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UNIDADE 4

SOCIOLOGIA E
ANTROPOLOGIA
O DESENVOLVIMENTO DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL

AUTOR
Danilo Eustáquio de Oliveira
Filho
UNIDADE 4
O desenvolvimento da antropologia no Brasil

No Brasil, a antropologia surgiu entre as décadas 1930 e 1940. Muitos aspectos


favoreceram seu surgimento e desenvolvimento no Brasil, e acabaram por
caracterizar o pensamento antropológico brasileiro por um longo período.

Podemos considerar o alemão Curt Nimuendajú (1883–1945), nascido Curt


Unckel, o “pai da Antropologia brasileira”. Tido como um expoente em estudos
indígenas no País, o etnólogo dedicou mais de 40 anos de sua vida ao estudo dos
povos indígenas brasileiros. Sem formação acadêmica, mudou-se para o Brasil
aos 20 anos e, dois anos depois, juntou-se aos Apapokuva, povo guarani do
interior de São Paulo (atualmente conhecido como Nhandeva).

A partir dessa imersão, que deu origem à obra As len- das da criação e destruição
do mundo como fundamentos da religião dos Apapocúva-Guarani, publicada em
1915, começa o desenvolvimento da etnologia brasileira. Incialmente, a
antropologia era reconhecida por sua prática e, assim, considerada uma
etnologia.

Podemos, portanto, considerar que, inicialmente, a antropologia se desenvolveu a


partir de duas tradições:

1. a etnologia indígena, na qual o nome de Curt Nimuendajú é, sem dúvida,


referência;

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2. a Antropologia da Sociedade Nacional, cujo expoente é Gilberto Freyre. Isso


ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930, quando a profissão de antropólogo e o
campo da antropologia ainda não estavam bem definidos no Brasil. Embora, nos
anos 1930 e 1940, Lévi-Strauss e Radcliffe-Brown tenham lecionado no Brasil,
eles não são tidos como atores do desenvolvimento da antropologia. Sabe-se,
porém, que suas obras tiveram impacto nas décadas seguintes, como afirma
Cardoso de Oliveira (1988, p. 230–231):

“[...] o certo é que a absorção de suas ideias se daria nas gerações seguintes pela
leitura de seus livros. Nesse caso, destaca-se a influência de Lévi-Strauss a partir
dos anos 1960, enquanto a de Radcliffe-Brown (salvo engano) restringiu-se aos
anos 1940 e 1950”.

Ao fazermos uma genealogia da antropologia no Brasil, deparamo-nos com


tradições também inventadas. Esse é um fato importante a ser considerado, uma
vez que o distanciamento do pesquisador nem sempre foi possível.

Percebe-se, muitas vezes, considerações um tanto distantes de nossa realidade.


Nesse sentido, podemos citar a percepção de nossos índios como “selvagens”, de
acordo com a interpretação de Lévi-Strauss.

Para Corrêa (1988, p. 80) as tradições aqui inventadas, se não o foram apenas por
estrangeiros, tiveram uma forte participação deles nessa invenção: se olharmos
atentamente o mapa etnológico de Curt Nimuendaju, quase poderemos ver as
sombras dos pesquisadores que as estudaram projetando-se sobre os contornos
das comunidades indígenas por eles estudadas até a década de 40, projeção que
nos ajudaria mais, entretanto, a entender a distribuição deles, pesquisadores,
num território disciplinar comum, do que a de seus objetos de interesse.

Como sabemos, o trabalho etnográfico do antropólogo consiste em inserir-se na


comunidade e, com certo distanciamento, observar os hábitos e costumes de
determinada cultura. Observar e interpretar sem adjetivar, porém, talvez seja
bastante difícil depois de muitos anos inserido na mesma comunidade.

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O início da caminhada da antropologia no Brasil

Até a década de 1930, aqueles que faziam antropologia no Brasil não eram
formados na área e, por isso, são referidos como cronistas, pois não realizavam o
trabalho etnográfico. Contudo, por meio de suas crônicas, forneceram-nos bons
registros de observações, ainda que sem controle ou orientação metodológica,
pois não havia cientistas sociais na época. Nesse período, como afirma Melatti
(1983, p. 5):

[...] não existe a formação acadêmica de etnólogo no Brasil. Os estudiosos


brasileiros que dão contribuições nessa área são médicos, juristas, engenheiros,
militares ou de outras profissões. Mesmo os etnólogos que vêm do exterior são
formados em centros de pesquisa de criação recente, pois a Antropologia era
então ramo novo das ciências, mesmo na Europa. Alguns deles são também de
outras áreas acadêmicas e que, tendo-se interessado pela Etnologia, procuraram
aperfeiçoar-se nos centros que a cultivavam.

