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39 | 2020
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/cea/4683
DOI: 10.4000/cea.4683
ISSN: 2182-7400
Editora
Centro de Estudos Internacionais
Edição impressa
Data de publição: 1 julho 2020
ISSN: 1645-3794
Refêrencia eletrónica
Cadernos de Estudos Africanos, 39 | 2020, « Educação e Cooperação: Desafios de uma
agenda global » [Online], posto online no dia 23 setembro 2020, consultado o 01 outubro
2020. URL : http://journals.openedition.org/cea/4683 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/cea.4683
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Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
NOTA DA REDAÇÃO
Este número temático da revista Cadernos de Estudos Africanos
incide sobre Educação e Cooperação e pretende dar continuidade aos
Congressos Cooperação e Educação que, de forma regular, desde 2010
têm sido organizados pelo Centro de Estudos Internacionais do
ISCTE-IUL e o Instituto Politécnico de Leiria. O quarto congresso, que
decorreu no ISCTE-IUL entre dias 8 e 9 de novembro de 2018, teve o
apoio do Camões I.P., tal como acontece com a corrente publicação,
pelo que os organizadores exprimem o seu reconhecimento a essa
instituição. Subordinado à temática Cooperação e Educação de
Qualidade, o congresso reuniu um conjunto notável de especialistas
nesta área, entre os quais a maioria dos colaboradores desta
publicação (Barreto, Carvalho & Santos, 2019). A presente edição visa
aprofundar e desenvolver algumas das problemáticas abordadas
anteriormente nesse fórum através de estudos de caso ou reflexões
originais sobre as questões da cooperação em educação, das
implicações das políticas de língua, ou ainda sobre a perceção do
valor social dos diferentes níveis educativos. São aqui discutidas as
implicações das agendas globais no domínio da educação para os
países africanos e para Timor-Leste, recetores privilegiados das
ações da cooperação portuguesa na área da educação.
SUMÁRIO
Dossiê
BIBLIOGRAFIA
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AUTORES
ANTÓNIA BARRETO
Instituto Politécnico de Leiria (IPL)
Rua General Norton de Matos
2411-901 Leiria, Portugal
Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL)
Avenida das Forças Armadas
1649-026 Lisboa, Portugal
antonia@ipleiria.pt
CLARA CARVALHO
FILIPE SANTOS
Instituto Politécnico de Leiria (IPL)
Rua General Norton de Matos
2411-901 Leiria, Portugal
fsantos@ipleiria.pt
O Poder Simbólico e a Cooperação
Portuguesa:
Uma análise sobre o papel da
língua
The symbolic power and the Portuguese Cooperation: An analysis of the role
of the language
NOTA DO EDITOR
Recebido: 01 de abril de 2020
Aceite: 17 de julho de 2020
Considerações finais
29 A cooperação portuguesa centralizada, enquanto vertente
fundamental da política externa de Portugal, sempre deu um
especial destaque à língua portuguesa – por um lado, enquanto
instrumento de aplicação de projetos, nomeadamente na área da
educação; por outro lado, como língua a ser promovida no espaço
dos países de língua oficial portuguesa (RCM n.º 43/99, de 18 de maio;
RCM n.º 196/2005, de 22 de dezembro; RCM n.º 17/2014, de 7 de
março). Neste contexto, e como mostra esta reflexão, a língua,
enquanto estratégia de soft power da cooperação portuguesa
centralizada, e consequentemente do Estado português, cria um
enviesamento aos objetivos inerentes ao que é aceite como
cooperação para o desenvolvimento, surgindo como um sistema de
poder simbólico (Bourdieu, 2003, 2008, 2011) que perpetua relações
de colonialidade (Quijano, 1992, 2009, 2014) e de violência epistémica
(Spivak, citado em Andreotti, 2014, p. 61). A atual conjuntura da
cooperação portuguesa centralizada, com o Camões - ICL como
organismo que coordena e articula a política externa de Portugal nas
áreas da cooperação internacional, promoção da língua e cultura
portuguesas, reforça esta perspetiva.
30 Apesar de o presente artigo explorar a língua enquanto sistema de
poder simbólico, Bourdieu (2011) destaca também a arte e a religião,
aspetos que estão fora do alcance deste artigo, mas que requerem
investigação posterior. Neste sentido, seria interessante, numa
futura investigação, explorar estes dois aspetos, tendo em
consideração, no que respeita à religião, por exemplo, o papel que as
organizações nacionais de cariz social ou religioso desempenham no
âmbito de projetos/programas da cooperação portuguesa
centralizada.
BIBLIOGRAFIA
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http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/48725
NOTAS
1. No presente artigo a sigla CP diz sempre respeito à estratégia de
cooperação promovida pela administração central de carácter
bilateral que ocorre quando “um país ajuda um outro diretamente
para realização de projetos ou de programas de desenvolvimento”
(Dubois, s.d). Por esta razão, as questões inerentes à Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP) como, por exemplo, o Instituto
Internacional da Língua Portuguesa (IILP), não são abordadas.
2. Que pode ser definido como “um movimento multicultural de
povos que falam uma mesma língua, o português” (Martins, 2015, p.
10).
3. A este propósito podemos recordar a letra da música “Apili” de
José Carlos Schwarz, na qual refere “Ma tugas ruma se kargu / pa e riba
se tera / Kombatentis entra prasa / Omi di Apili bai / i bai buska mindjer
nobu / ki sibi entra ki sibi sai” (“Mas os tugas arrumaram as malas /
para voltarem para a sua terra / Os combatentes entraram na cidade
/ O marido de Apili também foi / e procurou outra mulher / mais
fina e desembaraçada”).
RESUMOS
O artigo procura analisar e refletir sobre o papel da língua portuguesa enquanto sistema de
poder simbólico na Cooperação Portuguesa promovida pela Administração Central. A
análise centra-se no período de 1999 a 2019, tendo por referência os diferentes documentos
produzidos neste período. O presente artigo é, em parte, um exercício de autorreflexão,
uma vez que os autores se posicionam como “amigos críticos” e não observadores externos
da Cooperação Portuguesa. A reflexão realizada permite inferir que a língua, enquanto
estratégia de soft power do Estado português, cria um viés aos objetivos inerentes à
cooperação para o desenvolvimento, surgindo como um sistema de poder simbólico que
perpetua relações de colonialidade.
This article aims to analyse and reflect on the role of the Portuguese language as a symbolic
power system in the Portuguese Cooperation. This analysis is focused on the period
between 1999 and 2019, based on the different documents published in this period. This
article is in some extent a self-reflection, since the authors consider themselves as “critical
friends” and not external observers of the Portuguese Cooperation. The article argues that
the Portuguese language emerges as a symbolic power system that perpetuates coloniality
relationships stemming from the fact that it is a soft power strategy from the Portuguese
state, not a development objective.
ÍNDICE
Palavras-chave: cooperação portuguesa, poder simbólico, língua portuguesa,
colonialidade, cooperação para o desenvolvimento, política externa portuguesa
Keywords: Portuguese cooperation, symbolic power, Portuguese language, coloniality,
development cooperation, Portuguese foreign policy
AUTORES
BRUNA MARTINS
RUI DA SILVA
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto
Via Panorâmica Edgar Cardoso, s/n, 4150-564 Porto, Portugal
rdasilva.email@gmail.com
LA SALETE COELHO
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Via Panorâmica Edgar Cardoso, s/n, 4150-564 Porto, Portugal
ceaup.lasaletecoelho@gmail.com
(Re)Edificação do Sistema
Educativo de Timor-Leste:
1
Evolução e desafios atuais
(Re)building the educational system of Timor-Leste: Evolution and current
challenges
Susete Albino
NOTA DO EDITOR
Recebido: 23 de abril de 2020
Aceite: 10 de junho de 2020
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da Statistica de Timor Leste – DGE
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da Statistica de Timor Leste (Censos
2015).
9 Ele permite verificar que: (i) o primeiro currículo surgiu três anos
após a independência, em 2005; (ii) a LBE foi promulgada em 2008,
com a Lei n.º 14/2008 de 29 de outubro; (iii) o Estatuto da carreira
dos educadores de infância e dos professores do ensino básico e
secundário foi aprovado em 2010, com o Decreto-Lei n.º 23/2010 de 9
de dezembro; (iv) o Plano curricular do ESTV foi publicado em 2010,
com a publicação do Decreto-Lei n.º 8/2010 de 15 de fevereiro ; (v) o
Plano curricular do 3.º ciclo do EB surgiu em 2011, com a Resolução
do Governo n.º 24/2011 de 10 de agosto; (vi) o Plano curricular do
ESG apareceu em 2011, com o Decreto-Lei n.º 47/2011 de 19 de
outubro; (vii) o Currículo nacional de base da educação pré-escolar
foi deferido em 2015, com o Decreto-Lei n.º 3/2015, de 14 de janeiro;
e (viii) o 2.º Currículo nacional de base do 1.º e 2.º ciclos do EB, com o
Decreto-Lei n.º 4/2015 de 14 de janeiro.
10 Cruzando as medidas com os programas de governo e com as
respetivas orgânicas 2 , retém-se que: (i) o II Governo procurou “dar
continuidade à melhoria das condições e da qualidade de ensino nas
escolas” (PN-RDTL, 2006, p. 1424); (ii) ao Ministério da Educação do
III Governo competiu, entre outros:
Propor a política e elaborar os projetos de regulamentação necessários às suas áreas de
tutela;
Assegurar a educação da infância, a alfabetização e o ensino;
Propor os curricula dos vários graus de ensino e regular os mecanismos de equiparação
de graus académicos (...) (Decreto-Lei n.º 4/2007, p. 1785).
