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ISSN 1676-3661 ANO 11 - Nº 124 - Março/2003

PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

EDITORIAL Índice
GENERALIZAÇÕES PERIGOSAS GENERALIZAÇÕES PERIGOSAS
Editorial 1
As ciências experimentais utilizam-se da indu- concedido por autoridade pública, é prática bas-

EDITORIAL
A DECISÃO DE PRONÚNCIA -
ção e da dedução para chegarem ao estabelecimen- tante conhecida, tanto que o nosso Código Penal, UM JUÍZO DE PROBABILIDADE
to de relações necessárias que regem o comporta- no art. 357 c/c parágrafo único, contempla tal figu- Maurides de Melo Ribeiro 2
mento dos seres estudados, regras essas que decor- ra criminal, a “exploração de prestígio”, no que diz MÉTODOS DE TORTURA
PSICOLÓGICA APLICADOS
rem da natureza desses mesmos seres. A relação com a atuação do Judiciário. NO INTERROGATÓRIO
entre quaisquer objetos, por exemplo, se regerá pela Nihil novum sub sole, portanto. Rodrigo Dall’Acqua 4
regra da atração e repulsa, na proporção da maté- Ocorre, no entanto, que o estardalhaço que a ATENÇÃO! OS TRIBUNAIS ESTÃO
ria respectiva deles e da distância existente entre imprensa vem emprestando às apurações de denún- ADMITINDO UM PERIGOSO
eles, desde que mantidas as condições ambientais cias dessa natureza vem trazendo um efeito perverso. PRECEDENTE PARA A MUTILAÇÃO
em que tal regra foi descoberta. Isso é tão óbvio que Muitos sacerdotes que até ontem manifestavam ca- DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS DO HOMEM
vexa lembrá-lo. rinho e afeto por crianças, sentiram-se impelidos a Fernando Thompson Bandeira 5
Ocorre que por uma outra lei muito natural, a moderar seus gestos, no temor de que a incompreen-
AS ESTATÍSTICAS CRIMINAIS
chamada “lei do menor esforço”, há uma tendên- são dos pais acabe por gerar cena de represália intei- SOB UM ENFOQUE
cia em aplicar aqueles princípios a áreas do saber ramente injustificada e escândalo que insta evitar. E CRIMINOLÓGICO CRÍTICO
que não se regem por regras tão absolutas, como se quem perde com isso são as crianças que até outro dia Eduardo Luiz Santos Cabette 6
dá nas ciências humanas. Dizer que todo italiano é contavam com o necessário apoio da religião para CONSELHO TUTELAR: PARÂMETROS
extrovertido, todo brasileiro é cordial ou que todo suas naturais incertezas ante o mistério da vida. PARA A INTERPRETAÇÃO DO
francês é arrogante significa que todos os italianos, Pode parecer mera coincidência, mas advogados ALCANCE DE SUA AUTONOMIA E
FISCALIZAÇÃO DE SUA ATUAÇÃO
todos os brasileiros e todos os franceses apresentam militantes na área criminal vêm notando uma ten- Murillo José Digiácomo 8
o mesmo tipo de comportamento, o que é um óbvio dência semelhante quando se cuida de impetração
CORRUPÇÃO TRANSNACIONAL
disparate. Lembrando Millôr Fernandes: “toda re- de habeas corpus, com o natural pedido de liminar, Paulo César Corrêa Borges 11
gra tem exceção; esta é uma regra; logo, há regra sem mesmo quando ajuizados perante tribunais. Alguns
exceção; logo, esta regra não serve para nada”. juízes afirmam, tout court, que não cabe liminar em DA ILEGALIDADE DAS
MANIFESTAÇÕES MINISTERIAIS
No campo profissional: até ontem se dizia que tal ação (o que a doutrina já havia demonstrado REQUERENDO AUDIÊNCIA
todo padre é santo, todo ginecologista é respeitoso e não ser o melhor entendimento a ser dado ao insti- PRELIMINAR, SEM
todo juiz é honesto. Mais uma vez estamos diante de tuto), ou se valem de fórmula genérica (“ausentes os FUNDAMENTAÇÃO
Fernando Célio de Brito Nogueira 12
uma generalização absurda, pois cada pessoa é uma pressupostos legais”, por exemplo) para indeferir tal
pessoa, com sua história pessoal. Uma vez compro- pretensão. Chegados ao mérito, igualmente se va- PUNIÇÃO E VIOLÊNCIA:
AMPLIANDO A DISCUSSÃO
vado que um ou alguns sacerdotes se envolveram em lem de texto que nada diz (“o habeas corpus não NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
pedofilia (o que quer que isso signifique para a permite uma análise aprofundada da prova” é um Alessandra Teixeira, Jacqueline
imprensa), ou que algum ginecologista portou-se desses chavões) para, em termos práticos, excluir da Sinhoretto e Olga Espinoza Mavila 13
com indignidade diante de sua paciente e caímos na vida forense um remédio de índole constitucional. TOBIAS PEDÓFILO
generalização oposta: todos os padres tanto quanto Há que denunciar essa prática, que denota, Nilo Batista 14
todos os médicos são indignos de confiança. quando menos, uma inadmissível submissão da TRIBUTO À MEMÓRIA
Com relação à Magistratura, a idéia de que basta Magistratura à chamada “opinião pública”, que é, DE EVANDRO LINS E SILVA
vestir uma toga para que o ser humano se torne na maioria das vezes, formada por jornalistas ten- René Ariel Dotti 15
imune às tentações é, para dizer o menos, infantil. denciosos e sensacionalistas, cuja atuação profissio- Caderno de Jurisprudência
Não é a toga que dá dignidade ao ser humano mas nal em nada contribui para que as jamais negadas
JURISPRUDÊNCIA COMENTADA:
é o ser humano que deve dar dignidade à toga. mazelas da Magistratura sejam trazidas a tona e APELAÇÃO. JÚRI. SALA SECRETA.
Conhecemos todos nós alguns membros da Magis- punidos seus autores. INTERVENÇÃO INDEVIDA DO
tratura que não se portam com o mínimo de decoro Esperam todos os que se empenham na desejável PROMOTOR DE JUSTIÇA. NULIDADE
que deveriam observar, juízes que não estudam ou os modernização do Judiciário que, de fato, denúnci- Antonio Carlos Barandier 681
que apresentam patrimônio incondizente com os ven- as de irregularidades cometidas por juízes sejam, O DIREITO POR QUEM O FAZ:
GENERALIZAÇÕES PERIGOSAS

