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CONSTRUÇÃO DE ESTADOS – Francis Fukuyama

Cap 3. Estados fracos e legitimidade internacional

Quem tem o direito ou a legitimidade para violar a soberania de outro estado, e


para que fins? Existe uma fonte de legitimidade internacional que não dependa da
existência e da força de estados-nação soberanos? Se não existe, o ataque à soberania
não se torna um empreendimento que contradiz a si mesmo? Serão abordados esse
conjunto de problemas relacionados.
Desde o fim da Guerra fria, estados fracos ou falidos passaram a ser o problema
mais importante para a ordem internacional. Esses estados comentem abusos dos DH,
provocam desastres humanitários e etc. desde 11 de setembro, também ficou claro que
eles dão abrigo a terroristas internacionais.
No período de queda do Muro de Berlim, em 1989, e o 11 de setembro de 2001,
crises internacionais se alastraram pelos países falidos como Bósnia, Kosovo e Ruanda.
A comunidade internacional inteveio de várias maneiras – com freqüência, tarde demais
e com recursos insuficientes- e em vários casos acabou literalmente assumindo a função
de governança dos protagonistas locais.
Com relação às operações terroristas globais, as formas tradicionais de
intimidação ou contenção não funcionam contra este tipo de agente não-estatal, e assim
as questões de segurança exigem buscas dentro de estados e mudanças em seus regimes
para evitar o surgimento de futuras ameaças. O problema do estado falido, é que de um
momento para outro, tomou uma importante dimensão de segurança.
Entre as causas básicas do tumulto no Oriente Médio, estão a falta de
democracia, de pluralismo e de uma participação popular significativa na política do
mundo árabe. A região estava economicamente estagnada. Como em outras partes do
mundo em desenvolvimento, grande parte desta estagnação podia ser atribuída à
governança deficiente por parte de estados que desencorajavam o espírito empreendedor
e os mercados eficientes.

O novo império

A lógica da política externa americana a partir de 11 de setembro está levando o


país para uma situação na qual ou ele assume a responsabilidade pela governança do
estados fracos ou joga o problema para a comunidade internacional. O governo bush
articulou, no discurso do presidente de junho de 2002, uma doutrina de prevenção, ou
melhor, de guerra preventiva, que colocará os EUA em condições de governar
populações potencialmente hostis em países que os ameacem com terrorismo. Isto
aconteceu no Afeganistão em 2001.
É claro que os EUA não irão intervir diretamente com suas próprias forças em
cada estado do mundo em que terroristas operem, devendo, então, se basear na
capacidade dos próprios estados de controlar sozinhos o terrorismo. Portanto, os EUA,
voltam precisamente às perguntas enfrentadas pelos organismos internacionais de
desenvolvimento, de como estimular externamente a construção de estados em países
com sérias deficiências internas.

A erosão da soberania

A governança fraca prejudica o princípio da soberania, porque os problemas que


os estados fracos geram para si mesmos e para outros estados aumentam em muito a
probabilidade de que outro membro do sistema internacional decida unilateralmente
intervir nos seus negócios para resolver o problema pela força. Aqui o termo fraco, se
refere à força do estado, significando falta de capacidade institucional para implementar
políticas e forçar o respeito a estas, com freqüência causada pela subjacente falta de
legitimidade do sistema político como um todo.
Nos debates sobre intervenção humanitária, foi dito que o sistema de Westfália
não era mais uma estrutura adequada para as relações internacionais. Foi dito que o fim
da Guerra Fria havia gerado na comunidade mundial um consenso muito maior a
respeito dos princípios de legitimidade política e DH. A soberania e, portanto, a
legitimidade, não podiam mais ser automaticamente conferidas ao detentor do poder em
um país. No caso de países como Somália ou Afeganistão ou Sérvia, não podiam se
esconder atrás do princípio da soberania para se proteger enquanto cometiam crimes
contra a humanidade. Nessas circunstancias, as potências externas, agindo em nome dos
DH e da legitimidade democrática, tinham não apenas o direito, mas também a
obrigação de intervir.
As intervenções humanitárias dos anos 1990 levaram a um poder imperial
internacional de fato sobre os “estados falidos” do mundo. Este império internacional
pode ser bem-intencionado e baseado nos DH e na democracia, mas msm assim era um
império e estabeleceu um precedente ara a capitulação da soberania à governança por
organismos internacionais.
O problema para os EUA é que um estado sem governança pode criar ameaças
intoleráveis à segurança na forma de terroristas segurando ADM. A intimidação não
funciona quando a probabilidade do uso de ADM é substancial. O princípio da
soberania por si só nunca seria suficiente para proteger um país que desse abrigo a este
tipo de ameaça. Desse modo, a solução deste problema leva exatamente ao mesmo
resultado da intervenção humanitária: a necessidade de invadir esses países e assumir a
sua governança para eliminar essas ameaças e impedir que voltem a surgir no futuro.