11 (iii) o IV Governo, no seu Plano Governativo, elegeu a Educação como
um investimento no futuro e por isso destacou “áreas prioritárias de
intervenção, através da criação de um plano de ação orientado para a
reforma do sistema de ensino” (PCM-RDTL, 2007, p. 8). Para o efeito,
comprometeu-se, entre outros, a:
“criar infraestruturas e as condições necessárias para capacitar o pessoal docente e não
docente das escolas”;
reequacionar a “problemática da língua oficial de ensino e do ensino de outras línguas,
incluindo as línguas nacionais, o inglês e/ou o indonésio, como línguas de trabalho”;
realizar a “melhoria e o reforço do parque escolar”;
fortalecer a “política de maior retenção (diminuição do absentismo escolar) e
promoção
no ensino básico, que deverá ser gratuito para todas as crianças”;
“criar as condições para uma melhor articulação entre o Ensino Secundário Geral, o
Ensino Técnico e a Formação Profissional” (PCM-RDTL, 2007, pp. 39-40).
12 E determinou: (i) a ratificação do plano Política Nacional de Educação
2007-12: Construir a nossa nação através de uma educação de qualidade
(PNE); (ii) o aumento do orçamento para o setor em 30%; e (iii) a
aprovação de uma nova Lei Orgânica do Ministério da Educação. O
Quadro 1 explicita a evolução do sistema educativo desde 2004 3 .
13 Quanto ao Plano Estratégico Nacional da Educação 2011-2030, este veio
reforçar que a educação e a formação fomentam a melhoria das
oportunidades do povo ao ajudá-lo a:
concretizar todo o seu potencial. São também vitais para o crescimento e
desenvolvimento económico de Timor-Leste. A nossa visão é de que todas as
crianças timorenses devem ir à escola e receber uma educação de qualidade que
lhes dê os conhecimentos e as qualificações que lhes permitam virem a ter vidas
saudáveis e produtivas, contribuindo de forma ativa para o desenvolvimento da
nação. (ME-RDTL, 2011, p. 18)
Quadro 1
A educação em números (2004-2017)
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados disponibilizados no Plano Estratégico
Nacional da Educação 2011-2030 do ME, para o período compreendido entre 2004 e
2010, e na página do Ministério de Educação (EMIS), para o período compreendido
entre 2011 e 2017.
Categorias Subcategorias
- Orçamento
Ação governativa - Atenção política
- Reconhecimento da importância da educação
39 De modo geral, a maioria dos atores reconheceu que o setor não tem
merecido, por parte dos governantes, nem orçamento:
A fatia para a Educação continua muito baixa se comparada com a do I Governo…
A Educação compreendia entre 16% e 20% do Orçamento do Estado. Atualmente,
se não me engano, ronda 3%… Se se diz que a Educação é uma prioridade, tem de
se meter dinheiro no Orçamento. (Ex-ministro da Educação, Armindo Maia, E1)
Se o Governo está a definir a Educação como uma prioridade nacional, tem de
apostar [nela] seriamente… (Ex-ministro da Educação, António da Conceição, E5)
40 nem atenção política:
O primeiro desafio é que, praticamente desde 2007, a Educação não tem merecido
o apoio que deveria ter por parte do Estado. (Ex-ministro da Educação, Armindo
Maia, E1)
Isto vai exigir, por parte do governo, uma análise… Uma análise profunda do
sistema de ensino até ao mercado de trabalho. Do meu ponto de vista… Senão,
daqui a nada… Nós estamos a tentar entrar na ASEAN e, se conseguirmos ser
membro da ASEAN, aí não sei onde vamos parar… Não sei onde vão parar os
nossos formados. (Ex-ministro da Educação, Armindo Maia, E1)
Eu penso que, como disse no início, nós, os timorenses, e isso especialmente na
Educação, temos de começar a fazer uma reflexão profunda e contextualizar a
Educação… (Ex-ministro da Educação, António da Conceição, E5)
41 nem o devido reconhecimento:
A Educação, quando falamos de Educação, falamos do desenvolvimento humano,
é crucial. Se não damos atenção suficiente ao desenvolvimento humano, sempre
podemos ter tudo… Podemos ter as melhores infraestruturas do mundo, as
melhores facilidades do mundo, mas, sem recursos humanos prontos para isso,
vamos ter de convidar outros para aqui… Voltamos à dependência. (Ex-ministro
da Educação, Armindo Maia, E1)
Timor-Leste é um país jovem e situado numa ilha, mas também uma nação pós-
conflito. [Como tal,] deve reconhecer a importância da Educação, da formação, da
ciência e da cultura, e nelas investir fortemente, não só para desenvolver um
Estado economicamente próspero e sustentável, como também uma nação
tolerante, justa e informada… Uma nação onde qualquer cidadão pode ter a
oportunidade de receber instrução e participar, de forma plena, no processo de
desenvolvimento do seu país. (Ex-ministro da Educação, João Câncio Freitas, E3)
A Educação é essencial e, por isso, é preciso apostar nela… (Ex-ministro da
Educação, António da Conceição, E5)
Áreas-chave Recomendações
Considerações finais
48 Até à independência, o sistema educativo de Timor-Leste era uma
réplica dos sistemas dos países que ocuparam o território, o que
explica o facto de a premência da sua reforma ter surgido ainda
durante a administração transitória. Após 20 de maio de 2002, esta
aspiração prevaleceu, procurando-se “aumentar a qualidade da
Educação e garantir a equidade de acesso de todos os timorenses aos
diversos níveis de ensino” (ME-RDTL, 2007, p. 11).
49 Da análise efetuada ao longo deste artigo, conclui-se que a
escolarização e a qualificação têm constituído um dos eixos da ação
governativa. No entanto, apesar dos progressos registados, múltiplos
e complexos continuam a ser os desafios que à esfera educativa se
colocam. Este artigo trouxe à luz alguns desses desafios,
nomeadamente: (i) o número elevado de crianças e jovens não
escolarizados; (ii) as elevadas taxas de abandono escolar; (iii) o
número insuficiente de docentes e o elevado rácio de alunos por
professor; (iv) as baixas qualificações dos docentes; (v) a carência de
infraestruturas; e (vi) o impacto limitado das medidas
implementadas.
50 Reconhece-se que os resultados na Educação exigem tempo, um
investimento contínuo e políticas coerentes. Estes, num contexto sui
generis como o da RDTL, adquirem proporções ainda mais
acentuadas, tendo em conta que mais de metade da população tem
menos de 20 anos e que o país necessita de recursos humanos
qualificados. Como sublinhou o ex-primeiro-ministro Rui Maria de
Araújo, “são os indivíduos, e é a sociedade, que vão construir uma
nação e permitir que ela se desenvolva e avance” (ME-RDTL, 2017, p.
24).
51 Urge, portanto, que os governos priorizem o investimento na
Educação e que as recomendações do 3.º Congresso Nacional da
Educação instituam as premissas à elaboração dos programas dos
próximos governos, dos orçamentos do Estado, dos planos
estratégicos e dos projetos de cooperação internacional para o
desenvolvimento.
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RESUMOS
Timor-Leste, enquanto nação independente, nasceu num quadro marcado pelo reforço da
interação entre o local e o global e apresenta várias características peculiares: vivenciou um
período de administração transitória por parte da Organização das Nações Unidas,
necessitou de edificar um Estado e um sistema educativo de raiz e experienciou uma fase de
forte dependência externa. Este artigo tem como escopo observar a evolução do sistema
educativo do país e os desafios que atualmente se colocam ao setor. Na presente abordagem
não é equacionado o ensino superior. As considerações explicitadas têm como suporte: (i) a
Constituição da RDTL; os programas de governo; planos estratégicos; a Lei de Bases da
Educação e normativos; e relatórios nacionais e dos parceiros de desenvolvimento; (ii)
dados estatísticos do Ministério da Educação, da Direção-Geral de Estatística do Governo e
dos Censos de 2004, 2010 e 2015; e (iii) as perceções de seis decisores políticos.
AUTOR
SUSETE ALBINO
NOTA DO EDITOR
Recebido: 09 de junho de 2020
Aceite: 06 de julho de 2020
Metodologia
30 Como já foi referido, este artigo foi realizado com base numa tese de
doutoramento, em que se optou por uma abordagem de natureza
qualitativa (interpretativa), de entre os paradigmas comummente
utilizados na investigação em educação (Bogdan & Biklen, 1996;
Cohen et al ., 2007), assumindo-se como um estudo multicaso (Amado
& Freire, 2013; Yin, 2001).
31 As escolas das três províncias onde a pesquisa se desenvolveu
(Benguela, Cabinda e Cunene) têm diferentes influências linguísticas,
culturais e formativas e diferentes experiências no que se refere a
projetos de cooperação. Também existem diferentes histórias de
participação, de formação e de influência, havendo uma forte
influência das orientações comuns emanadas pelo governo central
de Angola.
