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ABSTRACT: This work aims to analyze the position of the law in the face of
damage of diffuse origin resulting from the cancel culture, a phenomenon of
predominant expression in the web environment, which consists of denunciations
1
Graduando em Direito – FACISA/UNIVIÇOSA. Bacharel em Comunicação Social – FAGOC.
Especialista em Gestão da Comunicação nas Organizações – FAGOC. e-mail:
josebrunojb@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2776039816025075. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-0701-0925.
Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito 36
Constitucional. 2
Curitiba, 201x, vol. xx, n. xx, p. xxx-xxx, mês-mês, 201x.
ESPAÇO PARA INDICAR NOME DO AUTOR
(SOMENTE NA VERSÃO DEFINITIVA, SE O ARTIGO
FOR APROVADO) INFORMAÇÃO INCLUÍDA PELA
EQUIPE DA REVISTA
1. INTRODUÇÃO
2. A CULTURA DO CANCELAMENTO
nas quais o artista fazia referência de forma irônica e repleta de sarcasmo à tentativa
de boicote (NOBILE, 2013).
Como já exposto, há algumas diferenças relevantes entre os dois casos
relatados e o que tem sido chamado hoje de cultura do cancelamento. Apesar do
caso envolvendo o cantor Tom Zé ter acontecido há relativamente pouco tempo e
ter tido como lugar o ambiente web, a ele falta uma característica que tem sido
determinante no cancelamento: o fato de que este, ainda que espontâneo, visa
determinado fim e as suas ações são voltadas ao atingimento deste objetivo. Há,
portanto, não mera exposição de opinião ou mero somatório de cobranças e críticas
individualizadas, há um engajamento.
O caso do cantor Wilson Simonal, apesar de não ter acontecido no ambiente
web (o que é um fator determinante, como será visto adiante), possui mais
semelhança com o que ocorre na cultura do cancelamento. O rompimento de
contratos e o apagamento midiático, que foram vivenciados pelo artista, são hoje os
principais meios que o cancelamento usa para cobrar posições ou retratações e para
silenciar determinados discursos.
Em matéria publicada pela BBC News Brasil, a jornalista Mariana Sanches
(2019) explica como a cultura do cancelamento funciona:
contratantes. A exposição, como o próprio nome diz, visa dar visibilidade à conduta
condenável, e o que se busca é o engajamento do maior número de pessoas possível.
Neste processo pode-se identificar dois tipos de agentes, o que cria o conteúdo ou
variações dele e o que apenas o compartilha.
Há inegavelmente um aspecto positivo neste fenômeno, visto que em não
raras vezes empresas e indivíduos se viram pressionados a repensar posturas
reprováveis. Além disso, grupos antes excluídos do debate social ganharam
oportunidade de fala e suas reivindicações, somadas, umas a inúmeras outras,
passaram a chegar aos altos escalões de empresas e governos. Este é um aspecto do
fenômeno que merece ser estudado, mas não pela ciência jurídica. O aspecto que
necessita da atenção do Direito é o aspecto negativo, aquele que envolve um
possível dano causado ao indivíduo que se encontra na condição de vítima das
chamadas exposições.
Nem sempre as exposições são baseadas em fatos, pois a velocidade
característica do ambiente web nem sempre torna possível uma apuração adequada
daquilo que está sendo exposto. Elas podem ainda decorrer de uma interpretação
equivocada de um texto ou de uma fala e até mesmo de uma declaração retirada de
seu contexto original. A exposição pode causar danos de difícil reparação ao
indivíduo, danos estes que podem ser de natureza psicológica, moral e até mesmo
material.
Apesar da cultura do cancelamento distinguir em aspectos relevantes do
simples linchamento virtual e do chamado cyberbullyng, é importante compreender
estes conceitos, visto que a ocorrência deles não só pode ser confundida com o
cancelamento, como pode vir atrelada a ele. Karen Tank Mercuri Macedo (2016,
on-line), em relevante estudo sobre o tema, distingue inicialmente o linchamento
virtual do chamado cyberbullyng, fenômeno também ocorrido no ambiente web, que
foi conceituado por Patchin e Hinduja (2006, apud STELKO-PEREIRA &
WILLIAMS, 2010, p. 52) como:
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Uma carta sobre justiça e debate aberto, em tradução livre.
Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito
37 Constitucional.
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Curitiba, 201x, vol. xx, n. xx, p. xxx-xxx, mês-mês, 201x.
ÉTICA, VELOCIDADE E PROCESSO PENAL: APORTES CRÍTICOS
DESDE A CRIMINALIDADE ECONÔMICA
passíveis de serem causados a eles. Espera-se que esta tratativa traga as respostas
para os dois questionamentos formulados no parágrafo anterior.
ser qualificada como subjetiva ou interna, quando ela trata do decoro e da estima
própria; ou como objetiva ou externa, quando ela diz respeito ao juízo que o olhar
alheio faz de um individuo e da forma com que este olhar valora a personalidade
deste indivíduo.