Como ainda não tínhamos a presença de cientistas sociais, alguns termos foram
utilizados de forma diferente daquela compreendida hoje, como acontece com a
etnologia, por exemplo, cuja definição e classificação atuais podem ser
observadas no Quadro 1. Contudo, por um longo período no Brasil, chamou-se
de etnólogo aquele pesquisador que estudava as tribos indígenas.

A história do surgimento da antropologia no Brasil pode ser dividida em três


momentos, compreendidos entre as décadas de 1930 e 1960.

Segundo Corrêa (1988, p. 80) os três momentos são, eles mesmos, exemplares:
Nas décadas de trinta e quarenta, com a chegada do cinema falado (como lembra
Almir de Castro, 1977), entrou também no país a modernidade da língua inglesa
— belas cartas de amigos de Eduardo Galvão, dos Estados Unidos durante a
Segunda Guerra, sugerem o impacto do modo de vida norte-americano sobre os
brasileiros, assim como o registram os cronistas da época.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Na década de cinqüenta, o espírito de desenvolvimento vigente no país se


expressou também na institucionalização dás ciências sociais e, na década
seguinte, muitas das iniciativas dos anos anteriores amadureceram, não obstante
os obstáculos políticos conhecidos. A seguir, abordaremos esses momentos a
partir da história da antropologia e com foco nas contribuições de alguns
antropólogos, utilizando, como exemplo, o trabalho de Melatti. Certamente, não
poderemos abarcar toda a história da antropologia brasileira. Então,
destacaremos a etnologia, pois há mais trabalhos e registros nessa área.

Assim, cabe ressaltar que começaremos pelo período anterior ao identificado


como inicial por Corrêa (1988), pois vamos considerar os cronistas e o período
dedicado à etnologia (como a compreendiam àquela época). Após, abordaremos
a antropologia e os antropólogos até os anos 1930, dos anos 1930 aos anos 1960
e, por fim, dos anos 1960 em diante.

Os principais antropólogos brasileiros e suas contribuições

A antropologia no Brasil, como comentamos, começa com pesquisadores


autodidatas, sem formação na área, uma vez que ainda não existia a pro- fissão
no Brasil. Contudo, mesmo sem formação acadêmica na área, esses
pesquisadores fizeram descobertas bastante relevantes, e seus registros nos
permitem compreender melhor os índios, os negros e os sertanejos.

Antigamente, os pesquisadores se mantinham atentos ao problema interétnico,


que acabou sendo abordado por todas as gerações de antropólogos brasileiros,
considerando os recursos disponíveis em cada época (MELATTI, 1983). Entre
esses pesquisadores, podemos citar, por exemplo, Antônio Gonçalves Dias.

Antônio Gonçalves Dias integrou a Comissão das Borboletas, comissão científica


que participou de uma expedição exploradora às províncias do Brasil setentrional
projetada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). A expedição, que
partiu em 1859, ficou mais tempo no Ceará, mas Gonçalves Dias foi para a
Amazônia, onde se dedicou aos estudos linguísticos e a coleções etnográficas.

Embora tenha feito parte dessa comissão, Gonçalves Dias não possui registros
históricos nem publicações acerca de levantamentos da expedição.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Possui escritos que datam desse período, mas se trata de pesquisas de base
bibliográfica, entre as quais se destacam: “Amazonas”, trabalho publicado na
Revista do IHGB em que apresenta e discute o problema das mulheres guerreiras
que dão nome ao Rio Amazonas, e “Brasil e Oceania”, no qual faz referência aos
cronistas, apresenta uma descrição dos índios do litoral brasileiro e das
populações da Oceania e discute o problema da civilização cristã.

Merece destaque José Vieira Couto de Magalhães, militar e presidente das


províncias de Goiás e de Mato Grosso. O político se interessou pelo estudo dos
indígenas durante sua empreitada acerca da navegação regular a vapor do
Araguaia ao Tocantins.