32 Realizaram-se entrevistas semiestruturadas a 28 professores de
ciências do ensino secundário 1 das três EFP das províncias em
estudo, a quatro diretores/subdiretores pedagógicos destas EFP, a
três membros das direções provinciais da educação (DPE) das
províncias em estudo e a dois membros do Ministério da Educação,
particularmente da direção do Instituto Nacional de Formação de
Quadros (INFQ) e do Instituto Nacional de Investigação e
Desenvolvimento da Educação (INIDE). Entrevistaram-se também
quatro Agentes da Cooperação (AC) e duas Coordenadoras Científico-
Pedagógicas (CCP) do programa Saber Mais (o programa de formação
de professores em Angola, da cooperação portuguesa), assim como
dois especialistas de educação angolanos, com particular ligação à
formação de professores.
33 Realizou-se análise das entrevistas, a fim de compreender quais os
projetos de cooperação internacional existentes e qual a sua
influência na educação e na formação de professores em Angola. Na
análise, foi tido em conta o modo como os discursos presentes nos
documentos enquadradores são apropriados pelos responsáveis e
têm impacto nos modos como se organiza a formação de professores
(Lopes et al ., 2004).
34 Os dados recolhidos integram um conjunto de conhecimentos,
ideologias e valores do contexto em estudo, pelo que se procedeu a
uma “análise em discurso” (Lopes et al. , 2004). A análise em discurso
corresponde, tecnicamente, à análise de conteúdo, mas toma os
textos como discursos. A análise de conteúdo foi de tipo
interpretativo, possibilitando a extração e a sistematização de
conhecimento que uma primeira leitura dos dados não permitiria
(Esteves, 2006).
35 Após uma leitura flutuante das entrevistas com os informantes-
chave referidos, foram definidas as categorias e subcategorias de
análise, a partir das quais foram tratados os dados.
36 É de referir que, neste estudo, foram consideradas questões de
ordem ética, essenciais aos processos de investigação em educação,
como referem diversos autores (Cohen et al., 2007; BERA, 2011;
Brydon, 2006): respeito pelas pessoas, pelo conhecimento, pelos
valores democráticos, pela justiça e equidade; pela qualidade da
investigação em educação; e pela liberdade académica (BERA, 2011).
Benguela
Cabinda
Cunene
Considerações finais
83 Os parâmetros definidos por e para Angola para a melhoria da
formação de professores são sobremaneira influenciados pelas
políticas de cooperação internacional já referidas, nomeadamente
pelas agências de cooperação internacional como a UNESCO. Este
aspeto é corroborado por Dale (2007) quando se refere à aceitação
voluntária das reformas de influência externa, com a transferência
de políticas que nem sempre são viáveis a nível nacional como o são
a nível global. Paxe (2014, p. 117) reforça esta ideia referindo que
“principalmente depois de 1991, acentuou-se a adopção na política
de educação em Angola dos modelos educativos ocidentais através de
programas e projetos propostos por UNESCO, União Europeia e CPLP
para […] visar a legitimidade internacional na nova ordem mundial”.
84 Sobre a importação de políticas, Paxe (2014) refere ainda que,
frequentemente, em Angola, são feitos processos de consulta, sendo
que a sua finalidade é que o governo reúna consensos sobre as
políticas internacionais que deve impor.
85 Relativamente à formação inicial, é indiscutível a importância da
ADPP na formação de professores para o ensino primário porque a
sua metodologia de ensino é apreciada pelos alunos porque já está
completamente apropriada pelos locais em que existe.
86 No que se refere à formação contínua, é de notar um bom conjunto
de projetos de cooperação na área da formação de professores,
designadamente nas práticas laboratoriais das ciências, aspeto que
evidencia a aposta do governo angolano a este nível. Muitas destas
iniciativas de cooperação são com países com os quais Angola tem
ideologias comuns (Paxe, 2014).
87 Torna-se evidente a influência do programa Saber Mais nas
províncias em estudo onde está a ser implementado, quer ao nível da
formação inicial, quer ao nível da formação contínua, tendo também
um papel importante na “apropriação” de algumas políticas de
implementação, nomeadamente na APC. Porém, esta apropriação
também pode ser considerada como uma forma de imposição,
questionando assim os princípios da cooperação para o
desenvolvimento apresentados por Dale (2007).
88 A falta de professores qualificados continua a ser um desafio para o
país, sendo este, segundo Steiner-Khamsi (2015) um fenómeno
global, que impede o investimento significativo na qualidade da
educação. Torna-se claro que esta falta de professores, face às reais
necessidades, fica a dever-se, em grande parte, à desvalorização da
profissão por falta de condições de trabalho e pela remuneração
salarial pouco convidativa (Christie et al. , 2010). A situação agrava-se
pelo facto de muitos estudantes que frequentam a formação inicial,
quer a nível do ensino médio, quer a nível do ensino superior, não
terem a intenção de se tornarem efetivamente professores, mas
apenas de terminar um ciclo de ensino e conseguir uma graduação
académica, como dão a entender vários dos entrevistados. A carreira
de professor também não estava regulamentada, pelo que só
recentemente há um sistema claro e transparente de progressão na
carreira, sendo necessário monitorizar a sua implementação.
89 Será assim importante que as políticas educativas do país comecem
a valorizar a profissão de professor, sob pena de continuar a não
haver professores formados suficientes e, consequentemente, não se
poder investir significativamente na qualidade da educação.
90 A outra grande questão é que as metas que são definidas
internacionalmente, como os ODS e a agenda EPT, podem ser
claramente desajustadas à realidade de muitos países,
nomeadamente a Angola, e impõem pressão e prazos que poucos
podem cumprir. Angola precisa, assim, de uma cooperação para o
desenvolvimento que parta das necessidades das pessoas e das
agendas nacionais e não de agendas internacionais estruturadas e
importadas que influenciem o seu sistema de educação.
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NOTAS
1. A escolha de professores de ciências do ensino secundário prende-
se com o âmbito do estudo de doutoramento que está na base deste
artigo, que tinha como um dos objetivos “contribuir para a reflexão
sobre a importância das práticas laboratoriais na formação de
professores de ciências, e sua relação com o desenvolvimento”.
2. Diretora Provincial de Educação em exercício.
3. Universidade Independente de Angola.
RESUMOS
Este artigo tem como objetivo discutir as influências da globalização e da cooperação para o
desenvolvimento na educação e na formação de professores em Angola, em particular nas
províncias de Benguela, de Cabinda e do Cunene. Utilizou-se uma metodologia de natureza
qualitativa e os resultados apresentados decorrem da análise documental e de entrevistas
semiestruturadas realizadas a vários atores nacionais e locais. Verifica-se assim que os
parâmetros definidos para a formação de professores em Angola são fortemente
influenciados pelos projetos de cooperação internacional nas suas conceções e práticas.
Sugere-se a necessidade de monitorização e recontextualização da formação de professores
em Angola, assim como a valorização da carreira de professor.
This article aims to discuss the influences of globalization and development cooperation on
education and teacher training in Angola, particularly in the provinces of Benguela,
Cabinda and Cunene. A qualitative methodology was used and the results stem from
document analysis and semi-structured interviews conducted with various national and
local actors. Thus, it appears that the parameters defined for teacher training in Angola are
strongly influenced by international cooperation projects in their conceptions and
practices. The need for monitoring and re-contextualization of teacher training in Angola,
as well as valuing the teaching career, are suggested.
ÍNDICE
Keywords: globalization, Angola, teacher training, development cooperation
Palavras-chave: globalização, Angola, formação de professores, cooperação para o
desenvolvimento
AUTORES
SARA POÇAS
NOTA DO EDITOR
Recebido: 01 de abril de 2020
Aceite: 07 de julho de 2020
1 A nível global há um conjunto de organizações ( e.g. Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, União Europeia,
Organização Internacional do Trabalho, UNESCO, UNICEF, Banco
Mundial) que promovem reformas educativas e um conjunto de
políticas educativas similares, marcando a existência de políticas
educativas globais (Robertson, 2012; Verger et al. , 2012), tornando a
mudança educacional sistemática um fenómeno global. Neste
âmbito, surgem projetos e programas, entre eles os de cooperação
para o desenvolvimento, que promovem um conjunto alargado de
iniciativas na área da Educação que vão desde o apoio ao orçamento
de Estado dos países, à formação de professores, ao pagamento dos
salários dos professores, à construção e apetrechamento de escolas, à
promoção de reformas educativas, entre outros.
2 Apesar de ser amplamente aceite, a nível internacional, que os
programas e projetos de Educação no âmbito da cooperação para o
desenvolvimento são os mais avaliados e que a avaliação no final de
cada ciclo de programa/projeto constitui uma prática habitual, esse
conhecimento não é, muitas vezes, colocado ao serviço da
comunidade científica e/ou não é utilizado por esta.
3 Tendo isto em consideração, o presente artigo explora o impacto e
efeitos do Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau
(PASEG) - 2000 a 2011, nas escolas onde interveio, através de uma
análise em profundidade de quatro escolas.
4 O presente artigo encontra-se organizado em cinco partes. Na
primeira realizamos um breve enquadramento do PASEG e do
trabalho que realizou nas escolas em análise. Na segunda tecemos
algumas considerações sobre avaliação de impactos e efeitos de
projetos e programas em escolas. Na terceira expomos a abordagem
metodológica. Na quarta apresentamos e discutimos os dados. Na
última e quinta parte, intitulada considerações finais, identificamos
as principais conclusões.
Escola 1
Escola 2
Escola 3
Escola 4
Metodologia
14 O presente artigo seguiu uma abordagem metodológica qualitativa,
usando como técnicas de recolha de dados: entrevistas
semiestruturadas (4), grupos focais (17), análise documental,
observação não participante e notas de campo. A técnica de análise
de dados foi a análise de conteúdo.