cimentos que percebem (sem ter, tanto quanto o côn- efetivamente, objeto de apuração e punição (desde PARECER SOBRE
INTERROGATÓRIO ON-LINE
juge, fonte de renda adicional que o justifique, é claro). que esta não se transforme em prêmio, como a apo- Tales Castelo Branco 682
Caberia aqui generalizar, afirmando-se que tais peca- sentadoria compulsória, com que já foram brinda-
dos pertencem à Magistratura e não a determinados dos muitos magistrados, cujo número exato jamais O DIREITO POR QUEM O FAZ:
PRISÃO PREVENTIVA.
juízes? Resposta de todo em todo dispensável. saberemos, precisamente por causa de um inaceitá- GRAVIDADE DO DELITO.
Noticia-se agora, com estardalhaço, que aqui vel sigilo que ainda cobre tais “punições”). Mas es- FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ou ali membros de tribunais estariam envolvidos peram também que a leviandade de acusações ou CONCRETA
Canguçu de Almeida 683
com advogados para a concessão de favores legais insinuações seja exemplarmente punida.
estimulados menos por argumentos jurídicos do que E esperam, antes e acima de tudo, que os magis- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
por argumentos pecuniários. Alguma surpresa em trados criminais, cônscios de seus deveres constituci- 684
que isso, de fato, possa vir a acontecer? Claro que onais, não se intimidem diante de campanhas “mo- SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não. Ubi homo ibi peccata. Ocorre, por um lado, ralizadoras” (na fachada) de parte da imprensa e 685
que, por preceito constitucional que a todos cobre, continuem a desempenhar com galhardia e cora- TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
ninguém é culpado enquanto seu crime não restar gem o seu papel de custos libertatis, pondo cobro a 686
devidamente comprovado. E isso não pode deixar ilegais restrições ou ameaças de restrição à liberdade TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de aplicar-se aos membros da Magistratura. De outra individual, seja quem for a vítima desses abusos e 687
parte, desde sempre a utilização de pretenso prestí- qualquer que seja a “interpretação” que os “donos TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL
gio para a obtenção de benefício indevido, a ser da moral” entendam de fazer. 688
TOBIAS PEDÓFILO
Nilo Batista
Num de seus livros, Bauman se detém so- xos. Uma passagem das Instituta(5) revela menina” que ela “começa a esconder os pe-