Entre seus estudos, os mais conhecidos são Viagem ao Araguaia (1863) e O


selvagem (1876). Além das figuras já mencionadas, cabe destacar João Barbosa
Rodrigues, botânico e responsável pelas informações de diversos grupos
indígenas da Amazônia e pelo primeiro contato amistoso com os Krixaná, no ano
de 1884. Rodrigues tinha interesse pelo curare, além de pelas lendas e cantigas
amazônicas em língua geral (língua Tupi que fora modificada e usada pelos
colonizadores) e pelos muiraquitãs.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Outra figura de destaque foi o engenheiro Antônio Manoel Gonçalves Tocantins,


que publicou, em 1877, Estudos sobre a tribo “Mundurucú”, pequena monografia
acerca dos vários aspectos do modo de vida dos Munduruku (família, agricultura,
guerra, conservação das cabeças dos inimigos, pintura de corpo, feitiçaria, mitos
etc.). Gonçalves Tocantins visitou essa tribo em 1875, o que o motivou a abordar
também:

“[...] importantes problemas do contato interétnico, como relações dos índios


com os missionários, destes com a população civilizada, o comércio com os
regatões” (MELATTI, 1983, p. 6).

Destaca-se, também, o engenheiro, militar e jornalista Euclides da Cunha, que


relatou os sertanejos de Canudos e os do Sudoeste da Amazônia, uma vez que os
conheceu pessoalmente.

Obviamente, sua obra não ficou isenta de comentários e críticas. Entre seus
críticos, estão Gilberto Freyre, Clovis Moura, Dante Moreira Leite e Thomas
Skidmore.

Além dos autores já mencionados, cabe acrescentar dois autores responsáveis
pelos primeiros estudos sobre o negro no Brasil: o desenhista e arquiteto Manuel
Raimundo Querino e o médico Raimundo Nina Rodrigues. Manuel Raimundo
Querino, descendente de africanos, foi responsável por minuciosas descrições
das tradições de origem africana, enquanto Nina Rodrigues deixou, em seu
legado, contribuições acerca da diversidade de culturas trazidas pelos escravos e
seus locais de origem na África. Contudo, aderiu às noções (comuns na época) de
inferioridade e superioridade racial

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

No período inicial da antropologia no Brasil, havia grande interesse de


pesquisadores alemães na população indígena. Houve vários, mas o primeiro e
mais famoso foi Karl von den Steinen, que deixou a psiquiatria para se dedicar à
etnologia por influência de Bastian. Karl von den Steinen, como destaca Melatti
(1983, p. 8):

“[...] em sua expedição de 1884 descobriu os grupos indígenas xinguanos e foi o


primeiro a descer o rio Xingu desde seus formadores até a foz. Numa segunda
expedição, de 1887 a 1888, voltou a visitar os xinguanos”. Há vários outros
pesquisadores alemães, mas optamos por mencionar apenas Steinen, por ser o
primeiro e o mais famoso.

As preocupações evolucionistas e difusionistas foram abandonadas somente nas


décadas de 1920 e 1930, no que se refere às pesquisas com índios. O número de
pesquisadores alemães também vai diminuindo, mas a maioria dos
pesquisadores continua sendo estrangeira, embora alguns acabem se
estabelecendo no Brasil ou em países vizinhos.

Entre esses pesquisadores de origem alemã e que se radicaram no Brasil,


destaca-se Curt Nimuendajú, como mencionamos anteriormente, considerado o
“pai da antropologia no Brasil”.

Nimuendajú se destaca no estudo das sociedades indígenas devido à extensão de


seu trabalho e, também, pela dedicação com que o realizou. Sua produção vai
desde obras mais extensas sobre os Guarani, os Xerênte, os Canelas, os Apinayé
e os Tukúna, até outros trabalhos acerca da língua, da mitologia, da história, de
diversos grupos indígenas, além de um mapa etno-histórico dos índios do Brasil,
com uma enorme lista de referências aos materiais consultados.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Nimuendajú se correspondia com o antropólogo Robert Lowie, nascido em Viena,


mas radicado nos Estados Unidos.