15 Este estudo procura discutir os impactos e efeitos do PASEG em
quatro escolas públicas, por estas serem a unidade de intervenção
privilegiada deste programa. Participaram no estudo 26 alunos, 71
professores, 4 diretores de escola, de quatro das 15 escolas apoiadas
pelo Programa. A seleção das escolas teve em conta os seguintes
critérios: número de anos de presença do Programa, localização
geográfica e anos de escolaridade que disponibilizavam.
16 A análise documental incluiu 26 documentos selecionados após uma
análise exaustiva dos documentos disponíveis, que incluem
relatórios, boletins informativos e outros documentos produzidos no
âmbito do PASEG. A análise de conteúdo das entrevistas, dos grupos
focais e dos documentos seguiu um procedimento aberto, tendo as
categorias de análise emergido dos dados (Bardin, 2007).
17 As questões éticas da investigação seguiram os procedimentos
comummente utilizados na investigação em ciências sociais, tendo
sido usado o consentimento informado, a garantia de
confidencialidade, o anonimato e o direito à retirada incondicional
do processo de investigação em qualquer fase (BERA, 2011; Cohen et
al ., 2009; Robson, 2011).
Efeito Diz respeito a um contexto particular e deriva “de uma lógica de inovação
endógeno instituinte” e diz respeito às gramáticas particulares de cada instituição
Efeito
Diz respeito aos efeitos que se deseja obter
pretendido
Efeito
Diz respeito aos efeitos que se obtém, mas que não são desejados
colateral
Discussão
27 A análise crítica e cruzada dos dados pretende aferir as perceções e
experiências dos docentes e diretores de escola em relação ao PASEG,
no que se refere às Escolas 1, 2, 3 e 4. A discussão articula, sempre
que possível, as perceções e experiências comuns a todas as escolas e
as específicas de cada uma.
28 De uma forma geral, é comum aos participantes a perceção e
experiência de que o PASEG centrava a sua atuação na criação de
Oficinas em Língua Portuguesa (OfLP), na formação de professores
com ênfase na língua portuguesa, na matemática, na biologia e nas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), em gestão e
administração escolar e na distribuição de materiais. Porém, na
Escola 2, 3 e 4 os respondentes acrescentam a lecionação de aulas aos
alunos e na Escola 3 o apoio à reabilitação da escola. Um aspeto
comum a todas as escolas é também a perceção de que a direção
esteve sempre envolvida em todos os processos desde o início da
intervenção, porém não se consegue aferir qual o grau de
participação.
Primeiramente começaram com as Oficinas. Iam à Oficina e também davam as
aulas, tinham uma turma e depois daquilo vinham para as Oficinas dar aos nossos
professores guineenses a língua portuguesa. (…) dentro da Oficina estava lá a
parte da informática e a biblioteca. (…) abrimos outro espaço especificamente só
para a informática e então puseram a internet e assim começaram a dar os cursos
de língua, de GAP e CAP (…) Nas bibliotecas os professores iam lá, tinham
formação e também davam aulas de informática aos professores. (…) quando
vinha um professor novo do PASEG tinha um horário, uma turma para lecionar,
quando termina tem que ter um outro tempo na Oficina a acompanhar a
formação dos docentes guineenses. Mais à frente deixaram de ter turmas.
[Entrevista, diretor de escola 2]
O PASEG criou a Oficina em Língua Portuguesa onde os alunos podem frequentar,
ler os livros e também havia formações de aperfeiçoamento da língua portuguesa
para os alunos e também havia formação para professores de português e
também de matemática. [ Focus group , alunos 2]
PASEG que é um programa de apoio na Guiné-Bissau que vinha melhorando a
qualidade do ensino ao nível do país através de superação pedagógica dos
professores (…) O objetivo era ajudar os professores, precisamente, na melhoria
das suas qualidades (…) No processo de ensino aprendizagem através de
superação pedagógica bem como também no uso de qualidade da língua
portuguesa. (…) Davam ações de formação para os professores de língua
portuguesa e matemática e a nível das áreas de pedagogia (…). [Entrevista,
diretor de escola 1]
O objetivo desse projeto é para melhorar as condições dentro da escola para
fornecer biblioteca, informática para formar os professores para integrar dentro
da língua portuguesa, eu penso que é isto. [ Focus group , alunos 1]
29 Desta forma, o PASEG favoreceu a fragmentação e a balcanização do
conhecimento escolar, por dar mais peso curricular a certas
disciplinas (Pacheco, 2009, 2011), indo de encontro à estandardização
das políticas formuladas pelas várias agências (Steiner-Khamsi, 2012)
e por definir agendas e prioridades (Verger et al ., 2012). Porém, o
foco na língua portuguesa é uma característica inerente à política
externa de Portugal, logo uma motivação política entre as várias
existentes, intrínsecas às razões para os países fornecerem Ajuda
Pública ao Desenvolvimento (Harber, 2014; Novelli, 2010, 2013).
30 Parece consensual que as OfLP possibilitaram o maior uso da língua
portuguesa e o empowerment de comunicar nesta língua, a
democratização do acesso à informática e a bibliografia às escolas
que possuíam OfLP e a outras escolas e/ou à comunidade.
31 Na voz dos participantes:
Eu espero que o senhor veja as vantagens sem nós exprimirmos as vantagens
porque a colocação da pronúncia da língua como está a funcionar dentro desta
sala. Isso é uma das vantagens (…) Mesmo o senhor Rui está a ver as vantagens
sem nós exprimirmos as vantagens. É por isso que, eu disse que, essa formação...
[Pergunta do investigador] Eu, também, não vos conhecia antes, não é? - Sim.
Mas, agora, o senhor está a conhecer porque o senhor está a ouvir a expressão de
cada um de nós e, através dessas formadoras, nós estamos a exprimir a língua
muitíssimo razoável. [ Focus group , formação de professores 1]
Eu, eu vou agradecer mais ao PASEG, porque com o PASEG eu já… até me fez falar
português, não 100% mas já falo português sem vergonha. Na minha vida isso é
muito importante para mim. [ Focus group , alunos 1]
O objetivo desse projeto é para melhorar as condições dentro da escola para
fornecer biblioteca, informática para formar os professores para integrar dentro
da língua portuguesa, eu penso que é isto. [ Focus group , alunos 1]
Incentivava os alunos a frequentar cursos de informática e também aquela
Oficina em Língua. [ Focus group , alunos 2]
32 A gestão das OfLP era realizada pelo professor dinamizador sozinho
e/ou pela direção da escola e contava com a participação ativa dos
colaboradores 5 , sendo considerada a formação disponibilizada
pelo programa importante para o desempenho das funções dos
vários intervenientes. As OfLP permitiram, também às escolas,
acesso a um mecanismo de reprodução dos documentos de apoio
para os alunos e professores e uma forma de gerar receitas, em
conjunto com os cursos de informática, como ilustra o seguinte
extrato:
Numa primeira fase era, por exemplo, mais para a informática, quando o PASEG
veio. Por exemplo recrutavam jovens na altura chamados colaboradores, eles
estavam na Oficina a organizar sobretudo a parte da leitura e também a parte de
informática, foi assim. (…) Então ajudavam a orientar a Oficina de leitura, por
exemplo, foi assim nessa fase. Depois começou-se a dar a formação aos
professores guineenses, criou-se GAP e também CAP, exatamente. [Entrevista,
diretor de escola 2]
33 Porém, consoante a escola, há aspetos que mudam devido à
diversidade de percursos e fases em que as OfLP foram criadas.
Assim, num olhar mais em profundidade verificamos que na:
34 Escola 1 - aos fatores apontados anteriormente, acresce o debate de
temas atuais, a elaboração e a reprodução de testes. O fim do PASEG
provocou o funcionamento irregular/residual da OfLP e a
interrupção dos cursos de informática.
35 Como ilustram os seguintes extratos:
Um universo de 30 professores de um total de 80 de todas as disciplinas. Sendo
que cobriu todos os professores de matemática e língua portuguesa do liceu e de
outras escolas do ensino básico e do 3.º ciclo. Até o setor de A e B beneficiaram
dessa formação. Não só os da cidade mas também de outros setores
administrativos beneficiaram dessa formação. [Entrevista, diretor de escola 1]
[OfLP] a sala está muito bem equipada com materiais a não funcionar. Com a ida
do PASEG tudo está fechado. [ Focus group , formação de professores 1]
O PASEG tinha funcionado quase 10 anos em Bissau mas cá na região pelo menos
dois anos já, e um ano, dois e foi-se embora. É bom que se houver outro projeto a
ser financiado pela Cooperação Portuguesa que pensem no interior do país
porque somos iguais e merecemos a mesma atenção. [ Focus group , OfLP 1]
36 Escola 2 - aos fatores apontados anteriormente acresce o acesso à
internet, a elaboração e a reprodução de testes, a capacitação dos
alunos em termos de gestão de espaços e o debate de temas atuais.
Nesta escola há também a perceção de que não foram adotadas
estratégias que permitissem às meninas um acesso e participação
sem as barreiras de género, continuando, de certa forma, a
perpetuar as características da sociedade guineense, onde à mulher é
destinado um papel subalterno nas questões académicas, ficando-lhe
reservado um papel relacionado com afazeres domésticos.
