval de 1913, uma canção atribuída a
Catulo da Paixão Cearense (1863-1946). A formação do Grupo do Caxangá variou entre os anos de 1912 a 1914. A primeira
formação contou com oito músicos que se apresentavam com trajes típicos do sertão brasileiro tocando temas folclóricos e
nordestinos. Esses músicos utilizavam codinomes também “típicos”: Guajurema (João Pernambuco, 1883-1947), Zé Vicente
(Donga, 1890-1947), Mané Francisco (Henrique Manoel de Souza), Zé Portera (Nola), Mané Riachão (Caninha, 1883-1961), Chico
Dunga (Pixinguinha, 1897-1973), Inácio da Catingueira (Osmundo Pinto) e Zéca Lima (Palmieri).
84

transcreve um depoimento de 1978, para o Museu da Imagem e do Som, em que Dona Ivone Lara
(Yvonne Lara da Costa, 1922-2018) realça justamente o papel do “centro”.

Eu tive que pegar o cavaquinho quase que nem profissional, porque meu tio escrevia e
fazia choro [...] então quando ele estava em casa, ele pegava ou o trombone ou pegava
o violão dele para fazer uns choros, [...] ele me pegava e dizia assim: “Ô, Ivone, senta
aqui perto de mim”. Eu me sentava, ele botava o cavaquinho na minha mão e dizia:
“Agora você vai fazer isso, vai fazer Fá, Sol, Lá”. E ia tocando os choros dele e me
ensinou a fazer centro, então eu centrava, tanto que às vezes quando ele fazia exibições
lá na casa dele, à primeira vista, os camaradas tinham que cair, não podiam estar
acertando o centro, o acompanhamento, aí ele dizia: “Vocês são uma vergonha, querem
ver uma coisa? Ô, Ivone, vem cá́!”. Aí eu digo: “Ih, meu deus do céu”, estava eu lá na
minha brincadeira, já vinha eu sentar de cavaquinho na mão pra centrar, aí o pessoal
ficava admirado, mas não sabia que aquilo ensaiava que só vendo, ele me botava quase
que de castigo, eu ensaiando, ensaiando, ensaiando aquilo, quando chegava na hora eu
acompanhava ele direitinho (IVONE LARA apud CAZES, 2019: 31-32).

Dissertando sobre a “excelência” e a “importância” do regional para a música brasileira, Ribeiro


(2014: 10) também destaca que “o cavaco-centro, acima de tudo, é uma função que, executada pelo
instrumento, embasa a sonoridade do conjunto regional e dá sentido a intervenções e variações rítmicas
e melódicas dentro formação”. Assim, a partir das falas de artistas e musicólogos, nota-se que há algo
mais nas entrelinhas do Diálogo de Apresentação escrito por Henrique Souza. Digamos: as histórias desse
griot Cavaquinho estimulam o imaginário do leitor ideal deste método popular, uma vez que esse “aluno”
interessado em tocar cavaquinho-centro, geralmente, também se interessa pelos repertórios, valores,
histórias, crenças e modos de sociabilidades cultivados por essa “família”. Assim, entendendo “família”
como um “grupo de pessoas unidas por convicções e interesses ou provindas de um mesmo lugar”
(HOUAISS, 2009), o sentido figurado da expressão “família do Regional” sugere, então, um processo
de viver e conviver. Um processo que, como coloca Zuleide Duarte (2009: 182) em artigo que aborda
questões de oralidade, é orientado por uma tradição que transmite o legado “das culturas locais através
dos exemplos que visam à solidificação dos laços entre os membros do grupo e garante o discernimento
do lugar de pertença do indivíduo”.
Reforçando outros laços entre o “aluno” e os “mundos musicais” associados ao instrumento,
o professor Cavaquinho menciona duas denominações: cavaquinho e cavaco. A primeira possui o
diminutivo “inho” que, em língua portuguesa, sugere conotação algo mais íntima e carinhosa. E a
segunda, a denominação “cavaco”, conforme o dicionário da língua portuguesa Houaiss (2009), é
sinônimo de “farpa ou lasca produzida pelo desbaste da madeira”. No dicionário da língua portuguesa
Michaelis on-line (2019) encontra-se que, a expressão coloquial “cavaco”, bem como a variante
“cavaqueira”, podem também significar “conversa amigável, simples e despretensiosa; bate-papo”.
Essa denominação coloquial aproxima o instrumento do mundo do samba sugerindo coligações com
estereótipos de “malandragem”, posto que o vocábulo “cavaco” também guarda sentidos de
brincadeira, gracejo e parceria. Tratando das relações entre “malandragem” e “samba”, o sambista e
estudioso das culturas africanas Nei Lopes observa:
85

Uma das várias acepções da palavra ‘malandro’ é a de indivíduo astuto e matreiro. E foi
essa apregoada esperteza que plasmou, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, a
partir da década de 1920, um dos estereótipos do negro sambista subempregado ou
desempregado, situado a marginalidade artística e a perspectiva de integração social.
Atitude e rótulo, a malandragem é explicita na obra de compositores e intérpretes como
Geraldo Pereira [1918-1955], Heitor dos Prazeres [1898-1966], Ismael Silva [1905-
1978], Jorge Veiga [1910-1979], Moreira da Silva [1902-2000], Wilson Batista [1913-
1968] etc. (LOPES, 2004: 410).

Acrescentando que, como já versejaram Dona Ivone Lara e Mano de Décio da Viola, o “samba
sem cavaquinho não é samba”, 108 entre “malandros” sambistas como os aqui lembrados por Nei Lopes,
percebe-se que a palavra “cavaco” passa a integrar a identidade artística de compositores e intérpretes, numa
espécie de batismo afetuoso que se tornou frequente entre músicos negros brasileiros. Sobre essa maneira
de se autonomear ou de ser nomeado, Lopes e Simas observam que:

No mundo do samba, grandes cavaquinistas se destacaram, quase todos agregando ao nome


artístico a denominação do instrumento, às vezes na forma mais carinhosa e popular de
“cavaco”. Entre esses, podemos elencar Jair do Cavaquinho, Mané do Cavaco, Nelson
Cavaquinho (que abandonou o instrumento, mas não o “sobrenome”), Osmar do Cavaco,
Paulo Salvador de Carvalho – o Ratinho [do Cavaco] do grupo Exporta Samba, autor de
um método de ensino do instrumento etc. [...] Carlinhos do Cavaco (c. 1940-1991), foi um
dos músicos mais originais em sua especialidade. Tocando na afinação de bandolim, foi o
grande responsável pelo som que marcou, principalmente na gravadora Odeon, os registros
de artistas como Clara Nunes, Roberto Ribeiro, João Nogueira (1941-2000) e outros nas
décadas de 1970 e 1980 (LOPES e SIMAS, 2015: 57-58).

Ou seja, em poucas palavras, o professor Cavaquinho vai apresentando parte de sua história e
demarcando o amplo alcance de sua presença. Tal presença repercute em diferentes registros e, para melhor
conhecer a composição do personagem “Professor Cavaquinho”, vale aproximá-lo de contextos e
conotações que vão se somando, desde meados do século XIX, num conjunto de passagens literárias.

2.3 – O cavaquinho em verso e prosa: sugestões literárias que ajudam a compor o personagem

Por que uma notícia de jornal teria mais validade, como informação
histórica, que o romance romântico, sabidamente propenso a fixar com
realismo as tendências sociais da burguesia emergente?
Massaud Moisés. História da literatura brasileira

Com o que vimos até aqui, é possível dizer que, além do vínculo com as práticas e repertórios,
nos mundos musicais que o acolhem, a imagem do cavaquinho está imersa em sugestões e sentidos
que se percebem, mas que nem sempre são ditas de modo explícito. Como tais significações, de modo
geral, não são abordadas em métodos musicais, vale nos afastarmos um pouco da Antologia do cavaquinho
de Henrique Souza para procurar, em outros textos, sentidos que se somam na composição desse

108Trata-se, como bem lembrou Cazes (2019: 40), do verso inicial do samba “Sem Cavaco Não”, o primeiro samba gravado
por Dona Ivone Lara (1922 - 2018), no álbum “Sargentelli e o Sambão – o botequim da pesada” (Copacabana - CLP 11.602)
lançado em 1970.
86

sugestivo personagem: o Professor Cavaquinho. Nessa busca, a leitura de poemas, contos, crônicas e
romances que situam tanto o cavaquinista quanto o cavaquinho em cenários ficcionais, pode apontar
traços que nos informam sobre tramas da chamada vida real, lembrando que, como sintetizou Haiduke
(2014: 319), embora tais textos sejam poéticos e literários, isso não impede que sejam “também uma
forma de reflexão sobre as culturas e sociedades nas quais foram escritos, publicados e lidos”. 109
As informações recolhidas em tais fontes não são, portanto, estritamente técnico-musicais.
Contudo, realçam alusões ao instrumento e ao instrumentista, descortinando significados que
ultrapassam os vínculos que se observam entre o cavaquinho e seus modos de execução. Sendo assim,
nesse estudo a respeito de um método voltado para o como tocar acordes no cavaquinho, o presente aparte
visa sinalizar algo daquilo que pôde significar tocar esse instrumento ao longo dos séculos XIX e XX em nosso
país. 110 De saída, para dar o tom em uma mínima antologia que não tem a pretensão de apresentar um
levantamento exaustivo, vale referenciar uma ocorrência no romance O gaúcho de José de Alencar,
publicado em 1870. Aqui, rimando corpinho com cavaquinho com jocosidade, leveza e sensualidade, o
instrumento é cantado nos seguintes versos:

Requebra, vidinha, assim


Requebra-me esse corpinho
Não tenhas pena de mim,
Que estou feito um cavaquinho
Ta-ri, ta-la-ri, tá-tá
Teu bem, menina, aqui está
(ALENCAR, 1949: 108, grifo nosso).
Algo dessa leveza, sensualidade e capacidade de sedução se encontra também naquela que é,
talvez, a peça literária que melhor enuncia as implicações eróticas, afetivas e distintivas que se associam a
arte de tanger esse “cordofone popular de pequenas dimensões” (OLIVEIRA apud CAZES, 2019: 13).
Trata-se de um conto publicado por Machado de Assis em 1878: O Machete. 111 Uma encenação
sociocultural que, contribuindo para a composição e sustentação da identidade do cavaquinho e do
cavaquinista, é uma das obras frequentemente citadas quando o assunto é a música e a literatura
produzidas no Brasil. Sendo assim, O Machete deve ser relembrado aqui, ainda que brevemente, posto que
são vários os estudos que nos ajudam a ler as linhas e entrelinhas deste conto da fase inicial de Machado
de Assis. 112 Resumindo a trama, mas não revelando o seu desfecho, O Machete relata as vicissitudes de
Inácio Ramos, personagem introvertido que se dedica ao estudo do violoncelo e ambiciona dominar a
arte musical europeia, que vê sua esposa, a jovem Carlotinha, encantar-se pela sedutora alegria do
machete, o leve e gracioso instrumento que Barbosa, jovem extrovertido que passa a frequentar a
residência do casal, toca como se estivesse brincando. Em determinada noite:

109 Sobre as articulações entre história, literatura e leitura, cf. Gruner e DeNipoti (2009) e Haiduke (2014).
110 O texto a seguir recupera e atualiza o levantamento de ocorrências que foram primeiramente mapeadas em Romão (2017).
111 Sobre os sentidos do termo machete e sua correspondência com o termo cavaquinho, cf. Cazes, 2019: 13-15 e 24).
112 Dentre os estudos que se dedicam ao conto O Machete de Machado de Assis, cf. Avelar (2011), Bender e Saraiva (2013),

Cunha (2006), França (2011), Gledson (2005), Souza (2008), Wisnik (2003: 22-25).
87

Sentou- se Barbosa no centro da sala, afinou o machete e pôs em execução toda a sua
perícia. A perícia era, na verdade grande; o instrumento é que era pequeno. O que ele
tocou não era Weber nem Mozart; era uma cantiga do tempo e da rua, obra de ocasião.
Barbosa tocou-a, não dizer com alma, mas com nervos. Todo ele acompanhava a
gradação e variações das notas; inclinava-se sobre o instrumento, retesava o corpo,
pendia a cabeça ora a um lado, ora a outro, alçava a perna, sorria, derretia os olhos ou
fechava-os nos lugares que lhe pareciam patéticos. Ouvi-lo tocar era o menos; vê-lo era
o mais. Quem somente o ouvisse não poderia compreendê-lo. Foi um sucesso, — um
sucesso de outro gênero [...]. O machete de Barbosa não ficou escondido entre as quatro
partes da sala de Inácio Ramos; dentro em pouco era conhecida forma dele no bairro
em que morava o artista, e toda a sociedade deste ansiava por ouvi-lo. Carlotinha foi a
denunciadora; ela achara infinita graça e vida naquela outra música, e não cessava de o
elogiar em toda a parte (ASSIS, 2018: 42-43, grifo nosso).

Poucos anos depois, na antologia Parnaso Brasileiro lançada por Moraes Filho em 1885,
encontramos o poema A Tapuia de Aprígio Martins de Meneses (1844-1891), jornalista, poeta e político
soteropolitano radicado em Manaus. Em versos dúbios, o poeta canta para a desejada indígena,
procurando seduzi-la ao som de seu cavaquinho:

E hoje que o cavaquinho


Dá melhor afinação,
Satisfaço o meu desejo,
Desabafo o coração. [...]
Da viola vai-se a prima,
Perde a rabeca o bordão;
Mas se eu estou no cavaquinho
Sozinho aguento o rojão. [...]
Hoje, sim... o cavaquinho
Deu melhor afinação,
Satisfiz o meu desejo,
Dei largas ao coração. [...] (MENESES in MORAES FILHO, 1885: 468-469, grifo nosso).

Conservando algo desse tom excitador, evocando reações físicas e emocionais aos encantamentos
provocados pelos estímulos musicais, outra ocorrência encontra-se no romance O Cortiço, publicado em
1890 por Aloísio de Azevedo:

Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até
mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o
cavaquinho do Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam
vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes da
música criola para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo (...). Já não
eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em
torrente, a correrem serpenteando como cobras numa floresta incendiada
(AZEVEDO apud TABORDA, 2011: 172, grifo nosso).

No estudo O retrato do Imperador: negociação, sexualidade e romance naturalista no Brasil, Leonardo


Pinto Mendes também faz comentários sobre o romance O Cortiço, destacando outros aspectos que
envolvem o cavaquinho. “O que se trava no cortiço é um duelo entre dois projetos de vida”, de um
lado a música brasileira e de outro a música portuguesa. Ou, numa leitura mais ampla, um duelo entre
88

o modo de vida português e “a sexualidade da brasileira Rita” e os “argumentos que pretendem


demonstrar a superioridade do modo de vida brasileiro”. Conforme Mendes, “o contraste é entre
tristeza e alegria, entre monotonia e arruaça [...] As armas do duelo são, de um lado, a guitarra
portuguesa, e de outro o cavaquinho e o violão brasileiros. A vitória pertence aos segundos”
(MENDES, 2000: 44, grifo nosso).

No domingo que Rita Baiana retornou houve festa no cortiço. Armados de violão e
cavaquinho, Firmo (atual amante da mulata) e um amigo trouxeram música e animação.
Firmo é um mulato vadio, malandro e capoeira. Gastava em um dia o que ganhava em
uma semana. Nem ele nem Rita esperavam exclusividade no relacionamento de ambos,
que era, aliás intermitente, feito de idas e vindas, brigas, bofetadas e reconciliações
(MENDES, 2000: 42, grifo nosso).

Nos versos do já citado livro-reportagem Os Sertões, publicado por Euclides da Cunha em 1902,
encontramos novamente o termo machete, designação que, como se vê, o cavaquinho conservou em
algumas cenas regionais brasileiras:

Encourados de novo, seguem para os sambas e cateretês ruidosos, os solteiros, os


farmanazes no desafio, sobraçando os machetes que vibram no chorinho ou baião, e os
casados levantando toda a obrigação, a família. Nas choupanas em festa recebem-se os
convivas em estrepitosas salvas de rouqueiras e como em geral não há espaços para
tantos, arma-se fora, no terreiro varrido, revestido de ramagens, mobiliados de cepos e
troncos, raros tamboretes, mas imenso, alumiado pelo luar e pelas estrelas, o salão de
baile. Despontam os dias com uns largos tragos de aguardente, A teimosa. E rompem
estridulamente os sapateados vivos. Um cabra destalado racha na viola. Serenam, em
vagarosos meneios, as caboclas bonitas. Revoluteia, “brabo e corado”, o sertanejo moço
(CUNHA apud LOPES, 2005: 66, grifo nosso).

Em O Rio de Janeiro do meu tempo que publicou em 1938, registrando sua visão da vagabundagem
carioca, o jornalista e poeta Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa não deixa de citar o cavaquinho:

Rapazelhos de calças abombachadas, grandes cabeleiras, lenço no pescoço e chapéu


desabado, pardavascos, negros-crioulos, brancos [...] toda uma freguesia perguntona,
espalhafatosa, vozeiruda, que arranca notas de dois e cinco mil-réis do fundo de lenços
de chita, muito sujos, armados em carteiras, para comprar as brochurinhas, postas em
capas de espavento, não raro aos empurrões, aos gritos, o violão debaixo do braço, ou
experimentando flautas, oboés, cavaquinhos... É o Chico Chaleira do morro do Pinto,
é o Trinca-Espinhas da Travessa da Saudade, no Mangue, o Chora-na-Macumba, o
Janjão da Polaca, o Espanta-Coió, toda uma legião de cantores, de seresteiros, de
serenateiros, a flor da vagabundagem carioca, essência, sumo, nata da ralé”
(EDMUNDO apud LLANOS, 2016: 232, grifo nosso).

Numa das crônicas que reuniu no livro Para viver um grande amor lançado em 1962, intitulada Samba
de Breque, o poeta e cancionista Vinícius de Moraes deixou sua contribuição, narrando outros traços e
afetividades que também nos ajudam a compor a identidade do cavaquinho e dos cavaquinistas.

Esta história é verdade. Um tio meu vinha subindo a rua Lopes Quintas, na Gávea —
era noite — quando ouviu sons de cavaquinho provenientes de um dos muitos
casebres que minha avó viúva permite nos seus terrenos. O cavaco cavucava em cima
de um samba de breque, e esse meu tio, compositor ele próprio, resolveu dar uma
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estirada até a casa, que era a de um conhecido seu, companheiro de música, um rapaz
operário com mulher e uma penca de filhos. Tinha toda a intimidade com a família e
às vezes ficava por lá horas inteiras com o amigo, cada qual palhetando no seu
cavaquinho, puxando música madrugada adentro. Nessa noite o ambiente era diverso.
À luz mortiça da sala meu tio viu a família dolorosamente reunida em torno de uma
pequena mesa mortuária, sobre a qual repousava o corpo de um “anjinho”. Era o
caçula da casa que tinha morrido, e meu tio, parado à porta, não teve outro jeito senão
entrar, dar as condolências de praxe e reunir-se ao velório. O ambiente era de dor
discreta — tantos filhos! — de modo que ao fim de poucos minutos, não se sentindo
por demais necessário, meu tio resolveu partir. Tocou no braço da mulher e fez-lhe
um sinal. Mas esta, saindo da sua perplexidade, pediu-lhe que entrasse para ver o
amigo. Foi encontrá-lo num miserável aposento interior, sentado num catre, o
cavaquinho na mão (MORAES, 2013: 198, grifo nosso).

Tinhorão, em diversos momentos do ensaio A música popular no romance brasileiro, sublinha


passagens que mencionam o cavaquinho.

Eram músicos do tipo de Joaquim dos Anjos, no entanto, que animavam ainda nesse
início da segunda década do século XX os bailes em casas de família dos subúrbios e da
Cidade Nova (“A orquestra era composta de flauta, cavaquinho e violão - um ‘terno’,
como dominavam os seresteiros”, ao lado, naturalmente, dos tocadores de piano
denominados pianeiros, como o próprio Lima Barreto se encarregaria de mostrar no
romance Numa e a ninfa (TINHORÃO, 2000: 44, grifo nosso). 113

O Rio de Janeiro cheirando a éter, as ruas inteiras cheias de vozes de mascarados, e a


música e choros e cavaquinhos por todos os cantos, e as parábolas azuis das serpentinas
furando os ares, e os rios de confetti atulhando as sarjetas, e toda a alegria e todo amor
dos homens e das mulheres, e até dos morros da cidade embandeirados e coloridos, e
o sol, o próprio sol abrasador e vermelho, como bêbedo de vida, tudo, tudo, parecia
dizer: – Momo “tá” aí! (TINHORÃO, 2000: 159, grifo nosso).

Em sua leitura do romance Na Bahia, em boa terra, uma mistura de “documentário e ficção”,
publicado em 1934 por Inácio de Menezes, Tinhorão observa:

Escreve o romancista [Inácio de Menezes] com vocação de cronista, por exemplo, que
os moradores da Ilha dos Frades: “No tocante aos divertimentos, somente conhecem o
samba em dias festivos, dançando ao som da viola, do cavaquinho ou da harmônica
(acordeão)”; acrescentando, então, esta observação que comprova ainda uma vez o
prestígio pessoal e o velho fascínio exercido pelos músicos sobre as mulheres entre o
povo: “Os que conseguem tocar um desses instrumentos, embora mediocremente, têm
grande cotação para o sexo feminino e valem mais até que os próprios companheiros”
(TINHORÃO, 2000: 201-202, grifo nosso).

Comentando o romance Paracoera publicado pelo escritor Lauro Palhano (Juvêncio Lopes da Silva
Campos) em 1937, Tinhorão escreve:

Romualdo, afinal de contas, iria revelar-se também “bom declamador, cantador


de modinhas e exímio tocador de violão, viola e cavaquinho”, o que o tornava
“figura obrigatória nas festas de doutorado”, ou seja, o colega José Braúna,
alcunhado Sertanejo, “barbeiro e eterno estudante de Direito” (TINHORÃO,
2000: 194, grifo nosso).

113 Trata-se do romance “Numa e a Ninfa: romance da vida contemporânea” escrito por Lima Barreto em 1915.
90

No romance A estrela sobe que publicou em 1939, o escritor carioca Marques Rebelo (1907-1973)
narra a sofrida história de uma cantora de rádio e, na trama, as sonoridades do cavaquinho ajudam a
ambientar a história:
O pianista começou a tirar a música, devagar. Era dos únicos que tocavam por música.
(O grosso tocava de ouvido, tinha o dote por genialidade — saber música pra quê?) [...]
Chegou depois a Turma do Inferno, que fazia os acompanhamentos. E o ensaio
começou [...] O cavaquinho e a clarineta funcionam com destaque. O pandeiro nas mãos
de Olinto é, positivamente, qualquer coisa de diabólico (REBELO apud TINHORÃO,
2002: 253 - 254, grifo nosso).

No romance Terra de Caruaru, lançado em 1960, o escritor caruaruense José Condé (1917-1971),
narra o conflituoso surgimento dessa cidade pernambucana. E nessa tensa história, Tinhorão consegue
ouvir os sons do cavaquinho:

No alto do monte do Bom Jesus, acompanhado pelos dois violões e o cavaquinho, o


negro Cravo Branco canta: [...] Param de cantar e a garrafa passa de mão em mão. Diz
Cravo Branco: — Serenata boa era antigamente. Em noite de lua, não se acendia luz
elétrica nas ruas. Muito mais bonito! O vento traz, por um instante, o som da música
do cabaré de Belmira. — A Matança hoje está pegando fogo — fala o mulato do
cavaquinho. — Vamos indo — chama Antônio. A garrafa torna a circular. — Vou
cantar outra coisa do Catulo da Paixão — anuncia Cravo Branco. — Estrela de Sangue"
— pede Antonio. — Toquem a introdução. Atacam os violões e o cavaquinho.
(CONDÉ apud TINHORÃO, 2002: 150 e 152, grifo nosso).

No romance Tenda dos Milagres de Jorge Amado, publicado em 1969, Tinhorão destaca:

Pedro Arcanjo, Ojubá vem dançando, não é um só, é vário, numeroso, múltiplo, velho,
quarentão, moço, rapazola, andarilho, dançador, boa-prosa, bom no trago, rebelde,
sedicioso, grevista, arruaceiro, tocador de violão e cavaquinho, namorado, terno amante,
pai-dégua, escritor, sábio e feiticeiro. Todos pobres, pardos e paisanos (AMADO apud
TINHORÃO, 2000: 232, grifo nosso).

Os talentos do cavaquinho na arte de sacudir as almas e encantar os corpos femininos, também


estão presentes, desde o título do primeiro capítulo – intitulado Da morte de Vadinho, primeiro marido de
Dona Flor, do velório e do enterro de seu corpo (ao cavaquinho o sublime Carlos Mascarenhas) – numa célebre crônica
de costumes: o romance Dona Flor e seus dois maridos lançado por Jorge Amado em 1966.

