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Eduardo Viana
8ª edição
revista, atualizada e ampliada
2020
C A P Í T U L O I I I
351. Barreto, Tobias. Menores e loucos em direito criminal. 2. ed. Recife: Typographia Central, 1886, p. 72,
nota de rodapé n. 29. (mantive a grafia do original; o negrito é meu). As referências a seguir dizem res-
peito, sempre, à segunda edição.
352. Para um horizonte mais amplo cf. Alvarez, Marcos César. Bacharéis, criminologicistas e juristas: saber
jurídico e a nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003.
353. Lyra, Roberto. Novíssimas... Op. cit, p.16.
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354. Ressalta a doutrina que ele não foi o primeiro jurista, cronologicamente, a abraçar de forma franca o
positivismo penal, o primeiro teria sido João Vieira de Araújo. Deve-se a Viveiros de Castro, contudo, o
reconhecimento de ter publicado o primeiro livro com o título voltado especificamente para a sociologia
criminal. Freitas, Ricardo de Brito A. P. As razões do positivismo penal no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, p. 297.
355. Cf. Alvarez, Marcos César. Bacharéis, criminologicistas... Op. cit., p. 84-95.
356. Castro, Viveiros de. A nova escola penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1913, p. 8.
(mantive, e manterei nas demais citações, a grafia original).
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que o menor número de crimes praticados pelas mulheres está associado à sua pe-
quena capacidade craniana.
Esclarece que a antropologia italiana foi importante para a identificação dos
fatores que contribuem para o desenvolvimento ou diminuição do crime362. Esses
fatores são: físicos, fisiológicos e morais. Quanto aos primeiros, os físicos, o mais im-
portante é o clima; entre os fatores fisiológicos, a hereditariedade; finalmente, dos
fatores morais (ou sociais) dever-se-ia considerar a instrução, a educação, as profis-
sões, a miséria, a riqueza, a civilização e o progresso363. Analisarei duas abordagens:
a criminalidade feminina e a hereditariedade.
Sobre a baixa representação da criminalidade feminina, assentado em dados es-
tatísticos, por exemplo, de Quetelet, reproduziu os despropositados, para não usar um
adjetivo menos elegante, argumentos de Giuseppe d’Aguanno: “A capacidade craneana
da mulher é inferior ao homem na razão de 142 a 220, o que quer dizer na maioria
geral dos casos, que a mulher é muito inferior em inteligência ao homem. A histo-
ria o prova. Nenhuma grande descoberta que honra a humanidade teve como autora
a mulher”364. A estreiteza de sua inteligência, prossegue ele, “não lhes permite, pois,
conceber, preparar, amadurecer, realizar estes crimes que exigem reflexões acuradas,
frias, encandeiamento de acção, série de planos”365. E arremata, entre parênteses, com
um depoimento pessoal: “O escriptor destas linhas exerce ha seis anos o cargo de pro-
motor publico e até hoje ainda não teve occasição de ver uma só mulher processada por
crimes de estelionato e falsidade”366. A esses fatores somam-se argumentos associados
à constituição fisiológica da mulher, bem assim às causas morais367.
Quanto aos fatores raciais, esses também foram objeto de análise. Após men-
cionar alguns casos de gênio hereditário, a exemplo do naturalista Darwin e do mú-
sico Bach; os Médicis como exemplo de falta absoluta de escrúpulos políticos e de
proteção inteligente e desvelada pela arte e pela literatura; e de tributar a Joana,
a louca, a responsabilidade por trazer à Espanha série de Felipes supersticiosos e
fanáticos que acenderam a fogueira da inquisição, conclui que também no direito
penal a hereditariedade é uma das causas mais produtoras de crime368. Essa heredi-
tariedade atuaria com mais força nos mestiços porque esses tenderiam a agir sem os
freios morais369.
362. Isso não significa que ele resume a revolução científica europeia sobre a questão do fenômeno criminal
à contribuição italiana. Em verdade, a antropologia criminal italiana integra uma revolução científica
mais ampla: “Uma nova escola se apresentou […]propagando-se como um rastilho de polvora, conquis-
tando as adhesões dos espiritos mais eminentes. Na Italia tornou-se especialmente anthropologica…
Na França tornou-se especialmente sociologica…”. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 9.
363. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 155.
364. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 195.
365. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 195.
366. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 195.
367. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 196 e ss.
368. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 161.
369. Castro, Viveiros de. A nova... Op. cit., p. 163-164.
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Talvez, após essa breve descrição, um leitor concorde com aquela parcela da li-
teratura científica que classifica Viveiros de Castro como um positivista radical370.
Provavelmente esse mesmo leitor também se pergunte sobre o modo como Viveiros
de Castro projetava a incorporação das ideias dessa nova escola penal à realidade
brasileira. Nesse âmbito, ele mesmo apresenta algumas propostas, das quais destaco
três: o júri; o ensino jurídico e a natureza das ações penais.