O diálogo com Lowie preencheu, em parte, as lacunas de sua formação


acadêmica, mas a contribuição não foi apenas por meio da correspondência:
Lowie traduziu e providenciou traduções para o inglês das principais monografias
de Nimuendajú, chamando a atenção para a importância do estudo das
sociedades Jê.

Em sua autobiografia, mencionou a correspondência e intitulou o capítulo 9o de


“Trabalho de campo realizado A distância”, o que talvez demostre sua influência
no trabalho realizado por Nimuendajú. Além disso, é importante salientar a
contribuição do trabalho etnográfico dos missionários salesianos nesse período:
Antônio Colbacchini, César Albisetti e Ângelo Jayme Venturelli.

Guardadas as devidas proporções, os trabalhos dos salesianos se aproximam


daquele realizado por Nimuendajú, uma vez que demostram certo cuidado na
descrição, preocupam-se com a organização social e evitam os antigos temas
evolucionistas e difusionistas, ainda que não tivessem orientação teórica.
Contudo, diferentemente de Nimuendajú, eles se concentraram no estudo dos
Borôro e, por conta de seu trabalho confessional, por meio da catequese, eram
atores de mudança social, intervindo e alterando crenças e costumes.

Antropologia no Brasil: dos anos 1930 aos anos 1960

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Esse período tem seu início marcado pela criação da primeira Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras do Brasil, na também recém-criada Universidade de
São Paulo (1934). Na mesma época, nasce a primeira Escola de Sociologia e
Política. A partir da criação da Universidade, houve a necessidade de contratação
de professores da área, até então não existente no Brasil, motivo pelo qual foram
contratados professores estrangeiros.

Segundo Melatti (1983, p. 11) para fazer frente à necessidade de professores,


foram contratados vários mestres estrangeiros. Desse modo, Roger Bastide,
Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss passaram a trabalhar na primeira, enquanto
Herbert Baldus, Donald Pierson, na segunda, onde esteve como professor
visitante, por breve período durante a Segunda Guerra Mundial, Radcliffe-Brown.

Também no Rio de Janeiro criava-se a Universidade do Distrito Federal, onde


Gilberto Freyre assumiu em 1935, como seu primeiro professor, a cátedra de
Antropologia Social e Cultural; ocupou também a cátedra de Sociologia, enquanto
Arthur Ramos ficava com a de Psicologia Social. A maioria dos professores de São
Paulo vinha da Europa, mas a maior influência nas pesquisas e nos estudos era
norte-americana. Nesse período, havia um profundo interesse norte-americano
pelos países da América Latina, entre eles o Brasil.

Tal influência se dava não apenas pelos docentes que aqui ministravam, mas
também pela presença dos primeiros pesquisadores norte-americanos, cujo
objeto de estudo eram as sociedades indígenas, as religiões afro-brasileiras ou
pequenas comunidades, e por conta dos jovens brasileiros que iam estudar nos
Estados Unidos.

Em 1941, foi fundada a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, cujo


primeiro presidente foi Arthur Ramos. Em 1942, publicou um Manifesto contra o
racismo. Em 1955, a Sociedade deu lugar à Associação Brasileira de Antropologia
(ABA).

Florestan Fernandes (1956) nos apresenta uma excelente avaliação acerca do


desenvolvimento da etnologia durante este período. Segundo Cardoso de Oliveira
(1988), Nimuendajú (na etnologia indígena) e Gilberto Freyre (na Antropologia da
Sociedade Nacional) desempenharam seus papéis como “heróis civilizadores”.

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Contudo, se o período no qual se inserem Nimuendajú e Freyre, segundo


Cardoso de Oliveira (1988) pode ser considerado o que ele chama de “Período
Heroico”, o período em que se insere Darcy Ribeiro é chamado de “Período
Carismático”. É importante esclarecer que a divisão e a classificação da história da
antropologia do Brasil são realizadas por Cardoso de Oliveira (1988), segundo as
categorias de cultura e estrutura (Quadro 2).

Foi entre os anos 1930 e 1960 que se desenvolveram os estudos acerca das
interpretações gerais do Brasil e os estudos de mudança social, cultural e/ou
aculturação, e quando houve a predominância do funcionalismo no estudo das
culturas e sociedades indígenas.

Durante as décadas de 1940 e 1950, foram realizados os chamados estudos de


comunidade, nos quais se realiza a observação direta de pequenas cidades ou
vilas, utilizando as técnicas desenvolvidas pela etnologia no estudo das
sociedades tribais.