Verificámos que existia também uma tensão entre os colaboradores
e o programa por não receberem um apoio financeiro como
recebiam os professores, independentemente de reconhecerem a
importância da compensação não financeira (acesso à língua
portuguesa, informática, internet, entre outros) que recebiam por
estarem envolvidos na OfLP. Ao contrário das restantes escolas, a
direção, em vez de colocar um professor a dinamizar a OfLP, optou
por promover um dos colaboradores a este estatuto. Os respondentes
consideram também que o PASEG e a direção da escola descuraram a
formalização do trabalho dos colaboradores, mesmo sem
remuneração, pois julgam que seria uma mais-valia e uma prova do
trabalho desenvolvido que os poderia favorecer no seu futuro. É
também claro que os agentes da cooperação desempenharam
durante a primeira fase um papel preponderante na dinamização e
gestão da OfLP. O fim do Programa provocou o funcionamento
irregular/residual da OfLP e a interrupção dos cursos de informática,
porém as obras de reabilitação que ocorreram na escola também
parecem ter influência neste aspeto, pois no momento da recolha de
dados ainda era recente a mudança de instalações.
37 Como ilustram os extratos que se seguem:
Imagine uma escola que até hoje não tem nenhum computador na direção, todos
trabalham, o que nós fizemos é na Oficina. Por exemplo no momento de confeção
de provas, pautas, nós é que utilizamos esses computadores do projeto PASEG e aí
é que introduzimos provas, aí é que imprimimos, aí é que fizemos as fotocópias
de todo o espaço e a embalagem das provas. Então para nós essa é a vantagem da
Oficina, imagina que antes não tínhamos aquilo, nós íamos sair ou emprestar ou
pagar fora para fazer aquilo e não só, os livros que lá estão também. Claro que
temos livros, graças à quilo os alunos vão lá consultar e os professores também
vão lá para fazer a consulta. [Entrevista, diretor de escola 2]
Seja como for, nós pensamos que um dia ou outro o PASEG vai sair. (…) Tudo
aquilo que o PASEG fez no país é para ter continuidade. Por exemplo, nós vamos
ter novos professores, portanto, esses infelizmente não têm a possibilidade,
portanto de esses ensinamentos que nós aprendemos. Mas se estivermos cá nós
podemos ajudá-los, não é? Tendo em conta aquilo que… isso é que é
sustentabilidade, não é, de qualquer projeto. O projeto acaba mas tudo aquilo que
o projeto fez continua. Nós pensamos que esse é o objetivo do PASEG: ajudar os
professores para depois esses poderem transmitir os ensinamentos aos outros,
com o fim de melhorar o sistema educativo. Que era o objetivo principal da
assistência do PASEG no país. [ Focus group , formação de professores 2]
Não, eu não tive tempo para ver o PASEG. [Pergunta do investigador] Mas não
estava cá? Sim, mas fazia outras coisas em casa e não pude vir para a sala de
informática. [ Focus group , alunos 2]
38 Escola 3 - aos fatores apontados anteriormente acresce o acesso a
recursos pedagógicos para as aulas, à internet, a brinquedos, a um
espaço para os professores se reunirem, possibilitando o trabalho
colaborativo, e a criação de maior notoriedade para a escola, tendo
como consequência a atração de alunos. Constata-se ainda que a
OfLP tem como colaboradores ex-alunos da escola e/ou alunos de
outras escolas apoiadas pelo PASEG, uma grande capacidade de gerar
receitas, fator associado à sua localização, tendo como utilizadores
outros membros da comunidade, e a interrupção do PASEG não
parece ter provocado alterações ao seu funcionamento. Os agentes
da cooperação (AC) também desempenharam durante a primeira fase
do PASEG um papel preponderante na dinamização e gestão da OfLP:
Criou-se um hábito dentro do próprio recinto escolar para com os alunos. As
crianças passavam aqui horas e horas a consultar essas revistas e têm aqueles
brinquedos, aqueles que eles costumam fazer montagem. E começou-se a notar
que as crianças zelaram-se pela língua portuguesa, falam uns com os outros, quer
dizer, criaram uma motivação para com os outros. Até alguns reclamam que
querem vir para a escola 3 porque existe uma Oficina e você aprende com tanta
facilidade. Então novos hábitos e teve grande impacto no seio dos alunos, quer
para os professores. [ Focus group , formação em língua portuguesa 3]
Quero só dizer que eu fiquei satisfeito porque o PASEG teve grande projeto aqui.
Até a reabilitação daquela sala de informática. Construção, sim, da sala de
informática, ajudou-nos muito. Mesmo eu fui lá teclar um bocadinho, embora
não tenho conhecimento tão amplo ainda. Mas penso que vou aperfeiçoar. Fiquei
contente, o PASEG tem ponto positivo. Até quando eles foram eu fiquei triste,
fiquei triste porque ficámos sem formação e nos ajuda nas nossas salas de aula. [
Focus group , formação em língua portuguesa 3]
Da universidade, do INEP, a Escola Nacional de Saúde, temos a Faculdade de
Direito, vêm a este espaço para tirarem cópias, fazer impressões e para ir à
internet pesquisar e coisas… [ Focus group , OfLP 3]
39 Escola 4 - aos fatores apontados anteriormente acresce o trabalho
colaborativo e em equipa, o acesso à internet, o debate de temas
atuais, o apoio à criação de infraestruturas de suporte às práticas
laboratoriais na área das ciências e o apoio à direção da escola.
Verifica-se também que houve uma tensão entre os colaboradores e
o programa por não receberem um apoio financeiro como recebiam
os professores, independentemente de reconhecerem a importância
da compensação não financeira (acesso à língua portuguesa,
informática, internet, entre outros) que recebiam por estarem
envolvidos na OfLP. É também claro que os AC desempenharam
durante a primeira fase do PASEG um papel preponderante na
dinamização e gestão da OfLP e que a língua portuguesa é
percecionada como propriedade dos AC. O fim do PASEG provocou o
funcionamento irregular/residual da OfLP, principalmente da
componente de acesso a bibliografia e atividades de dinamização.
Fiquei com o grupo durante quatro anos. Depois, nos primeiros dois anos era
mais no sentido de nós sentarmos o coletivo e preparávamos a aula em conjunto.
Já nos dois últimos anos que eu tive foram mesmo vários conteúdos científicos,
pedagógicos também, eu no meu caso ajudou-me imenso. Muitas coisas eu já
conhecia mas tinha-me esquecido e foi um renovar e a maneira como trabalhar
com os alunos. E muitas vezes, como o colega também disse, há coisas que nós
temos ao nosso alcance (…) Com o PASEG também aprendi como utilizar o que
está ao nosso alcance. Porque o que não está, não está, mas o que estiver
podemos utilizar. Como eu fui formada na área de biologia e química, num ano
também trabalhei com química e foi o ano em que frequentei também o GAP de
química. Foi mesmo bonito, porque as aulas ficaram fascinantes, porque coisas
simples do dia a dia como a separação das misturas, coisas simples, simples do
dia a dia e nós fomos trabalhar na sala de aula. Quer dizer, desperta mais o
interesse dos alunos pela matéria. Eles ficam mais atentos e também terão maior
aproveitamento. Para mim o PASEG foi pena ter acabado como acabou, mas foi
muito bom para mim. [ Focus group , formação de professores 4]
40 Conforme analisamos em profundidade as perceções da 1.ª à 4.ª
escola em relação à dinamização e gestão das OfLP, deparamo-nos
com uma dependência discursiva e real nos AC e no programa, sendo
esta diretamente proporcional ao número de anos que o PASEG
esteve na escola. Assim, quanto mais anos permaneceu o PASEG na
escola, maior o grau de dependência, estando este facto relacionado
com as estratégias adotadas ao longo do tempo e uma perspetiva
assistencialista (Harber, 2014; Mesa, 2014; Shields, 2013) que vigorou
durante uma grande parte do PASEG.
41 Como ilustram os seguintes extratos das entrevistas:
Agora não está nada bom. Não sei, os materiais que tínhamos agora já não
existem… nós tínhamos, só a televisão é que estava. O computador que nos deram
como este que estava lá na biblioteca desapareceu. Os livros estão a desaparecer
cada dia, não temos dicionários… trouxeram muitos dicionários que puseram lá
no armário e este dicionário não sei onde é que… não tem. Não temos nem um
dicionário agora. Tínhamos materiais importantes para a pesquisa e agora não
existem, não sei. Este é um ponto negativo que agora a Oficina enfrenta. (…)
Agora estamos a trabalhar com dificuldade, não há nada, os livros quase
desapareceram, a maior parte dos melhores livros desapareceram na Oficina. Não
sei. Talvez agora como tenho a chave, a C tem a chave… não, o diretor também
tem outra chave, é a mesma coisa. Computador não há (…) O DVD desapareceu,
materiais que nós tínhamos lá, mesmo o furador. [ Focus group , Dinamizadores 4]
O PASEG para mim é um programa que devia continuar a trabalhar na Guiné
porque aquilo que estão a fazer dentro na escola é uma coisa muito importante
que não devia parar. (…) Porque quando eles estavam aqui todas as pessoas que
entram na oficina entram para falar a língua portuguesa. Mas não é agora, a
gente entra aqui e fala em crioulo. Imagina na escola é proibido falar crioulo mas
nós continuamos a sentir aquelas dificuldades em falar português. A Oficina é
língua portuguesa e não pode não estar a falar. [ Focus group , Dinamizadores 4]
Mesmo aquelas atividades, não sei se vamos tentar fazer aquelas atividades que o
PASEG fazia… fazia atividades com os alunos, danças, músicas, teatro. Tirava
alguns livros e dava prémios aos alunos. Muitas coisas, cadernos, canetas… o
PASEG fazia muita coisa. Então espero que esse projeto também venha fazer a
mesma coisa que o PASEG fez. [ Focus group , Dinamizadores 4]
42 Quando analisamos as perceções e experiências dos respondentes
sobre os Grupos de Acompanhamento Pedagógico (GAP) e os Cursos
de Aperfeiçoamento do Português (CAP) 6 , globalmente, a língua
portuguesa volta a ganhar destaque, embora surja a matemática, a
biologia, a física, a química e a filosofia. Fica claro pelos depoimentos
que, em relação à língua portuguesa, mesmo que não tenha havido
melhorias, provocou o empowerment dos professores para
comunicarem em português dentro e fora do recinto escolar.