Em relação ao júri, por exemplo, ele defendia a sua supressão e que assim de-
veria ser porque a especialidade é um dos fatos característicos do século XIX: quem
quer construir um dique dirige-se ao engenheiro hidráulico; quem sofre da vista,
procura o oculista, argumentou. Transportando essa lógica para o sistema criminal,
defendeu que as questões debatidas no júri exigem a mais alta competência cientí-
fica, razão pela qual a decisão sobre elas não poderia ser entregue a indivíduos sem
conhecimentos especializados371.
Naturalmente que o impacto científico da nova escola seria estéril em território
nacional se não houvesse uma reformulação do modelo de estudos jurídicos no Brasil.
Nesse sentido, Viveiros de Castro argumentou que os estudos jurídicos para aqueles
que se dedicam à magistratura deveriam compreender também a medicina legal, a
anatomia, principalmente do cérebro, a psiquiatria, a estatística, a antropologia, a so-
ciologia criminal372. Mas não somente isso, ele também sustentou a necessidade de
incrementar a prática no âmbito educacional: é necessário obrigar os alunos a serem
internos nas prisões, isso para estudarem o criminoso, não como descrevem os juris-
tas, mas como ele realmente é, com suas anomalias anatômicas e psíquicas373.
No âmbito processual, ele também defendeu que a divisão da ação penal em
pública e privada deveria desaparecer dos códigos modernos por essa divisão não se
ajustar ao fundamento racional do direito de punir, não atender à classificação cien-
tífica do criminoso e também por não passar de um resquício da ideia de vingança,
que nos tempos primitivos foi o conceito justificativo da pena. Se a razão da puni-
ção está na defesa social, qualquer crime justificaria a ação pública. Exemplificada-
mente: se a vítima não quiser procurar o seu agressor, fica impune um indivíduo
perigoso, animado por essa mesma impunidade a cometer novos delitos. O ladrão
continua a furtar, o sedutor a desonrar moças, o caluniador a manchar reputações
imaculadas. A iniciativa do processo, portanto, deve sempre caber ao representante
do ministério público374.
Creio que a esta altura o meu leitor pode então concluir, sem nenhum esforço,
que a recepção do positivismo no Brasil, ao menos aquela empreendida e difundida
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375. Zaffaroni, Eugênio R. Hacia un realismo jurídico penal marginal. Caracas: Monte Avila Latinoamerica,
1993.
376. Pela justa razão, cabe menção à obra de Alvarez, Marcos César. Bacharéis, criminologicistas... Op. cit.,
passim.
377. Rodrigues, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1932, p. 14-15.
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378. Rodrigues, Raimundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brazil. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara, [s/d], p. 29 (espero que o leitor não estranhe, mas em todas as citações optei por
manter a grafia original).
379. Rodrigues, Raimundo Nina. As raças humanas... Op. cit., p. 33.
380. Rodrigues, Raimundo Nina. As raças humanas... Op. cit., p. 35.
381. Rodrigues, Raimundo Nina. Os africanos... Op. cit., p. 12.
382. Rodrigues, Raimundo Nina. As raças humanas…Op. cit., p. 30.
383. Rodrigues, Raimundo Nina. As raças humanas…Op. cit., p. 48.
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387. Moraes, Evaristo de. Primeiro crítico de César Lombroso no Brasil. In: Revista de Direito Penal, 1939, v.
XXV, p. 142 e ss. Por outro lado, Castiglione faz uma advertência: há divergência sobre o ano de publi-
cação da primeira edição da obra Menores e Loucos. Se considerarmos as referências que apontam 1884
como sendo o ano de aparição o primeiro a tratar das ideias de Lombroso teria sido João Vieira de Araú-
jo e não Tobias Barreto. Cf. Castiglione, Teodolindo. Lombroso... Op. 269-270. Clóvis Beviláqua aponta
que o ano de aparição é 1882, nas colunas do Diário de Pernambuco. Beviláqua, Clóvis. Criminologia e
Direito. Bahia: Livraria Magalhães, p. 19, nota de rodapé n. 1.
388. Barreto, Tobias. Menores... Op. cit., p. 72.
389. Ibidem, p. 70-71 (destaque no original).
390. O autor se refere aos negros e mulatos.
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391. Hungria, Nelson. A criminalidade dos homens de côr. In: Hungria, Nelson. Comentários ao código pe-
nal. 4. ed. Rio: Forense, 1959, vol. III, p. 291-295.
392. Ibidem, p. 297.
393. Ibidem, p. 298.
394. Ibidem, p. 299.
395. Ibidem, p 301.
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chegarem ao padrão cultural geral dos brancos. Ao fim e ao cabo, as fontes máximas
para a maior criminalidade dos homens de cor derivavam de problemas de cunho
econômico e de retardo social. Apenas a educação (substancial e não exclusivamente
formal) seria capaz de libertá-los de tal jugo.
Disso tudo se pode inferir que a resistência ao positivismo criminológico, em
primeiro momento, decorreu muito mais do receio pelas novas ideias do que, pro-
priamente, por uma opção científica. O achismo intelectual que sempre assaltou o
jurista impulsionava a desconfiança e assombro com qualquer ciência que ameaças-
se a zona de conforto criada com a Escola Clássica.
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