Nilo Batista
bre a onda de criminalização e exorcismo da que aos antigos pareceu impudica tal práti- quenos seios túmidos, como se costumam en-
pedofilia como confortável dispositivo de re- ca aplicada às donzelas (in feminis et antiquis capotar os pomos maturescentes, para as aves
criação de participação política: ao sabor da impudicum esse visum est), passando em seu não beliscarem”. “Porém se em vez do poeta
“desnorteante velocidade usa-e-joga-fora caso a demarcar-se a puberdade aos 12 anos ligeiro, for o grave jurisconsulto quem diga,
dos medos públicos e pânicos morais”, e va- (post duodecimum annum). Mais tarde, Jus- em prosa jurídica, que a menina já é púbere,
lendo-se da alquimia que recicla o amor pe- tiniano baniria a inspeção física também dos não causará estranheza a ninguém.”
los próprios filhos em espetáculo público de rapazes, fixando o limite dos 14 anos (post Aí está o corpo de delito. Ignoro se algu-
execração solidária(1), as sociedades despoli- quartum decimum annum completum). Na- ma autoridade do Recife requisitou a ins-
tizadas do capitalismo tardio consentem e turalmente, os sabinianos defendiam o pro- tauração de uma investigação; os biógrafos
estimulam esta forma inofensiva (salvo para cedimento tradicional — cuja prova, à épo- de Tobias Barreto não o registram. Mas, nos
o indiciado) de participação política. Trata- ca, era muito mais confiável — e os inovado- tempos de hoje, convém deixar frisado —
se de um combustível de excelente qualida- res proculeianos batiam-se pela mais recente para prevenir qualquer iniciativa mais es-
de para a obra de expansão do poder puni- solução do critério meramente etário. touvada — que a punibilidade já se encon-
tivo e do estado de polícia, não só pela gene- No seu genial ensaio Menores e Loucos em tra extinta desde 26 de junho de 1889, quan-
ralização de impulsos exterminadores, pro- Direito Penal, o mesmo texto no qual se ante- do, “reduzido a proporções de pensionista da
vinda daquela alquimia, como pela vulne- cipou em décadas à dogmática européia ao caridade pública”, como dez dias antes escre-
rabilidade da “presa fácil”(2) que é o indicia- mencionar a “possibilidade de obrar conforme vera num bilhete a Sílvio Romero(7), morreu
do: os campos do “bem” e do “mal” acham- o direito”(6) — mas que importância teria isto, um dos maiores penalistas brasileiros de to-
se desde logo demarcados, e este é sempre escrito em 1884, por um mulato brasileiro, e dos os tempos, cuja obra, infelizmente, con-
um bom começo. ainda em português? — Tobias Barreto en- tinua desconhecida por grande número de
Longe de mim instaurar aqui um debate trou no assunto da puberdade no direito ro- seus sucessores.
político-criminal sobre o tema, porquanto meu mano. E é aí, no seu texto delicioso e irreve-
objetivo é apenas formular uma denúncia his- rente sobre a vitória dos proculeianos, que está Notas
tórica. Aos que pretendam lançar-se em tal o corpo de delito de nossa denúncia.
debate, recomendaria que — para além de “Malditos proculeianos — invectiva ele — (1) BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Políti-
relerNabocov eespiarasfotosqueLewis Carroll que destes ocasião a estarmos hoje privados das ca, trad. M. Penchel, Rio, 2000, ed. Zahar,
fez de Alice e suas amiguinhas — antes assis- mais deslumbrantes cenas! (...) Se Justiniano pp. 17 ss.
tissem a duas obras de arte, Morte em Veneza tivesse tido uma dose maior de voluptuosidade, (2) Expressão cunhada por WACQUANT, Loïc.
e Fale com Ela, e em seguida julgassem não a é bem provável que ainda presentemente se nos Punir os Pobres, trad. E. Aguiar, Rio, 2001, ed.
tipicidade (no primeiro caso, incidiria a impu- oferecesse, na esfera da vida jurídica, os mais ICC-F. Bastos, p. 113.
nibilidade dos atos preparatórios), mas sim a soberbos quadros vivos. Por que não? Se em (3) Sigo aqui as indicações do velho mestre que,
verdade e delicadeza dos sentimentos dos pro- muitos domínios do direito continuamos a nu- lá se vão quarenta anos, tentou em vão ensi-
tagonistas de Visconti e Almodóvar (neste trir-nos dos ossos caídos da mesa imperial de nar-me direito romano na Faculdade da UFJF:
último caso, capaz de manter conjunção car- Bizâncio, não vejo razão plausível pela qual COLUCCI, Benjamin. Direito Romano, Juiz
nal com uma mulher em estado de coma). não obedecêssemos à lei do déspota, que por- de Fora, 1961, ed. Graf. Com. Ind., p. 51; mas
Deixemos a transcendente questão de se pode ventura ainda hoje mandasse sujeitar a exame pode-se ver referência ao próprio debate da
existir amor aquém do limite etário legal ou a puberdade mulheril.” puberdade em BONFANTE, Pedro. Institu-
além da plena capacidade jurídica da parcei- Escrevendo numa conjuntura na qual o ciones de Derecho Romano, trad. L. Bacci e A.
ra, e vamos a nossa denúncia. saber médico avançava por sobre o jurídico, Larrosa, Madri, 1965, ed. Reus, p. 56.
Tobias Barreto, se vivesse hoje, estaria su- na clivagem propiciada pelo positivismo cri- (4) Dig. I, II, 2, § 47.
jeito a ver-se tomado por pedófilo: um “pe- minológico, Tobias se depara com um pro- (5) Inst. I, XXII.
dófilo de opinião”, se quiserem, mas talvez se blema: “Eu sei que, nesta hipótese, seria infalí- (6) BARRETO DE MENEZES, Tobias. Menores
considerasse que essa pedofilia de perigo abs- vel e renhida uma grave questão preliminar: e Loucos em Direito Criminal, Rio, 1951, ed.
trato constituísse sua modalidade mais perni- saber quem tinha mais competência para a ins- Simões, p. 35.
ciosa. Situemos a controvérsia. peção, se os médicos ou os juristas”. Darwin o (7) Cf. LIMA, Hermes. Tobias Barreto - A Época e
Como se sabe, fala-se de duas escolas ju- inspira: “Havia de ser sem dúvida um dos mais o Homem, Rio, 1963, ed. INL, p. 35.
rídicas romanas(3): a dos proculeianos, cujo belos combates, uma das mais bonitas formas
nome homenageia Próculo, e cujo primeiro da luta pela existência”. Nilo Batista
chefe foi Antístio Labeão, e a dos sabinia- Para solucionar tal problema, o paradig- Prof. titular de Direito Penal da UERJ
nos ou cassianos, liderada em seus pródro- ma salomônico: “Mas afinal era possível uma
mos por Ateius Caputo. A acreditarmos em conciliação, partindo-se exatamente ao meio, e da UCAM e presidente do Instituto
Pompônio(4), Labeão (que teria recusado distribuindo-se com toda a justiça os papéis dos Carioca de Criminologia
convite de Augusto para ser cônsul, e passa- pretendentes: aos médicos, os filhos de Adão;
va a metade de cada ano ensinando e a ou- aos juristas, as filhas de Eva”.
tra metade escrevendo, e teria assim produ- Resolvida a questão da competência PALESTRA
zido nada menos que 40 livros — para a inspeção da puberdade, Tobias O IBCCRIM realizará palestra so-
quadringenta volumina) era, pela excelência muda o tom. “Abandonemos, porém, esta bre o Tribunal Penal Internacional,
de seu engenho e confiança na doutrina ordem de considerações, mesmo porque se re-
TOBIAS PEDÓFILO