Foi um rebuliço no bloco e na rua. Um corre-corre pelas redondezas, um deus-nos-


acuda a sacudir os carnavalescos — e ainda por cima a escandalosa Anete, professorinha
romântica e histérica, aproveitou a boa oportunidade para um chilique, com pequenos
gritos agudos e ameaças de desmaio. Toda aquela representação em honra do dengoso
Carlinhos Mascarenhas, por quem suspirava a melindrosa de faniquito fácil — dizendo-
se ela própria ultrassensível, arrepiando-se como uma gata quando ele dedilhava o
cavaquinho (AMADO, 2008: 6, grifo nosso).

Também fora do nosso país, encontram-se escritores que mencionam cenas em que o cavaquinho
está presente, mesmo que em momentos inoportunos, como ocorre numa passagem do romance do autor
português Miguel Miranda, intitulado O Rei do Volfrâmio: a última viagem com todo o requinte, publicado em 2008.
91

Assim se fez, no velório de Serafina Amásio. Os homens foram chegando ao tasco,


uma a um. Vindos não se sabe de onde, os cavaquinhos surgiram-lhes em mãos.
Juntaram-se em roda e tocaram umas modas. Os minúsculos instrumentos de quatro
cordas destilavam uma música alegre, corrida e vibrada, pouco apropriada à
circunstância, mas que servia de aglutinação de forças contra qualquer adversidade
(MIRANDA, 2008: 251, grifo nosso).

Para encerrar essa provisória seleção de ocorrências, vale citar um escritor negro brasileiro que, em
2012, lançou um romance ficcional sobre personagens que realmente existiram. Trata-se de Desde que o
samba é samba de autoria do romancista, roteirista e poeta Paulo Lins (Paulo Cesar de Souza Lins, 1958),
oriundo da favela carioca Cidade de Deus. Nesse romance, em diversas passagens, o cavaquinho ganha
e ressalta sentidos e implicações:

A música de Bide já era conhecida na voz de [Francisco] Alves. As de Silva, Bastos e


Edgarzinho também já eram conhecidas do povo que ia ao Café do Compadre e ao Bar
do Apolo. Foram cantando uma atrás da outra, logo chegou mais gente trazendo violão,
cavaquinho, flauta, pandeiro. Bide já tinha levado seu tamborim e seu surdo,
instrumento que ele havia inventado. Era uma lata de manteiga em forma de cilindro
com aros de madeira por dentro, encouraçada com couro de cabrito que seu Antônio
das Cabras guardava para os terreiros de Umbanda e Candomblé da área. Mandaram
buscar Paraty, dona Zilda fritou acarajé e ao mesmo tempo preparou um mungunzá
para as crianças (LINS, 2012: 194, grifo nosso).

A rapaziada faz fogueira para esticar o couro dos instrumentos. O pessoal das cordas
afina os violões, cavaquinhos. Muita gente de prato e colher. O couro dos atabaques
estava quase no ponto. – Tem um lugar para telefonar aqui? - Perguntou Manuel. – A
farmácia aqui perto, que tem telefone, já fechou. Agora só lá na zona mesmo (LINS,
2012: 249, grifo nosso).

Quem quiser tocar surdo é só seguir o coração, inclusive nas viradas quando se toca
assim nas ondas da alegria sem freios. O pandeiro, o agogô, a caixa e o cavaquinho,
mesmo com os toques diferentes, também, quando a gente entra em estado de feitiço
de tons. – Eu sou o samba... e as suas escolas... (LINS, 2012: 294, grifo nosso).

[Zé Espinguela, 1890-1945] Era daqueles pais de santos que viviam na Bahia
descobrindo coisas, trazendo evoluções do Candomblé para trabalhar a espiritualidade,
elevando o padrão vibratório. – Essa porra desses instrumentos de branco: flauta,
trombone, pistão, sax, é muito bom pra baile, pra valsa, foxtrote, maxixe, tango,
entendeu? Até o cavaquinho pode ficar de fora. – Não, não... O cavaquinho, não - disse
Heitor [dos Prazeres]. – Pra que cavaquinho? Com os nossos instrumentos, a gente
pode fazer qualquer coisa que o samba precisar – sustentou Bide. – De acordo! Apoiou
Espinguela (LINS, 2012: 285, grifo nosso).

Com tais imagens literárias, passando pelos incertos caprichos da linguagem, vale notar que os documentos
da língua portuguesa vão registrando mudanças mais ou menos acentuadas nos sentidos do termo cavaco: No
Prosodia in vocabularium bilingue, publicado em 1697, o lexicógrafo Bento Pereira (1605-1681) informa que o
substantivo “cavaco” corresponde ao latim secamentum (secamenta, secamenti etc.) e possui acepções de “pequena
carpintaria, lasca, racha, pedaço de pedra ou de lenha” (PEREIRA, 1697: 805). No Vocabulário Portuguez & Latino
do lexicógrafo Rafael Bluteau (1638-1734), publicado em Coimbra entre 1712 e 1728, encontramos menções
eruditas: “Cavaco: fragmento de madeira, tirado com a enxó. [...] no capítulo 10, do livro 7, Vitrúvio diz: [...] ‘faça-
se queimar fermento com cavacos daquela casca de pinho’”. E no Sermão de São José (Tomo 11, nº. 80), o Padre
92

Vieira escreve: “Torna para a tenda de Nazareth, e para os cavacos” (BLUTEAU, 1728: 204). E, quando nos
aproximamos das cenas e cenários aqui citadas, encontramos a mudança de substantivo para verbo que resultou
na aceitação, a partir de 1877 conforme registra o dicionário Houaiss, do verbete “cavaquear” para descrever a
ação de “conversar despretensiosamente, de maneira amigável; papear”.
Nota-se então que, o conjunto de menções aqui reunido apresenta traços e condições variáveis
que se mesclam, em diferentes medidas, atritando a composição de uma espécie de personalidade que
acompanha o cavaquinho e que, em tons particulares, se acentuam quando o cordofone está em mãos de
cavaquinistas negros. Concluindo essa coletânea, com o auxílio de Munanga (2019: 41), vale ressalvar
que, como recortes literários, tais menções não atestam propriamente a veracidade dos fatos, antes
expressam idealizações que os escritores fazem de um objeto, de uma pessoa, de um grupo social ou
ainda, de um mundo musical. Com Munanga podemos perceber uma crítica a registros históricos que
nos mostram como muitos autores e artistas podem ter uma interpretação errônea ou caricata de uma
cultura. Ilustrando sua argumentação com uma espécie de contraexemplo, Munanga observa que, no
período da colonização do Brasil, não é impossível encontrar quadros, relatos e até artigos científicos
atestando que o povo negro é visto como submisso, preguiçoso, sujo e de pouca inteligência. Propondo
relações diretas com esse período, Munanga (2019: 21) desenvolve o comentário acrescentando que: “a
desvalorização e alienação do negro estende-se a tudo aquilo que toca a ele: o continente, os países, as
instituições, o corpo, a mente, a língua, a música, a arte etc.” Munanga aprofunda a questão, expondo
outro ponto vista:

Todas as qualidades humanas serão retiradas do negro uma por uma. Jamais se
caracteriza um deles individualmente, isto é, de maneira diferencial. Eles são isso, todos
os mesmos. Além do afogamento no coletivo anônimo, a liberdade, direito vital
reconhecido à maioria dos homens, será negada. Colocado à margem da história, da
qual nunca é sujeito e sempre objeto, o negro acaba perdendo o hábito de qualquer
participação ativa, até o de reclamar. Não desfruta de nacionalidade e cidadania, pois a
sua é contestada e sufocada, e o colonizador não estende a sua ao colonizado.
Consequentemente, ele perde a esperança de ver seu filho tornar-se um cidadão
(MUNANGA, 2019: 23).

Tal “afogamento no coletivo anônimo” é particularmente tocante aqui, pois os cavaquinistas


negros são, geralmente, vistos assim: são todos iguais, músicos anônimos que conformam a mesma
persona. Considerando tudo isso, o Diálogo de apresentação elaborado por Henrique Souza se abre para
outras leituras. O breve Diálogo faz parte de uma produção intelectual, uma produção bibliográfica
elaborada por um negro que, entre idas e vindas, conseguiu publicar seu volume. Portanto, e ainda que
vestindo a protetora identidade alegórica do “professor Cavaquinho”, Henrique Souza deixou uma sutil
colocação que, entre a afirmação de uma identidade e a declaração de um pertencimento, nos ajuda a
pensar naquilo que Munanga (2019: 43) aborda como o “desafio cultural do mundo negro”, no caso, um
enfrentamento da duradoura “ordem colonial” que prediz que, como negros, cavaquinistas de mãos de
93

ébano atuam em setores não nobres da diversão e do entretenimento, sendo assim, essas pessoas não são
imaginadas como professores em escolas formais de música. Sendo negros, são vistos como seres
iletrados, inaptos àquilo que não se transmite por meio oral e físico corporal, por isso mesmo, são
incapazes de elaborar e escrever reflexões intelectuais sobre quaisquer assuntos. 114

2.4 – As lições do professor Cavaquinho

Com os comentários e referências que nos informam sobre o cavaquinho como um membro da
“família Regional”, e com aquilo que é possível apreender nas passagens poéticas e literárias acima citadas,
podemos considerar que o “professor Cavaquinho” está suficientemente apresentado. Sendo assim, o
professor segue com suas lições, agora descrevendo a afinação do cavaquinho que é adotada no Método
Popular de Pechincha. Tomando como ponto de partida a corda mais grave, diz o professor: “Possuo
quatro cordas e sou afinado em Ré – Sol – Si – Ré” (SOUZA, 1984: 2). Como procura sugerir a Fig. 2.3,
as afinações do Cavaquinho são diversas e suas memórias e histórias também carregam implicações. A
ordem intervalar descrita pelo professor Cavaquinho, mostra que a afinação empregada no Antologia do
cavaquinho de Henrique Souza é uma das “afinações mais comuns”, caracterizada como uma “afinação
tradicional” (CAZES, 1998: 11).
Entre cavaquinistas, essa afinação é também conhecida como “Paraguaçu” (ou “Paraguassu”).
Tal designação se confunde com o codinome do citado músico paulistano Roque Ricciardi (1894-1976),
o compositor, violonista, cavaquinista Paraguassú, autor de O Bohemio: Método prático para aprender a tocar
cavaquinho publicado em meados do século XX. Conforme Nobre (2008: 38), a afinação Paraguaçu (Fig.
2.3a) provém de uma espécie de viola encontrada no Samba do Recôncavo Baiano, uma cena musical em
que o cavaquinho e o machete também se fazem presentes. 115 O termo “Paraguaçu” – conforme registra
o livro Tupi na geografia nacional publicado no ano de 1901 pelo engenheiro, geografo, escritor e historiador
negro brasileiro Theodoro Fernandes Sampaio (1855-1937) – decorre do nome do rio que banha e
abastece parte do Recôncavo Baiano, e sua etimologia, associada a um tronco linguístico Tupi,
corresponde ao aumentativo da palavra pará (rio), vertida então para paraguaçu que significa “rio caudal,
grande” (SAMPAIO, 1987: 90), como o próprio rio baiano. 116

114
Sobre o trabalho intelectual das pessoas negras, cf. Dimensões do ser negro(a) em Oliveira (2013: 49-64).
115 “Machete uma viola de talhe diminuto no samba de Roda do Recôncavo Baiano, possui cinco ordens de cordas duplas,
ou seja, 10 cordas (as três mais graves, oitavadas, e as duas mais agudas, afinadas em uníssono) como se fosse uma soprano
da família das violas. No recôncavo baiano o termo machete também faz menção três tamanhos diferentes de violas
artesanais do Recôncavo, obedecendo à velha terminologia portuguesa para os dois maiores: regra inteira e três quartos. O
nome do modelo menor também tem origem portuguesa, situada, ao que parece, na Ilha da Madeira. Tanto lá como no
Brasil, machete foi muitas vezes um outro nome para o cavaquinho, que tem quatro cordas simples e é ainda menor. O
machete do Recôncavo parece ser mais característico da região que se estende de Santo Amaro ao Norte e a Leste em
direção a Salvador.” Fonte IPHAN (2006: 42).
116 Sobre Theodoro Sampaio, cf. Araújo e Santos (2008).
94

Fig. 2.3 – Três afinações do Cavaquinho e alguns de seus descritores, a partir de Souza (1984: 2),
Cazes (2019: 3-4 e 22-24) e Nobre (2008: 38)

Com isso, o professor Cavaquinho prossegue com seus ensinamentos, e sua fala sugere atenção
para encontros e desencontros que podem ocorrer entre práticas de aprendizagem informais e práticas
de ensino formais. Sobre o termo “informal”, com Libâneo, podemos considerar que:

O termo “informal” é mais adequado para indicar a modalidade de educação que resulta do
“clima” em que os indivíduos vivem, envolvendo tudo o que do ambiente e das relações
socioculturais e políticas impregnam a vida individual e grupal. Tais fatores ou elementos
informais da vida social afetam e influenciam a educação das pessoas de modo necessário e
inevitável, porém não atuam deliberadamente, metodicamente, pois não há objetivos
preestabelecidos conscientemente (LIBÂNEO, 2008: 90).

No Díalogo de apresentação um traço desse clima de informalidade se observa num sutil desencontro
que bem poderia passar despercebido. Primeiramente, como vimos há pouco, o professor Cavaquinho
apresentou a afinação do instrumento partindo da corda mais grave para a mais aguda: Ré - Sol - Si- Ré
(Fig. 2.3a). Contudo, na mesma página, no subitem Agora você vai aprender a me afinar, o professor
Cavaquinho inverte a direção numerando as cordas do agudo para o grave: Ré - Si - Sol - Ré.

__ Pegue o diapasão. Está ouvindo este som? Representa o som da nota LÁ. Agora vá
ajustando a 3ª corda (SOL), com o dedo colocado na 2ª casa até igualar com o som do
diapasão. Agora coloque o dedo na 4ª casa da corda sol e vá ajustando a 2ª corda (SI)
até igualar com o som da corda que você está apertando. Agora vamos afinar a primeira
95

corda RÉ. Coloque o dedo na casa 3 da 2ª corda e vá ajustando a primeira corda até
igualar com o som da anterior que representa a nota RÉ. [...] As três primeiras cordas já
estão afinadas. Vamos afinar a 4ª corda, cujo som é RÉ, ajustando uma oitava abaixo da
nota RÉ na 1ª corda. Isto é, o som é mais grave em relação ao da 1ª corda. Vá ajustando-
a até sentir os sons iguais, mas lembre-se que é uma oitava abaixo. PARABÉNS,
ESTOU AFINADO (SOUZA, 1984: 2).

Nesta fala do professor Cavaquinho, a repentina inversão da numeração das cordas pode ser
apontada como uma colocação pouco metódica, uma espécie de incongruência que é, também, um
sinal de descontração que se adéqua ao “clima” informal pretendido nesse bate-papo com o estudante.
Ou em outras palavras, tanto a inconstância da numeração quanto o despojamento do professor podem
ser vistos como uma forma de comunicação que remete àquilo que Duarte (2009: 189) percebe como
o encontro “visual, mimico, imaginativo e encantatório” que se dá nas práticas de aprendizagem
informais, pois sabemos que quando falamos vendo o instrumento em nossas mãos, as cordas podem
ser contadas tanto do grave para o agudo, quanto do agudo para o grave sem riscos de confusão. 117
Lendo entrelinhas, vale então notar que, anteriormente, no mesmo Diálogo de apresentação, o
professor Cavaquinho afirma que: “Pertenço também à clave de sol”. Uma declaração de
pertencimento que remete ao mundo da cultura escrita sugerindo um processo de aprendizagem
musical de “clima” mais formal. Assim, lembrando que Henrique Souza produziu sua Antologia do
cavaquinho atuando como professor do Conservatório Artístico e Musical “Béla Bartók”, e valorizando
a aquisição da leitura e da escrita musical, o professor Cavaquinho valoriza também uma prática de
ensino e aprendizagem algo mais “estruturada, organizada, planejada intencionalmente e sistemática”
(LIBÂNEO, 2008: 88).
No Diálogo, o professor Cavaquinho explica: “Sou divido em duas partes”, a primeira em “Tons
naturais” e a segunda em “Sustenidos e bemóis”. Como se sabe, essa divisão nos instrumentos de corda
com trastes demarca a escala cromática, referenciando a localização das notas e acidentes musicais ao
longo da tessitura do instrumento. Observa-se aqui que, em princípio, como detalha a Fig. 2.4, o autor
não nomeia as notas com bemóis. Mas isso não impede que, ao longo de seu método, Pechincha faça
uso de diversas enarmonias e, com isso, os bemóis são empregados na descrição dos acordes e das
progressões harmônicas.

117As diferentes maneiras de numerar as cordas dos instrumentos dedilhados ou palhetados possuem diversas histórias.
Com isso, consultando estudos que, como o de Contreras Vilches (2002: 45-77), abordam a trajetória da notação em
tablatura no continente europeu desde o século XVI, encontramos que, a chamada “tablatura italiana” representa a corda
mais aguda na linha inferior. Por outro lado, na “tablatura francesa”, contrariamente ao sistema italiano, a corda mais aguda
(chamada chanterelle) fica representada na linha superior. Assim, os aspectos de informalidade aqui destacados não apontam
qualquer incorreção, uma vez que as duas maneiras de numerar possuem suas trajetórias e, com isso, podem ser dadas
como igualmente corretas. O que aqui se observa é o emprego de ambas as numerações praticamente ao mesmo tempo e
sem aquelas informações (indicação de referências, fontes, especificidades históricas, locais e estilísticas etc.) que as práticas
formais podem exigir.
96

Fig. 2.4 – Detalhe do “Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática” mostrando a não utilização dos bemóis nos
nomes das notas no braço do instrumento, conforme Pechincha (SOUZA, 1984: 1)

O próximo assunto abordado pelo o professor Cavaquinho é a cifragem: “para facilitar a leitura
musical, você vai aprender o cifrado que é universal. As tonalidades são indicadas por letras do
alfabeto” (SOUZA, 1984: 2). Sendo assim, nesse Método popular, as cifras que indicam acordes maiores
não trazem qualquer letra após a maiúscula que corresponde à nota fundamental dos acordes (C, D, E,
F etc.). E as cifras que indicam acordes menores trazem um “m” minúsculo depois da letra maiúscula
(Cm, Dm, Em, Fm etc.).
Vale notar que, certamente, Henrique Souza adquiriu e passou a empregar esse cifrado
“universal” já na fase adulta, pois, em nosso país, essa “nova maneira de escrever música” (MOURA
apud VASCONCELLOS, 2017: 76) foi se disseminando mais ou menos ao mesmo tempo em que
Pechincha começou a atuar nas rádios. Em sua revisão sobre a trajetória das cifras no meio editorial
brasileiro, Vasconcellos (2017: 73) aponta o lançamento do Álbum de Choros de Pixinguinha e Benedito
Lacerda, publicado pela Editora Irmãos Vitale em 1947, como um marco no uso das cifras, notando que,
no entanto, nesse álbum emprega-se ainda a chamada “cifra silábica” (1ª Dó, 2ª Lá, 1ª Lá m etc.).
Conforme o pesquisador, “a adoção do estilo alfanumérico só veio a acontecer no Brasil com o
lançamento do álbum 15 Choros de Garoto lançado pela Bandeirante Editora Musical LTD em 1951”
(VASCONCELLOS, 2017: 74). Ambientando a gradual disseminação, no meio profissional, de cifras
semelhantes às que encontramos no método de Henrique Souza, Vasconcellos localiza um depoimento
do multi-instrumentista, arranjador e compositor Paulo Moura (1932-2010) que documenta o impacto
do surgimento da cifra alfanumérica na cena musical carioca na década de 1950:

Paralelamente à mudança na formação dos grupos musicais, se instalou uma nova


maneira de escrever música. Com o piano acompanhado do baixo e da guitarra elétrica
dominando as gravações, deixaram de ser usadas notas nas partituras dos arranjos. Os
músicos passaram a ler cifras, sinais que indicavam o acorde a ser usado, e gostavam
muito disso porque tinham maior liberdade de criação e espaço para improvisar a partir
do arranjo, já que as notas não estavam escritas, mas apenas sugeridas pela cifra
(MOURA apud VASCONCELLOS, 2017: 75).
Após a exposição das cifras em “Tons maiores” e “Tons menores”, o atualizado professor
Cavaquinho aborda o posicionamento da mão esquerda, aquela que se encarrega da formação dos acordes
no braço do instrumento, apresentando a ordem dos dedos: “Seus dedos da mão esquerda são numerados
97

da seguinte forma: “indicador nº 1 – médio nº 2 – anular nº 3 – mínimo nº 4” (SOUZA, 1984: 2).


Antes de se despedir, o professor Cavaquinho deixa um último comentário acerca do que está
por vir: “Agora, tenho muitas coisas para lhe mostrar, muitos sons e acordes para lhe dar. VIRE A
PÁGINA QUE VOCÊ VERÁ”. Ao virar a página o leitor encontra o item Procedimentos da mão direita
com algumas recomendações técnicas. A partir daqui Pechincha não fala mais através da persona do
cavaquinho. É próprio autor do método que passa as prescrições: “Fecha-se a mão direita com o dedo
polegar em cima do indicador. Pega-se a palheta e coloca entre o polegar e o indicador no sentido
horizontal, com a ponta virada para o lado esquerdo, como segue a gravura abaixo” (SOUZA, 1984: 3).
Já vimos a referida “gravura”, pois se trata da mesma fotografia estampada na capa do método (Fig. 1.1).
Finalizando a exposição sobre os Procedimentos da mão direita, encontramos três “batidas” (Fig.
2.5). O termo batida é usual entre cavaquinistas e demais músicos populares, contudo, não é de pronta
e unívoca definição. Sendo assim, com o auxílio de Sandroni, podemos alcançar algo de seus sentidos
e implicações:

A batida não é simples fundo neutro sobre o qual a canção viria passear com indiferença.
Ao contrário, a primeira nos diz muito sobre o conteúdo da segunda. A batida é de fato,
na música popular brasileira, um dos principais elementos pelos quais os ouvintes
reconhecem os gêneros. Neste país, e certamente em outros, quando escutamos uma
canção, a melodia, a letra ou o estilo do cantor, permitem classificá-la num gênero dado,
mas antes mesmo que tudo chegue aos nossos ouvidos, tal classificação já terá sido feita
graças à batida que, precedendo o canto, nos fez mergulhar no sentido da canção e a ela
literalmente deu o tom (SANDRONI, 2008: 14).

A expressão “dar o tom” retomada por Sandroni nos reconduz ao mundo do cavaquinho, uma
vez que, “dar o tom e o andamento, criar condições para que fosse possível o canto coletivo de um samba
nessas comunidades que deram origem às escolas de samba, foi um dos papéis relevantes do instrumento”
(CAZES, 2019: 37). Ao sublinhar esse papel de liderança, Cazes transcreve uma passagem do depoimento
que o sambista Bide (Alcebíades Maia Barcelos, 1902 - 1975) deu ao Museu da Imagem e Som em 1968:

Antigamente eu fazia meu dó maiorzinho. Era eu no cavaquinho e o Julinho no violão.


[....] O cavaquinho era só pra dar o tom, prá não ficar alto, depois parava, pois a
batucada cobria. Usava só prá você tirar o samba e dar o tom. Depois que todo mundo
pegou você para, que não vai adiantar, vai fazer calo no dedo à toa (BIDE apud
CAZES, 2019: 37).

Assim, procurando atender às especificidades do instrumento, vale correlacionar o termo “batida”,


e o comentário de Sandroni, àquilo que Ribeiro (2014: 64) chama de “palhetadas”, explicando que: “No
cavaco, os padrões rítmicos são executados pela mão direita que deslizam sobre as cordas tendo uma palheta
como objeto de contato entre mão e cordas. Usarei o termo palhetadas para me referir a tal ação.”

As palhetadas são construções pessoais [...] baseadas nos ritmos característicos de


cada gênero. O modo como cada músico compreende, se apropria e externaliza esse
conhecimento se difere de acordo com uma série de variáveis gerando,
consequentemente, diversas perspectivas para um mesmo ritmo. [...] Certas palhetadas
98

foram consagradas e servem [...] como referência para estudantes e estudiosos sobre
o assunto (RIBEIRO, 2014: 65).

Cazes (2019: 170) também emprega o termo “palhetada”, esclarecendo que esse termo designa
“o padrão rítmico executado pelo cavaquinho no acompanhamento”.

