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30 de Outubro de 2020

A transição epistemológica de Tobias Barreto na Escola de


Recife

Do Ecletismo Espiritualista ao Monismo Germânico

Introdução
O presente artigo tem como objetivo fazer um apanhado da evolução
epistemológica de Tobias Barreto, acompanhado pela Escola do Recife,
desde sua entrada na Faculdade de Direito do Recife, quando ainda era
adepto ao ecletismo espiritualista até a sua adoção do monismo
germânico, que serviu como base para criar seu culturalismo,
característica forte da Escola do Recife.

Tobias Barreto foi de grande importância para a Escola do Recife e


toda a popularização da filosofia do Direito no Brasil, como
identificamos no estudo. Suas posturas, sempre críticas, em constante
salto epistemológicos, influenciavam o movimento filosófico da Escola
do Recife e dos juristas em geral de Pernambuco como um todo.

Por isso, entender a transição epistemológica de Tobias Barreto é


também entender as mudanças políticas e sociais que aconteciam no
Brasil em sua época, e entender como elas se interligam e sua
importância para a própria construção da identidade filosófica
brasileira e como os grandes pensadores do Brasil enxergavam os
problemas de sua época. Não se pode estudar a história do pensamento
filosófico e jurídico de Pernambuco, da Escola do Recife e até mesmo
do Brasil sem citar o sergipano, que, embora muitas vezes contra sua
vontade, carregou consigo tanta polêmica devido ao seu desejo de
sempre tomar partido em algo.

Um ponto contra, porém, é a escassez de material tangível para uma


análise mais profunda do autor, o que me fez recorrer, sempre, ao
resgate de trechos presentes em outros livros, dos quais comentam
fases específicas de Tobias Barreto, como o Estudos de Filosofia de
Paulo Marcadante e Antônio Paim e a obra A Escola do Recife, também
do historiador Antônio Paim.

Resumo
Tobias Barreto foi um sergipano nascido em 7 de junho de 1839, que,
devido aos seus estudos sempre junto à igreja, ingressou na Faculdade
de Direito de Recife aos 25 anos carregado com a filosofia espiritualista
de Cousin. Do qual, posteriormente, se mostra discordante em muitos
pontos, influenciado pelo surgimento de novas ideias no Brasil, o que
acarretará no seu rompimento total com essa corrente filosófica. À
partir disso, o jurista passa por uma transição epistemológica que vai
do positivismo de Comte, embora nunca tenha aderido de forma
integral, até o monismo germânico de Hegel e Heackel, que serviu de
base para o seu culturalismo, característica da Escola do Recife.

Palavras-chave: Tobias Barreto, Escola do Recife, filosofia,


Direito, Ecletismo Espiritualista, Positivismo, Monismo,
Hegel, Heackel.

A Escola do Recife e Tobias Barreto


Ao romper-se com os grilhões do colonialismo Português, o Brasil, que
antes não necessitava de uma fonte de pensamento próprio, já que seus
problemas eram questões políticas da Metrópole, e, portanto, seus
juristas, políticos e filósofos eram, na maior parte, oriundos da
Universidade de Coimbra, passa, à partir de 1822 com a sua
independência, a germinar seus próprios pensadores, juristas e
políticos, para que tratem das questões sociais do novo país, que
diligenciava sua própria identidade.

Deste modo, em 11 de agosto de 1827, através de uma lei imperial


projetada desde 31 de agosto de 1826, foi fundada a Faculdade de
Direito de Olinda, que posteriormente seria transferida para Recife e a
Faculdade de Direito de São Paulo. Esta primeira, tivera grande
influência das correntes filosóficas francesas, italianas, holandesas,
portuguesas e alemães, fundando, à partir disto, suas próprias
concepções filosóficas, adequando-se aos problemas e temas discutidos
no Brasil. Nomes como Artur Orlando, Clóvis Beliváquia, Fausto
Cardoso, Castro Alves, Celso de Magalhães, Capistrano de Abreu,
Franklin Távora, Carneiro Vilela, Inglês de Souza, Domingos Olímpio,
Luís Guimarães, Plínio de Lima, Santa Helena Magno e Souza Pinto e,
claro, o autor que aqui pretendemos desenvolver, Tobias Barreto,
foram os pioneiros e principais representantes da corrente filosófica
que viria a se chamar Escola do Recife (1870).