Exemplo de aculturação: Quando um índio utiliza elementos linguísticos e


culturais de outra cultura para se expressar, por qual processo cultural podemos
dizer que ele passou? Sem dúvida, é possível afirmar que ele passou por um
processo de mudança cultural, que ocorre a partir da difusão (empréstimo) de
traços entre culturas. Ela pode ser direta (espontânea) ou forçada, dependendo
da situação. Esse processo é chamado, pelos antropólogos, de aculturação, e se
trata do intercâmbio permanente de traços culturais entre grupos em contato
contínuo.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Houve, ainda, a abordagem funcionalista do folclore. Entre os vários trabalhos,


destacam-se aqueles realizados por Florestan Fernandes e a pesquisa de Cristina
Argenton Colonelli, cuja bibliografia arrolou cerca de 4.919 trabalhos sobre o
folclore brasileiro (MELATTI, 1983). Salienta-se a importância de Gilberto Freyre,
Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta para a
antropologia no Brasil, mas suas contribuições serão abordadas na seção
seguinte, em que vamos falar da identidade brasileira e da antropologia a partir
dos anos 1960.

A construção da identidade brasileira na imensa diversidade cultural e


geográfica do País

Anteriormente, a cultura foi mencionada como uma das categorias inves- tigadas
pelos antropólogos, ou seja, como um dos objetos de estudo da antropologia.
Antes de falarmos da identidade brasileira e de sua diversidade cultural, cabe
aclarar o conceito de cultura. A cultura engloba o comportamento habitual e as
crenças que são passadas por meio da enculturação. É baseada na capacidade
humana de aprendizagem cultural e inclui regras de conduta internalizadas pelos
seres humanos.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Outros animais aprendem, mas somente os seres humanos têm aprendizagem


cultural, que depende de símbolos. Ela possui aspectos tangíveis (objetos e
símbolos) e intangíveis (ideias e normas), e é uma das principais, se não a
principal, característica da identidade de um povo (KOTTAK, 2013). Pode haver
diferença entre as culturas? Sim, a diferença entre culturas se dá pelos elementos
que a constituem e compõem o conceito de identidade cultural. Por isso vale a
pena saber a diferença entre alguns conceitos:

A enculturação é o processo pelo qual uma criança aprende sua cultura. A


enculturação informal vem da família e de amigos, enquanto a enculturação
formal vem da escola.

A cultura é apreendida por meio dos processos de socialização, com agentes de


socialização, e os processos primários são realizados pelas instituições: família,
escola e instituição religiosa. Por sua vez, a endoculturação é um processo de
aprendizagem no meio da cultura em que se vive, de modo que, consciente ou
inconscientemente, o indivíduo (ou grupo social) apreende e incorpora os
elementos culturais pertinentes (MARCONI, 2010).

Muitos antropólogos brasileiros contribuíram para a compreensão e a


caracterização da identidade brasileira, tanto para a forma como é compreendida
no Brasil quanto para a forma como é vista por estrangeiros. Seus estudos
acabam, muitas vezes, por abordar a nossa identidade.

Nesse sentido, destaca-se o estudo de Roberto DaMatta intitulado “O que faz o


brasil, Brasil?” (1986). Nessa obra, DaMatta nos apresenta a nós mesmos e aos
outros por meio de nossas festas populares, nossas manifestações religiosas,
nossa literatura e arte, enfim: tudo aquilo que nos é próprio e capaz de definir
nossa identidade nacional, apesar da absurda diversidade cultural do Brasil.

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SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Cabe observar, porém, que os olhares dos antropólogos se voltaram para a


sociedade brasileira muito antes de DaMatta. Uma das mais famosas obras de
interpretação do Brasil é Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre (embora
tenha sido responsável por disseminar a falsa ideia de que havia democracia
racial no Brasil).

Além desse livro, outras importantes obras publicadas foram: Sobrados e


mocambos (1936) e Ordem e progresso (1959), fora uma série de trabalhos
paralelos. Entre os temas abordados em suas obras, estão a família patriarcal e o
Nordeste. Ainda no que se refere à diversidade cultural do povo brasileiro, é
necessário mencionar que os processos culturais são vivenciados em todos os
âmbitos sociais, são dinâmicos, possibilitam trocas sociais e podem ocorrer de
modo concomitante.