As inúmeras possibilidades de acompanhamento foram exploradas pelos


cavaquinistas através de alteração de acentos, utilização de palhetadas para cima ou
para baixo (nem sempre atingindo todas as cordas) e do chamado staccato percussivo
[...], ou seja, uma afrouxada nos dedos da mão que aperta as cordas, que gera ataques
surdos [...]. Combinando esses elementos com maior ou menor habilidade e
criatividade, os cavaquinistas multiplicaram as possibilidades de acompanhamento no
samba, criando verdadeiras “assinaturas” que se tornaram identitárias do trabalho de
diferentes intérpretes (CAZES, 2019: 4).

Ao expor as primeiras “batidas”, ou “palhetadas”, 118 Pechincha se vale de representações


gráficas que orientam como tanger as cordas do instrumento. Como se vê na Fig. 2.5, as setas se
apresentam no sentido vertical, para baixo e para cima, e são marcadas com a letra “T”, que indica o
tempo do compasso, e a letra “F”, que destaca o tempo forte.

Fig. 2.5 - Movimento de setas indicando a direção das palhetadas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 3)

Esse modo de indicar o movimento da palhetada é frequente em diversos métodos, e as batidas


apresentadas nessa página do Método Popular com encadeamentos por cifragens são nomeadas por Pechincha
como: Valsa (compasso ternário), Balanço (compassos binário e quaternário). Vale acrescentar que,
como detalha Cazes (2019: 62), “as palhetadas para baixo e para cima também não são rigorosamente
iguais em termos de força aplicada, tendendo a palhetada para baixo a ser mais forte, mais incisiva”.
Com isso chegamos ao final dessa seção para, numa espécie de nota de rodapé, ler a seguinte
recomendação de Pechincha: “é interessante o aluno exercitar os exemplos das setas acima [Fig. 2.5],
antes de iniciar o estudo das posições” (SOUZA, 1984: 3).
Como veremos, o “estudo das posições” é a matéria central deste volume, que bem poderia se
chamar Antologia de posições. Portanto, imitando o dizer de Pechincha, antes de iniciar o estudo das

118Assim como os termos “batidas” e “palhetadas”, sabemos que o termo “levada” também é empregado para nomear os
efeitos do acompanhamento rítmico, harmônico e tímbrico realizado pelos cavaquinistas. Contudo, em seu trabalho, Cazes
(2019: 3) reserva a expressão “levada”: um “termo mais genérico e também muito usual na música popular - estará relacionado
ao todo, ao resultado coletivo”.
99

posições é interessante desambiguizar sentidos e implicações do polissêmico termo: na Antologia do


cavaquinho de Pechincha, o que podemos entender por “posições”?
Na teoria musical, ou mais especificamente, nas lições de Harmonia, o termo posição diz
respeito ao modo como as notas de um acorde são distribuídas e duplicadas em diferentes alturas e
distâncias intervalares, observando as tessituras dos instrumentos e vozes humanas, bem como
determinadas variáveis mecânicas, timbrísticas, dinâmicas, artísticas e estilísticas. Para expressar tal
noção empregam-se, também, descritores como: ordenação, distribuição, abertura ou disposição das
vozes que conformam diferentes configurações do mesmo acorde.
Em seu Manual de Harmonia, Paulo Silva (1962: 5-6) distingue posições diretas e indiretas em
estado fundamental ou em inversões. Na posição direta, “em relação ao baixo” (ou do grave para o
agudo), as notas dos acordes “se apresentam na ordem crescente dos intervalos”, como ocorre em Dó-
Mi-Sol (terça e quinta) ou nas inversões Mi-Sol-Dó (terça e sexta) e Sol-Dó-Mi (quarta e sexta). Por
isso a posição direta também é conhecida como posição fechada. “Qualquer modificação na colocação de
um desses intervalos leva o acorde à posição indireta” (SILVA, 1962: 5), sendo assim, posições como
Dó-Sol-Mi, ou Mi-Dó-Sol e Sol-Mi-Dó, são também conhecidas como posições abertas. No braço do
cavaquinho, seguindo o proposto no Método popular com encadeamentos e cifragens de Pechincha,
encontramos posições diretas e indiretas que se estruturam sempre com quatro notas duplicando ora a
nota fundamental, ora a quinta ou a terça. Em virtude da afinação Paraguaçu (Ré – Sol – Si – Ré)
adotada por Pechincha, é distintivo – ou mesmo idiomático –, 119 o intervalo de oitava que, em muitos
momentos, ressoa entre a nota mais grave e a mais aguda das posições.
Passemos, então, para uma nova seção do método de Pechincha: Tons maiores e relativas menores.
Aqui (SOUZA, 1984: 4-6) as informações estão grafadas em partitura e em desenhos que indicam o
posicionamento das notas no braço do instrumento. Nas páginas 4 e 5, cromaticamente, se encontram
grafados acordes maiores e suas respectivas relativas menores (C e Am, Db e Bbm, D e Bm etc.).

119Conforme Kreutz (2012: 3), “o termo idiomatismo, possui sua origem etimológica no prefixo grego idio(-), que
segundo o dicionário Houaiss tem o significado de “próprio, particular, peculiar”. [...] É utilizado [em música] como
referência as peculiaridades e possibilidades técnicas e expressivas de determinado meio sonoro [instrumento, voz ou
formação instrumental, vocal ou mista]. Dentre os assuntos que o termo engloba pode-se destacar: técnicas específicas
de execução; possibilidades físicas e mecânicas; possibilidades expressivas, procedimentos típicos da escrita; nível de
exequibilidade dos procedimentos; conhecimento de obras relevantes para o meio etc.”. Na revisão de Nascimento
(2013: 12-13) encontramos que “o idiomatismo se refere às características singulares de cada instrumento; é um conjunto
de técnicas ou potencialidades sonoras peculiares destes. [...] essas particularidades ‘possibilitam a caracterização e
reconhecimento desse instrumento em diferentes contextos’ e [...] essas peculiaridades ‘podem abranger desde
características relativas às possibilidades musicais, como timbre, dinâmica e articulação, até efeitos que criam
posteriormente interesse de ordem musical’. Em Cardoso lemos que: “Idiomático. Sobre uma peça musical, explorando
as potencialidades particulares de um instrumento ou voz para o qual é intencionado. Essas potencialidades podem
incluir timbres, registros, e meios de articulação assim como combinação de alturas que são mais facilmente produzidas
em um instrumento do que em outro (WILLI apud CARDOSO, 2006: 12).
100

Complementando o comentário que acompanha a Fig. 2.4 nota-se que, agora, os tons maiores são
apresentados apenas através de cifras que empregam bemóis (Db, Eb, Gb etc.). Na página 5 também
encontramos posições de acordes diminutos, de dominante com sétima menor e nona, de dominante
com décima terceira menor ou com quinta aumentada. 120 E, na página 6, encontramos uma digitação
ascendente e descendente da escala de Dó Maior.
Ao longo da leitura do método, as informações reunidas nas primeiras seis páginas da Antologia
do cavaquinho mostram-se como uma espécie de guia geral, um conjunto de esclarecimentos que
acompanharão o estudante nas próximas etapas de sua aprendizagem. Nota-se que, a forma de grafar
empregada nas páginas 4 a 6, com pentagramas que, na “mão” do instrumento, indicam a altura das
notas na clave de Sol, deixará de ser utilizada a partir daqui. As cifras e desenhos que referenciam as
posições e digitações das notas e acordes no braço do cavaquinho – os chamados “diagramas” 121 – são,
então, o principal recurso de grafia que o método emprega até as últimas lições.

2.5 – As primeiras lições do professor Pechincha: pelo método é só você olhar e tocar

“Peraí, o relativo é lá menor. Durval não te ensinou. Você acabou de tocar o dó maior e
passa para o lá menor. Agora tem a terceira, tem a falsa, antes da terceira tem a falsa, 122
você vai fazer. Quando seu pai puder. Pelo método é só você olhar e tocar” – lembra
Dorival. “Ah! Não deu outra!” – Prossegue o compositor em meio às
lembranças – “Eu juntei o dinheiro do método de Canhoto e comecei a tocar”.

Dorival Caymmi
(in: Stella Caymmi, O mar e o tempo, 2014: 38)

Nessa passagem, Dorival Caymmi (1914-2008) se mostra entusiasmado com as descobertas


harmônicas que vinha fazendo e que culminaram na aquisição do Método Prático de Violão contendo todas
as principais posições maiores e menores com suas variantes mais comuns apresentadas pela ordem dos gráus da escala
(de “Dó” a “Sib”) e seus cromatismos (sustenidos e bemóis) de autoria do paulistano e filho de imigrantes
napolitanos Américo Jacomino (1889-1928), conhecido como Canhoto. Contudo, guardadas as
distâncias e singularidades das experiências pessoais, pode-se dizer que, no âmbito do cavaquinho, o

120 Tais acordes voltarão a aparecer nas páginas 39 e 40 da Antologia do Cavaquinho de Pechincha.
121 Sobre a utilização de diagramas em “publicações denominadas genericamente métodos práticos de violão”, Palma (2015: 7 e 10)
esclarece que “o diagrama consiste na representação de uma parte do braço do violão, com uma parte da mão (onde ficam as
tarraxas)”, diagramas são recursos para “o aprendizado de acordes, ou seja, para a indicação sobre a maneira adequada de
dispor os dedos da mão esquerda no braço do violão para fazer soar determinada cifra”. Tais comentários se adéquam ao caso
do Método popular de cavaquinho.
122 Conforme Fagerlande (2011: 191), o termo “falsa”, ou intervalo falso, diz respeito ao “intervalo dissonante ou

diminuto”. No contexto dessa conversa entre Durval e Dorival Caymmi, na tonalidade de Dó maior, podemos entender
que, na frase “antes da terceira tem a falsa”, o termo “falsa” diz respeito ao acorde dissonante (C7 ou Eº) que prepara o
acorde de F (o IV grau, a subdominante), denominado “terceira” no método de Canhoto aqui lembrado por Caymmi.
Conforme Merhy (citado por VASCONCELLOS, 2017: 74) essa maneira de dizer “atendia a uma espécie de hierarquia das
funções tonais de acordo com a sua estabilidade ou instabilidade, tratando-se a tônica como a 1ª da tonalidade, a dominante
como a 2ª e a subdominante como a 3ª.”
101

Método popular de Henrique Souza visa atender o mesmo tipo de expectativa: quais são os acordes em
determinado tom? Como se dão as relações entre os campos harmônicos das tonalidades relativas?
Dado um acorde, qual é o próximo? Com qual posição de dedos consigo tocar tal harmonia? “Pelo
método é só você olhar e tocar”.
Dedicada a esclarecer questões desse tipo, no Antologia do Cavaquinho, entre as páginas 7 a 38
(SOUZA, 1984), encontra-se a seção mais longa do método. Essa seção trata de progressões harmônicas
que são apresentadas em vinte e quatro tonalidades contendo aproximadamente dez acordes em cada
progressão. Com diagramas e cifras alfanuméricas, no modo maior, tais progressões de acordes
percorrem um caminho harmônico que, por meio de graus, pode ser descrito assim: I V7 I (V7/IV) IV
IVm I (V7/IIm) (V7/V) V7 e I. E no modo menor, em linhas gerais, o caminho harmônico é: Im V7 Im
(V7/IVm) IVm IIm7(5) Im (V7/V) V7 Im.
Tais progressões de acordes estão agrupadas por pares de tonalidades relativas na seguinte ordem:
Dó maior e Lá menor, Ré maior e Si menor, Mi maior e Dó menor, Fá maior e Ré menor, Sol maior e
Mi menor, e assim por diante. A partir da página 28, onde se inicia uma “segunda parte”, intitulada
Sustenidos e Bemóis, encontram-se progressões que empregam enarmonias, tais como: Si maior ou
Lámaior e Sol menor, Fámaior ou Solmaior e Mimenor ou Rémenor etc. E, acompanhando a
exposição dessas progressões harmônicas, de quando em quando, são intercaladas algumas peças
musicais: valsas, canções e choros.
A primeira progressão que encontramos no Antologia do cavaquinho de Henrique Souza, “DÓ
MAIOR” (SOUZA, 1984: 7), já sugere que, ao longo do método, um conjunto de cuidados pedagógicos e
artísticos se voltam tanto para o desenvolvimento técnico instrumental, quanto para uma iniciação aos
valores da prática tonal no que diz respeito à funcionalidade harmônica e à condução das vozes.
Sobre a funcionalidade harmônica na tonalidade maior, esquematicamente (Fig. 2.6), podemos
notar que a articulação T S D T (Tônica, Subdominante, Dominante e Tônica) unifica a lição, e que,
combinados com os graus diatônicos mais básicos (I IV e V), também aparecem acordes que
introduzem cromatismo através do emprego de “dominantes secundárias” (C7, A7 e D7) 123 e de um
acorde de empréstimo da tonalidade homônima, Fm, o IVm de Dó menor. 124 Tais recursos harmônicos

123 Conforme Cordeiro, “com a popularização e internacionalização do vocabulário funcional riemanniano, alguns termos se
consagram e seguem em uso, tais como: Zwischendominanten (dominante intermediária), Sekundärdominanten (dominante
secundária), Wechseldominanten (dominantes de mudança), Zwischenfünf (quintas mediadas ou intermediárias) e Klammerdominanten
(dominantes parentéticas ou entre parênteses). Em seu Guia da terminologia da harmonia alemã, Gjerdingen traça breves
correspondências que ilustram como os termos riemannianos se adaptaram à língua inglesa: ‘Aqueles [acordes] que envolvem
notas cromáticas e são conhecidos como 'dominantes secundários' em inglês, em alemão são denominados Zwischendominante
ou Wechseldominante e geralmente simbolizados por um D entre parênteses. A Doppeldominante (dupla dominante) é, portanto,
um dominante secundário – a dominante da dominante’ (GJERDINGEN apud CORDEIRO, 2019: 113-114).
124 Assim, podemos entender que a aparição do acorde de Fá menor na tonalidade de Dó maior decorre de uma mistura de

modos. O termo “mistura de modos” refere-se ao “uso de notas de um modo (aqui, modo refere-se aos modos maior e menor)
em uma passagem que predominantemente está em outro modo. Geralmente, a mistura envolve o colorir uma passagem no
modo maior com notas de seu homônimo menor. A mistura de modos geralmente está a serviço de propósitos expressivos e é
uma fonte frequentemente encontrada de acordes cromatizados” (KOSTKA e PAYNE apud FREITAS, 2010: 379).
102

diversificam a progressão que, mesmo breve, mostra uma “unidade formal” que, nos termos de Agawu
(2012: 97), pode ser percebida como uma espécie de “narrativa” composta de um “começo, de uma
seção central e de um final”.
Para a descrição e apreciação da harmonia e, de modo especial, da condução das vozes propostas
por Pechincha, na Fig. 2.6 (e nas figuras similares que se seguem), foram realizadas algumas intervenções:
as posições dos acordes grafados pelo autor em diagramas (Fig. 2.7) estão transcritas em dois pentagramas
e, além disso, a Fig. 2.6 propõe uma divisão de compassos que, organizada em quadraturas, não foi
explicitamente definida pelo autor. Outra ressalva deve ser feita acerca do uso de notas longas (mínimas)
e ligaduras nas representações analíticas empregadas a partir da Fig. 2.6: os valores de duração utilizados
nessa notação são delineações nitidamente esquemáticas, visam descrever especificamente o
encadeamento das notas dos acordes em cada uma das vozes. Assim, mínimas e ligaduras não dizem
respeito a duração dos sons que experimentamos tocando ou escutando o trabalho harmônico do
cavaquinho, um instrumento que, como se sabe, idiomaticamente, não é propício para o preciso destaque
de cada uma das vozes da harmonia e nem tão pouco para a produção e a sustentação de notas longas. 125
Nessa progressão, os primeiros três compassos (Figuras 2.6 e 2.7) dão o tom da lição: C, G7 e
C, ou seja, I V7 I. Trata-se de uma articulação harmônica com função de “frase de apresentação”
(AGAWU, 2012: 98) que sugere que, nesses compassos se “inicia um conjunto de eventos” (AGAWU,
2012: 101). Articulando as funções tônica, dominante e tônica, numa espécie de contraponto a quatro
vozes, a condução das notas dos acordes mostra variedade através de uma “simultaneidade de
movimentos melódicos” (SILVA, 1962: 7): soprano e baixo se relacionam por movimento contrário,
um movimento que “dá ao conjunto harmônico graça, alinho, beleza e distinção” (SILVA, 1937: 8).
Por sua vez, soprano e contralto caminham por movimento paralelo e o tenor realiza movimento
oblíquo (assinalados pelas ligaduras na Fig. 2.6) em relação às demais vozes. Em seguida, estabelecendo
aquilo que Agawu (2012: 101) trata como um “vínculo necessário entre começo e final”, surge “uma
frase de continuação [...] que apresenta uma aceleração harmônica” (AGAWU, 2012: 98): no compasso
4 (Fig. 2.6), o tenor é responsável pelo primeiro salto da progressão, da nota sol para a nota si que
tensiona o diatonismo de Dó maior e, como sétima menor, prepara o acorde de Fá maior (IV grau).
Nesse segmento central (compassos 4 a 7 da Fig. 2.6), observando uma característica idiomática do
instrumento, nota-se o movimento oblíquo da voz de contralto em relação a linha melódica duplicada
em oitavas pelas vozes de soprano e baixo. 126

125
Para uma representação em partitura de como se realiza o trabalho harmônico no cavaquinho, ver o “modelo de notação”
proposto por Cazes (2019: 135) e as transcrições das palhetadas de samba de reconhecidos interprestes do cavaquinho (Jair
do Cavaquinho, Mané do Cavaco, Paulinho da Viola, Alceu Maia e Carlinhos) realizadas pelo mesmo autor, a partir de seu
modelo de notação em pentagrama (CAZES, 2019: 136 a 155).
126 Sobre diferentes aspectos desse dobramento ou o reforço melódico em oitavas, cf. Rego e Gloeden (2010a).
103

Fig. 2.6 – Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Dó maior proposta por Souza (1984: 7) 127

Fig. 2.7 – Diagramas mostrando a progressão de acordes I V7 I (V7/IV) IV IVm I (V7/IIm) (V7/V) V7 e I na tonalidade
de Dó maior (SOUZA, 1984: 7)

No compasso 6 desse segmento (Fig. 2.6), chama atenção o deslocamento cromático descendente
na linha do tenor, da nota lá para a nota lá. Com tal deslocamento, o IV grau se transforma em Fá menor
(IVm), ambos acordes de Subdominante em estado fundamental e em posição de oitava que prenunciam
a reaparição do I grau no compasso 7. Com o efeito da troca entre os graus IV e IVm (compassos 5 e 6

127Essa maneira de grafar, em dois pentagramas, não é usual nas partituras para cavaquinho (que utilizam apenas um
pentagrama com a clave de sol). A opção por essa solução de escrita visa favorecer a visualização de aspectos de condução de
vozes que são comentados no decorrer do texto.
104

na Fig. 2.6), vale um parêntese para recuperar que, autores de prestígio da disciplina – tais como Hugo
Riemann (1849-1919), o célebre musicólogo alemão proponente do termo conceito “harmonia
funcional” – não deixam de observar o valor dessa “inflexão menor” que Pechincha emprega já em sua
primeira lição:
Se no modo maior substituímos a subdominante maior por uma menor [...] – o que é
possível a qualquer momento e de muito bom efeito –, o sistema maior puro sofre um
leve desvio [...] que chamaremos então maior eólio de acordo com Hauptmann. 128 [...]
[Maior eólio], quer dizer, um modo maior que se distingue do modo maior puro por ter
uma sexta menor, que é um dos intervalos característicos da antiga escala eólia, daí o
seu nome. Os alemães o chamam de modo Moll-Dur. Isto é: maior com inflexão menor
(RIEMANN apud FREITAS, 2010: 380).

A partir daí, na Fig. 2.6, do compasso 8 em diante, encontramos aquilo que Agawu (2012: 101)
caracteriza como uma “ideia cadencial [...], que demarca o caráter completo da estrutura”: após um salto
ascendente nas quatros vozes, surge o acorde de A7. Aqui se alcança o ponto culminante da condução
das vozes e o início de um desfecho. Na progressão por quintas que finaliza a lição (A7, D7, G7 e C),
novamente evitando saltos, emprega-se uma variedade de recursos combinados: intensificando a
harmonia, tenor e baixo fazem uso de cromatismos nos encadeamentos de terça para sétima e de sétima
para terça (dódó no tenor, e sol fáe fá no baixo). Num conjunto equilibrado, as quatros vozes
realizam movimentos contrários, oblíquos e paralelos. Destaca-se que, nos compassos 10 para 11, a voz
mais grave realiza uma resolução irregular da sétima: a nota fá (sétima de G7) sobe para a nota sol (quinta
do I grau) e não conclui na esperada nota mi (terça do acorde de C).
De modo geral, os aspectos de progressão harmônica e de condução de vozes que se destacam
nesta lição em Dó maior de Henrique Souza (1984: 7), se conservam ao longo das demais lições em modo
maior que encontramos no Antologia do Cavaquinho. Entretanto, pequenas diferenças podem ser realçadas.
Uma das diferenças diz respeito ao emprego de graus que não aparecem na lição em Dó maior (Fig. 2.6),
como podemos verificar nas progressões em “FÁ MAIOR” (SOUZA, 1984: 18), em “SOL MAIOR”
(SOUZA, 1984: 21) e em “MI BEMOL MAIOR” ((SOUZA, 1984: 37).
Conforme vimos, no compasso 7 da progressão em Dó maior encontramos um I grau (Figuras 2.6
e 2.7). E, nos compassos 7 das progressões em Fá maior (Figuras 2.8 e 2.9) e Sol maior (Figuras 2.10 e 2.11),
encontramos o IIIm grau. A lição em Mi maior (Figuras 2.12 e 2.13) – descrita também como Rémaior
por Pechincha –, diferencia-se das demais por introduzir o efeito da “cadência à dominante”, lembrando
que podemos entender o termo “cadência” como “a terminação duma frase, membro de frase ou período”
e que a “cadência à dominante é a que se faz sobre o acorde do V grau” (SILVA, 1962: 40). Assim, nos
compassos 9 e 10 das Figuras 2.11 e 2.12 destacam-se as harmonias F7 e F 97, acordes de dominante da
dominante que prenunciam o V7 grau, o B7 que vamos tocar nos compassos 11 e 12 e que, por sua vez
sugere um ritornelo ao acorde de Eque, no compasso 1, inicia a progressão.

128 Trata-se do compositor, teórico e professor alemão Moritz Hauptmann, 1792-1868, autor do “Die Natur der Harmonik und
der Metrik...” publicado em 1853.
105

Fig. 2.8 - Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Fá maior (SOUZA, 1984: 18)

Fig. 2.9 - Diagramas mostrando a progressão de acordes na tonalidade de Fá maior (SOUZA, 1984: 18 grifo nosso)
106

Fig. 2.10 - Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Sol maior (SOUZA, 1984: 21)

Fig. 2.11 - Diagramas mostrando progressão de acordes na tonalidade de Sol maior (SOUZA, 1984: 21, grifo nosso)
107

Fig. 2.12 - Encadeamentos das vozes dos acordes na progressão em Mi maior (SOUZA, 1984: 37)

Fig. 2.13 - Diagramas mostrando a progressão de acordes na tonalidade de Mi maior (SOUZA, 1984: 21)

Essas descrições e comentários sobre as progressões em Dó maior, Sol maior, Fá maior e Mi
maior nos dão uma visão geral sobre aquilo que podemos encontrar nas demais lições em tonalidade
maior no Método popular de Pechincha. Nessas lições, entre cifras e diagramas, aprendemos tríades e
tétrades maiores e menores em diferentes posições e experimentamos dobramentos de oitava, de terça e
quinta em diversas tessituras. Praticando tais lições, de fato, podemos nos tornar proficientes na arte de
realizar acordes variados, capazes de transitar por um repertório amplo e suficientemente familiarizados
com os desenhos harmônicos no braço do instrumento. Com isso, vejamos como o professor Henrique
Souza nos apresenta as harmonias do modo menor.
108

A primeira lição em modo menor que encontramos no Antologia do cavaquinho é a de “LÁ MENOR
– RELATIVO DE DÓ MAIOR” (SOUZA, 1984: 8). No plano funcional, esta lição (reproduzida nas
Figuras 2.14 e 2.15) conserva semelhanças com as lições em tonalidade maior, pois aqui também podemos
notar que a harmonia T S D T combina os graus básicos do modo menor (Im, IVm e V7) com acordes
de dominante secundária (A7 e B7) sugerindo, novamente, uma progressão articulada em três momentos:
uma apresentação, uma continuação e um desfecho cadêncial.