Clayton Reis (2019, p. 110) observa que a constitucionalização dos danos
extrapatrimoniais teria deslocado o eixo “do excessivo patrimonialismo do passado
para, na pós-modernidade, realçar a pessoa humana como centro de valores que
devem ser protegidos contra ofensas”. Deste modo, a possibilidade de indenização
dos danos extrapatrimoniais ou morais constitui uma “ampla proteção ao patrimônio
imaterial do sujeito de direito” (REIS, 2019, p. 115).
Maria Helena Diniz (2014, p. 108) conceitua o dano moral como “a lesão de
interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art. 52; Súmula 227
do STJ), provocada pelo fato lesivo”. O que distingue o dano moral do dano
patrimonial para a autora é o critério do interesse ou do efeito da lesão jurídica. Esta
definição permite que se aceite como dano moral o dano que decorre indiretamente
de outro dano de natureza material.
Já Carlos Riberto Gonçalves (2019, p. 247) define o dano moral como aquele
“que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio”. Ele acrescenta
ainda que é o tipo de lesão que afeta “os direitos da personalidade, como a honra, a
dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc. [...] e que acarreta ao lesado
dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
Gonçalves (2019) defende que o que se deve reputar como dano moral é a
dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que ao fugir da normalidade interfira
no psicológico do indivíduo. Diniz (2014, p. 111) pontua, no entanto, que apesar
destes males serem requisitos do dano moral, este não se confunde com eles, pois “o
direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem
decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse
reconhecido juridicamente”.
A reparação do dano moral teria para Diniz (2014) dupla natureza, penal e
compensatória, compensatória em relação à vítima e penal por constituir encargo a
ser suportado pelo causador do dano. Reis (2019) leciona que a função primordial é
a compensatória, porém, de acordo com ele, dadas as novas demandas e a
plasticidade/mobilidade da responsabilidade civil no tempo, a reparação acaba por
adquirir também a condição de instrumento de desestímulo de comportamentos
ofensivos.
Para que se possa compreender o desafio que os danos de origem difusa
representam para o ordenamento, é pertinente que se avalie também as formas
existentes de reparação do dano. Reis (2019) reconhece que o condão da reparação
do dano moral não é o de reconstituir um patrimônio da vítima, o que se busca é
proporcionar a ela alguuma satisfação, por isso, em regra, a modalidade de
reparação usada é a pecuniária, o que não obsta que se recorra a outras formas de
reparação, como, por exemplo, a retratação pública feita pelo ofensor.
No caso do dano de origem difusa decorrente da cultura do cancelamento,
tão importante quanto a reparação de natureza pecuniária é a adoção de medidas
outras que façam cessar o fato gerador do dano, ou que ao menos atenue os seus
efeitos. Dadas as características dos fluxos de comunicação no ambiente web, é
importante que tais medidas desincentivem novas ocorrências do fato danoso e,
quando se tratar de calúnias ou informação falsa sobre a pessoa cancelada, que elas
façam com que a informação correta ou o contradito tenham tempo similar de
exposição e alcance o mais próximo o possível do obtido pelo conteúdo danoso.
(II) inviolabilidade do sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por
ordem judicial, na forma da lei; e (III) inviolabilidade e sigilo de suas comunicações
privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.
Na Sessão que trata da proteção aos registros, aos dados pessoais e às
comunicações privadas, a Lei nº 12.965 dispõe em seu art. 10 sobre “a
obrigatoriedade da observância da preservação da intimidade, da vida privada, da
honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas” (BRASIL, 2014),
e ainda que o provedor responsável pela guarda de tais dados estaria obrigado a
fornecer tais registros em caso de determinação judicial e somente nesta hipótese.
Conforme o art. 11 da mesma lei, todos os provedores que exercessem no
Brasil ao menos uma das seguintes atividades: coleta, armazenamento, guarda e
tratamento de registros; estariam obrigados a cumprir o disposto na legislação
nacional sobre a matéria, estando sujeitos, no caso de descumprimento, conforme
art. 12, às sanções previstas nesta lei (advertência, multa, suspensão e proibição),
sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas.
De acordo com o art. 18, o provedor, no entanto, “não será responsabilizado
civilmente por dano decorrente de conteúdo gerado por terceiro” (BRASIL, 2014,
on-line), salvo quando não tornar o conteúdo indisponível em duas hipóteses: no
prazo determinado por decisão judicial específica (art. 19), ou após o recebimento
de notificação do participante ou de seu representante legal quando se tratar de
divulgação sem autorização de material contendo cenas de nudez ou de ato sexual
de caráter privado (art. 21).
Nas disposições que tratam de questões processuais, o Marco Civil da
Internet traz a necessidade de que o conteúdo apontado como infringente seja
identificado de forma clara e específica, de modo que se permita sua localização
inequívoca (art. 19, § 1º).
As causas que tratarem de dano à honra ou aos direitos da personalidade
poderão ser apresentadas nos juizados especiais (art. 19, § 3º), sendo que nestes
casos o juiz poderá conceder tutela antecipada parcial ou total se existir prova
inequívoca do fato, desde que presentes os requisitos de verossimilhança do que se
alega e receio fundado que ocorra dano irreparável ou de difícil reparação, devendo
o juiz considerar também o interesse social na manutenção do conteúdo publicado
(art. 19, § 4º).