O antropólogo Roberto Da Matta (1987) nos lembra que a sociedade brasileira é


relacional, pois nela se concretiza a síntese de modelos advindos de diferentes
sociedades.

A tríade majoritária que compôs a base da sociedade brasileira — os indígenas,


os europeus e os africanos — compartilhou, de forma mais tensa ou me- nos
tensa, crenças, valores, hábitos, gostos, sentidos, pensamentos que resultaram
em novas manifestações culturais.

Um deles é o candomblé. Essa é uma religião que foi trazida com os negros
escravizados no Brasil, e, sendo o país colonizado por portugueses católicos, as
práticas religiosas do Candomblé eram reprimidas. Assim, seus praticantes, em
seus ritos religiosos, disfarçavam a devoção aos seus deuses se direcionando aos
santos da religião católica.

Com o tempo, essa religião foi contraindo características próprias e seus


elementos rituais englobaram aspectos da cultura caipira e da cultura indígena
(BARROSO et al., 2017b, p. 64).

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Portanto, no Brasil, a fé também ocupa um importante papel identitário. Assim, o


processo descrito por Barroso et al. (2017b) é um processo cultural bastante
comum em nosso País e que, em certa medida, acaba por nos definir como
sociedade brasileira: o sincretismo, ou seja, a reunião de doutrinas diferentes,
com a manutenção de traços perceptíveis das doutrinas originais. Esse processo
cultural se dá a partir do imbricamento de diferentes elementos culturais no
âmbito religioso e se torna característico no Brasil, por sua diversidade cultural.

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DICA DO
PROFESSOR
Esse vídeo mostra como os antropólogos começaram seus estudos no brasil e a
cultura popular. Vamos lá conferir?

https://www.youtube.com/watch?v=IdoVBmcB1yI

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EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
1) É comum, em um país como o Brasil, com grande diversidade cultural, que haja
intercâmbio entre as diferentes culturas.

Considerando esse intercâmbio, a assertiva que contém o conceito


correspondente ao intercâmbio permanente de traços culturais entre grupos em
contato contínuo é:

A) enculturação.

B) aculturação.

C) sincretismo.

D) etnocentrismo.

E) relativismo cultural.

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EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
2) ____________ foi considerado um expoente em estudos indígenas no País,
dedicou mais de 40 anos da sua vida ao estudo dos povos indígenas brasileiros e
é considerado "o Pai da antropologia brasileira".

O nome que preenche corretamente a lacuna, considerando o que fora


apresentado no excerto, é:

A) Darcy Ribeiro.

B) Florestan Fernandes.

C) Euclides da Cunha.

D) Curt Nimuendajú.

E) Gilberto Freyre.

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EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
3) Considere o texto a seguir, no qual a autora aborda Casa-grande & senzala:
"Como o povo brasileiro era composto por povos oriundos de três origens
distintas — indígenas, europeus e africanos —, muitos estrangeiros acessavam
informações da relação entre esses povos a partir da produção da literatura
brasileira sobre o assunto. E um dos livros de referência foi a obra Casa-grande &
senzala, do sociólogo Gilberto Freyre. Ali, ele apresentou os negros escravizados
desfrutando de certo conforto material, beneficiando-se de regalias e até sendo
vistos como pessoas de confiança dos senhores e das sinhás. Portanto, esse livro
deixou de lado os horrores do trabalho compulsório e da relação de submissão
dos escravizados, fazendo crer que houvesse uma miscigenação generalizada,
tranquila e natural entre os índios, brancos e negros [...] (BARROSO, 2017, p. 82).

Considerando o texto, é possível afirmar que ele aborda a polêmica em torno do


livro de Gilberto Freyre, que ficou conhecida como:

A) o mito da democracia racial.

B) o mito do relativismo cultural.

C) o mito da escravidão no Brasil.

D) o mito da antropologia.

E) o mito da democracia religiosa.

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EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO

4) "O antropólogo Roberto Da Matta (1987) nos lembra que a sociedade brasileira
é relacional, pois nela se concretiza a síntese de modelos advindos de diferentes
sociedades. A tríade majoritária que compôs a base da sociedade brasileira – os
indígenas, os europeus e os africanos – compartilhou, de forma mais tensa ou
menos tensa, crenças, valores, hábitos, gostos, sentidos, pensamentos que
resultaram em novas manifestações culturais" (BARROSO et al., 2017, p. 64).