Fig. 2.14 - Encadeamentos de acordes em Lá menor. Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 8)

Fig. 2.15 - Diagramas mostrando progressão de acordes na tonalidade de Lá menor (SOUZA, 1984: 8)
109

No segmento de apresentação (compassos 1 a 3 da Fig. 2.14) o movimento Am, E7 e Am (Im


V7 Im) dá o tom. Nos compassos 1 a 4, as vozes extremas (soprano e baixo) permanecem estáticas,
mantendo as notas comuns entre os acordes, enquanto as vozes internas (contralto e tenor) deslocam-se
por movimento contrário. Preparando a seção de continuação, o primeiro acorde de dominante
secundária, A7 no compasso 4, em movimento paralelo ascendente nas quatro vozes, alcança o IVm
(Dm) no compasso 5. No compasso 6 observam-se pontos culminantes na condução: a nota lá no
soprano sétima menor de IIm7(5), e a nota ré na voz mais grave como terça do mesmo grau. Entre os
compassos 6 e 7, o baixo faz movimento contrário em relação às vozes superiores alcançando um acorde
de Am que, com a quinta na voz mais grave, pode ser entendido como primeiro grau invertido ou como
um acorde de dominante cadencial de sexta e quarta que prenuncia o desfecho da progressão. 129
Nos compassos 8 e 9 (Figuras 2.14 e 2.15) ouvimos uma troca de vozes (fá para ré no soprano
e ré para fá no baixo) movimentando o acorde de dominante da dominante (B7) para, em seguida,
contrastando os movimentos das vozes, introduzir o E7 que, por fim, em cadência autêntica imperfeita,
nos leva ao desfecho em Am.
Assim como ocorre com o modo maior, as lições em modo menor propostas por Pechincha
também não são uma mera transposição dessa primeira lição em Lá menor. Conforme as demais
tonalidades menores vão entrando em pauta, o método traz diferentes soluções na combinação dos
acordes e de suas vozes internas que atestam uma investigação cuidadosa às possibilidades do cavaquinho.
Veja-se, nesse sentido, na continuação e no segmento cadêncial da lição em “SI BEMOL MENOR”
(SOUZA, 1984: 36), uma condução que, com saltos, mudança de posição 130 e dobramentos bem
escolhidos, permite que o estudante explore um pouco mais a tessitura de seu instrumento (Fig. 2.16).

Fig. 2.16 - Encadeamentos de acordes em Si bemol menor. Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 36)

Com essas figuras (2.6 a 2.16) e descrições reitera-se que, ao elaborar essas progressões de acordes
em tonalidade maior e em tonalidade menor, Henrique Souza mostra conhecer a arte de escolher e
combinar acordes, tanto no que se refere aos aspectos que regem a correspondência funcional dos graus,

Sobre o “acorde de quarta-e-sexta na cadência”, cf. Schoenberg (2011: p. 214-217).


129

Conforme Silva (1962), “diz-se haver mudança de posição quando uma ou mais partes mudam de nota no mesmo acorde”,
130

como ocorre com o acorde de Bb7 nos compassos 4 e 5 da Fig. 2.16.


110

quanto no que diz respeito ao âmbito daquilo que, na pedagogia da harmonia, se conhece como
“movimento harmônico”, isto é: a arte de elaborar “a simultaneidade de movimentos melódicos”
(SILVA, 1962: 7) que as vozes, ou partes, 131 executam no decorrer de uma progressão. Conforme ensina
Paulo Silva – professor recorrentemente citado no presente trabalho em função de sua proximidade
temporal e geográfica com Henrique Souza –, três tipos de movimento regem essa arte: quando “as partes
seguem na mesma direção” observamos o “movimento direto”; quando “uma parte sobe e a outra
desce” observamos o “movimento contrário”; e quando uma voz permanece estática “enquanto outra
sobe ou desce” observa-se o “movimento oblíquo”. Tais ensinamentos, como se sabe, são históricos,
como podemos conferir nas páginas do influente Gradus ad Parnassum em que o compositor e professor
austríaco Johann Joseph Fux, já em 1725, sublinha que “o conhecimento correto desses três tipos de
movimento é, como costumamos dizer, ‘a lei dos profetas’” (FUX, 2010: 61). 132
Sendo assim, os comentários que aqui chamam atenção para o “conhecimento correto desses três
tipos de movimento” visam salientar que, em seu texto, Henrique Souza mostra possuir um terceiro tipo
de letramento: na língua portuguesa, “escrevia com poucos erros ortográficos” (como avalia sua filha, a
professora Sonia Feitosa); na harmonia de acordes, entre cifras e diagramas, fica nítido que dominava
bastante bem os fundamentos da funcionalidade tonal; e, no pormenor do “movimento harmônico” das
partes, as lições de Pechincha traduzem conhecimentos sobre aquilo que, nos ambientes de educação
musical formal, é ensinado como as regras de condução das vozes. A partir dessa constatação, é possível
argumentar que, esse múltiplo letramento nos diz algo acerca dos esforços que Henrique Souza realizou
no sentido de se afirmar como um profissional capacitado, um músico popular negro portador de saberes
artísticos que, no geral, distinguem aqueles que são iniciados na esfera “culta”. Assim, novamente com
Bosi (2002: 8), podemos dizer que o Antologia do cavaquinho de Henrique Souza não reflete “uma cultura
brasileira” supostamente “unitária, coesa, cabalmente definida por esta ou aquela qualidade mestra”, uma
vez que, também nas escritas que compõem o volume aqui em estudo, “a cultura das classes populares”
se encontra com valores da chamada “cultura erudita” ocidental.
Antes de seguir para as considerações sobre o repertório, que deixarão esses encontros ainda mais
nítidos, para apreciarmos um pouco mais essas imbricações entre épocas e lugares que se imaginam
distantes, vale reler a definição daquilo Kostka e Payne (2011: 63) tratam como as “normas de condução
de vozes que a maioria dos compositores seguem a maior parte do tempo”. 133

Condução de vozes (ou escrita das partes) pode ser definida como as maneiras pelas
quais os acordes são produzidos pelos movimentos de linhas musicais individuais. Um

131 Partes [rubrica: música] “Cada uma das vozes ou instrumentos de uma composição homofônica ou polifônica”
(HOUAISS).
132 Conforme o tradutor José Ortega, “a lei dos profetas” é uma expressão da linguagem bíblica, utilizada para designar os

mandamentos da lei de Deus que devem ser respeitados.


133 “But there are certain voice-leading norms that most composers follow mosto of the time, and our study will concentrate

upon these norms” (KOSTKA e PAYNE, 1994: 77).


111

termo intimamente relacionado é contraponto, que se refere à combinação de linhas


musicais relativamente independentes (KOSTKA e PAYNE, 1994: 77). 134

Essas duradouras e transnacionais normas de “condução de vozes”, como se sabe, são descritas
e comentadas por diversos autores e, nessa apreciação do trabalho de Pechincha, podem ser
suscintamente relembradas através das “diretrizes” elaboradas por Schoenberg em seu Harmonia:

1. Evitar movimentos antimelódicos (dissonantes ou que resultem em dissonâncias).


Recomenda-se não utilizar tais movimentos até que nossa harmonia venha a fazer o
uso de acordes alterados. Nos acordes que empregamos até aqui esses movimentos
seriam inoportunos.
2. Evitar repetições incômodas de séries de sons, especialmente quando a mesma nota
se constrói a mesma harmonia.
3. Onde for possível, observar que se atinja uma única vez o ponto culminante superior;
eventualmente, observar o mesmo quanto ao ponto culminante inferior.
4. Utilizar a maior variedade possível no emprego de graus conjuntos e disjuntos nas
sequências dos intervalos que constituem as linhas melódicas, as quais devem
esforçar-se por conservar certa posição central.
5. Caso a voz abandone essa posição central através de salto, deve-se regressar a ela logo
que possível por meio de uma sucessão de graus conjuntos, ou através de um salto. E
vice-versa. Compensa-se assim a troca de posição.
6. Se a posição central é abandonada por graus conjuntos, pode-se restabelecer o
equilíbrio através de um salto de oitava.
7. Se é inevitável repetir uma nota ou uma série de notas, a realização poderá ser auxiliada
pela mudança de direção da linha melódica depois da repetição (SCHOENBERG,
2015: 193).

Com isso em vista, nota-se que, no Método popular de Pechincha, a singularidade de cada lição
decorre da posição do primeiro acorde e do consequente encadeamento que, negociando com tais
“diretrizes”, coliga as vozes dos demais acordes em cada tonalidade. Assim, cada lição se conforma a
partir da primeira posição, respeitando a limitação de que: ora o primeiro acorde se apresenta em
disposição de terça (3-5-1-3), como ocorre na Fig. 2.17a extraída da lição em Ré maior (SOUZA, 1984:
13). Ora o primeiro acorde se apresenta em disposição de quinta (5-1-3-5), como ocorre na Fig. 2.17b
extraída da lição em Si menor (SOUZA, 1984: 14). E ora em disposição de oitava (1-3-5-1), como ocorre
na Fig. 2.17c que inicia a lição em Mi maior (SOUZA, 1984: 15).

Fig. 2.17 – Disposições de acordes triádicos no braço do cavaquinho

134“Voice Leading (or part writing) may be defined as the ways in which chords are produced by the motions of individual musical
lines. A closely related term is counterpoint, which refers to the combining of relatively independente musical lines” (KOSTKA
e PAYNE, 1994: 77).
112

Podemos então dizer que, o Antologia do cavaquinho se organiza, efetivamente, como uma
antologia de aberturas e encadeamentos das vozes dos acordes nas diferentes regiões do braço desse
instrumento. E não propriamente como um método que expõem, a cada lição, um conjunto de novas
harmonias. Ou em outros termos: o método de Pechincha nos ensina progressões bastante semelhantes
em vinte e quatro tonalidades (doze maiores e doze menores), empregando, entretanto, uma sofisticada
variedade de caminhos para a combinação das vozes dos acordes no braço do cavaquinho. Então, se
retomarmos os comentários que acompanham as lições acima destacadas (Figuras 2.6 a 2.16), vamos
notar que, circunstanciadas pelos limites da afinação e tessitura do cavaquinho, as “diretrizes”
apontadas por professores como Schoenberg se encontram vigentes no Método de Henrique Souza,
coligando, por um lado, as vozes dos acordes selecionados e dispostos em cada uma das lições. E, por
outro, aproximando o ofício de tocar o “cavaquinho centro” (CAZES, 2019: 28) da cultura da melodia
acompanhada e seu amplo repertório.

2.6 – Notas sobre o repertório: canções conhecidas e implicações nem sempre lembradas

Após as progressões em Dó maior e Lá menor, Pechincha apresenta algumas peças musicais que
ilustram a presença, no repertório, das harmonias descritas nessas duas primeiras lições. Na edição de
1984, em cifras e diagramas, encontram-se as harmônicas de três obras musicais que fizeram história no
repertório popular nacional: Tardes de Lindóia, Meu limão, meu limoeiro e Tico-tico no fubá.
Na tonalidade de Dó maior ((SOUZA, 1984: 10-11) são indicados os acordes que
acompanham a valsa lenta Tardes de Lindóia, música de Zequinha de Abreu com versos de Pinto
Martins que foi publicada pela Irmãos Vitale em 1930. No site Clube do Choro de Belo Horizonte,
encontramos que essa valsa, também grafada como Tardes em Lyndoya, retrata as belezas da estância
hidromineral de Lindóia, no interior do estado de São Paulo, e foi composta em 1929, quando
Zequinha de Abreu (1880-1935) esteve na cidade e dedicou a obra à “distinta pianista Senhorinha
Diva Vita Pulino”. A valsa ganhou versos de Pinto Martins e foi gravada pela primeira vez
por Celestino Paraventi, tenor italiano radicado no Brasil, em 11 de agosto de 1930 (lançada pela
Parlophon, 13223-A, e reeditada pela Odeon 11022-A em julho de 1933).
Como podemos ver no acervo disponível no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), com
versos ou em versões instrumentais, a valsa Tardes em Lindoia ganhou gravações memoráveis de
artistas como Dilermando Reis, Francisco Petrônio, Ângela Maria, Altamiro Carrilho, Carlos Payares,
Avena de Castro, Léo Peracchi e sua Orquestra, dentre outros conjuntos e solistas. Assim, vale supor
que, por um lado, por sua popularidade, a inclusão dessa valsa no Método popular de Henrique Souza
(Fig. 2.18) atendia expectativas daqueles que estudavam o instrumento procurando interpretar o
repertório mais antigo. Por outro, para os que se consideravam mais jovens em meados dos anos de
1980, talvez a bela valsa já não fosse tão chamativa.
113

Tardes silenciosas de Lindóia / Quando o sol morre tristonho


Tardes em que toda a natureza / Veste-se de um véu de sonho
Baixo os arvoredos murmurantes / De a tênue brisa um soprar
Anjinho dos sonhos meus / Não sabes tu com és / Sublime contigo sonhar
Longe, lá no horizonte calmo / As nuvens se incendeiam / Num incêndio de luz
Vibra e se exalta minha alma / Na sensação que a seduz
Um plangente sino toca / Chamando a prece a todos / Os que ainda sabem crer
Então que sonho e creio / Beijar a tua linda boca / Para acalmar o meu sofrer.

Fig. 2.18 – Primeira parte da valsa Tardes de Lindóia de Zequinha de Abreu com a harmonia proposta por Henrique Souza
114

Também em Dó maior (SOUZA, 1984: 12), são apresentadas as cifras e diagramas de acordes
que acompanham Meu limão, meu limoeiro (Fig. 2.19) canção do folclore baiano que, como “samba-
sertanejo” chegou ao disco e ao rádio, nos anos de 1930, através da versão do compositor, ator, crítico
de rádio e cineasta recifense José Carlos Queiroz Burle (1910-1983).

Fig. 2.19 – Canção Meu limão, meu limoeiro com a harmonia proposta por Henrique Souza e melodia referenciada na versão de
Inezita Barroso gravada no álbum Canto da Saudade de 1959 (Transcrição de Carlos Eduardo Romão)

Consultando os acervos do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), do Portal da Discografia


Brasileira (IMS) e do portal Discos do Brasil, encontramos que a canção Meu limão, meu limoeiro possui
aproximadamente 100 gravações lançadas, até meados da década de 1980, por artistas como Inezita
115

Barroso, Stelinha Egg, Vanja Orico, Trio Surdina, Conjunto Polydor, Zaccarias e sua orquestra, Sílvio
Caldas, Canhoto e seu regional, etc. A canção atravessou fronteiras e, como Lemon tree, surgiu no mercado
norte-americano com autoria creditada ao cantor Will Holt (1929-2015) que a gravou em 1963.
Como se sabe, na voz de Wilson Simonal – e arranjo de César Camargo Mariano que, à época,
com Sabá ((Sebastião Oliveira da Paz, contrabaixo) e Toninho Pinheiro (Antônio Pinheiro Filho, bateria),
atuava no conjunto Som Três –, a canção Meu limão, meu limoeiro se tornou um sucesso nacional, a partir
do álbum “Vou deixar cair... Wilson Simonal” lançado em 1966 pela gravadora Odeon (MOFB 3470).
Assim, podemos supor que Pechincha tenha levado em conta o sucesso de Simonal para incluir Meu limão,
meu limoeiro em seu método, uma vez que a indicação “Balanço” aparece ao lado do título e que a gravação
de Simonal também está em Dó maior. Contudo, os versos dispostos acima dos diagramas no Antologia do
cavaquinho são aqueles cantados na gravação de Inezita Barroso com a Orquestra de Hervê Cordovil lançada
pela gravadora Copacabana (6052 M-2517) em 1958. Mesclando o tom sertanejo de Inezita e o caprichado
arranjo para orquestra e coral, essa versão está em Sol maior, foi categorizada como uma Toada e possui
uma harmonia mais próxima aos acordes indicados por Pechincha.
Meu limão, meu limoeiro / Meu pé de jacarandá
Uma vez tin-do-lelê / Outra vez tin-do-lalá
Morena, minha morena / Corpo de linha torcida
Queira deus você não seja / Perdição da minha vida.

Na tonalidade de Lá menor são indicados os acordes que acompanham a primeira parte do choro-
canção Tico-Tico no fubá (Fig. 2.20) publicado por de Zequinha de Abreu em 1917 (SOUZA, 1984: 13).
Acima dos diagramas, Pechincha transcreve os seguintes versos:
Um Tico-Tico só, um Tico-Tico lá Então eu tenho pena do susto que levou
Está comendo todo, todo, meu fubá E uma cuia cheia de fubá eu dou
Olha, seu Nicolau, que o fubá se vai E alegre já voando e piando meu fubá, meu fubá
Pego no meu pica-pau e um tiro sai Saltando de lá para cá
Com tais versos, pode-se notar que esse choro-canção possui história notável que vem sendo
contada por diversos comentaristas:

Entre 1942 e 1946, “Tico-tico no fubá” entrou em nada menos do que seis filmes em
Hollywood, inclusive filmes da Esther Williams. E a música aparece aí com duas letras,
uma feita aqui no Brasil, outra feita nos Estados Unidos para a Carmen Miranda cantar.
No filme Copacabana, em que Carmen contracena com o Groucho Man, ela faz um teste
cantando “Tico-tico no fubá” com a letra do Aloísio de Oliveira (CAZES, 2008: 175).

“Tico-Tico no fubá” — uma das composições brasileiras mais divulgadas no exterior —


foi tocada, em público, pela primeira vez, ainda inacabada, com o nome inicial de “Tico-
tico no farelo”, em um baile no Grêmio Litero-Recreativo, na cidade de Santa Rita do
Passa Quatro/SP. O ano era 1917 e o intérprete o próprio Zequinha de Abreu, ao piano.
A primeira gravação só seria realizada pela Colúmbia, em 1931. Em 1942, a cantora
Ademilde Fonseca gravou “Tico-Tico no fubá”, com letra de Eurico Barreiros. Digno de
registro é o fato de, tendo criado a letra após o falecimento do autor da melodia, Eurico
Barreiros doou à viúva a parte que lhe caberia nos direitos autorais dessa gravação.
Todavia, o famoso Choro receberia ainda mais duas letras: uma de Aloísio de Oliveira
(1914-1995) e outra de Ervin Drake, em língua inglesa. No espaço de cinco anos, “Tico-
Tico no fubá” apareceu na trilha sonora de cinco filmes nos Estados Unidos: em 1943 —
116

“Alô amigos” e “A filha do comandante”; em 1944 — “Escola de Sereias” e “Kansas City


Kitty”, e ainda “Copacabana”, em 1947, na voz de Carmen Miranda. A Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, fundada em São Paulo, em 1949, produziu, em 1952, o filme
“Tico-Tico no fubá” — baseado na vida do conhecido compositor — com Anselmo
Duarte no papel principal, mais as atrizes: Tônia Carrero e Marisa Prado, com direção de
Adolfo Celi. No filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, de 1995, direção de Carla
Camuratti, ouve-se “Tico-Tico no fubá”, como fundo musical da cena, na qual Carlota
Joaquina abraça Fernando Carmona Leão, seu amante negro. O filme — é interessante
notar — retrata período histórico de mais de um século antes de Zequinha de Abreu
compor o famoso chorinho! (RIZZI, 2016: 204).

Pode-se acrescentar ainda que, na crônica Apelidos que publicou em 1953, o poeta Vinícius de
Moraes observou que “Chamar moça gostosa, de andar trançado, de Tico-Tico no fubá não é nada mau”
(MORAES, 2009: 67). Tais histórias e implicações associadas ao choro Tico-Tico no fubá são citadas aqui
para realçar a preocupação dos autores, como é o caso de Pechincha, com a escolha do repertório a ser
apresentado em seus métodos.
117

Fig. 2.20 – Primeira parte de Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu, com a harmonia proposta por Henrique Souza

Seguindo em frente, logo após as progressões em Fá maior e em Sol maior, Pechincha propõe o
acompanhamento de duas versões brasileiras de canções estadunidenses bastante conhecidas entre nós.
Complementando a lição em Fá maior, encontramos as cifras e diagramas dos acordes que acompanham
o fox Oh Suzana (SOUZA, 1984: 18). E, após a lição em Sol maior, encontramos as harmonias que
acompanham a valsa Parabéns a você – Canção de Aniversário (SOUZA, 1984: 22), versão de Happy Birthday
to You conhecida no Brasil desde meados da década de 1940.
Pelas questões raciais que perpassam o universo do cavaquinho, apesar da distância linguística,
temporal e geopolítica que nos faz ouvir de modo diverso as mesmas músicas, vale considerar alguns
aspectos que acompanham a história da primeira dessas peças: a canção Oh! Susanna, datada de 1848 e de
autoria de um cancionista lembrado por alguns como o “pai da música americana”: Stephen Collins
Foster (1826-1864). Conforme Abreu (2017: 45-47) e Spitzer (1994), levando em conta o contexto de seu
surgimento, Oh! Susanna foi vista como parte de um repertório satírico que, nos Estados Unidos, foi
utilizado pelas classes dominantes para uma caracterização racista da população afro-americana. Nas
versões mais conhecidas, os versos dessa canção descrevem a jornada de um homem negro em busca de
sua amada. Entretanto, Abreu e Spitzer observam que, ao longo dos versos, dois elementos são
percebidos como claramente zombeteiros: um deles é a menção ao banjo (no reincidente verso With my
banjo on my knee), posto que, nesse contexto, esse instrumento foi pejorativamente associado aos negros
nas canções, histórias em quadrinhos e ilustrações de capas de partituras impressas que sugeriam que,
através de sua chorosa imagem, o banjo evocava “uma memória caricata dos tempos pretensamente
felizes e nostálgicos do cativeiro” (ABREU, 2017: 50). A Fig. 2.21 mostra um dos produtos que
alimentavam esse tipo de associação. Um segundo elemento é o franco desrespeito ao dialeto rural afro-
americano, conhecido como the black "plantation" dialect, que ofensivamente estigmatizava os negros como
pessoas ignorantes e, consequentemente, ridículas e incapazes. Contando com isso, e com suas inegáveis
qualidades musicais, “Oh! Susanna” se conservou como um número no repertório de músicos e artistas
brancos em suas performances nos espetáculos “minstrels pintados em estilo blackface, em período
avançado do século XX” (ABREU, 2017: 46). 135 Com as decorrências da Guerra Civil e, posteriormente,
com as lutas travadas pelos movimentos sociais nos Estados Unidos, os versos mais ofensivos da canção
foram modificados e, ao longo do tempo, esses espetáculos sofreram severas críticas.

135 Sobre os shows Blackface, cf. Abreu (2017: 43-65).


118

Fig. 2.21 – Capa da partitura da canção Down where the Tennessee flows. Fonte: Abreu (2018:45)

Quase um século depois de seu aparecimento nos EUA, no Brasil, a versão da canção Oh!
Suzana se tornou popular, a partir de 1944, principalmente por meio das performances de Bob Nelson,
nome artístico de Nelson Perez (1918-2009), conhecido como o Cowboy da Rádio, que se apresentava
trajando vestimentas de vaqueiro estadunidense (Fig. 2.22). Com a gravação do “fox marcha” Oh!
Suzana, lançada em disco pela Victor (80-0238, S-078066-1) em 1944, Bob Nelson alcançou sucesso na
Rádio Cultura em São Paulo e, a partir daí, também em espaços de renome no Rio de Janeiro, tais como
o auditório da Rádio Nacional e o palco do Cassino Atlântico. 136 Desde então, em diversas versões, Oh!
Suzana foi gravada por artistas brasileiros como Dircinha Batista, Quarteto em Cy, Djalma Ferreira, O
Terço, Altamiro Carrilho e sua bandinha etc. Assim, a presença de Oh! Suzana no Antologia do cavaquinho
de Henrique Souza se mostra como uma escolha contextualizada. atenta ao entorno musical que
acompanha o surgimento dessa publicação.

136
Sobre Bob Nelson, cf.: Conceição (2013: 104), Saroldi (2002/2003: 55).
119

Fig. 2.22 – Imagens de Bob Nelson (1918- 2009). Fonte: Revista A Casa (CURI, 1947: 65)

Em suma podemos dizer que, muito conhecidas no Brasil, essas duas canções estadunidenses –
Happy birthday to you e Oh! Susanna – dão um toque transnacional ao método de Pechincha, ampliando,
para os estudantes, oportunidades de uso de suas habilidades musicais no cavaquinho. Como se sabe, a
aprendizagem de músicas conhecidas, carregadas de conotações sociais, culturais e comerciais – como
ocorre também com Tardes de Lindóia, Meu limão, meu limoeiro e Tico-Tico no fubá – é, por vários aspectos, um
estímulo para o estudo de um instrumento musical. E, como também sabemos, esses números de sucesso
não impedem que professores compositores, como Henrique Souza, incluam em seus métodos alguma
composição de sua própria autoria.

2.7 – O choro de um Pica-Pau: Henrique Souza como um compositor brincalhão

O termo forma significa que a peça é ‘organizada’, isto é, que ela está constituída
de elementos que funcionam tal como um organismo vivo. Sem organização, a
música seria uma massa amorfa, tão ininteligível quanto um ensaio sem pontuação,
ou tão desconexa quanto um diálogo que saltasse despropositadamente de um
argumento a outro. Os requisitos essenciais para a criação de uma forma
compreensível são a lógica e a coerência: a apresentação, o desenvolvimento e a
interconexão das ideias devem estar baseadas nas relações internas e as ideias devem
ser diferenciadas de acordo com sua importância e função. [...]. Desse modo, a
subdivisão apropriada facilita a compreensão e determina a forma.