Tobias Barreto de Menezes, nascido em Sergipe no dia 7 de junho de


1839, filho de Pedro Barreto de Menezes e Emerenciana Maria de
Menezes, ingressou em 1864, aos 25 anos na Faculdade de Direito do
Recife, onde, muito influenciado pelos autores alemães, adotara o
monismo como base epistemológica e logo iniciou seus estudos e
escritos filosóficos, ainda muito influenciado pelo espiritualismo de
Vicor Cousin, graças a seus estudos realizados junto ao Frei Itaparica.

Do ecletismo espiritualista à adesão


ao positivismo
O ecletismo espiritualista, corrente filosófica surgida na França, com os
católicos, cujo maior divulgar era o filósofo Victor Cousin, da qual
considerava a alma sensível; e a vontade e a razão como manifestações
ativas, foi recebida no Brasil com certo entusiasmo, tendo Gonçalves
Magalhães como principal representante nacional desta corrente. Seu
principal objetivo era tentar unir as teorias científicas da época com o
espiritualismo religioso, utilizando o que se considerava correto e não
contraditório dos sistemas já existentes e unindo-os, deixando de lado
tudo o que não era contraditório entre si.[1]

Os primeiros anos do qual Tobias Barreto demonstrara seu interesse


filosófico coincidem com o momento de maior efervescência política no
Brasil, com o denominado “Surto de Ideias Novas”, devido à guerra
com o Paraguai, do qual Tobias foi demasiadamente influenciado, ao
passo que também exerceu notáveis contribuições. Este momento
histórico exigiu novas posturas e interpretações que a escolástica já não
satisfazia, pois, o Direito Natural fruto da grosseira comparação entre o
Direito e uma moral objetiva universal para os tomistas bastante
dogmáticos na época, não era útil. Em 1868, em seu primeiro artigo
filosófico denominado “Guizot e a escola espiritualista do século XIX”
Tobias Barreto incube-se a missão de refutar as críticas de Guizot ao
ecletismo espiritualista[2], defendendo-o do então hegemônico
pensamento de Tomás de Aquino, do qual considerava mumificado em
manuais tresandando a sacristia[3]. O ecletismo espiritualista de
Cousin era amplamente aclamado, inclusive pela Escola do Recife,
como forma de manter a coerência com o tomismo, corrente filosófica
de São Tomás de Aquino, da qual era predominante no meio religioso
católico. Tobias Barreto (1868) reconhecendo a incompatibilidade de
ambos os sistemas, criticando Guizot e a escolástica, diz:

“Não obstante as diversas tendências particulares que o livre


pensar há tomado em nossa época, a tendência geral do século é o
espiritualismo. [...]

A escola espiritualista não foi tímida; pelo contrário, combatendo o


sensualismo, ela mostrou que a existência das ideias absolutas não
é obra dos sentidos, é um dado da razão, uma manifestação de
Deus, ou uma revelação; faltou-lhe a palavra, não lhe faltou a
intenção “

No ano seguinte, em 1869, já formado, e ao filiar-se ao Partido Liberal,


Tobias Barreto funda o seu periódico chamado “O Americano”, do qual
tece duras críticas religiosas e divulga artigos que fazem o mesmo,
acarretando numa série de polêmicas com os católicos da época. Estes
dois acontecimentos, embora sejam críticas ao pensamento tomista
considerado ultrapassado pelo autor, também demonstram uma já
discordância com o ecletismo espiritualista, quando ainda no seu artigo
“Guizot e a escola espiritualista do século XIX” Tobias Barreto critica o
método psicológico usado pelos ecléticos para se estudar a natureza da
mente humana, pois de acordo com ele, é louvável os espiritualistas
darem o primeiro passo ao cientificismo preconizando a observação
como principal método para estudar os objetos de forma
pretensamente objetiva, porém, para a mente humana, falta-lhe o
caráter objetivo e passível de observação, portanto o método usado nas
ciências naturais não deveria ser usado para estudar o homem
internamente e o mundo intelectual. Estas discordâncias,
posteriormente, acarretariam no seu abandono completo do ecletismo
espiritualista. Tobias Barreto (1868) diz:

“Aqui, as leis e forças da natureza são conhecidas, ou melhor,


concebidas por meio da indução, com a precedência dos fatos
particulares que se observam. Ali, pelo contrário, o eu que diz –
penso, isto é, sinto, quero, conheço, movo-me etc., é uma força que
se sente, que se conhece a si mesma”[4].