43 Estas formações, e essencialmente os GAP, permitiram o acesso à
formação contínua sediada nas escolas, funcionaram como
mediadores curriculares que se estendem para além das escolas foco
de intervenção, principalmente às escolas privadas, colmatando a
ausência generalizada de manuais escolares e acesso ao programa
das disciplinas (Benavente & Varly, 2010). Esta permeabilidade entre
escolas públicas e privadas verifica-se devido à maioria dos
professores, principalmente em Bissau, acumular a docência entre
estes dois tipos de escolas, fruto dos baixos salários 7 .
Eu quando cheguei aqui quase só nos anos anteriores, nos últimos anos
anteriores é que participei numa reunião de coordenação. Ninguém fazia isso,
cada qual dava a matéria. Quantas vezes chegámos na prova de coordenação e
tivemos que mudar algumas perguntas numa das classes porque não têm essa
matéria. Um professor dava outro texto de outra escola. Mas na escola privada A
há pessoas do PASEG lá. Então orientavam, eu não diria que são eles é que deram
a matéria, porque essa matéria nesse primeiro ano, essa matéria, eu forneci
alguns livros para eles, veio até aqui quando estava na escola privada B. Veio
buscar porque nós é que dávamos aulas na escola privada C, ali é que
conhecemos. Depois eu dava aulas na escola privada A. Ele me contactou para
fazer o texto, porque tínhamos um texto que caducou há muito tempo que era da
escola B (…). Não é que o PASEG vai substituir alguma matéria, porque a matéria
é científica, é na área. Por exemplo no 11.º ano é na área científica. Aqui ainda
estamos no 12.º ano, os programas são variados porque não tem um, porque se
houver uma compilação, porque ele também está a trabalhar alguns. Se houver a
compilação então vai ser um texto único. Isso significa que o PASEG em toda a
forma não substitui totalmente, mas uma grande parte o PASEG fez. Como diz o
colega, o PASEG ajudou bastante o Governo, isto é, numa parte vem substituir
porque alguma parte o Governo não vai fazer. [ Focus group , formação de
professores 2]
44 A perceção dos professores aponta, também, que os GAP
contribuíram para a alteração da forma como planificavam, como
selecionavam e utilizavam as estratégias pedagógicas e didáticas,
melhorou os conhecimentos científicos e incentivou o trabalho
colaborativo entre os professores. Um ponto comum aos GAP na
segunda fase do PASEG é a orientação didático-pedagógica das
formações, a realização de supervisão pedagógica e a inclusão de
formadores locais.
45 O acordo existente entre o PASEG e o Ministério da Educação da
Guiné-Bissau permitiu a redução do horário letivo dos professores,
sendo um dos fatores que contribuíram para a sua maior
participação nas formações, aliada à vontade de melhorar as
competências científicas e pedagógicas. Da perceção e experiência
dos respondentes parece que os GAP, numa fase inicial, funcionaram
como as Comissões de Estudo 8 onde se realizava a planificação de
aulas modelo para ser implementadas, a troca de experiências entre
os professores e a mediação curricular dentro de cada escola e inter-
escolas. Progressivamente, transformou-se num modelo de formação
contínua sediada nas escolas, tendo na fase final do programa
incluído a supervisão pedagógica e com isto promovido uma maior
implementação dos temas tratados nas formações, aumentando a sua
influência no currículo real/apresentado.
46 O fim do PASEG provocou a interrupção de todas as atividades de
formação. Contudo, há aspetos que se alteram de escola para escola
devido à diversidade de percursos e às fases em que estas formações
tiveram início. De seguida, destacamos as particularidades de cada
escola.
47 Da perceção e experiência dos respondentes, parece ser comum a
todas as escolas que a distribuição de materiais ( e.g. livros, sebentas,
antologias de textos) é considerada como um aspeto relevante e
importante para os alunos e para o trabalho das escolas.
48 Quando conjugamos os GAP, os CAP, as OfLP com a produção e
distribuição de materiais, podemos concluir que o PASEG contribuiu
para a mediação curricular intra e inter-escolas apoiadas, parecendo
que poderá também ter contribuído para esta mediação em outras
escolas, pela partilha de documentos entre professores e pela
acumulação de funções por parte destes nas escolas privadas,
principalmente em Bissau. Logo, há uma teia complexa de relações
entre as escolas públicas e privadas que propagou os efeitos e
impactos do PASEG e vice-versa. Parece também que o programa
dava força anímica/elevava a moral dos professores.
49 Esta incidência do PASEG no contexto/nível de decisão curricular de
gestão e realização e as implicações que teve nas escolas, e
consequentemente nos professores, contraria o referido por Campos
e Furtado (2009) quando referem que as formações docentes na
Guiné-Bissau, até à publicação do seu relatório, tinham tido pouco
impacto na prática docente.
50 Por fim, parece que a continuação de algumas das iniciativas do
PASEG ( e.g. formação contínua de professores, acesso a materiais,
dinamização de atividades extraescolares, requalificação das escolas)
originou dependências, reais e discursivas que condicionam a
continuação de muitas das atividades, sendo algumas fruto de uma
perspetiva assistencialista (Harber, 2014; Mesa, 2014; Shields, 2013)
que vigorou durante uma grande parte do PASEG e outras devido à
fragilidade do país e do sistema educativo.
51 A intervenção do PASEG nas escolas pode ser considerada, de uma
forma global, como uma intervenção exterior às escolas que
promoveu a língua portuguesa, a formação de professores e dos
alunos.
52 O facto de o PASEG ter sido planeado anualmente durante ¾ da sua
vigência, e a criação de OfLP por vezes ocorrer sem uma orientação
estratégica definida e muito dependente de fatores individuais dos
agentes da cooperação, provocou impactos e efeitos diferentes.
Contudo, o fim do apoio do PASEG às escolas parece ter causado
efeitos de carácter discursivo e real, estando a dependência
discursiva mais presente na escola 4, cuja presença do PASEG se fazia
sentir há mais anos.
53 Ainda em relação a uma análise mais global das quatro escolas,
parece que as componentes da intervenção que se cingiram a um
impacto e efeitos de âmbito estritamente individual, como por
exemplo os CAP destinados aos alunos, parecem não ter provocado
impacto e efeitos nas escolas.
54 Quando comparámos as escolas entre si, verificámos que em relação
às atividades de formação (GAP, CAP e direção de escola) o número
de efeitos é maior na escola 1.
55 Assim, da análise dos dados pode-se constatar que a intervenção do
PASEG nas escolas pode ser considerada, de uma forma global, um
efeito exógeno que dissolveu a maioria dos possíveis efeitos
endógenos que ocorreram, essencialmente relacionados com os GAP.
56 Devido ao PASEG ter sido planeado anualmente, por vezes sem uma
orientação estratégica definida e muito dependente de fatores
individuais dos agentes da cooperação com a exceção dos últimos
três anos de vigência, originou impactos e efeitos diferentes em
algumas das componentes, principalmente nas OfLP e nos GAP.
Todavia, um aspeto comum a toda a intervenção, que originou
efeitos colaterais e negativos, foi o fim do apoio do PASEG às escolas.
Este aspeto parece ser de carácter discursivo e real, estando a
dependência discursiva mais presente na escola 4, cuja presença do
PASEG se fazia sentir há mais anos. O aspeto mais marcante, nesta
escola, é que sem o PASEG e os AC não é possível continuar muitas
das ações que os respondentes consideram importantes e decisivas
para melhorar a qualidade da escola. Este aspeto está associado à
diferente abordagem do PASEG ao longo do tempo, que inicialmente
partia de uma perspetiva essencialmente centrada nos AC e na língua
portuguesa como um fim em si mesmo – brankundadi 9 e
assistencialista – para uma fundamentalmente centrada nas escolas e
na língua portuguesa como uma estratégia – menos brankundadi e
menos assistencialista.
57 Porém, não podemos descurar que ao longo do tempo,
independentemente das perspetivas e orientações do PASEG, parece
que alguns dos AC baseavam a sua intervenção numa prática “em
que os que ajudam e os que são ajudados se ajudam
simultaneamente” não transformando o ato de ajudar “em
dominação do que ajuda sobre quem é ajudado” (Freire, 1984, p. 11).