Arnold Schoenberg, Fundamentos da composição musical (2015: 27).

A edição de 1997 da Antologia do cavaquinho de Henrique Souza traz uma pequena e significativa
modificação no repertório que complementa as duas primeiras lições (Dó maior e Lá menor). Trata-se
da inclusão de outro choro que, como o Tico-Tico no fubá, também evoca um passarinho: o choro Pica-Pau,
de autoria do próprio Pechincha. Esse Pica-Pau, segundo anotação do compositor, é dedicado ao “grande
amigo Maestro Rômulo Vannucci” (SOUZA, 1997: 10) e, no método, traz a indicação Choro-Lento. O
Pica-Pau foi, então, publicado postumamente. E sua inclusão se destaca como a única peça musical que
tem sua melodia integralmente escrita em partitura nesse método. Por tudo isso, já vale examinar o Pica-
Pau um pouco mais de perto.
120

Mas, pode-se ainda acrescentar que, com a análise da forma musical desse Choro-Lento surge uma
oportunidade para realçar outros traços, competências e habilidades da escrita musical de Pechincha.
Uma oportunidade para ressaltar aspectos relativos ao prestígio da clássica morfologia musical centro-
europeia nesse gênero da música popular urbana. E uma oportunidade para frisar a relativa distinção
deferida aos compositores populares afrodescendentes que, em suas obras, mostram possuir a erudição
da forma, conhecer a divisibilidade em segmentos sucessivos na composição tonal e os modelos,
consagrados pelos mestres austro-germânicos, que regulam o tamanho, o número, as repetições, a
qualidade e a compreensibilidade das frases e seções numa obra musical. Com isso, notar ainda que,
também nesses domínios da morfologia musical, vamos encontrar aquele tipo de encontro desencontro
que Petronilha Silva (2011: 101) descreveu como “a face a face em que negro e branco se espelham, se
comunicam, sem deixar de ser o que cada um é”.
O choro Pica-Pau está escrito em compasso binário e possui duas seções: A primeira, seção A,
com 16 compassos, apresenta-se em Lá menor, a tonalidade principal. E a seção B, com 18 compassos,
se encontra na tonalidade relativa: Dó maior. A partitura não traz a indicação da capo, mas, com os
ritornelos indicados, podemos pressupor um esquema de execução de tipo ternário: AA BB A. 137
Considerando características fraseológicas de cada uma das seções desse Choro-Lento, torna-se
convidativo comentá-lo a partir de alguns dos conhecidos fundamentos da composição musical
enunciados por Schoenberg. Para tanto é necessário reforçar que, como se sabe, Schoenberg comenta a
produção de compositores austro-germânicos dos séculos XVIII e XIX (tais como Bach, Haydn, Mozart,
Beethoven, Schubert, Chopin, Schumann, Brahms etc.) e não, é claro, o trabalho de músicos populares
que produzem sua obra no Novo Mundo ao longo do século XX. Mesmo assim, guardadas as devidas
distâncias, tais descrições que colocam “face a face” produções tão diferenciadas, podem nos ajudar a
observar como valores musicais europeus, clássicos e românticos, em alguma medida, ressoam no
repertório popular produzido no Brasil e, com isso, também nas escolhas harmônicas, melódicas e
formais que se destacam nesse choro algo brincalhão de Pechincha. 138
Para começar do começo, retomemos a conhecida descrição de Schoenberg:

Em seu segmento de abertura, um tema deve claramente apresentar (além da tonalidade,


tempo e compasso) seu motivo básico. A continuação deve responder aos requisitos da
compreensibilidade: uma repetição imediata é a solução mais simples e mais
característica da estrutura da sentença. Se o início é uma frase de 2 compassos, a
continuação (compassos 3 e 4) pode ser tanto uma repetição exata quanto uma repetição
transposta. Podem ser feitas ligeiras mudanças na melodia ou na harmonia, sem que a
repetição seja obscurecida. O início da sentença já incluí a repetição; em consequência,
a continuação [compassos 5 e 6] requer modificações mais profundas das formas-
motivo. A técnica a ser aplicada na continuação é uma espécie de desenvolvimento [...].
Tal desenvolvimento implica não apenas crescimento, aumentação, extensão e
expansão, mas igualmente redução, condensação e intensificação. [...]. Este processo,
[...] em conjunto com a cadência ou com a semicadência [compassos 7 e 8], pode ser
usado para delimitar adequadamente a sentença (SCHOENBERG, 2015: 48).

137Cf. no Anexo 4 a partitura do choro-lento Pica-Pau de Henrique Souza.


138Sobre essa aproximação entre a organização fraseológica preconizada pela chamada tradição da Formenlehre, os
fundamentos da composição descritos por Schoenberg e aquilo que podemos encontrar na música popular urbana do
século XX, cf. Almada (2006), Freitas (2010: 618–624), Martinez (2012), Moreira e Navia (2019), Navia e Moreira (2020),
Palopoli (2018), Rezende (2014) e Tiné (2001).
121

Nesse trecho, Schoenberg descreve um modelo-padrão – “que, como todas as abstrações, difere
da realidade e substitui a liberdade pelas restrições normativas” (SCHOENBERG, 2015: 185) – que na
versão em português se denominou “sentença” (no original, em inglês, Schoenberg utiliza o termo
“phrase”). E tal modelo, como se vê na Fig. 2.23, pode ser empregado para descrever a seção A do Pica-
Pau de Pechincha, uma vez que os dezesseis compassos dessa seção conformam uma sentença de oito
compassos que, nesse caso, se repete com duas terminações diferentes e contrastantes.
Lendo a Fig. 2.23, temos que: ao final da primeira exposição da sentença (compassos 7 e 8), em
terminação aberta, a progressão harmônica delineia uma Semicadência, ou mais especificamente, uma
Cadência Frígia. Depois, em terminação conclusiva (nos compassos 15 e 16), a repetição da sentença se
encerra com uma Cadência Autêntica Perfeita sobre o acorde de Lá menor. Seguindo as descrições de
Schoenberg, também nesse caso vamos notar que, cada segmento de 8 compassos se subdivide em dois
trechos de quatro compassos, considerados, então, como o “início da sentença” (compassos 1 a 4 e
compassos 9 a 12) e “continuação da sentença” (compassos 5 a 8 e compassos 13 a 16).
Subdividindo esses segmentos de quatro compassos temos que: nos compassos 1 e 2 ouvimos a
frase 1, 139 que se distingue por sua “figuração em ziguezague”. 140 Em seguida, nos compassos 3 e 4, essa
figura em ziguezague se repete, mas com uma leve entonação de contraste e “ligeiras mudanças”.
Conforme o “modelo-padrão” descrito por Schoenberg, nos compassos 5 e 6 encontramos uma “espécie
de desenvolvimento”. E, por fim, nos compassos 7 e 8, ouvimos o esperado desfecho cadencial. Esse
roteiro de oito compassos se repete no segmento dos compassos 9 a 16, com a mencionada diferença
melódica e harmônica que arremata cada um dos segmentos dessa seção A.
Para realçar aspectos que contribuem para a fluência e unidade melódica nessa seção A (Fig. 2.23),
um pentagrama suplementar foi adicionado abaixo da linha melódica escrita por Pechinha. E nesse
pentagrama, sublinhando valores da erudição composicional através de um emprego não ortodoxo de
um dos mais conhecidos recursos da análise schenkeriana, observa-se o delineamento de uma descida
gradual que parte da nota mi (5) e, após uma interrupção na nota si (2), completa o trajeto 5 4 3 2 1. Essa
linha de fundo (Urlinie) 141 mostra algo do cuidado composicional que ordena e orienta a figuração em
ziguezague que, em primeiro plano, conduz a melodia.

139
Na compreensão de Schoenberg (2015: 29-30) “O termo frase significa, do ponto de vista da estrutura, uma unidade
aproximada àquilo que se pode cantar em um só fôlego. Seu final sugere uma forma de pontuação, tal como a vírgula. Alguns
elementos [“características motívicas”] frequentemente aparecem mais de uma vez no âmbito de uma frase. [....] O ritmo é um
elemento particularmente importante para moldar a frase: ele contribui para o seu interesse e variedade, estabelece seu caráter
e é frequentemente o fator determinante para a existência de sua unidade. O final de frase é, em geral, ritmicamente
diferenciado, de modo a estabelecer uma pontuação. Os finais de frase podem ser assinalados por uma combinação de
diferentes características, tais como a redução rítmica, o relaxamento melódico determinado por uma queda de frequência, o
uso de intervalos menores e de um menor número de notas, ou por qualquer outra forma adequada de diferenciação.”
140 O termo “figuração em ziguezague” encontra-se em Damaceno e Taffarello (2014: 124), e os autores o empregam em

análises de obras de Heitor Villa-Lobos.


141 Linha fundamental (descida fundamental). [No al.: Urlinie; no ingl.: fundamental line ou fundamental descent] O termo linha

fundamental é adotado por Schenker para designar a voz superior da estrutura fundamental. A linha fundamental consiste
numa linha melódica que, podendo ter como o seu ponto de partida tanto a 3 quanto a 5 ou a 8, realiza um movimento
descendente por grau conjunto em direção à 1 (GERLING e BARROS, 2020).
122

Fig. 2.23 – Observações sobre a organização fraseológica da Seção A do choro Pica-Pau de Pechincha

Por sua vez, a seção B (Fig. 2.24) pode ser comentada a partir de outras descrições morfológicas
que Schoenberg nos deixou. Primeiro acerca da “seção intermediária” das “pequenas formas ternárias”
123

e, logo adiante, a respeito da “seção contrastante modulatória” do Scherzo. Ao apresentar essa “seção
intermediária”, Schoenberg distingue os seguintes elementos:

A harmonia é o fator primordial para a criação de uma seção contrastante: a seção a


estabelece a tônica; a seção b contrapõe outra região (alguma daquelas vizinhas), e isto
introduz tanto o contraste quanto a coerência. Outro elemento de coerência para a seção
b é fornecido pela fórmula de compasso e pelo uso de derivados do motivo básico que
não sejam muito distantes daquelas da seção a (SCHOENBERG, 2015: 152).

Na “seção contrastante” aqui em apreço (Fig. 2.24), a região de Dó maior se contrapõe ao tom
principal (Lá menor), e essa contraposição, que pedagogicamente reforça assuntos estudados nas duas
primeiras lições do método de Pechincha, introduz uma nova cor tonal que, ao mesmo tempo, reforça
uma congruência harmônica, posto que o contraste maggiore-minore entre essas vizinhanças tonais (Dó
maior e Lá menor) é bem definido tanto no repertório quanto na teoria tonal.
Mantendo o compasso binário, a melodia da seção B faz uso de figurações “derivadas do motivo
básico”, uma vez que a frase melódica que se apresenta nos compassos 17 e 18 em B (Fig. 2.24) não está
demasiadamente distante daquele desenho que ouvimos nos compassos 1 e 2 em A (Fig. 2.23). A frase
melódica dos dois primeiros compassos da seção B (Fig. 2.24), centrada no I grau, é utilizada como um
“modelo” que recebe tratamento sequencial: nos compassos 19 e 20 a frase ressoa um tom acima numa
tonicalização para o ii grau (Dm), e nos compassos 21 e 22 a frase sobe novamente, agora numa
tonicalização para o iii grau (Em). Esse recurso composicional de um “modelo” repetido em
“sequência”, 142 como notam diferentes autores, é consideravelmente recorrente na construção das seções
B. 143 Com isso, algumas das passagens que Schoenberg dedica à questão do “tratamento sequencial”
podem ser, quase que literalmente, adaptadas para uma descrição da seção B do Pica-Pau de Pechincha:

A principal função da seção b é a de introduzir contraste. [...] A seção a, sobre uma


harmonia relativamente estável, expõe suas formas-motivo de várias maneiras. Na seção
modulatória contrastante, mudanças de forma, e mesmo de constituição, ocorrem
enquanto este mesmo material passa por situações harmonicamente instáveis e
flutuantes. Este tipo de liberdade estrutural e de tratamento motívico não implica que a
regularidade, a lógica e o equilíbrio possam ser ignorados. Novamente, é aconselhável
aprofundar a consciência deste novo tipo de contraste, através de um modelo-padrão.
A modulação deve estar organizada de modo a cooperar com a inteligibilidade.
Portanto, ela deve proceder não por saltos, mas gradualmente, de acordo com um plano
que prevê o retorno à tônica. É também aconselhável prevenir-se através de repetições
de segmentos claramente delimitados e de extensão razoável. Do ponto de vista
harmônico, estes segmentos devem ser concebidos como padrões para sequências. [...]
A utilização de formas-motivo profundamente variadas é perigosa devido à modulação.
No modelo-padrão, o esquema vem seguido de uma sequência que deve iniciar em um
grau vizinho (SCHOENBERG, 2015: 185).

142 Pode-se complementar lembrando que, conforme Schoenberg (2015: 60), “uma sequência, no sentido estrito, é uma repetição
de um segmento ou unidade [...]. Uma sequência pode ser executada sem a utilização de outros tons que os diatônicos; tais
casos, a harmonia permanece “centrípeta”, isto é, centrada ao redor da região da tônica. Sequências diatônicas expressam
claramente a tonalidade e não colocam em perigo o equilíbrio da continuação”.
143 Para comentários específicos sobre a “seção contrastante” na “Pequena forma ternária”, no Minueto e no Scherzo, cf.

Schoenberg (2015: 152-156, 175-176, 185-188). Para comentários específicos sobre o uso da “sequência” na “seção B” em
repertório clássico-romântico europeu ver Caplin (1998: 75) e Kühn (2003: 81-89).
124

Nesse ponto, após as repetições em sequência no trecho dos compassos 23 a 26 da seção B (Fig.
2.24), Pechincha desafia os protocolos clássicos sem abandoná-los totalmente. O trecho rompe o
agrupamento das frases de quatro compassos, fazendo com que os segmentos da seção B se organizem
em três agrupamentos de compassos: 4 + [2 + 3 + 1] + 4. Essa singular conformação chama atenção,
mas, novamente guardando as distâncias, podemos considerar que encontramos aqui algo que se parece
com aquilo que Schoenberg (2015: 71) chama de “inserção episódica” e, logo adiante, comenta assim:

Os episódios interrompem o fluxo normal de uma seção: eles mantêm-se sobre


progressões que não modulam, nem produzem uma cadência, e em geral se
estabilizam em uma região contrastante [...]. Os episódios frequentemente introduzem
pequenas frases, curiosamente estranhas às prévias formas-motivos utilizadas
(SCHOENBERG, 2015: 189).

Voltando ao Pica-pau de Pechincha, as pequenas frases, estranhas ao que ouvimos até aqui,
inseridas nesse episódio revelam o próprio nome do choro, pois aqui podemos reconhecer o motivo
Woody Woodpecker: a risada do personagem Pica-Pau – Ho-ho-ho ho ho! Ho-ho-ho ho ho! – que brinca com
o ouvinte citando a frase musical que abre a exitosa canção The Woody Woodpecker Song escrita por Kay
Kyser, em 1948, para o personagem criado pelo animador norte americano Walter Lanz na década de
1940, personagem que chegou ao Brasil na década seguinte, e aqui ficou conhecido como Pica-Pau. 144
Nessa inserção episódica encontramos, então, um tipo de incorporação de material pré-existente
conhecida como “citação musical”. Em sua revisão dessa noção, Rodrigues cita uma definição publicada
no dicionário Grove online, na qual Burkholder tece considerações que, guardadas as distâncias dos
repertórios observados, podem se aplicar ao uso do motivo Woody Woodpecker no choro de Pechincha:

A citação musical se distingue de outras formas de empréstimo pelo fato de que o


material emprestado é apresentado exatamente ou quase exatamente como se
encontrava no contexto original, diferentemente de uma alusão ou paráfrase, mas não
constitui parte principal do trabalho em que se insere, como acontece em um cantus
firmus, refrão, sujeito de uma fuga, tema com variações e outras formas, e tampouco
se apresenta completo como em um contrafactum, intabulatura, transcrição, medley ou
potpourri. A citação desempenha um papel em outras formas de empréstimo musical
como o quodlibet, a colagem e muitos exemplos de modelagem (BURKHOLDER
apud RODRIGUES, 2012: 18).

Com o cavaquinho em mãos, podemos conferir como os ziguezagues da melodia do choro


Pica-pau de Pechincha estimulam o aperfeiçoamento instrumental no que diz respeito à técnica de
palheta, ao desenvolvimento do dedilhado e ao reconhecimento das notas na tessitura do
instrumento. Com isso, pode-se até classificar esse choro como uma espécie de estudo melódico para
o cavaquinho, uma peça que nos desafia tecnicamente e que, socialmente, resulta em um gratificante
e divertido número musical.

144Cf. Costa (2008). Melvin Jerome “Mel” Blanc (1908-1989), dublador estadunidense responsável pelas vozes de diversos
personagens de desenhos animados, é a pessoa por trás da peculiar risada do personagem Woody Woodpecker (Pica Pau).
125

Fig. 2.24 – Observações analíticas sobre a Seção B do choro Pica-Pau de Pechincha


126

Considerando que a partitura de o Pica-pau se localiza ainda no início da Antologia do cavaquinho


de Henrique Souza, e que esse volume está dedicado essencialmente à aquisição das habilidades de
acompanhamento, podemos supor que, em princípio, ao estudante caberia o papel de tocar os acordes
do choro, e ao professor Pechincha o de executar a melodia. Resta também observar que essa melodia
não se restringe ao cavaquinho, pois pode ser perfeitamente interpretada por outros instrumentos
(flauta, clarinete, bandolim, piano etc.), cabendo ao cavaquinho o papel ritmo e harmônico que também
lhe é atribuído nas rodas de choro.
O fato é que pouco sabemos sobre esse Choro-Lento. Mesmo assim, sabendo que o Pica-Pau só
figurou na edição póstuma da Antologia do cavaquinho, e considerando o exame analítico acima
apresentado, podemos olhar para essa composição como um marco na trajetória de Henrique Souza.
Marco que sintetiza traços não propriamente antagônicos nos seus modos de convivência com o
mundo: a carreira artística assinalada por oportunidades informais e os esforços de aprendizagem
musical realizados através de estudos mais formais. Esses traços convivem num homem experiente,
pesaram na conquista de determinada situação social e econômica, oportunizaram sua inserção como
professor numa instituição de ensino musical e como autor de um volume didático publicado, em três
edições, por uma editora especializada. Seguramente, os feitos como artista, cantor, instrumentista,
cancionista e compositor popular foram determinantes, entretanto, a capacitação em cifras e outras
escritas – diagramas, notação musical, domínio da funcionalidade harmônica, da arte da condução de vozes, da
fraseologia e dos fundamentos da composição musical – também contribuíram na conformação de sua
identidade. Então, como ocorre com o próprio choro Pica-pau, Pechincha pode ser visto como um
daqueles casos não contados, ou invisibilizados, frequentes e numerosos que, ao serem considerados,
nos ajudam a intensificar as linhas que demarcam a vida das pessoas negras em nosso país.

2.8 – Outras lições: acordes diminutos, acordes aumentados e suas resoluções

Nas páginas finais da Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 39-40), Henrique Souza retoma
alguns acordes que aparecem nas páginas iniciais de seu método, mas aqui mostra outras possibilidades,
transposições, opções e direções sobre como utilizar tais harmonias. Trata-se de um grupo seleto de
acordes com dissonâncias, formado por: acordes diminutos (Xº), acordes maiores com sétimas menores
(X7), acordes maiores com quintas aumentadas (X5+) e os acordes maiores com sétima e nona (X97).

Em primeiro lugar, encontramos um conjunto de seis diagramas mostrando acordes diminutos


(Fig. 2.26) que, na Fig. 2.25, aparecem transcritos em pauta para realçar o fato de que se trata de uma
única posição que, em cromatismo ascendente, contando inicialmente com as cordas soltas ré e si,
podemos mover pelos trastes do instrumento no âmbito de um registro mecanicamente confortável:
D°, D°, E°, F°, F° e G°.
127

Fig. 2.25 – Transcrição dos acordes diminutos apresentados em diagramas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 39)

Fig. 2.26 – Acordes diminutos apresentados em diagramas no Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 39)

Essa distinção ao diminuto, dado como o primeiro num grupo de acordes que, no contexto do
método de Henrique Souza, são especiais, nos diz algo sobre o prestígio que acompanha essa ambígua
harmonia. Com a revisão de Freitas, que aborda a noção e o valor da ambiguidade tonal, podemos notar
que o prestígio do diminuto vem sendo cultivado desde, pelo menos, os finais do século XVIII. Assim,
escrevendo em 1780, o músico teórico alemão conhecido como Abade Vogler dizia: “Para produzir as
digressões mais distantes, é preciso buscar os benefícios que o acorde diminuto fornece” (VOGLER
apud FREITAS, 2019: 7). E, deixando nítidas pistas de que esse processo atravessa o século XIX, no
tratado que passou a publicar a partir de 1853, o teórico alemão Ernst Friedrich Richter sintetiza
propriedades que, com variações, são reiteradas em diversos manuais:

Há um acorde distinto ao de sétima de dominante cujo uso é muito frequente para


a modulação. Este acorde é o de sétima diminuta que, para efetuar determinadas
modulações, deve preferir-se ao de sétima de dominante. Por suas condições
especiais é mais doce ao ouvido e, além disso encadeia com mais eficácia duas
tonalidades distantes. [...] A facilidade com que se podem efetuar por meio do
acorde de sétima diminuta toda espécie de modulações, resulta de seu caráter
enarmônico. [...] se tomarmos os três acordes diminutos [...] cada um deles, por
meio da troca enarmônica, pode tomar parte de quatro tonalidades, servindo para
modular para as doze tonalidades menores, e em muitos casos, para as doze
tonalidades maiores (RICHTER apud FREITAS, 2019: 15).

Na música popular produzida no Novo Mundo, os “benefícios” do acorde diminuto tão apreciados
128

na velha Europa, também fizeram história. Nesse mundo mais próximo em época e lugar, como se sabe,
chegamos a uma situação de uso intenso de tais acordes. E essa incidência tornou praticamente obrigatória
a condição de que, todos os músicos, incluindo aí cavaquinistas amadores ou profissionais, devem aprender
como tocar o popular acorde diminuto. Sem essa figura de harmonia, o repertório, a demanda profissional
e a sociabilidade musical não poderiam passar. Para registrar ao menos um caso que ilustra a nítida presença
do diminuto no repertório que afeta o cavaquinho, caso que certamente chegou aos ouvidos de Pechincha,
podemos citar a primeira parte do choro-canção Fala baixinho (Fig. 2.27) escrito por Pixinguinha em 1964
e versado por Hermínio Bello de Carvalho algum tempo depois.

Fig. 2.27 – Diminutos cromaticamente combinados na primeira parte do choro-canção Fala Baixinho de Pixinguinha
e Hermínio Bello de Carvalho. Fonte: Choro (SÈVE, SOUZA e DININHO, 2011: 100-101)

O choro cantado Fala baixinho repercutiu nos jornais, nas revistas e nas ondas do rádio e da
televisão, pois, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, na voz da “Rainha do Choro” Ademilde Fonseca,
entre vaias e aplausos, foi uma das finalistas do II Festival Internacional da Canção empreendido e transmitido
129

pela TV Globo em outubro de 1967. E como podemos experimentar com a Fig. 2.26, os diagramas de
diminutos de Pechincha (Figuras 2.25 e 2.26) realmente podem nos habilitar para a realização desse tipo
de trama cromática tecida por Pixinguinha.
Voltando a Antologia do cavaquinho, na mesma página (SOUZA, 1984: 39), abaixo dos acordes
diminutos, encontramos um segundo grupo de seis diagramas mostrando “acordes com sétimas” (Fig.
2.87), ou mais precisamente, acordes maiores com sétimas menores, cromaticamente dispostos como:
D7, D7, E7, F7, F7 e G7.

Fig. 2.28 – Acordes maiores com sétima menor (SOUZA, 1984: 39)

No Antologia do cavaquinho, esse tipo de acorde desempenha sempre a função de Dominante, seja
como Dominante Principal (V7) ou como Dominante Secundária (V7/x), e sua configuração é bastante
variada ao longo do método. Em estado fundamental esse acorde conta com dois tipos de abertura: a
posição incompleta (i.e., sem quinta), como mostra a Fig. 2.29a encontrada na lição em Fá menor
(SOUZA, 1984: 29), e a posição completa (com quinta) como podemos ver na Fig. 2.29b encontrada na
no dicionário “acordes com sétima” (SOUZA, 1984: 39). Também aprendemos acordes de Dominante
invertidos: com a 3ª na voz mais grave, como mostra a Fig. 2.29c localizada na lição em Sol menor
(SOUZA, 1984: 30), com a 5ª na voz mais grave, como mostra a Fig. 2.29d localizada na lição em Lá
maior (SOUZA, 1984: 24), e com a 7ª na voz mais grave, como mostra a Fig. 2.29e localizada na lição
em Ré bemol maior (SOUZA, 1984: 35).