que será ministrada pelo professor


(ingenii qualitate et fiducia doctrinae) um ferem a uma matéria que (...) não está ao Horst Fischer (Alemanha).
inovador (plurima innovare instituit); ao alcance de todos; só os raros iniciados, os pou- Data: 10/03/03
contrário, Ateius era mais conservador, cos que destoam da pureza e seriedade do Horário: 19h00
mantendo-se nas noções que recebera (quae meio social em que vivemos é que podem Local: Auditório da RT - Rua Tabatin-
ei tradita fuerant, perseverabat). bem compreendê-la.” A crítica à hipocrisia guera, 140 - 1º andar - São Paulo -SP.
Epígonos dessas duas escolas divergiram dos costumes de seu tempo é ácida e eviden- Informações e inscrições na Seção de
quanto ao procedimento para estabelecer a te: tal sociedade “da pureza e seriedade”, Comunicação e Eventos - tel: (11) 3105-
puberdade. A prática antiga era de consta- prossegue ele, “não agüenta a expressão de 4607 r. 153 ou 144 ou através do e-mail:
tação — digamos assim — empírica da pre- certas verdades”. Seria licencioso que al- eventos@ibccrim.org.br
sença de pêlos pubianos, para ambos os se- guém dissesse “poeticamente” de uma “bela

14 BOLETIM IBCCRIM - ANO 11 - Nº 124 - MARÇO - 2003

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