A construção de nações

Como promover a governança de estados fracos, melhorar sua legitimidade


democrática e fortalecer instituições auto-sustentáveis, passam a ser o projeto central da
política internacional contemporânea. Chegamos a esta conclusão ou como resultado de
nosso desejo de reconstruir sociedades dominadas por conflitos ou dilaceradas por
guerras, ou pela esperança de que países pobres terão a chance de se desenvolverem
economicamente.
Nos EUA, este esforço ficou conhecido como construção de nações. Os
europeus, por sua vez, tendem a ser mais conscientes da distinção entre estado e nação e
destacam que a construção de nações, no sentido da criação de uma comunidade unida
por uma história e uma cultura comuns, está muito além da capacidade de uma potência
externa. Logo, precisamos examinar o que é, e o que não é, possível e entender os
limites daquilo que a ajuda externa pode realizar.
Há três aspectos, ou fases, na construção de nações. O primeiro é a reconstrução
pós-conflito em países como Afeganistão, Somália e Kosovo, onde a autoridade do
estado ruiu completamente e precisa ser reconstruída a partir do zero. Aqui o papel das
potências estrangeiras está na provisão a curto prazo de estabilidade, por meio de
infusões de forças de segurança, policiamento, ajuda humanitária e assistência técnica
para a restauração dos sistemas de eletricidade, água, bancário e assim por diante.
A segunda fase é a criação de instituições estatais auto-sustentadas que possam
sobreviver à retirada da intervenção externa. Fase muito mais difícil que a primeira. O
terceiro aspecto coincide em parte com o segundo. Está ligado ao fortalecimento de
estados fracos, onde a autoridade existe de forma razoavelmente estável, mas n
consegue executar determinadas funções, como a proteção dos direitos de propriedade
ou a provisão do ensino básico.
Os EUA e a comunidade internacional têm um histórico irregular em relação a
lidar com estados falidos na primeira faze da reconstrução ou estabilização pós-conflito.
Os EUA e outros países cometeram muitos erros no Panamá, Somália, Haiti e Bósnia,
na organização dessas atividades, mas também houve algum aprendizado.
Embora a comunidade internacional tenha tido sucesso limitado no trato com
reconstruções pós-conflitos, seu histórico é muito menos impressionante no caso do
segundo estágio de reconstrução.
Nem os EUA, nem a comunidade internacional têm feito muitos progressos na
criação de estados auto-sustentados em qualquer dos países que decidiram reconstruir.
A comunidade internacional, inclusive várias ONGs, dispões de tantos recursos e
capacidades que tende a eliminar, em vez de complementar, as fracas capacidades
estatais dos países visados. Isto significa que, embora as funções de governança sejam
desempenhadas, a capacidade local não cresce e os países em questão provavelmente
irão reverter às suas situações anteriores uma vez que a comunidade internacional perca
seu interesse ou passe para a próxima área em crise.
Não estamos dizendo que essas intervenções externas não foram válidas, já que
elas vieram em resposta a crises humanitárias ou a graves situações posteriores a
conflitos. O sucesso da construção de nações é, em geral, medido por uma métrica
menos exigente, como a recuperação do PIB aos níveis anteriores ao conflito ou a
realização de eleições democráticas. Como não sabemos como transferir rapidamente
capacidade institucional, estamos nos preparando – e nossos supostos beneficiários –
para grandes decepções.