Fig. 2.29– Diferentes posições para o acorde de dominante encontradas no Antologia do Cavaquinho
130

Os dois grupos de diagramas dispostos nessa página – “acordes diminutos” e “acordes com
sétimas” (SOUZA, 1984: 39) – sugerem uma motivação mecânica simétrica para a sua aproximação:
podemos interpretar os dois grupos como um conjunto que resulta numa espécie de estudo técnico?
Vejamos: no sentido vertical descendente (), olhando do primeiro diagrama superior (D°) para o primeiro
diagrama inferior (D7), notamos que a nota mais grave se mantém ao passo que as três vozes mais agudas
sobem meio tom. Em seguida, numa reta inclinada ascendente (), na passagem do primeiro diagrama
inferior (D7) para o segundo diagrama superior (°), as três notas mais agudas se mantêm enquanto a nota
mais grave sobe meio tom. E esse movimento se observa nas demais passagens das posições de tipo Xº
para () as posições de tipo X7 e de tipo X7 para () as posições de tipo Xº. Então sim, essa digitação faz
pensar que, talvez, Henrique Souza tenha imaginado essa lição como uma boa ginástica a mão esquerda.
Com isso, procurando experimentar os dois grupos de diagramas como um estudo – no sentido
de “peça musical composta para facilitar a aprendizagem de uma especialidade ou aprimorar determinada
técnica” (HOUAISS) –, com as setas da Fig. 2.30, notamos uma direcionalidade harmônico funcional
quando, do final para o começo, tocamos o trajeto G7, Gº, F7, F°, F7, F°, E7, Eº, D°, D7 e D°.
Assim, lendo nos sentidos  e , contando com algumas reinterpretações enarmônicas e considerando
alguns “acordes com sétimas” como acordes de sextas aumentadas (6), percebe-se uma progressão de
quintas, conforme mostra a linha do baixo fundamental na Fig. 2.31. E para acentuar o desfecho tonal
dessa cromática “marcha descendente” – como diz Paulo Silva (1962: 156) –, em pauta, adicionamos (no
compasso final da Fig. 2.31) uma resolução hipotética sobre o acorde de Dó maior.

Fig. 2.30 – Leitura funcional dos diagramas de acordes diminutos e acordes com sétima de Henrique Souza (1984: 39)
131

Fig. 2.31 – Leitura funcional dos diagramas “acordes diminutos” e “acordes com sétima” de Henrique Souza (1984: 39)
como um estudo cromático para cavaquinho

Após a lição sobre “benefícios que o acorde diminuto fornece” (VOGLER apud FREITAS,
2019: 7), na página seguinte, Henrique Souza passa a abordar outro acorde simétrico, aquele que
construímos a partir da superposição de 3ªs maiores: o acorde de quinta aumentada (SOUZA, 1984: 40).
Nesse prosseguimento, Henrique Souza percorre caminhos parecidos aos que Schoenberg
percorreu quando, no tratado de harmonia que passou a publicar em 1911, observou que “a tríade
aumentada é constituída de modo semelhante ao acorde de sétima diminuta”, uma vez que “também em
sua configuração existe algo circular, algo que retorna sobre si mesmo” (SCHOENBERG, 2011: 347).
Com isso, reutilizando frases de Schoenberg (2011: 349), podemos dizer que, nessa nova lição, Henrique
Souza mostra que, “artificialmente”, através da “alteração cromática ascendente da quinta”, podemos
transformar acordes maiores em acordes de quinta aumentada. E tais acordes de quinta aumentada,
“assim como ocorre com as dominantes secundárias”, servem como preparações para acordes maiores
situados quinta abaixo. Digamos: através da alteração cromática ascendente da quinta, artificialmente,
podemos transformar a tríade dó-mi-sol em do-mi-sole essa tríade aumentada (C5+) pode prenunciar
o acorde de Fá maior (F).
Entretanto, sabemos que a tríade aumentada não é um assunto exclusivo desses dois personagens,
Schoenberg e Henrique Souza, pois muitos teóricos, músicos e professores se delongam sobre essa
matéria. Com o auxílio de Oliveira e Videira (2015), podemos lembrar um marco histórico do assunto: a
monografia Der übermässige Dreiklang (literalmente: A tríade aumentada), com 32 páginas de considerações
sobre esse acorde, publicada por Carl Weitzmann em 1853. No texto, o teórico alemão defende que:

[A tríade aumentada] não é transitoriamente fugidia, mas antes, uma entidade natural da nossa
sociedade de sonoridades.... Além disso, doravante não se pode mais hesitar em conceder-lhe,
àquela que muitas vezes tem sido mal compreendida e banida, o lugar permanente no reino
dos sons (WEITZMANN apud OLIVEIRA e VIDEIRA, 2015: 161). 145

145Carl Friedrich Weitzmann (1808-1880) foi um membro importante do círculo de Liszt, e seu nome também está associado
ao nome de Brahms. A monografia citada é a primeira de uma série de cinco pequenos volumes, publicados entre 1853 e 1861,
132

No Brasil, Paulo Silva é um dos professores que também participa dessa longa conversa:
primeiro, chama atenção para o fato de que “na harmonia elementar não se usa o acorde de 5ª
aumentada” (SILVA, 1962: 50), e mais adiante, já tratando das “Alterações Artificiais”, destaca que:

Dessas alterações algumas podem ser feitas com ou sem preparação. Das que só se usam
preparadas não trataremos porque, como ficou dito a propósito das alterações não-
artificiais, obedecem à regra da nota de passagem cromática. Estudemos, pois, as que
dispensam preparação. Para guardá-las sem grande, é de real vantagem decorar [...]:
Alteração da 5ª no acorde perfeito maior (SILVA, 1962: 176).

Reiterando tais entendimentos, em seus diagramas Henrique Souza mostra cinco pares de
acordes (Fig. 2.32) que, em deslocamento de preparação e resolução, não se distanciam daquelas
diretrizes que norteiam o movimento das vozes internas dos acordes (apresentadas nos comentários
que acompanham a Fig. 2.16). Nesse caso, o movimento pode ser descrito da seguinte maneira: em
dobramento de oitava, as vozes externas mantêm a nota comum, isto é, no acorde de preparação, a nota
fundamental do acorde aumentado se conserva como quinta justa do acorde maior sobre o qual se dá a
resolução. Em movimento oblíquo em relação às vozes externas, as vozes internas se movimentam em
paralelo: a instável quinta aumentada alcança a terça maior do acorde seguinte, e a terça do acorde de
preparação, no papel de nota sensível, se move para a fundamental do acorde de resolução.

Fig. 2.32 – Acordes de quinta aumentada e suas resoluções na última lição da Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 40)

Por fim, nessa última página de sua Antologia do cavaquinho, Henrique Souza apresenta os “acordes
da sétima nona 97” (SOUZA, 1984: 40), ou mais especificamente, um grupo de seis diagramas mostrando
movimentos entre o acorde de dominante com sétima e nona e sua resolução sobre um acorde perfeito
maior (Fig. 2.33). Para descrever o rigor desse encadeamento podemos, mais uma vez, recorrer ao Manual
de Harmonia de Paulo Silva (1962: 86): o “Acorde de 9ª da Dominante”, que em “estado fundamental em
maior cifra-se 97”, na escrita para “4 partes elimina-se a 5ª”, sua resolução “naturalmente” se dá sobre o
“acorde do I grau da seguinte maneira: [na Fig. 2.33a], a sensível [nota sol] sobe à tônica [lá, o 4º grau
[ré desce ao 3ª [dó] e o 6º [fá] desce ao 5º [mi]”.

nos quais Weitzmann aborda as inovações harmônicas da chamada “Neudeutsche Schule” (Nova Escola Alemã) associada aos
feitos musicais de Liszt e Wagner. Em Schoenberg (2001: 538-542) encontramos um registro sobre o papel da tríade
aumentada e a “nova música alemã”. Sobre a tríade aumentada e idealizações de “brasilidade”, cf. Freitas (2010: 701).
133

Fig. 2.33 – Acordes de dominante com sétima e nona e suas resoluções na última lição da Antologia do cavaquinho (SOUZA, 1984: 40)

Para concluir, salientando a utilidade dos moldes em instrumentos de cordas, em nota de rodapé
Henrique Souza orienta: “Seguindo o gráfico na ordem ascendente, o aluno descobrirá novos acordes de
(5+), (97) e respectivas resoluções” (SOUZA, 1984: 40).
Assim, com harmonias matizadas por dissonâncias que, com a Bossa Nova e a MPB, ganharam
presença na paisagem sonora da música popular produzida no Brasil, Henrique Souza conclui seu passeio
pelo mudo dos acordes e suas posições e encadeamentos no braço do cavaquinho. Um passeio que
rememora sonoridades da canção folclórica, progressões que acompanham valsas, serestas, sambas e
choros, harmonias que relembram cenas da música regional e sertaneja e sucessos que os discos, a rádio
e a TV levavam ao ar. Assim, ainda que o Antologia do cavaquinho tenha sido formalmente escrito e editado
nos primeiros anos da década de 1980, é valioso considerar que as concepções do que aqui se apresenta
devem ser situadas a partir da primeira metade do século XX. Por isso podemos olhar e manipular esse
texto didático como um documento que retrata algo do ambiente musical que Henrique Souza viveu,
ouviu, aprendeu a cantar e a tocar e passou a ensinar. Um registro de um entendimento, de um modo de
racionalizar, grafar em diagramas, pentagramas e cifras e de escrever sobre música que é representativo
de uma época e que, em alguma medida, ainda ressoa ao nosso redor. Esse Método popular traz, então,
determinada quantidade e qualidade de informações coligadas a uma maneira de interpretá-las. De lá para
cá, muita coisa mudou, e o estágio em que se encontra o ensino e a aprendizagem das harmonias no braço
do cavaquinho é outro. Atualmente temos acesso a um sem número de informações que, por muitas
razões, Henrique Souza não viu, não ouviu e, certamente, nem poderia imaginar. Tudo isso nos permite
folhear esse volume tocando, redigitando com nossas próprias mãos, gestos harmônicos que ajudaram a
compor a experiência de vida de um homem comum: agô seu Pechincha!
134

Kizubilu
Agô seu Pechincha! Cifras e outras escritas em mãos de ébano

Agô. No iorubá, pedido de licença para movimentos de


entrada, saída, passagem [...] 'dê-me permissão'.

Houaiss, Dicionário da língua portuguesa

Ébano. Designação comum às árvores do gênero Diospyros, da família das ebenáceas, com
madeira nobre ou de qualidade, geralmente muito escura. Arvore [...] com madeira dura, de
cerne negro, considerada a mais típica e melhor de todas as do gênero; pau-preto, sapota-
preta [...] e muito explorada e/ou cultivada pela madeira.

Houaiss, Dicionário da língua portuguesa

Me chamam ébano / O novo peregrino sábio dos enganos [...]


Eu grito ébano / O couro que me cobre a carne Não tem planos /
A sombra da neurose te persegue / Há quantos anos.

Luiz Melodia, Ébano, c. 1975

Ao longo da presente dissertação uma pergunta nos acompanha impulsionando o exercício de


pesquisa aqui desenvolvido e, ao mesmo tempo, se colocando como uma decorrência desse exercício
de capacitação. No momento de introdução, Ndônda, como ponto de partida ou coisa da qual provém
outras, essa pergunta foi assim formulada: o que podemos apreender com a leitura de um método
voltado para o ensino e a aprendizagem de um instrumento musical? Refletir sobre essa indagação e
seus termos, seus subentendidos e pressupostos, anima a exploração, as leituras, desenvolvimentos,
análises, notas e comentários expostos nas páginas anteriores. E agora, nesse momento de finalização
e síntese – matizado pelo termo Kizubilu, que, como vimos, pode significar fechamento, término,
resultado e retomada –, reiterando que indagações como essa não se esgotam em respostas únicas e
fechadas, tudo isso se articula em algumas considerações conclusivas.

1.

Uma delas é o fato de que, no desenrolar do trabalho, a pergunta foi se afunilando, tornando-se
mais específica. Deste modo, nota-se que a discussão apresentada não gira em torno do instrumento
musical enquanto categoria abstrata, fala-se mesmo é do cavaquinho. E não do cavaquinho em sentido
genérico, mas de sotaques musicais que o instrumento adquiriu no Brasil ao longo do século XX. E
direcionando ainda mais o foco, fundamentalmente, nota-se que o material aqui em apreço trata de um
dos saberes que ajudam a compor uma das competências específicas que os cavaquinistas desenvolvem,
digamos: a realização harmônica no âmbito do acompanhamento. Essa especificidade é visível, pois tanto
o volume de Henrique Souza quanto a presente dissertação não se voltam para aspectos que – como o
ritmo, o timbre, a dinâmica, o jogo de sons e silêncios, a acentuação, a articulação, a ornamentação, o
135

andamento, o gênero e o estilo, as referências etc. – se fundem e se confundem naquilo que, com efeito,
compõem o acompanhamento. Essa conclusão parece simples de se chegar, mas foi construída aos
poucos, na leitura do Método popular de Henrique Souza e em diálogo com investigações mais recentes
(ARRAES, 2015; BERNARDO, 2004; CAZES, 2019; ROMÃO, 2017; RIBEIRO, 2014) que, de maneira
geral, salientam que, em se tratando de cavaquinhos e cavaquinistas, os diversos papéis, repertórios,
modos de tocar e suas peculiaridades técnicas exigem estudos e abordagens específicas. Aponta-se então
que, em princípio, a presente investigação participa desse esforço de especialização, já que se volta para
um material didático francamente comprometido com o enfoque técnico tipificado, digamos: essa
investigação se dedica a um método que, no registro impresso, em detrimento da melodia, do ritmo e das
“palhetadas” (CAZES, 2019), das interações com outros músicos e instrumentos, das relações entre verso
e música etc., privilegia a harmonia, mostrando a montagem e o encadeamento de acordes em diagramas
que nos ensinam como realizá-la no braço do cavaquinho.
Entretanto, como vimos, são vários os indícios e informações que sugerem que, nas mãos de
Henrique Souza, os diagramas impressos no volume não permaneceriam inertes. Provavelmente
entrariam em interação com outros saberes, dizeres, gestos e formas de agir acumuladas ao longo da
vida desse experiente cantor, instrumentista, humorista e compositor, que se fez professor e que, ao
que parece, registrou nesse método apenas uma parcela daquilo que poderia compor suas aulas. Não
temos registros dessas aulas, mas com certeza comportavam a expressão oral, “um meio de transmissão
de conhecimento de grupos e coletividades tradicionais” que, como se sabe, “pode ocorrer vinculada
a expressões visuais e corporais, artísticas e musicais, e, inclusive, escritas” (MEC/SECAD, 2006: 221).
Disso podemos inferir que, também na aplicação desse Método popular, Henrique Souza e os demais
professores e estudantes que o utilizam levam em conta que,

O ouvir, juntamente com o olhar e sentir, é necessário para apreender, distinguir,


entender fatos de que se é testemunha, palavras que se ouvem, situações nas quais se
é envolvido ou nas quais a pessoa se envolve. (...) O falar é a síntese do que se ouviu,
presenciou, concluiu, e expressa tanto por palavras, como por gestos, muitas vezes
apenas por gestos, decisão, encaminhamentos, formas de agir (SILVA apud
MEC/SECAD, 2006: 221).

A expressão cifras e outras escritas que aparece já no título do presente trabalho, procura chamar
atenção para essa maneira interligada de vivenciar a aquisição e a transmissão de saberes e
conhecimentos. Uma maneira entrelaçada que, de certo modo, remete àquilo que Oliveira (2013: 170)
reconhece como uma “cosmovisão de raiz africana”, pois, nessa visão de mundo, “o corpo, a mente e
o espírito formam um todo que se expressa por meio de um corpo físico”. Com isso, a locução cifras e
outras escritas visa realçar o fato de que, entre o registro oral e o escrito, o Antologia do cavaquinho é um
método que nos mostra a decisiva presença do registro visual nesse tipo de publicação. Ou seja, os
diagramas, que compõem quase que o total do volume, são um tipo de escrita ideográfica que, de modo
pictórico, procura descrever o gesto, digamos: a dança dos dedos que vai se dar entre as cordas e trastes
136

do cavaquinho. Assim, destacando-se entre as demais caligrafias – cifras alfanuméricas, notas no


pentagrama, diretrizes da escrita para as vozes da harmonia, setas que indicam o movimento da palheta,
versos de canções e textos em língua portuguesa – que, como vimos, procuram expressar o ato da
realização harmônica do acompanhamento nesse Método popular, os diagramas tomam a frente como
uma forma de representação e racionalização gestual, visual e sonora, que está presente na formação
de muitos músicos. Lembrando aqui a sintética declaração de Dorival Caymmi: com os diagramas “é
só você olhar e tocar”.
Assim, entre o estudo dedicado a um fazer musical tipificado, entre o oral e o escrito, a
visualidade e o agir, o sentir e a corporalidade, atenta ao que está efetivamente impresso nesse volume,
a leitura aqui apresentada não se restringe ao específico. Tal leitura buscou uma apreciação ampliada e
disso resultou uma exposição dissertativa que aborda interações entre vida e obra, entre música e
sociedade, entre técnica e cultura, entre indivíduo e conjuntura histórica, entre ofício musical e suas
formas de ensino e aprendizagem, entre o cavaquinho e sua presença mercadológica e, por assim dizer,
entre o dito e o não dito nos textos dedicados à formação técnico musical do instrumentista.

2.

Para ilustrar a gradual compreensão daquilo que aqui está em pauta e, ao mesmo tempo, apontar
outra decorrência dessa experiência de leitura, vale registrar um significativo deslocamento de
expectativas que marcou a fase inicial do trabalho: até certo momento a pesquisa presumiu que, dentro
do recorte temporal em questão, o sotaque do cavaquinho de Henrique Souza certamente estaria
vinculado, ainda que indiretamente, a alguma das linhagens do samba. Essa suposição foi involuntária,
talvez resultante de uma “estereotipia sedimentada” (PROENÇA FILHO, 2004:186), do simples
hábito, do olhar essencializado para a foto estampada na capa da Antologia do cavaquinho, do fato de
Henrique Souza ser um homem negro, nascido no estado do Rio de Janeiro, terra de bambas, e que
viveu mais ou menos os mesmos anos que muitos dos grandes personagens do mundo do samba.
Entretanto, conforme a exploração progrediu, principalmente a partir das informações fornecidas por
Sonia Feitosa, percebeu-se que a trajetória de Henrique Souza era outra e que, sendo assim, nosso autor
não tocava propriamente aquele “cavaquinho centro” (CAZES, 2019: 28) com sotaques da Portela ou
do Estácio. A escola musical e da vida de Henrique Souza foi outra, seu repertório foi outro, como
notamos ouvindo as gravações que realizou, as canções que cantou e compôs, 146 reconhecendo os
espaços que trabalhou, seus parceiros e, por fim, o próprio repertório que selecionou para figurar em
sua Antologia do cavaquinho. Essa constatação afastou a investigação de um segmento musical

146 Sobre os versos e gêneros das canções gravadas por Henrique Souza, cf. Anexo 1.
137

pressuposto e relativamente mais próximo – o samba – que, por fim, pouco aparece na dissertação,
pois pouco aparece no Método popular de Pechincha. Reiterando que é notório o fato de que os
“encadeamentos e cifragens” expostos nesse método conformam harmonias que acompanham
diversos repertórios, gêneros e estilos, incluindo o samba. Assim, como vimos no segundo momento
da dissertação, Ngóngo, as relações sociais e profissionais de Henrique Souza aproximaram a pesquisa
de outro segmento musical, comercial e cultural. Com isso, esse sensível deslocamento estimulou
descobertas que, parafraseando as citadas colocações de Bosi (2002: 7), reforçam que não existe uma
cultura cavaquinista homogênea e única, matriz dos nossos comportamentos e dos nossos discursos
sobre aquilo que há para aprender e ensinar sobre o cavaquinho e sobre os cavaquinistas. Ou, dizendo
em outras palavras, essa experiência de deslocamento de expectativas nos ajuda a concluir que,
cavaquinho e cavaquinistas não são objetos de estudo que possamos tratar como algo fixo, imutável e
apriorístico. Antes são categorias dinâmicas que demandam leitura.
Como o princípio da leitura está presente em todo o trabalho, vale uma ponderação a respeito
daquilo que, gradualmente, foi possível apreender sobre e com esse termo. Sua escolha foi
impulsionada pela consulta aos dicionários que, como o Houaiss, nos informam que o termo “leitura”
possui acepções conhecidas, de “ação ou efeito de ler” e de “ato de apreender o conteúdo de um
texto escrito”, ou seja, “leitura” diz respeito à “maneira de compreender, de interpretar um texto”
ou “uma mensagem, um acontecimento”. Portanto – contribuindo para a adoção dessa noção como
uma das diretrizes que orientam as interpretações aqui propostas –, “leitura” diz respeito ao “ato de
decifrar qualquer notação”, implicando “decodificação” e “obtenção de informação”. Uma
aproximação convidativa, pois, como vimos, a correlação entre o ler e o decifrar foi destacada por
nosso autor, o professor Henrique Souza: “para facilitar a leitura musical, você vai aprender o
cifrado” (SOUZA, 1984: 2).
Notando, então, que a leitura não se separa dos processos de produção e circulação de
sentidos, julgamentos e valores, outra correlação foi se tornando mais nítida e necessária: aquela que
se instala entre o aprender a ler e a escrever e o pleno exercício de cidadania da população negra. Ao
longo da pesquisa foi possível perceber que essa correlação é bastante intrincada. Numa síntese
retrospectiva, e minimamente representativa, observou-se a coexistência de dois argumentos fortes.
Por um lado, são diversos os esforços que ressaltam a importância da oralidade para africanos e afro-
brasileiros, uma vez que:

A tradição oral pode ser vista como uma cacimba de ensinamentos, saberes que
veiculam e auxiliam homens e mulheres, crianças, adultos/as velhos/as a se
integrarem no tempo e no espaço e nas tradições. Sem poder ser esquecida ou
desconsiderada, a oralidade é uma forma encarnada de registro, tão complexa quanto
a escrita, que se utiliza de gestos, da retórica, de improvisações, de canções épicas e
138

líricas e de danças como modos de expressão. [...] hoje nós temos a escrita como
forma de apontamento de nossas memórias, mas [a escrita] não é a única forma de
registrarmos os conhecimentos, a oralidade serviu e serve para preservar a cultura
africana no Brasil (SOUSA e SOUZA, 2013).

Com isso, importa considerar memórias e histórias que atestam a dimensão das expressões da
oralidade negra, pois, não há dúvida, “são narrativas com rosto africano” (SOUSA e SOUZA, 2013).
Em paralelo, também foi possível notar que são igualmente numerosos e eloquentes os estudos que
apontam para a importância da leitura do texto escrito, pois a leitura é

um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de intelecção


de mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a sua
capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra. Da palavra
enquanto signo, variável e flexível, marcado pela mobilidade que lhe confere o
contexto. Contexto entendido não só no sentido mais restrito de situação imediata de
produção do discurso, mas aquele que enraíza histórica e socialmente o homem
(BRANDÃO e MICHELETTI, 2002: 17).

As questões sobre oralidade e leitura não podem se reduzir a essas duas citações, mas,
tangenciando a questão, com tais citações podemos argumentar que as negociações entre essas duas
formas de registro são particularmente significativas no caso aqui em apreço. Pois, pelas informações
levantadas, Henrique Souza – um autor que, como registra Sonia Feitosa, “frequentou escola somente
até o segundo ano do antigo ensino primário, mas lia com fluência e escrevia com poucos erros
ortográficos” – viveu sua vida equilibrando-se entre uma e outra. Seguramente, a oralidade foi decisiva
nas iniciativas profissionais de Pechincha, pois um cantor de emboladas, cateretês, quadrilhas caipiras
e batucadas não se expressa convincentemente se não memorizar e gesticular as histórias que vai
contando ao seu público. E como estamos vendo, a aquisição da leitura e da escrita, dentre outras
significativas decorrências profissionais, sociais e financeiras, viabilizou a redação e publicação do
Método popular que agora podemos ler e comentar. Com isso, podemos observar que o caso de Henrique
Souza não pode ser generalizado, mas nos ajuda a refletir sobre o que se perde e o que se ganha com e
entre o oral e o escrito. Ou em outros termos, o caso de Henrique Souza nos ajuda a refletir sobre uma
problemática que, de modo simplificado, pode ser dita assim: para a plena cidadania da população negra
no Brasil, a oralidade é um valor, e o ler e escrever é um direito.