Para marcar seu abandono completo da corrente filosófica de Cousin,


em 1869 Tobias Barreto pública duas novas obras, a primeira delas
dedicada a criticar uma outra obra, chamada Fatos do Espírito
Humano, de Gonçalves de Magalhães, e a outra denominada “Sobre a
religião natural de Jules Simon”. Ambas criticam duramente o
ecletismo espiritualista e sua falta de tenacidade em tomar partido das
mudanças e novas discussões filosóficas, considerando-os “por um
lado, meros repetidores de velhas e banais verdades, coloridas pelo
talento literário; por outro lado, incapazes de ações, cuja resultante é o
progresso histórico, os modernos espiritualistas são homens de meio-
termo”.[5]

Deste modo, Tobias, junto à Silvio Romero, puxam a Escola do Recife


para dentro do positivismo, utilizando magnificamente o seu teor
revolucionário de contradição ao status quo da escolástica metafísica,
que mesmo dentro da Faculdade de Direito do Recife traziam grande
resistência aos cientificistas, o que faz Tobias ser odiado pelos
magistrados da época, que representavam o status quo, ao passo que
era aclamado pelos alunos, que representavam o anseio por mudança e
o amor pela ciência. Nesta época a Escola do Recife emerge nos estudos
da sociologia, política e ciência no geral de forma séria e objetiva,
buscando novos olhares para a resolução dos problemas da época.

O rompimento com o positivismo


Ao contrário de outros centros intelectuais brasileiros, o positivismo
não perdurou em Recife, principalmente na Escola do Recife, onde a
postura crítica de Tobias Barreto viera desde muito cedo, considerando
equivocada a afirmativa de que a “a verdadeira e modestíssima
metafísica” estaria morta[6], inclusive, em seu artigo “Sobre a religião
natural de Jules Simon”, anteriormente citado, do qual tece críticas à
corrente filosófica de Cousin, o sergipano sai em defesa da importância
da metafísica. Fazendo o mesmo no interessante artigo “O Atraso da
Filosofia entre Nós”, responsável por criticar a obra Lições de Filosofia
Elementar, de Soriano de Sousa. Já é possível identificar essa crítica no
seu rompimento com o ecletismo espiritualista, onde Tobias Barreto
comumente dá destaque ao papel da filosofia devido à falta de
objetividade em certas áreas da ciência, principalmente a psicologia,
dos quais seria loucura querer atribuir-lhes leis e estudos dogmáticos
como as ciências da natureza. Desde seus primeiros estudos
epistemológicos do positivismo, Tobias Barreto já criticava seu caráter
dogmático, com particular discordância com a Lei dos três estágios, de
Comte. Ainda em seu artigo “Sobre a religião natural de Jules Simon”,
diz:

“Não nos enganamos, quando aderimos firmemente ao pensamento


da escola de Augusto Comte, na parte relativa ao desdém da
teologia.

[...]
Tendo em alta estima a concepção grandiosa da escola positivista,
fazemos contudo algumas reservas que julgamos importantes; e
não podemos, por conseguinte, declarar-nos seu fiel discípulo.”
(TOBIAS BARRETO, 1869).

Contudo, a adesão ao positivismo foi de suma importância para


combater os discursos filosóficos e políticos existentes na época, que
eram hegemonicamente racistas, oligarcas e conservadores. Como
exemplo o seu famoso “Discurso em Mangas de Camisa” de 1877,
Tobias exige uma postura de política científica do Partido Liberal do
qual era filiado[7], se posicionando em prol da antropologia científica,
dos abolicionistas e ferrenho defensor do Estado laico. Podemos
considerar, portanto, que sua adesão parcial ao positivismo teve como
objetivo, principalmente, uma guerra contra o conservadorismo
filosófico carregado da moralidade cristã, da qual era a ideologia
dominante na época.

Tendo completado o seu rompimento epistemológico com o


positivismo, Tobias Barreto mergulha cada vez mais nos autores
germânicos, como Hegel, Haeckel e Kant, aderindo ao monismo.