58 Das diferentes combinações da tipologia de efeitos possíveis
presentes no quadro I, as mais comuns às quatro escolas no que
concerne às atividades de formação e OfLP são:
Efeito colateral e positivo - Empowerment no uso da língua portuguesa / Melhoria do
trabalho colaborativo entre os professores / Mediação curricular na escola;
Efeito exógeno - GAP/ CAP / OfLP / formação da direção / distribuição de materiais;
Efeito pretendido, positivo e estrutural - Acesso a materiais didáticos;
Efeito pretendido e positivo - Melhorar o uso da língua portuguesa / Modo de
planificação / Alterou as estratégias pedagógicas / Formação à direção da escola;
Efeito pretendido, parcial e positivo - Envolvimento da direção desde o início da
intervenção / Existência de formação contínua sediada na escola / Distribuição de
materiais aos professores (e.g. sebentas e antologias);
Efeito pretendido, estrutural e positivo - Maior uso da língua portuguesa / Acesso a
materiais bibliográficos / Formação do professor dinamizador;
Efeito colateral, estrutural e negativo - Fim do PASEG.
Considerações finais
70 O presente artigo analisou os impactos e efeitos do Programa de
Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau (PASEG) em quatro
escolas. Ao nível dos efeitos e impactos, e partindo do pressuposto
que nos processos de avaliação os efeitos resultam de um impacto, o
facto de o PASEG ter sido planeado anualmente originou impactos e
efeitos diferentes em algumas das componentes, principalmente nas
Oficinas em Língua Portuguesa (OfLP) e nos Grupos de
Acompanhamento Pedagógico (GAP). De uma forma global, o PASEG
pode ser considerado um efeito exógeno que dissolveu a maioria dos
possíveis efeitos endógenos que ocorreram, essencialmente
relacionados com os GAP.
71 Da combinação possível da tipologia de efeitos verificamos que os
seguintes são os mais comuns às quatro escolas:
Efeito colateral e positivo - Empowerment no uso da língua portuguesa / Melhoria do
trabalho colaborativo entre os professores / Mediação curricular na escola;
Efeito exógeno - GAP/ CAP / OfLP / Formação da direção / Distribuição de materiais;
Efeito pretendido, positivo e estrutural - Acesso a materiais didáticos;
Efeito pretendido e positivo - Melhorar o uso da língua portuguesa / Modo de
planificação / Alterou as estratégias pedagógicas / Formação à direção da escola;
Efeito pretendido, parcial e positivo - Envolvimento da direção desde o início da
intervenção / Existência de formação contínua sediada na escola / Distribuição de
materiais aos professores (e.g. sebentas e antologias);
Efeito pretendido, estrutural e positivo - Maior uso da língua portuguesa / Acesso a
materiais bibliográficos / Formação do professor dinamizador;
Efeito colateral, estrutural e negativo - Fim do PASEG.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1. Para uma análise mais detalhada da Cooperação Portuguesa no
setor da Educação na Guiné-Bissau de 2000 a 2011 e do Programa de
Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau ver, por exemplo,
Santos e Silva (2017) e Silva et al. (2017).
2. A terminologia utilizada para os níveis de ensino no presente
artigo segue as que estão em vigor após a aprovação da Lei de Bases
do Sistema Educativo em 2010.
3. Construção precária muitas vezes construída com esteiras de
fibras vegetais.
4. As OfLP podem ser consideradas centros de recursos que têm
como valências a disponibilização de materiais, essencialmente
livros, manuais escolares, dicionários e jornais, cursos/aulas de
várias temáticas, bem como promovem iniciativas de dinamização da
escola. Podem também estar equipadas com computadores que são
utilizados para cursos de informática, dactilografar textos,
digitalização de imagens, impressão, acesso à internet e máquina
fotocopiadora.
5. Alunos ou ex-alunos que, de forma voluntária, participam na
dinamização da OfLP.
6. Os GAP estavam relacionados com a formação de professores nas
diferentes áreas disciplinares e os CAP em formação no âmbito da
melhoria das competências linguísticas dos professores no que se
refere à língua portuguesa.
7. Para uma análise mais pormenorizada, ver Silva (2019).
8. Que são “um esquema de aperfeiçoamento descentralizado e que
funcionava como um grupo de entreajuda, animado por um
professor mais qualificado” (Monteiro, 2005, p. 88).
9. “usos e costumes dos brancos” (Scantamburlo, 1999, p. 91).
RESUMOS
O presente artigo procura analisar o impacto e efeitos do Programa de Apoio ao Sistema
Educativo da Guiné-Bissau (PASEG) promovido pela Cooperação Portuguesa nas escolas
onde interveio, através de uma análise em profundidade de quatro escolas. Neste estudo
qualitativo foram recolhidos dados de alunos, professores e diretores de escolas através de
entrevistas, grupos focais, notas de campo e análise documental. O artigo argumenta que o
programa pode ser considerado um efeito exógeno que dissolveu a maioria dos possíveis
efeitos endógenos que ocorreram, essencialmente relacionados com a formação contínua de
professores, bem como proporcionou força anímica/elevada moral dos professores. Conclui-
se também que há uma relação diretamente proporcional entre o número de anos que o
PASEG esteve nas escolas e o grau de dependência da comunidade escolar nas ações do
programa.
This article examines the impact and effects of the educational aid programme called PASEG
from the Portuguese official aid. It explores an in-depth analysis of four schools following a
qualitative approach. The data stems from interviews and focus groups with students,
teachers and school principals, and field notes and document analysis. The article argues
that PASEG can be considered an exogenous effect that dissolved most of the possible
endogenous effects, particularly related to the continuous professional development of
teachers and teacher’s moral. It also identifies that there is a directly proportional
relationship between the number of years that PASEG has been in schools and the degree of
dependence of the school on the actions of the programme.
ÍNDICE
Keywords: schools, Guinea-Bissau, impacts, effects, development cooperation, Portugal
Palavras-chave: escolas, Guiné-Bissau, impactos, efeitos, cooperação para o
desenvolvimento, Portugal
AUTORES
RUI DA SILVA
JOANA OLIVEIRA
Escola Superior de Educação
Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto
Via Panorâmica Edgar Cardoso, s/n, 4150-564 Porto, Portugal
joanaoliveira@ese.ipvc.pt
Perceções sobre o
Desenvolvimento Psicomotor
da Criança Moçambicana em
Idade Pré-escolar,
em Contexto Rural, com Enfoque
1
no Chibuto
Perceptions on psychomotor development of the Mozambican child in pre-
school age, in rural context, with a focus on Chibuto
NOTA DO EDITOR
Recebido: 29 de maio de 2020
Aceite: 30 de junho de 2020
1 Moçambique é um país da África Austral, com 27.909.798 habitantes
(INE, 2017) e cuja maior cidade e capital do país é Maputo,
atualmente com cerca de 1.101.170 habitantes. No Chibuto, os dados
de 2007 apontavam para 192.927 habitantes (INE, 2007), sendo o
terceiro distrito mais populoso da província de Gaza, no sul do país,
seguido de Xai-Xai e Chókwè. Os grupos etários mais populosos eram
os da primeira e segunda infância, nomeadamente 17% da população
com idade compreendida entre zero-quatro anos e 15% com idade
compreendida entre cinco-nove anos. Em 2007, Chibuto era o
terceiro distrito da província (entre 12) com maior taxa de
mortalidade infantil.
2 A maior parte da população vive nas zonas rurais e em situação
precária, quer em termos de alimentação, quer em termos
habitacionais, de abastecimento de água e ambientais. Qualquer
alteração do meio ambiente, como inundações, secas, ciclones,
provoca consequências sérias na qualidade de vida das pessoas e
desorganiza-as em termos de sobrevivência. Outros indicadores
usados na medição da qualidade de vida da população, como o
abastecimento de água potável, habitação condigna e esgotos,
colocam o capital humano de Moçambique nos níveis mais baixos de
desenvolvimento. O Ministério da Educação e Desenvolvimento
Humano introduziu, em 2015, a Estratégia Nacional do
Desenvolvimento Integral da Criança em Idade Pré-escolar, a qual
abrangeu, numa primeira fase, 10.500 crianças dos zero aos cinco
anos de idade, também com o objetivo de influenciar melhorias no
ensino primário. Segundo Macave (2016), citado na Rede para o
Desenvolvimento na Primeira Infância (R-DPI), mais de 95% das
crianças moçambicanas não têm acesso à educação pré-escolar 2 .
3 Dados do projeto “Educadores em Movimento – Uma educação
itinerante para a primeira infância”, no Distrito do Chibuto, apontam
apenas duas “escolinhas” privadas com cerca de 100/150 crianças,
quando existem no Distrito mais de 38.000 crianças entre os 0 e os 4
anos (dados do Ministério da Administração Estatal, 2005, cit. em
AIDGLOBAL, 2019). Com este projeto, aumenta o número de crianças
com acesso a serviços de Educação de Infância.
4 Segundo o Plano Operacional 2015-2018 do Plano Estratégico da
Educação 2012-2019 os principais fatores, externos ao Ministério da
Educação, que interferem na escolarização das crianças são: pobreza;
subnutrição; insegurança alimentar; falta de roupa (uniforme,
calçado); necessidade de apoiar a família em trabalhos para
aumentar a renda familiar; fraco domínio da língua oficial do país
(Ministério da Educação de Moçambique, 2015, pp. 19-20). Estes
fatores configuram uma realidade complexa e multifatorial na
análise do desenvolvimento psicomotor das crianças.