3.

Outro ajuste de percepção se nota no fato de que, na fase inicial, a pesquisa não estava
propriamente voltada para a vida e obra de um personagem que, só mais tarde, já na formulação do
texto introdutório, Ndônda, passou a ser caracterizado como um homem comum. Ao longo do
trabalho essa expressão foi apanhando sentidos em formulações encontradas na literatura e nas
139

canções: como no conto Um homem célebre de Machado de Assis; nos versos “Sou um homem comum.
Qualquer um. Enganando entre a dor e o prazer” de Caetano Veloso; e nos versos “Com o que
tenho, vivo / De mansinho lá vou eu” de Serginho Meriti e Eri do Cais. E foi se tornando mais
densa, como procura realçar a afirmação do geógrafo Milton Santos que serve de epígrafe para a
presente dissertação – “A grande aspiração do negro brasileiro é ser tratado como um homem
comum” –, à medida que as leituras sobre a discriminação racial 147 contra pessoas pretas sublinharam
que a expressão “homem comum” pode ser empregada justamente para dizer “fazer parte da
comunidade de seres humanos” (ANDRÉ, 2007: 158).
Essa percepção complexa de Henrique Souza como um homem comum – alguém que escolhe
ensinar Parabéns a você para seus alunos, quem sabe movido pela força comunitária presente no ato de
cantar e acompanhar uma canção ritual –, foi retardada por fatores diversos. Um deles pode ter sido o
valor atribuído à causa da “garimpagem de talentos afrodescendentes” (LOPES, 2004: 158). Ou, em
paralelo, àquilo que nos predispõe a privilegiar os músicos mais famosos, pretos ou brancos,
essencializando os atributos do gênio romântico e incompreendido, supondo que toda investigação
deve revelar, ou mesmo resgatar, um nome outrora célebre e depois esquecido. Seguindo essa
predisposição, possivelmente, a narrativa estaria pautada pela contraposição sucesso versus fracasso,
devendo dar maior visibilidade aos sucessos de Henrique Souza. E de fato, como vimos, a trajetória de
Henrique Souza deixou registros que nos informam sobre suas muitas realizações, sem deixar de
mostrar, também, que esse homem comum foi uma pessoa – “um homem de substância, de carne e
osso, fibras e líquidos”, como diz o novelista negro estadunidense Ralph Ellison em seu livro O Homem
Invisível citado em André (2007: 125) – ou seja, um ser dinâmico que, em movimento, não se encaixa
numa única categoria.
Ou ainda, em termos mais conclusivos, pode-se dizer que, para pensar quem foi Henrique
Souza e qual é o valor de sua obra, precisamos estar atentos a determinadas formas de padronização
que, enviezadamente, podem filtrar, simplificar e fixar representações de comportamentos e
características. Uma delas é a representação apriorística dos músicos como gênios, uma tipificação
cultivada desde o pré-romantismo centro-europeu que nos leva a realçar idealizações de inspiração,
espontaneidade e liberdade, de inocência e candura, idealizações que valorizam o conhecimento e o
sentimento inatos, a beleza e a bondade naturais, o indivíduo arrebatado, o imponderável etc. 148

147 “De acordo com a Convenção da ONU de 1966, discriminação racial ‘significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou efeito anular ou
restringir o reconhecimento, o gozo ou exercícios, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
do domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro domínio da vida pública’”(MEC/SECAD, 2006: 217-218).
148 Sobre tais atributos do “gênio”, cf. Meyer (2000: 292). Sobre o mito do “gênio incompreendido”, cf. Meyer (2000: 278-

280). Para uma síntese histórica do conceito de “gênio” no âmbito do romantismo musical centro-europeu, cf. Pedrosa (2018).
140

Outra representação é aquela que, na distinção sociológica proposta por Guerreiro Ramos, 149
foi caracterizada como “o tema do negro”, ou “negro-tema”, uma visão do negro como um “objeto
de escalpelação”, como “uma coisa examinada, olhada, vista, ora como ser mumificado, ora como
ser curioso, ou de qualquer modo como um risco, um traço da realidade nacional que chama a
atenção” (RAMOS, 1957: 171). Em contraposição, Guerreiro Ramos desvia nosso olhar para aquilo
que observa como “a vida do negro”, ou o “negro-vida”:

Como vida ou realidade efetiva, o negro vem assumindo o seu destino, vem se fazendo
a si próprio, segundo lhe têm permitido as condições particulares da sociedade
brasileira. [...] O negro-vida é, entretanto, algo que não se deixa imobilizar; é
despistador, protéico, multiforme, do qual [...] não se pode dar versão definitiva, pois
é hoje o que não era ontem e será amanhã o que não é hoje (RAMOS, 1957: 171).

Assim, essa observação de Guerreiro Ramos reforça a percepção de que o retrato que aqui se
procura fazer de Henrique Souza não é o de um “gênio” ou o de um idealizado afrodescendente de
talento “curioso” a ser resgatado, mas sim o retrato de um homem comum, um músico que assumiu
sua vida e procurou se fazer em meio às reais condições do lugar e época em que viveu.

4.

As considerações apresentadas – sobre a leitura ampliada da Antologia do cavaquinho, sobre a


percepção de que o cavaquinho não pertence a um único mundo musical, sobre a compreensão de
Henrique Souza como um homem comum e de seu Método popular como produção de um “negro-vida”
– convidam outro apontamento: Na apreciação comentada aqui exposta, dois eixos de observação se
articulam. De um lado estão os processos e conotações associadas ao cavaquinho, um instrumento
musical considerado “brasileiro demais e, como tal, historicamente enraizado nas senzalas, favelas e
guetos”, lembrando a afirmação de Nei Lopes (2003: 52) citada nas linhas iniciais do trabalho. Ou em
outros termos, agora parafraseando a educadora Petronilha Silva (2001:155-156): de um lado, estamos
tratando de um instrumento musical que, em seus usos, sonoridades, valores e repertórios, personifica
“marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte
do seu dia-a-dia” (SILVA, 2001: 155).
De outro lado, estão os modos de ser e de viver de uma pessoa negra, o autor deste Método
popular: o professor Henrique Souza. Então, dialogando com Petronilha Silva, observamos que a

149 Alberto Guerreiro Ramos (1912-1982). “Sociólogo brasileiro nascido em Santo Amaro da Purificação, BA, e falecido na
Califórnia, Estados Unidos. Foi professor da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
integrou o grupo de intelectuais que criou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), elegeu-se deputado federal em
1962 mas teve seus direitos políticos cassados em 1964, após o que se mudou para os Estados Unidos, onde faleceu.
Considerado o fundador da sociologia brasileira, deixou vasta obra científica, como exemplificam os estudos A crise do poder
no Brasil (1961), Mito e verdade da revolução brasileira (1963) e Introdução crítica à sociologia brasileira (1957)” (LOPES, 2004: 558).
141

trajetória deste indivíduo – desde seu nascimento numa região marcada pela cafeicultura escravista
apenas vinte e cinco anos após a promulgação da Lei Áurea – narra uma das inúmeras histórias de vida
de pessoas negras que testemunham que, as africanidades brasileiras “vêm sendo elaboradas há quase
cinco séculos, na medida em que os africanos escravizados e seus descendentes, ao participar da
construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas
influências e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as destes” (SILVA, 2001: 156). Essa percepção
de participação e incorporação também é notada por Proença Filho, que assim realça a questão num
estudo sobre a presença dos negros na literatura produzida no Brasil:

O negro brasileiro não pode ser tratado como o outro, que tanto trabalhou pela
grandeza da nação etc. e a quem se deve reconhecimento especial por isso, como não
cabe agradecer aos brancos portugueses ou aos índios, mas também não deve tratar-
se como o outro em nome de sua autoafirmação. Como os demais grupos étnicos, ele
é parte da comunidade que fez e faz o país [...] Admitir o isolamento no espaço de
uma especificidade identificadora é, na realidade brasileira, aceitar o jogo do
preconceito. Outra deve ser a estratégia. Há que assumir a igualdade na coparticipação
da construção da nacionalidade. Há que reivindicar o direito à plenitude da cidadania
(PROENÇA FILHO, 2004: 186).

Tal pertencimento e coparticipação, como diz Proença Filho, ou tal convivência e mútua
influência, como diz Petronilha Silva, são forças que se tocam, se atraem e se repulsam naqueles
“mundos musicais” (FINNEGAN apud ARROYO, 2002: 101) que ouviram o canto, as práticas
instrumentais, os encadeamentos e as cifragens harmônicas selecionadas por Henrique Souza. Forças
que se entreolham, pois, como se sabe, nas canções, serestas e choros, nos calangos, emboladas,
cateretês, baiões, valsas, rancheiras, polcas, quadrilhas, xotes, marchinhas, mambos e batucadas, as
complexas interações étnico-raciais que nos fundem e nos confundem estão vivamente presentes.
Presentes nessas tantas músicas que se misturam e se diluem, e que tantas pessoas, em suas desiguais
identidades raciais, históricas e culturais, entoam e escutam, produzem e consomem. Com isso,
apreendemos que, lidar com a produção de Henrique Souza também “significa tomar conhecimento,
observar, analisar um jeito peculiar de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e de lutar pela
dignidade própria”, e isso é parte de um “enegrecer”, de um “conhecer e compreender os trabalhos e
criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil, e de situar tais produções na construção da
nação brasileira” (SILVA, 2001: 156).
Então, redizendo a pergunta – o que podemos apreender com a leitura da Antologia do cavaquinho:
método popular com encadeamentos e cifragem de Henrique Souza? –, são possíveis algumas considerações.
Uma delas é essa observação de que podemos apreender algo sobre “o direito dos descendentes de
africanos, assim como de todos os cidadãos brasileiros, à valorização de sua identidade étnico-histórico-
cultural” (SILVA 2001: 157). E que, com isso, podemos conhecer “formas de compreender a vida, as
pessoas e as relações que elas mantêm entre si”, conhecer “meios do agir humano, de seus resultados
142

e repercussões” (SILVA, 2001: 77). Daí decorre a apreensão de que, no caso de Henrique Souza, o
cantar e o tocar, o compor e o gravar, o ensinar e o escrever, o ler e o publicar, são ações que se somam
na edificação daquilo que Petronilha Silva caracteriza como “valores de refúgio”. Expressão
contundente que diz respeito aos “valores que sobrevivem à opressão da escravidão, da colonização,
do racismo”, e que “mesmo tendo sido construídos nestas circunstâncias, se constituem possibilidades
de proteção, segurança, fundamento para viver, pensar, construir” (SILVA, 2001: 83). Assim, virando
as páginas do Método popular de Henrique Souza, compreendemos algo sobre o aprender e ensinar
música através do cavaquinho em meio às relações étnico-raciais que se dão à nossa volta.

Desta forma, vamos confirmar [...] que ensinar e aprender implicam convivência. O
que acarreta conflitos e exige confiança, respeito não confundidos com mera
tolerância. Vamos descobrir que pessoas espezinhadas, economicamente
despossuídas, culturalmente desvalorizadas, mesmo vivendo situações de opressão,
são capazes de reconstruir positivamente seus jeito de ser, viver, pensar, apoiados em
valores próprios a seu pertencimento étnico-racial (SILVA et al., 2006), à sua condição
social. São os valores de refúgio que permitiram a muitos colonizados sobreviver a
toda e qualquer tentativa de aniquilação (MEMMI,1973). Valores esses que garantiram
aos africanos escravizados, arrancados de seus povos, constrangidos física e
moralmente a fazer a viagem que se dizia sem retorno, viessem a edificar outros
povos, os africanos da diáspora (SILVA, 2007: 501).

Nessa edificação, perceber o poder da escrita – no caso, o poder escrever e publicar um método
musical – como um ato de exteriorização e afirmação social que, “entre a dor e a alegria”, 150 contribui
para a construção desse valor de refúgio, de “lugar para onde se foge para escapar a um perigo”, de
asilo ou retiro “que serve de amparo, de proteção” (HOUAISS), introduz outros matizes àquilo que,
como vimos no momento da introdução, Ndônda, o antropólogo Kabengele Munanga (2019: 18)
caracterizou como “instrumento de combate” em meio ao ambiente hostil que vive a “negritude na
atualidade diasporana”.

5.

Não se pode deixar de notar que, como gesto de “enegrecimento” (SILVA, 2001: 156) num
segmento literário voltado para o ensino de um instrumento musical associado, em boa medida, ao
mundo negro, a produção escrita de Henrique Souza está diretamente ligada à produção acadêmica que
aqui se apresenta. E que, por seu turno, tendo em vista que “a produção acadêmica representa um dos
instrumentos de luta com que contamos contra as desigualdades e o racismo” (SILVA, 2011: 127), a
presente dissertação também se coloca como um gesto de enegrecimento. Um “enegrecer não como

Verso do samba Escuta, Cavaquinho! que Martinho da Vila e Geraldo Carneiro lançaram, em 1985, citado em epígrafe no
150

momento Ngóngo.
143

antônimo de embranquecer, portanto não para absorver o branco”, e sim de “enegrecer” como
“maneira própria de os negros se porem no mundo ao receberem o mundo em si” (SILVA, 2011: 101).
Pensando tais relações e seus alcances surge uma espécie de desconforto decorrente das
assimetrias entre o que aqui se apresenta como produção acadêmica e aquilo que seu Pechincha publicou.
Como vimos, nosso autor contava com mais de 70 anos de idade quando lançou sua Antologia do cavaquinho
em 1984, e esse decurso de vida se soma às distâncias históricas, geográficas, culturais, políticas, sociais e
musicais que nos separam do contexto de produção e lançamento desse volume. Tais distâncias se
refletem nas lacunas presentes nesta dissertação, uma vez que o Método popular de seu Pechincha resulta
de experiências abrangentes e de longa duração, enquanto a investigação de mestrado é, por definição,
um exercício de formação breve e delimitado. Essas assimetrias não impediram que o trabalho fosse
realizado, mas devem ser notadas para realçar que, ao final desse exercício, mais parece que estamos
prontos para começar a pesquisa, e não tão prontos para terminá-la.
Distâncias e assimetrias desse tipo – certamente enfrentadas em muitas dissertações – sugerem
alguns pontos a serem observados. Um desses pontos é o fato de que, para deixar Henrique Souza mais
presente no texto, seu nome foi procurado e localizado em breves anúncios e notícias publicadas em
meios de comunicação impressos. Principalmente jornais (tais como: Diário da Noite, Diário de Notícias,
Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã e Gazeta do Povo) e revistas (tais como: O Mundo Ilustrado, Revista
Carioca, Revista do Rádio), publicadas nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, que puderam ser
consultadas a partir do acervo e das ferramentas disponibilizadas pelo portal de periódicos Hemeroteca
Digital Brasileira mantido pela Fundação Biblioteca Nacional . Esse trabalho de consulta trouxe diversos
resultados positivos possibilitando descobertas, cruzamento de dados, aprendizagens e reflexões.
Dentre essas, a compreensão de que o uso de jornais e revistas como fonte de pesquisa histórica é algo
que requer cuidados e problematizações.
Essa compreensão convida estudos específicos e, nessa direção, as revisões de Müller (2015),
Toledo e Skalinski Junior (2012) e Genaro (2013) contribuíram, chamando atenção para determinados
riscos e limites envolvidos no trabalho com esse tipo de fonte. Conforme Müller (2015: 271),
“indubitavelmente, os jornais impressos são fortes veículos de formação de opinião. Muitas vezes,
percebe-se que os textos de formato parcial são responsáveis pela perpetuação de representações
sociais pejorativas”. Com isso, cabe ao pesquisador uma “análise crítica em relação ao discurso
jornalístico”, uma análise que seja “polifônica”, ou seja: que leve em conta “outras vozes em torno do
fato” procurando preservar as características plurais da informação, evitando “a unilateralidade, a
hegemonia, e o monologismo” (SILVEIRA apud MÜLLER, 2015: 276). Assim, complementa a autora:

Ao lermos uma matéria num jornal, raramente nos damos conta de que é apresentada
144

uma realidade que foi extraída do contexto original e convertida em uma


representação num outro contexto. Toda reportagem [...] apresenta fragmentos dessa
realidade e a transfere para outro contexto, que agora vem a ser o do próprio jornal.
Não lemos realidades, lemos representações das realidades (MÜLLER, 2015: 282).

Sobre tais “representações da realidade”, Toledo e Skalinski Junior chamam atenção para o fato
de que, na pesquisa histórica, o termo “fonte” é empregado em sentido figurado, indica “algum tipo
de registro ou testemunho de atos históricos”, sendo assim, “cabe ao pesquisador o cuidado de
examinar a fonte sem se submeter a ela, ou seja, sem tomá-la como peça portadora da verdade sobre
os fatos históricos”. Os autores observam que, essa desnaturalização do termo “fonte” visa realçar o
fato de que “não existem documentos neutros. Desconfiar da fonte e das intenções de quem a produziu
é um procedimento que, devidamente respaldado na contextualização e na história da peça documental,
pode significar o primeiro passo” para a “condução de pesquisas documentais rigorosas” (TOLEDO e
SKALINSKI JUNIOR, 2012: 257). Os autores também observam que:

Por múltiplas razões, uma fonte pode ser portadora de enganos, interpolações,
falsificações, observações imprecisas de fatos, falta de habilidade e/ou negligência em sua
exposição, alterações provocadas por interesses, ideologias e/ou paixão nas suas mais
variadas manifestações (MELO apud TOLEDO e SKALINSKI JUNIOR, 2012: 259).

Essas mínimas ponderações sobre os meios impressos, que não são estudados na presente
dissertação, contribuem na argumentação de que, no caso da narrativa biográfica aqui desenvolvida,
esse “desconfiar da fonte e das intenções de quem a produziu” é singularmente marcado pela
circunstância de que, na maioria dos registros encontrados, as aparições do nome de Pechincha se
encontram em anúncios comerciais. Como vimos, os recortes selecionados não se encontram em
matérias, críticas, artigos ou entrevistas com ou sobre esse artista. São pequenas menções,
possivelmente pagas, que nos informam sobre a sua presença em espetáculos e lançamentos de discos.
Com isso, e mesmo levando em conta que, como ressalta Genaro, a utilização de anúncios comerciais
na narrativa historiográfica “é tomada como uma forma de representação sociocultural de determinada
época”, e que “a publicidade é percebida pelos historiadores como uma fonte privilegiada para o estudo
das representações, dos imaginários e das vivências nos diversos períodos em que a propaganda ocorre”
(GENARO, 2013: 9), as desconfianças persistem. Para amenizá-las, como vimos, no decorrer da
pesquisa outras fontes foram acessadas, principalmente: o depoimento escrito de Sonia Feitosa; os
dados disponíveis em diferentes portais (tais como: Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles;
Instituto Memória Musical Brasileira – IMMuB; Mundo Caipira de Moacyr Filho; Música e Arquivo Sonoro da
Biblioteca Nacional) e, no momento de caracterização do personagem Cavaquinho, trechos de obras
poético literárias que, em suas linhas e entrelinhas, expressam conotações associadas ao cavaquinho,
ao cavaquinista e ao seu entorno. Como também vimos, a confrontação criteriosa de tais fontes visa
145

acrescentar uma “dimensão viva” (MATOS e SENNA, 2011: 96) ao relato e aos comentários analíticos
aqui apresentados, reiterando que, com esse tipo de cruzamento de informações e impressões,
podemos nos aproximar dos “sonhos, anseios, crenças e lembranças do passado de pessoas anônimas,
simples, sem status político ou econômico, mas que viveram os acontecimentos de sua época” (MATOS
e SENNA, 2011: 101). Com isso, fica a esperança de que algumas lacunas possam ser preenchidas pelos
leitores que conheceram Henrique Souza, ou que viveram ou estudam o período, as temáticas e os
cenários aqui visitados, contando com sugestões, acréscimos, correções e críticas que possam, quem
sabe, futuramente ampliar, complementar e aperfeiçoar aquilo que foi possível expor e comentar aqui.

6.

A experiência dessa pesquisa de capacitação foi percebida como uma etapa na formação do
professor pesquisador. Sendo assim, ao longo do processo, foram realizados estudos e leituras que, em
diferentes níveis de aprofundamento, articulam diversos temas transversais. Rememorando alguns
desses temas, vimos que: a presente dissertação passa por assuntos de teoria, de técnica musical e de
harmonia. Passa por tópicos de composição, de morfologia e de interpretação, pelo ouvir música e pelo
tocar um instrumento musical. Passa pelas tramas da leitura e da escrita, e pelo valor da oralidade, da
visualidade e da gestualidade. E passa também por temas relativos ao ensinar e ao aprender em práticas
informais e formais. Passa por questões que dizem respeito aos mundos musicais e aos esforços de
pertencimento empreendidos pelos músicos. Toca pontos sensíveis, tais como as relações de poder no
universo da música popular produzida no Brasil, os sistemas de valor no mundo capitalista, o
patriarcado nos relacionamentos familiares e profissionais, as tensões entre o antigo e o novo, o erudito
e o popular, o nacional e o regional e o urbano e o rural. Fala também sobre correlações que se
estabelecem entre a atuação musical, de cancionistas, cantores e instrumentistas, e outras habilidades
performáticas – tais como as artes circenses, a atuação nos palcos do teatro de revista e das casas
noturnas, a capacidade humorística etc. – demandadas pelo entretenimento artístico em espetáculos ao
vivo, rádios, gravadoras e redes televisivas. Toca aspectos de religiosidade e de práticas músico-culturais
que surgem ao entorno das celebrações religiosas. Comenta aspectos relativos ao mundo dos negócios
e de como as gravadoras e a mídia impressa enfocam os músicos e os gêneros musicais. Olha para
questões que nos aproximam e nos afastam do imaginário africano e que, ao mesmo tempo, nos
convidam a melhor conhecer e a problematizar a história de nosso país.
Essa diversidade de temas que, em diferentes medidas, perpassam a presente experiência de
formação reflete-se na consulta bibliográfica aqui realizada. Uma consulta que segue em aberto,
expandindo-se em várias direções e que mostra a condição de iniciação que acompanha essa
146

experiência. Com isso observa-se que, de um lado, entre disciplinas, seminários, palestras, debates,
defesas, conversas, orientações e buscas pessoais, a vivência no curso de pós-graduação oportunizou o
contato com diversos temas, autores e argumentos. Por outro lado, isso não quer dizer que esses temas,
autores e argumentos aqui citados estão plenamente lidos e absorvidos. O que se pode dizer é que,
nesse esforço exploratório, visando travar diálogos com e entre os temas presentes nessa dissertação,
um processo de formação envolvendo etapas de busca, seleção e leitura de referências foi uma das
metas alcançadas.
E o alcance dessa meta, como conquista que faz parte daquilo que Proença Filho (2004: 186)
destaca como “plenitude da cidadania”, traz consigo uma reflexão a respeito das restrições de temas de
investigação que cabem, ou não, a um professor pesquisador negro brasileiro em formação. Nessa
reflexão, retomando questões problematizadas por Ribeiro (2019: 77), podemos refazer a pergunta:
também em música, só é permitido ao negro falar sobre temas referentes ao fato de ser negro? Com a
presente experiência, uma resposta possível seria: não. Se garantirmos experiências de formação que
permaneçam atentas ao fato de que os professores pesquisadores partem de lugares diferentes e que,
com isso, vivenciam suas formações também de modo diferente, talvez possamos deixar de
preconceber os temas que cabem ou não a cada pesquisador. Assim, também nas pesquisas que
abordam a música, harmônica e tonal, produzida por músicos negros brasileiros possamos, com pleno
direito, lançar mão de dispositivos analíticos internacionalmente aceitos. O emprego de tais dispositivos
acentua o fato de que esses sujeitos – músicos negros brasileiros – não podem ser tratados “como o
outro” (PROENÇA FILHO, 2004: 186). Pois tais músicos estão aqui, “há quase cinco séculos”
(SILVA, 2001: 156), presentes – naquela perspectiva de “pertencimento” e “coparticipação na
construção da nacionalidade” percebida por Proença Filho (2004: 186), e de “convivência” e “mútua
influência” percebida por Petronilha Silva (2001: 156) – ouvindo, tocando e cantando, lendo,
escrevendo e refletindo acerca de músicas e instrumentos que também afetam aqueles que, tomando
parte da mesma trama histórico-social, não se percebem como não europeus. Essa perspectiva de um
“enegrecimento” dos temas, referências e ferramentas que podemos ou não utilizar em nossas
considerações analíticas, recupera a citada imagem, proposta por Petronilha Silva (2011: 101), de um
“face a face em que negro e branco se espelham, se comunicam, sem deixar de ser o que cada um é”.