Tobias Barreto e o monismo


germânico
Essa última fase, do qual embora bem curta Tobias leve como
influência para a criação do seu culturalismo, teve início em 1882, no
período em que este lança sua dissertação e as obras “A relatividade de
todo conhecimento” (1885) e “Introdução ao estudo do direito”
(1887/88), quando o sergipano se introduz no pensamento monista de
Hegel e Haeckel, do qual engloba todo o mundo e suas relações num
único todo, um Uno, de acordo com Hegel, onde o foco agora passa a
ser suas relações fenomênicas.[8] Esta adesão iria influenciar também
toda a filosofia do Direito que se popularizara no país.
Como sempre, numa postura crítica, Tobias Barreto, em seu artigo
“Glosas heterodoxas a um dos motes do dia, ou variações anti-
sociológicas” discorda de Haeckel à medida que este, de acordo com o
sergipano, cede de forma imprudente à Indução mecanicista,
reduzindo o estudo filosófico à análise da relação de causalidade entre
dois objetos fenomênicos. Afirma que os objetos não passariam de um
estado à outro de forma pura e mecânica, isto não seria evolução, e que
é necessário entender o sentimento que dá vida a essa dialética. Tobias
Barreto (1881) diz:

“quando se atravessa toda a série de seres organizados e chega-se a


formações superiores, como o homem, a família, o Estado, a
sociedade em geral, o mecanicamente inexplicável já ao é um resto.
O que há de restante, exiguamente restante é a parte do
mecanismo, a parte do movimento”[9]

Esta discordância, porém, não significa um abandono ao monismo e


sim uma rejeição à interpretação mecanicista de Haeckel. Podemos
identificar, nos seus escritos posteriores, uma inclinação à dialética
hegeliana e a sua visão do movimento como causa das mudanças dos
fenômenos do universo, que é Uno e um Todo. Em sua obra Introdução
ao Estudo do Direito, ele diz:

“pelo caminho da análise, procurando remontar às simples causas


fundamentais, pode tudo na natureza ser induzido sob o conceito do
movimento... Os fenômenos do universo, ao menos os que caem sob
os nossos sentidos, por mais incongruentes que pareçam entre si,
são todos redutíveis, como frações diferentes, a um mesmo
denominador” (TOBIAS BARRETO, 1887)

Considerações Finais
Podemos identificar, dessa forma, como a transição epistemológica de
Tobias Barreto e suas posturas críticas, influenciaram a Escola do
Recife como um todo. E que sua inquietude intelectual o fez saltar de
correntes filosóficas, as vezes com certa polêmica devido a sua postura
crítica, mas sempre carregando um pouco de uma para a outra, como
numa dialética.

Algo que se mostra invariável, porém, é sua postura inclinada à ciência


e filosofia como forma de romper com o status quo intelectual e
político de sua época. Tobias Barreto se utiliza dos seus estudos
filosóficos como arma para denunciar o conservadorismo e
reacionarismo de sua época, numa posta quase que revolucionária.

O descontentamento com a ideologia dominante do seu momento


histórico, e dos problemas políticos que passava, acentuou a sua
inquietude filosófica, fazendo-o buscar sempre algo novo, uma postura
nova, um olhar novo, uma nova filosofia. Tobias Barreto era um
filósofo da mudança, e que, indubitavelmente, era uma das principais
influências da Escola do Recife como um todo.

Referências bibliográficas
· Barroso, Marco A. A Influência do Espiritualismo Eclético para
a Filosofia do Brasil.

· PAIM, Antônio. A Escola do Recife.

· SUCUPIRA, Newton. Tobias Barreto e a filosofia Alemã.

· MERCADANTE, Paulo e PAIM, Antônio, Estudos de Filosofia.

· BACCHI, Graziela. Tobias Barreto e a Crítica Moderada ao


Positivismo.

· HEGEL, Fredrich. Fenomenologia do Espírito.


[1] Barroso, Marco A. A Influência do Espiritualismo Eclético para a
Filosofia do Brasil

[2] PAIM, Antônio. A Escola do Recife, pag 10.

[3] SUCUPIRA, Newton. Tobias Barreto e a filosofia Alemã. Rio de


Janeiro, editora Gama Filho, 2001, p.67

[4] Estudos de Filosofia, organizados por Paulo Mercadante e Antônio


Paim (2ª edição; Grijalbo/INL, 1977, p. 43-47).

[5] Estudos de filosofia, p. 75-101.

[6] BACCHI, Graziela. Tobias Barreto e a Crítica Moderada ao


Positivismo, p. 9.

[7] Estudos de filosofia, p. 10.

[8] HEGEL, Fredrich. Fenomenologia do Espírito.

[9] PAIM, Antônio. A Escola do Recife.

Disponível em: https://mateusv.jusbrasil.com.br/artigos/504858791/a-transicao-epistemologica-


de-tobias-barreto-na-escola-de-recife

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