Considere o excerto acima e assinale a assertiva que, de acordo com Da Matta,


corresponde a um exemplo das sínteses concretizadas no Brasil:

A) O catimbó.
B) A umbanda.
C) A cabula.
D) O toré.
E) O candomblé.

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EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
5) Considerando os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural, analise o
excerto a seguir: “Os índios andam nus sem nenhuma cobertura. Vivem em
aldeias com 7 ou 8 casas. Cada casa está cheia de gente, e nela cada um tem sua
rede de dormir armada. Não há, entre eles, nenhum Rei, nem Justiça, somente em
cada aldeia tem um principal que é como capitão, ao qual obedecem por vontade,
e não por força. [...] Esse principal tem três ou quatro mulheres [...] Não adoram
coisa alguma nem acreditam que há depois da morte glória para os bons e pena
para os maus. Assim, vivem bestialmente sem ter conta, nem peso nem medida”
(GANDAVO, 2008). A partir da análise do excerto e de sua relação com os
conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural, considere as assertivas a
seguir:

I. O excerto apresenta uma situação de relativismo cultural. II. O relativismo


cultural, assim como o etnocentrismo, caracteriza-se pela emissão de juízos de
valor por parte
do pesquisador.
Considerando as assertivas, é correto afirmar:
A) Ambas são verdadeiras, mas não se relacionam.
B) Ambas são falsas, mas se relacionam.
C) Ambas são verdadeiras e se complementam.
D) A primeira é falsa, e a segunda é verdadeira.
E) A primeira é verdadeira, e a segunda é falsa.

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ANOTAÇÕES

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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, P. F. Cultura e identidade brasileira. In: BARROSO, P. F.; BONETE, W. J.; QUEIROZ, R.
Q. de M. Antropologia e cultura. Porto Alegre: Sagah, 2017a. p. 69–78.
BARROSO, P. F.; BONETE, W. J.; QUEIROZ, R. Q. de M. Antropologia e cultura. Porto Alegre:
Sagah, 2017b.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O que é isso que chamamos de antropologia brasileira? In:
________________. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro/Brasília: Tempo
Brasileiro/CNPQ, 1988. p. 109–129. (Biblioteca Tempo Universidade, 83).
CORRÊA, M. Traficantes do excêntrico. In: ___________. Traficantes do simbólico & outros ensaios
sobre a história da antropologia. Campinas: Unicamp, 2013. p. 15–34.
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
KOTTAK, C. P. Um espelho para a humanidade: uma introdução à antropologia cultural. 8. ed.
Porto Alegre: AMGH, 2013.
MARCONI, M. de A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2010.
MELATTI, J. C. A antropologia no Brasil: um roteiro. Brasília: UNB, 1983. (Série Antropologia).

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GABARITO
1) B - Foi entre os anos 1930 e 1960 que se desenvolveram os estudos acerca das interpretações
gerais do Brasil e os estudos de mudança social, cultural e/ou aculturação, e quando houve a
predominância do funcionalismo no estudo das culturas e sociedades indígenas.

2) D - pai da Antropologia brasileira”. Tido como um expoente em estudos indígenas no País, o


etnólogo dedicou mais de 40 anos de sua vida ao estudo dos povos indígenas brasileiros. Sem
formação acadêmica, mudou-se para o Brasil aos 20 anos e, dois anos depois, juntou-se aos
Apapokuva, povo guarani do interior de São Paulo.

3) A - Uma das mais famosas obras de interpretação do Brasil é Casa grande e senzala, de Gilberto
Freyre (embora tenha sido responsável por disseminar a falsa ideia de que havia democracia racial
no Brasil). Além desse livro, outras importantes obras publicadas foram Sobrados e mocambos
(1936) e Ordem e progresso (1959), fora uma série de trabalhos paralelos.

4) E - O candomblé. Essa é uma religião que foi trazida com os negros escravizados no Brasil, e,
sendo o país colonizado por portugueses católicos, as práticas religiosas do Candomblé eram
reprimidas

5) B - São falsas as afirmativas

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