Legitimidade democrática no nível internacional

Hoje, a discussão entre membros da comunidade internacional se concentra na


questão de quem decide qual soberania irá violar, e sob qual pretexto.
Embora os europeus tenham apoiado os EUA na esteira dos ataque de 11 de
setembro, houve uma grande onda de críticas e, em muitos casos, de antiamericanismo
no período posterior ao término da guerra no Afeganistão, no final de 2001. Grande
parte dessas manifestações se concentrou em acusações de unilateralismo americano.
Os oponentes europeus do unilateralismo americano afirmaram que têm
procurado construir uma genuína ordem internacional baseada na lei, adaptada às
circunstancias do mundo posterior à GF. Esse mundo, livre de conflitos ideológicos
agudos e da competição militar em larga escala, abre muito mais espaço para consenso,
diálogo e negociação como maneiras para a solução de disputas. Os europeus estão
horrorizados com o anúncio, pelo governo bush, de uma doutrina quase ilimitada de
prevenção contra terroristas ou os estados que os patrocinam, pela qual os EUA
sozinhos decidem qnd e onde usar a força.
É difícil afirmas que os europeus têm um histórico muito melhor que o dos EUA
com respeito a multilateralismo em assuntos econômicos. Ambos violaram regras
internacionais quando lhes foi conveniente, afirmando, ao mesmo tempo, a importância
de uma ordem internacional baseada em regras.
As disputas mais sérias sobre unilateralismo estão na área da segurança e vêm
dominando a pauta desde 11 de setembro.
Os americanos tendem a não ver nenhuma fonte de legitimidade democrática
mais alta que o estado-nação democrático constitucional. Uma organização
internacional como a ONU tem legitimidade porque maiorias democráticas devidamente
constituídas lhe concederam essa legitimidade por meio de um processo inter-
governamental negociado. Esse legitimidade pode ser retirada a qualquer momento
pelas partes contratantes.
Em contraste, os europeus tendem a acreditar que a legitimidades democrática
flui da vontade de uma comunidade internacional muito maior do que qualquer estado-
nação isolado. Esta comunidade internacional não será incorporada concretamente numa
única ordem constitucional democrática global, mas ela confere legitimidade às
instituições internacionais existentes, que as incorporam em parte.
Segundo Robert Kagan, os europeus gostam de leis e normas internacionais pq
são muito mais fracos que os EUA e este país gosta do unilateralismo pq é muito mais
poderoso do que qualquer país ou grupo de países.
Ao contrário da maior parte das velhas sociedades da Europa, os EUA foram
fundados com base numa idéia política. Não havia povo americano, nem nação, antes da
fundação do país: a identidade nacional é cívica. Já europeu e japoneses eram povos
com histórias comuns muito antes de ser democracias. Eles têm outras fontes de
identidade além da política.
Além do estado-nação

O problema com a posição européia é que, embora esse domínio mais alto de
valores democráticos liberais possa teoricamente existir, ele está incorporado de forma
muito imperfeita em qualquer instituição internacional. O segundo problema é com a
posição européia da execução das leis. Uma grande parte das leis internacionais e
nacionais que saem da Europa consiste em listas de desejos em termos de política
social, as quais são completamente impossíveis de se fazer cumprir.
Robert Kagan fez a seguinte colocação sobre o assunto: os europeus são os que
acreditam que estão vivendo no fim da história – isto e, em um mundo em grande parte
pacífico que, cada vez mais, pode ser governado por leis, norma e acordos
internacionais. Nesse mundo, as políticas de poder e a realpolitick clássica se tornaram
obsoletas. Os americanos, em contraste, acham que ainda estão vivendo a história e
precisam, usar meios tradicionais de políticas de poder para lidar com as ameaças do
Iraque e etc.

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