A lei traz ainda a possibilidade de processo coletivo no polo ativo para a
defesa dos direitos assegurados por ela, todavia é silente em relação à possibilidade
de processo coletivo no polo passivo, que poderia ser útil no caso de danos de
origem difusa.
submetidos.
No capítulo que trata dos direitos dos titulares, o diploma dispõe, mais
precisamente no art. 17, que “toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de
seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de
intimidade e de privacidade” (BRASIL, 2018, on-line) e ainda que o titular dos
dados pessoais tem o direito a obter do controlador, pessoa a quem compete as
decisões sobre o tratamento dos dados, mediante requisição, dentre outras coisas, a
anomização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou
tratados em desconformidade com o disposto na lei, eliminação dos dados pessoais
tratados com o consentimento do titular após o término da relação, salvo nas
hipóteses previstas na própria lei, conforme art. 18, §§, V e VI.
esta propagação estão geograficamente distantes entre si, o que tem sido uma
realidade comum dada a já abordada natureza da comunicação no ambiente web.
Algumas perguntas permanecem sem resposta satisfatória: como precisar
quantas vezes um assunto que se torna viral foi publicado ou compartilhado por
veículos de imprensa e por indivíduos atomizados? Como definir quem será ou não
processado? Como identificar todos os responsáveis? Como evitar que o mesmo
conteúdo continue a ser propagado? E, o mais importante, como recorrer ao
judiciário nestes casos?
Surge então outro questionamento: pode-se falar em eficácia social das
normas presentes no direito material? Alexy ajuda a responder a esta última
pergunta, ao defender que a validade social de uma norma “pode ser reconhecida
com o auxílio de dois critérios: o da observância e o da punição da não
observância”. Ao tratar deste elemento do direito, Alexy (2018, p. 102) defende
que:
qual o nível de aplicação dos princípios deve ser o máximo possível considerando
três máximas: “da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos
gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento
propriamente dito)”.
Conforme o que já se mostrou, o problema da eficácia social das normas de
direito material que conferem proteção aos direitos da personalidade no caso
específico dos danos de origem difusa não está relacionado ao conflito com outros
princípios, trata-se, neste caso, da falta de instrumentos processuais adequados.
Deste modo, há uma evidente limitação das possibilidades jurídicas, que, contudo,
não deve ser analisada como algo já determinado, como ocorreria no caso do
conflito com outro princípio que limitasse a extensão daquele protegido por estas
normas.
A limitação jurídica, que decorre da falta de instrumentos processuais
adequados, também não deve ser analisada como um fenômeno isolado, as
possibilidades fáticas devem ser levadas em consideração e isso inclui o
reconhecimento das peculiaridades dos fluxos de comunicação na web. A oferta de
uma solução viável para a questão que se encontra posta passa necessariamente pelo
reconhecimento da insuficiência de dispositivos processuais e pela compreensão de
que o ordenamento pode preencher a lacuna existente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
interessar ao direito.
Quando os limites são extrapolados, a cultura do cancelamento se confunde
com o linchamento virtual, um tipo de justiçamento que se aproveita da velocidade
das comunicações nas redes e de um relativo anonimato. A própria natureza da
comunicação na web torna a reparação um tanto difícil, principalmente quando o
conteúdo danoso viraliza. A rapidez com que a informação é disseminada, aliada à
multiplicidade de emissores, faz com que seja necessário agir rápido para minimizar
os efeitos danosos daquele conteúdo.
A análise da posição do direito diante do dano de origem difusa decorrente
da cultura do cancelamento passa necessariamente pela investigação da extensão do
efeito dos princípios da dignidade da pessoa humana e da autodeterminação
informativa no ordenamento pátrio.
O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe que cada indivíduo
seja tratado não como meio, mas como fim em si mesmo, tendo reconhecido e
protegido o valor intrínseco, que decorre do simples fato dele ser humano. Alçado
pela Constituição de 1988 à condição de fundamento da república, a dignidade
humana emana da carta maior para todo o ordenamento.
O segundo princípio, o da autodeterminação informativa, é em si uma
decorrência do primeiro, ele trata da liberdade que cada indivíduo deve ter de
decidir quais, dentre os seus dados pessoais, são sensíveis e devem ser protegidos.
Deste princípio decorre parte dos direitos da personalidade, dentre eles o direito à
privacidade, e os dispositivos presentes no ordenamento para a tutela de tais
direitos.
Da análise dos dispositivos presentes tanto no direito material quanto no
direito processual, percebe-se que a dificuldade em reparar o dano de origem difusa
não decorre de carência ou lacuna no direito material. Os dispositivos presentes,
tanto em diplomas civis quanto penais, abarcam pela abrangência os diversos tipos
de danos e preveem tipos adequados de reparação ou indenização do dano causado.
REFERÊNCIAS
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. 799p.
PAIVA, Carlos Eduardo Amaral de. Wilson Simonal: Vida e obra de um superastro
negro. Ideias, v. 8, n. 2, p. 57-82, 2017. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8651249>.
Acesso em 15 fev. 2021.
REIS, Clayton. Dano moral. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. 444p.