* * *

Se o tempo fosse ainda mais curto e o assunto não pudesse se estender, dada a pergunta
orientadora – o que podemos apreender com a leitura das aproximadamente 40 páginas desse volume publicado por
um homem comum há quase 40 anos? –, seria possível responder: de fato, a quantidade de papel é modesta,
mas com esse Método prático podemos aprender um bom número de acordes, progressões e
encadeamentos que, efetivamente, nos ajudam a acompanhar peças musicais, em diversos tons e em
147

diferentes repertórios. De fato, diversos fatores vão desatualizando recursos de transmissão de


conhecimentos musicais utilizados em décadas passadas, alargando distâncias que acabam convertendo
aquilo que foi prático em lições que, agora, podem nos ensinar outras coisas. Assim, entre 2018 e 2020,
com o Antologia do cavaquinho foi possível realizar um exercício de leitura e, em reciprocidade, dissertar
sobre aquilo que pôde ser lido. Entre o ler e o escrever foi possível apreender que, as relações de ensino
e aprendizagem musical através do trabalho com um instrumento que, como o cavaquinho, possibilita
práticas integradoras, podem contribuir para o acolhimento e valorização da vida humana em meio a
contextos adversos e socialmente determinados.
148

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www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-parana-no-mapa-bhzuj1k5y43ydem20tfzaic0e/. Acesso
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<http://www.giannini.com.br/catalogos-antigos/acsm8/644/>. Acesso em: 23/01/2020.
IMMUB, Instituto Memória Musical Brasileira. Publicado em 2017. Publicado em 2017. Disponível em:
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http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/56> Acesso em: 23 set. 2019
MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Publicado em 2019. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/busca?id=w9BL> Acesso em: 23 set. 2019.
MUSICA BRASILIS. Publicado em 2009. Disponível em:
<https://musicabrasilis.org.br/compositores/zequinha-de-abreu> Acesso em: 18/10/2019.
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<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa632676/paraguassu>. Acesso em: 10/11/2019.
PAULISTANO, Coral. Publicado em 2019. Disponível em: <https://theatromunicipal.org.br/grupoart
istico/coral-paulistano/> Acesso em: 10/04/2019.
RICORDI, Edições Musicais. Publicado em 2007. Disponível em: < http://www.ricordi.com.br>.
Acesso em: 25/01/2020.
SALLES, Moreira. Instituto Moreira Salles. Publicado em 2016. Disponível em:
<http://fotografia.ims.com.br> Acesso em 20 ago. 2017.
UDESC, Universidade do Estado de Santa Catarina. Publicado em 2016. Disponível em:
<https://www.udesc.br/ceart/ppgmus> Acesso em: 10/11/2019.
UFPB, Universidade Federal da Paraíba. Publicado em 2019. Disponível em:
<http://www.ccta.ufpb.br/demus>. Acesso em: 10/11/2019.
UFRJ, Escola de Música. Publicado em 2019. Disponível em:
<http://musica.ufrj.br/index.php/graduacao/bacharelado?view=article&id=1580&catid=36>
Acesso em: 10/11/2019.
VILARIM, João. Publicado em 2019. Disponível em:<http://www.joaovilarim.com.br/discografia/liu-
e-leu/felicidade-de-caboclo.html> Acesso em 22/03/2019
VINIL, Forró em. Publicado em 2008. Disponível em: <http://www.forroemvinil.com/wp-
content/uploads/2008/06/venancio-brasil-com-s-frente-500x496.jpg> Acesso em 22/03/2019.

Vídeos disponíveis na Internet

CANTERO, Eugenio. Entrevista para a TV SPL. Eugenio Cantero recebe o Maestro Roberto Expedito para uma
entrevista para o canal fechado de internet TVSPL na cidade de São Paulo. Divulgado em 31 de julho de
2011. Disponível em: < https://www.youtube.com > Acesso em: 10 de abr. 2019.
CASEMIRO, Roberto Expedito. Pequena apresentação exposta pelo canal TV Playsix. Uma pequena
apresentação pública do Maestro Roberto Casemiro em uma Câmara de Vereadores (não
mencionada), acompanhado por uma pianista (não mencionada). Divulgado em 20 de dezembro de
2017. Disponível em: <https://www.youtube.com>. Acesso em: 10 de abr. 2019.
COSTA, Najara. Entrevista para a TVBaoba. Najara Costa recebe o Maestro Roberto Expedito
Casemiro para uma entrevista para o canal fechado de internet TV Baoba. Divulgado em 13 de jan
de 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com> Acesso em: 10 de abr. 2019.
FILHO, Moacyr. Acervo Sertanejo de Moacyr Filho: Relíquias Sertanejas, gravações originais extraidas de discos 78
rpm. Áudio da música “Ai moreinha” (de Leite e Caxangá) lado A, interpretada pela dupla sertaneja
Pichincha e Caxangá. Disco no formato 78 rpm, publicado pelo selo Odeon em agosto de 1953,
com o registro 13.491. Divulgado em 16 de outubro de 2016. Disponível em:
<https://www.youtube.com> Acesso em 19 de mai 2019.
158

FILHO, Moacyr. Acervo Sertanejo de Moacyr Filho: Relíquias Sertanejas, gravações originais extraidas de discos 78
rpm. Áudio da música "A gente no mato é feliz" (de Venâncio e Corumba) lado B, interpretada pela
dupla Pichincha e Caxangá. Disco no formato 78 rpm, publicado pelo selo Odeon em agosto de
1953, com o registro 13.491. Divulgado em 16 de outubro de 2016.Disponível em: <
https://www.youtube.com> Acesso em 19 de mai 2019.
FILHO, Moacyr. Acervo Sertanejo de Moacyr Filho: Relíquias Sertanejas, gravações originais extraídas de discos 78
rpm. Áudio das músicas “Roda Morena” (de Pereirinha e Pichincha) e a “A mulher e o serviço” (de
Pereirinha) interpretadas pela dupla sertaneja Pereirinha e Pichincha. Disco no formato 78 rpm,
pulblicado pelo selo Star Discos no ano de 1951, com o registro nº 227. Divulgado em 10 outubro
de 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com> Acesso em 19 de mai 2019.
GODOY, Luiz de. Recitais do Maestro Luiz de Godoy - Diversitas USP- Instituto Luz do Faroeste e Ocupação
Jeholu. Recital de encerramento, que abordava trechos adaptados da ópera "Porgy and Bess", canções
negro spirituals e afro brasileiras, e nessa edição o Maestro Roberto Expedito Casemiro recebe uma
homenagem do elenco do Recital. Divulgado em 14 de dezembro de 2018. Disponível em: <
https://www.youtube.com>. Acesso em: 10 de abr 2019.
PURCINO, José Antonio. Entrevista para o canal TV & Informação. José Antonio Purcino entrevista o
Maestro Roberto Expedito Casemiro em na Livraria Cultura, Conjunto Nacional na cidade de São
Paulo. Divulgado em 29 de maio de 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com> Acesso
em: 10 de abr 2019.
YOUTUBE, Musical Rádio. Álbum Menino da Porteira. O álbum Menino da Porteira da dupla sertaneja
Liu e Léu gravado em 1972 com o selo da gravadora Tropicana contendo 12 canções, aos 23
minutos e quarenta e dois segundos do disco inicia faixa nº 10, a música Felicidade de Caboclo (de
Pechincha e Gino Alves). Publicado em 26 de abril de 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com>. Acesso em 22 de mar de 2019.
159

Anexos
160

Anexo 1
Versos de canções gravadas por Henrique Souza
conforme o portal Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles - IMS

A mulher e o serviço
Autoria: Pereirinha
Intérpretes: Pereirinha & Pechincha
Regional Pereirinha – Calango Cabelos Pretos
Toada
Gravação: 1951
Matriz: S 227 B – STAR: 227
Autoria: Zé Ferreira e Pichincha
A mulher e o serviço Intérpretes: Pichincha e Regional
Não deviam de haver
O serviço é um jogo bruto Gravação: 25/09/1951
E a mulher nos faz sofrer Matriz: 9126 – ODEON: 13257
Se a gente brigar com ela
Ela não dá de comer Cabelos Pretos, ondulados
Olhos verdes botucados
Quem falar mal das mulher É o que Maria tem, vem, vem
Nem devia de nascer
As mulher trabalham tanto Cabelos Pretos, ondulados
Que dá pena a gente ver Olhos verdes botucados
E o serviço que elas fazem É o que Maria tem
Nenhum homem quer fazer
Maria, meu pedaço bão
E o sirviço que elas fazem Seu beijinho tem
Vou contar comé qui é Gosto de bombom
Elas pulam di manhã
Já corri pra ver o café Esse tupetinho me faz tanto bem
Sou inimigo do trabaio E até nem sei o que você tem
Gosto muito de mulher Ah!

As mulheris da cidade Cabelos Pretos, ondulados


Já são toda diplomada Olhos verdes botucados
Tem uma que é dentista É o que Maria tem, vem, vem
Que está muito apresentada
E o meu povo não trabaia Cabelos Pretos, ondulados
Porque a toga advogada Olhos verdes botucados
É o que Maria tem
Sou casado a muito tempo
Sou feliz com minha bela Maria, minha adoração
Ela quis a trabalhar Meu pirão de peixe
Eu que lido nas panelas Tutu de feijão
Mas quando ela chega eu ganho
Um beijinho da boca dela Ai quem me dera
Fosse minha um dia
Pra não mais viver
Assim nessa agonia
161

Caboco Decidido
Toada Sertaneja

Autoria: Pieri Jr. E Nelson Matos Coqueiro Véio Cansado


Intérpretes: Pichincha e Regional Côco

Gravação: 25/09/1951 Autoria: Venâncio e Corumba


Matriz: 9125 – ODEON: 13316 Intérpretes: Pichincha e Regional
Sou cabra decidido
E não me arreceio Gravação: 25/09/1951
De bicho bravo e feio Matriz: 9124 – ODEON: 13257
E nem de assombração

Por isso eu digo aqui Tire o côco, pegue o côco


Pros moço da cidade Pro côco cair no chão
Caboco de verdade Por favor segure o côco
Não tem medo não Na palma de sua mão
Oh tire côco, pegue o côco
Comigo lobisomem não leva vantagem Pro côco não ir no chão
Saci vê que é bobagem querer me atentar Segure o côco
E quando encontro as vezes Mula sem cabeça Na palma de sua mão
Conteça o que aconteça tenho que amonta
Segure o côco direito
Oi brabão, caboco forte não tem medo não Pra ele não se quebra
Oi brabão, caboco forte não tem medo não Coqueiro Véio Cansado
Não tem mais côco pra dar
Eu vi uma vez que eu tava em noite viajando Eu vou guardar esse côco
Dois zóio iluminando como um Boitatá Com muita recordação
Eu bem que tinha jeito de corta caminho Guardo também o coqueiro
Mas fui lá bem pertinho, mode examinar Dentro do meu coração
No oio da direita ascendi meu pito Tire o côco, pegue o côco
E apaguei o mardito só por vadiação Pro côco cair no chão
O outro eu agarrei com um pegador de brasa Por favor segure o côco
E carreguei pra casa pra acender fogão Na palma de sua mão
Oh tire côco, pegue o côco
Oi brabão, caboco forte não tem medo não Pro côco não ir no chão
Oi brabão, caboco forte não tem medo não Segure o côco
Na palma de sua mão
Um dia eu fui descalço campiando as vacas
Quando uma jaracaca veio e me mordeu Coqueiro Véio Cansado
Não vão pensar que eu tive febre e tremedeira De muito côco botar
Não tive nem tonteira a cobra é que morreu Não da sombra, não folha
De tanto sol lhe queimar
Porque um Catitu mordeu meu cão veludo Foi dessa última vez
Jurei cabar com tudo, bicho do sertão Que meu coqueiro boto
Peguei minha spingarda, bicharada veio Se despedindo de mim
Chorando de joelho me pedi perdão Só esse côco deixo
Oi brabão, caboco forte não tem medo não
Oi brabão, caboco forte não tem medo não
162

Roda Morena
Cateretê

Autoria: Pereirinha e Pechincha


Intérpretes: Pereirinha & Pechincha e Regional
Pereirinha

Gravação: 1951 Prepara o Bolo


Matriz: S 227 A – STAR: 227
Embolada
Roda morena,
Morena não quer rodar Autoria: Álvaro F. Gonçalves
Por causa dessa morena Intérprete: Pichincha e Regional
Juraram de me matar
Gravação: 25/09/1951
O amor igual ao meu
Matriz: 9127 – ODEON: 13316
Você não pode encontrar
Vivo triste suspirando
Prepara o bolo, muié
Somente por te adorar
Prepara o bolo, muié
Prepara o bolo
Roda morena,
E põe a mesa pro café
Morena não quer rodar
Por causa dessa morena
O maluquinho vem ai nos visitar
Juraram de me matar
Vai tocar no seu piston e a moçada vai gostar
Aquele homem não se cansa de tocar
Por tua a causa morena
Quanto mais a gente dança, muito mais tem que dançar
Fico triste a padecer
Ei de amar-te toda vida
Prepara o bolo, muié
Ei de amar-te até morrer
Prepara o bolo, muié
Prepara o bolo
Roda morena,
E põe a mesa pro café
Morena não quer rodar
Por causa dessa morena
Quando ele toca faz tremer o coração
Juraram de me matar
Até mesmo quem não dança, sai pulando no salão
Pois no pistão ele mostra seu valor
Esse teu jeito mimoso
Não há moça no salão que não queira o seu amor
Que me faz sofrer aqui
Eu me vou me lastimando
Prepara o bolo, muié
Você não prende a dormir
Prepara o bolo, muié
Prepara o bolo
Roda morena,
E põe a mesa pro café
Morena não quer rodar
Por causa dessa morena
Juraram de me matar

Tudo no mundo se acaba


Tudo no mundo tem fim
Só não tem minha saudade
Que me faz sofrer assim
163

Festeiro do Arraia
Marcha

Autoria: Rubens Campos e Fernando Martins


Intérpretes: Pichincha e Regional

Gravação: 01/04/1952
Matriz: 9270 – ODEON 13279

Vou soltar bomba


Vou soltar rojão
Eu vou pular fogueira
Vou soltar balão

Ai, ai que bom


Viva São Pedro, Santo Antônio e São João

Vou enfeitar a capelinha


Vou encher de bandeirinha
No arraia do Barnabé

Nesta festança
a moçada vem faceira
Depois de pular fogueira
Vai arder arrasta pé Quadrilha Caipira
Quadrilha
Ai, ai que bom
Viva São Pedro, Santo Antônio e São João Autoria: Pereirinha
Intérpretes: Pichincha e Regional

Gravação: 01/04/1952
Matriz: 9269 – ODEON: 13279

Vamos dançar a quadrilha


Em louvor a São João
É a dança mais bonita
Que nós temos no sertão

A quadrilha ninguém dança


Sem cadeira nós já’tão
Cada um tira seu par
E vão pro meio do salão

E dança o João com a Bastiana


Antônio com a Guiomar
A Fulomena com o Pedro
A Rosa vai com Gaspar

Sanfoneiro guenta o fóle


Que a dança vai começar
164

Festa Junina
Valsa

Autoria: J. Diniz e Ulisses Silva


Intérpretes: Pichincha & Caxangá e Regional

Gravação: 11/02/1953
Matriz: 9634 – ODEON: 13446

Quando eu pego na sanfona


Me vem a recordação
No cara mais chão de paia
Eu dancei de pé no chão

Noite clara de luar


Céu crivado de balão
Nessa festa, juanina onde eu mi divirti

Foi na aldeia de São Pedro no lugar onde eu nasci


Foi na aldeia de São Pedro no lugar onde eu nasci

No terreiro uma fogueira


Com três metros de artura
Aipim, melado e cana
Tudo com grande de fartura

A disposição do povo Maria Chica


Aguardente sem mistura Baião
Nessa festa, juanina onde eu mi divirti

Foi na aldeia de São Pedro no lugar onde eu nasci Autoria: Beduíno


Foi na aldeia de São Pedro no lugar onde eu nasci Intérpretes: Pichincha & Caxangá e Regional

Gravação: 11/02/1953
Matriz: 9635 – ODEON: 13446

Maria Chica
nega do beiço vermeio
Não dance pouco
que o negócio fica feio

Maria
Minha Chica, minha flor
Desse jeito, não há jeito,
de um dia o nosso amor.
165

Anexo 2
Página 21 do Jornal Diário da Noite, Rio de Janeiro, de 19 de junho de 1952,
com foto de Pichincha na coluna Discos e Disticos de Edel Ney
166

Anexo 3
Índice Geral - Antologia do cavaquinho: método popular com encadeamentos e cifragem (SOUZA, 1984)
1. Quadro Geral do Cavaquinho e Escala Cromática
2. Diálogo de Apresentação do Cavaquinho com o Aluno
3. Procedimento da Mão Direita
4. Tons Maiores e Relativas Menores
5. Tons Maiores e Relativos Menores /(continuação), Acordes Diminutos, Acordes
Maiores com Sétima Menor e Nona – 7/9, [Acordes com sexta] 6ª e [Acordes com quinta
aumentada] 5ª
6. Escala de Dó Maior
7. Acordes de Dó Maior
8. Acordes de Lá Menor – Relativo de Dó Maior
9. Exercícios em Dó Maior e Lá Menor
10. Tardes em Lindóia (Valsa Lenta)
11. Tardes em Lindóia (continuação)
12. Meu limão, meu limoeiro
13. Tico-tico no fubá
14. Acordes de Ré Maior
15. Acordes de Si Menor – Relativo de Ré Maior
16. Acordes de Mi Maior
17. Acordes de Dó Sustenido Menor – Relativo de Mi Maior
18. Acordes de Fá Maior
19. Oh Suzana
20. Acordes de Ré Menor – Relativo de Fá Maior
21. Acordes de Sol Maior
22. Parabéns a Você – Canção de Aniversário
23. Acordes de Mi Menor – Relativo de Sol Maior
24. Acordes de Lá Maior
25. Acordes de Fá Sustenido Menor ou Sol Bemol Menor – Relativo de Lá Maior
26. Acorde de Si Maior ou Dó Bemol Maior
27. Acordes de Sol Sustenido Menor ou Lá Bemol Menor – Relativo de Si Maior
28. Segunda parte: Sustenidos e Bemóis - Acordes Diminutos - Acordes com Sétima -
Acordes com quinta aumentada e Sétima e Nona
29. Acordes de Si Bemol Maior ou Lá Sustenido Maior
30. Acordes de Sol Menor – Relativo de Si Bemol Maior ou Lá Sustenido Maior
31. Acordes de Fá Sustenido Maior ou Sol Bemol Maior
32. Acordes de Mi Bemol Menor ou Ré Sustenido Maior – Relativo de Sol Bemol Maior ou
Fá Sustenido Maior
33. Acordes de Lá Bemol Maior ou Sol Sustenido Maior
34. Acordes de Fá Menor - Relativo de Lá Bemol Maior ou Sol Sustenido Maior
35. Acordes de Dó Sustenido Maior ou Ré Bemol Maior
36. Acordes de Si Bemol Menor ou Lá Sustenido Menor – Relativo de Dó Sustenido Maior
ou Ré Bemol Maior
37. Acordes de Mi Bemol Maior ou Ré Sustenido Maior
38. Acordes de Dó Menor – Relativo de Mi Bemol Maior ou Ré Sustenido Maior
39. Acordes Diminutos e Acordes com Sétima
40. Acordes com Quinta Aumentada, Acordes com Sétima e Nona
167

Anexo 4
Melodia e cifra do choro-lento “Pica Pau” de Henrique Souza (Pechincha)

Fonte: Antologia do Cavaquinho: Método Popular com Encadeamentos e Cifragens por Henrique Souza - 3º.ed. - 1997
168

Anexo 5
Referências de métodos de cavaquinho publicados no Brasil desde 1932. Informações coletadas por
Jamerson Farias Ribeiro, Pedro Henrique Cantalice Severiano e Carlos Eduardo Romão na Biblioteca
Nacional, na Biblioteca da UFRJ e no Instituto Moreira Salles
Editora,
cidade,
Data e título Autor(es)
formato e
número de páginas
1932 Álvaro Cortez Andrade, A. C. Andrade
1. Methodo para cavaquinho Andrade: com o concurso dos professores Heitor dos Prazeres e Rio de Janeiro
Heitor dos Prazeres (Lino) e Euclides Cicero Euclides Cicero 28 páginas
c. 1935 Irmãos Vitale
São Paulo/ Rio de
2. O lunático: método prático para se aprender a tocar cavaquinho em Ivo Duncan Janeiro
pouco tempo e sem precisar de mestre 16 páginas
Irmãos Vitale
c. 1938 São Paulo/ Rio de
Anníbal Augusto
3. Tupan: método prático para cavaquinho, Janeiro
Sardinha (Garoto)
com lições bem coordenadas 16 x 24 cm
29 páginas
c. 1940 Paraguassú Tranquilo Gianinni
4.
O Bohemio: Método prático para aprender a tocar cavaquinho (Roque Ricciardi) São Paulo
Todamérica Ed.
1953
5. Waldir Azevedo Rio de Janeiro
Método prático para cavaquinho 29 páginas
19-- Abdon Lyra Casa Oliveira
6.
O carioca: o método prático de cavaquinho (1887-1962) Rio de Janeiro
Casa Manon S.A.
?1960 São Paulo
7. Tabajara
O Tabajara: método prático para cavaquinho 15 x 21 cm
30 páginas
MOBRAL/ CECUT
1980 Rio de Janeiro
8. Rosinha Valença
Método para cavaquinho 21 x 30 cm
16 páginas
Casa Wagner
1981 Editora LTDA
9. Luiz Soares de Freitas
“O completo” método para cavaquinho São Paulo
46 páginas
1984 Irmãos Vitale
Henrique Souza São Paulo
10. Antologia do Cavaquinho:
(Pechincha) 23 x 32,5 cm
método popular com encadeamentos e cifragens por Henrique Souza 42 páginas
1984 Independente
11. Geraldo Sgaraglia
Curso de cavaquinho Niterói
Fermata do Brasil
1987
12. Fernando de Bortoli São Paulo
O solista: método teórico para cavaquinho 25 páginas
Gramophone
1988 Edições Musicais
Odilon Vicente de Ltda
13. Método completo para cavaquinho:
Almeida São Paulo
ensino dinâmico através de cifras e por música 21 x 27,5 cm
26 páginas
Editora Lumiar
1988
14. Henrique Cazes Rio de Janeiro
Escola moderna do cavaquinho 62 páginas
1988 (Copyright) Independente
Ednaldo Vieira Lima Rio de Janeiro
15. Método do Índio: prático e cifrado para cavaquinho com afinação
(Índio do Cavaquinho) 18 x 24 cm
em ré-sol-si-mi, 11 acordes para cada tom em duas posições 34 páginas
169

Ricordi Brasileira
1990 São Paulo
16. José Dias de Lima
390 acordes de cavaquinho (e violão tenor) para destros e canhotos 16 x 23 cm
37 páginas
Fermata do Brasil
1991 Armando Bento de São Paulo
17.
O cavaquinho: método – cifras e harmonia Araújo (Armandinho) 22 x 29 cm
42 páginas
1996 Irmãos Vitale
18. Samba for all: você vai tocar pandeiro, Marcelo Salazar São Paulo
tantan, tamborim, ganzá, cavaquinho e violão 28 páginas
1997/1998 Biro do Cavaco Motivo Editorial
19. (Silvio Mariano dos
Curso Prático de Cavaquinho (3 volumes) LTDA
Santos, 1957- )
Irmãos Vitale
2000 Armando Bento de
20. São Paulo
Primeiro método para cavaquinho por música Araújo (Armandinho) 119 páginas
Fermata do Brasil e
1991 Armando Bento de Irmãos Vitale
21.
O cavaquinho: método Araújo (Armandinho) 22 x 29 cm
39 páginas
2000 Ricordi Brasileira
22. Ariovaldo de Mattos
Iniciação ao cavaquinho S/A
Paulo Salvador de Litteris Editora
2001
23. Carvalho (Ratinho do Rio de Janeiro
Banco de acordes para cavaquinho
Cavaco)
2005 NUP/UFSC
Nestor Habkost e Florianópolis
24. Nas batidas do samba:
Wagner Segura 21 x 30 cm
audiovisual de batidas para cavaquinho 38 páginas
Irmãos Vitale
25. Pedagogia do cavaquinho, bandolim, violão tenor e banjo
São Paulo
s.d. Sotero de Souza
26. Junior Príncipe
O Cuéra: méthodo prático de cavaquinho São Paulo
c. 2000 Independente
27. Mário Sérghio
Método com mais de 2000 acordes para cavaquinho e banjo São Paulo
Associação Amigos
do Projeto Guri
2013
28. Eduardo Lobo São Paulo
Cavaco, livro do aluno do projeto Guri 20,5 x 27,5
104 páginas

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