Desenvolvimento psicomotor
5 São várias as abordagens e perspetivas sobre o desenvolvimento
humano, que o organizam em domínios. O presente estudo procura
compreender o desenvolvimento psicomotor da criança em idade
pré-escolar, o que remete para uma etapa de vida onde os domínios
se vêm como muito interligados, e daí considerarmos, doravante, o
desenvolvimento psicomotor em referência ao desenvolvimento
global da criança, na idade pré - escolar .
6 Nesta procura pelo conhecimento sobre o desenvolvimento
psicomotor da criança moçambicana em idade pré-escolar e vivendo
em meio rural estamos a focar um determinado contexto, numa
determinada fase de vida, de um grupo culturalmente particular de
seres humanos.
7 Cada vez mais, os investigadores enquadram a sua investigação
segundo perspetivas diferenciadas, de acordo com a cultura em que
emergem e, como tal, refletem uma influência nas questões que são
levantadas e na forma como são interpretados os dados recolhidos.
Deste modo, é importante enquadrar que as várias teorias usadas na
análise do desenvolvimento da criança derivam de cinco majo r
perspetivas teóricas, tais como: psicanalítica, aprendizagem,
cognitiva, etológica e contextual (Papalia et al ., 2001, p. 47).
8 Nesta pesquisa, é relevante apurar se as características do meio
ambiente influenciam o desenvolvimento psicomotor da criança,
estando a análise preferencialmente suportada nos fundamentos das
abordagens sociocontextuais, ecológicas ou bioecológicas e
sistémicas.
9 O Conselho Nacional de Educação (CNE) refere, no Relatório do estudo
- A educação das crianças dos 0 aos 12 anos, que Vygotsky se sustenta na
compreensão da relação dialética entre o biológico e o social, dando
importância ao contexto de vida da criança e às relações que ela
estabelece, nomeadamente o papel dos adultos ao incorporarem as
crianças nas suas culturas (CNE, 2009).
10 Além de Vygotsky, também Piaget deu um contributo fundamental
para o leque de conhecimentos que se consideram essenciais em
qualquer intervenção dirigida ao desenvolvimento e crescimento da
criança. Piaget, marcadamente construtivista, estabeleceu as etapas
do desenvolvimento, definindo quatro períodos essenciais e
sequenciais, a saber: período sensório-motor (0-2 anos); período pré-
operatório (2-6 anos); período das operações concretas (7-11 anos) e
período das operações formais (dos 12 anos em diante) (Gleitman,
2008, cit. em Almeida, 2010).
11 Um outro modelo teórico, o modelo transacional, considera que o
comportamento da criança resulta da interação entre fatores
biológicos e fatores sociais que se converte num “sistema regulador”,
a partir do qual se desenvolvem estratégias de intervenções eficazes,
que aumentam a possibilidade de as crianças alcançarem melhores
resultados (Tegethof, 2007, p. 39, cit. em Simões, 2018).
12 Segundo Nave, o Modelo Ecológico 3 de Bronfenbrenner vê a
criança em resultado de uma multiplicidade de influências
interrelacionadas entre si . Para ele, Bronfenbrenner defende que:
todas as características individuais não poderem ser interpretadas sem uma
perspetiva ecológica, ou seja, sem se estabelecer a relação entre as características
do ser humano, ativo, em desenvolvimento com os seus respetivos contextos,
entendidos como ambientes dinâmicos em constantes transformações. (Nave,
2010, p. 1)
13 Na perspetiva de Nave, a
pesquisa tradicional trabalha com variáveis do ambiente imediato (casa, sala de
aula, laboratório, etc.), mas, como o autor também refere, Bronfenbrenner
aponta para a necessidade de se olhar para além dos ambientes simples e para as
relações entre eles. Parte da hipótese de que o desenvolvimento da pessoa é
profundamente afetado por ocorrências em ambientes nos quais o indivíduo nem
sempre está presente. (Nave, 2010, p. 15)
14 Sameroff e Fiese (2000, cit. por Carvalho et al ., 2016, p. 57) referem
que é “fundamental prestar atenção aos fatores ecológicos em que as
crianças e as suas famílias estão inseridas” e numa lógica de observar
e compreender para intervir, o conhecimento sobre esses fatores
pode traduzir-se em ações que facilitem o desenvolvimento das
competências do indivíduo. Esta postura gnóstica configura-se como
uma postura biopsicoecológica e é fundamental para o desenho de
estudos sobre o desenvolvimento das crianças, em culturas tão ricas
e diversas como é o que acontece em Moçambique.
15 Nave (2010, p. 25), no seu estudo A criança, o meio e o perfil psicomotor ,
lembra que Pettersen et al . (1991) consideram que o
desenvolvimento não é um processo linear, e que qualquer alteração
numa ou mais variáveis dos sistemas nos quais o indivíduo interage
pode levar a uma nova organização, sendo importante estudar as
características do desenvolvimento motor, em referência às
diferentes situações ambientais às quais o indivíduo está exposto.
Isto é válido para o desenvolvimento motor como é válido para as
outras dimensões do desenvolvimento da criança.
16 Encontramos, ao nível da neurociência, da educação ou da psicologia
do desenvolvimento, referência a evidências de que os primeiros
anos de vida são um período crítico ao nível do desenvolvimento,
nomeadamente ao nível dos processos neurológicos. Há inclusive as
chamadas janelas de oportunidade, para desenvolver determinadas
competências. Após essas fases particulares a aprendizagem
acontece, mas não na sua máxima força. É o caso do grande potencial
de desenvolvimento das competências de consciência fonológica, que
se verifica até aos três anos de idade, ainda que alguns fonemas só
venham a ser produzidos aos quatro/cinco anos de idade. No
entanto, alguns neurocientistas têm, segundo Hall (2005, cit. em
Carvalho et al ., 2016, p. 41), questionado este conceito de um período
crítico rígido, salientando que “a correlação entre período crítico e
aprendizagem máxima está apenas comprovada para o sistema
sensorial”. Se o processo de neuromaturação que ocorre nos
primeiros anos é geneticamente regulado, mas também é
influenciado pelos fatores ambientais (intra e extrauterinos), então é
difícil universalizar a cronologia dos chamados períodos críticos do
desenvolvimento. Há, portanto, evidência de que ocorrem, no
entanto é importante reconhecer os riscos de generalização
interculturas, assim como reconhecer a importância de partir de
evidências locais para a compreensão do desenvolvimento
psicomotor de um determinado grupo de crianças.
A pesquisa
25 O objetivo desta pesquisa foi compreender qual o estado do
conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor da criança
moçambicana, em idade pré-escolar 6 , que vive em meio rural e em
particular no Chibuto.
26 Tratou-se de um estudo de natureza bibliográfica que recorreu ao
procedimento metodológico de revisão narrativa através de livros,
dissertações, teses, artigos científicos e alguns testemunhos de
pessoas locais, que poderiam dar contributos para uma compreensão
da complexa realidade do objeto de estudo.
27 A pesquisa recorreu a bases de dados como o CAPES, Portal BVS-
Biblioteca Virtual em Saúde, SCIELO, LILACS, Researchgate, Repository.utl,
Repositorium, tandfonline.com, onlinelibrary.wiley, srcd.onlinelibrary.wiley,
open-science-repository e PsycInfo . Os descritores da pesquisa foram
procurados em português e em inglês: criança ( child );
desenvolvimento infantil ( child development ); desenvolvimento
psicomotor ( psychomotor development ); Moçambique ( Mozambique );
África ( Africa ); infância ( childhood ); fatores que influenciam o
desenvolvimento ( factors that influence the development ); disparidades
entre meio rural e urbano ( disparities between rural and urban ); idade
pré-escolar ( preschool ).
28 Foram selecionados 41 estudos, dos quais apenas 23 se relacionavam
parcialmente com o tema a ser tratado e 17 apresentavam uma
relação direta com os vetores principais desta revisão. Os restantes
24 estudos relacionavam-se com campos de conteúdo mais
periféricos, como por exemplo intervenção precoce na Europa ou
com a realidade de crianças na América Latina. Foram também
considerados estudos principais, aqueles que retrataram realidades
semelhantes em países africanos da África subsariana.
29 A escolha dos estudos obedeceu a critérios de inclusão tais como:
estudos publicados com critério científico; estudos publicados nas
bases de dados consultadas e disponíveis gratuitamente. E critérios
de exclusão: estudos com acesso protegido ou pago e estudos que não
estivessem relacionados com alguma instituição com idoneidade e
reconhecimento público. O tratamento dos dados seguiu, através da
técnica de análise de conteúdo, várias etapas, desde a pré-análise,
passando pela exploração do material recolhido já com um sistema
de categorias de conteúdo identificadas. Por fim foi realizado o
tratamento dos resultados com a análise reflexiva e crítica sobre o
material previamente trabalhado (Bardin, 2006, cit. em Mozzato &
Grzybovski, 2011).
30 Apenas dois estudos, Preschool and child development under extreme
poverty – Evidence from a randomized experiment in rural Mozambique
(Martinez et al ., 2012) e Primeira infância em Moçambique, constatações
e desafios (Ladeira, 2010) abordavam, em parte, o desenvolvimento
psicomotor da criança moçambicana, em idade pré-escolar e na
província de Gaza. Em relação ao Chibuto não foram encontradas
publicações sobre o desenvolvimento da criança, apenas dados
estatísticos, sociodemográficos do distrito.
31 No relatório do Banco Mundial Análise de pobreza e impacto social –
Admissão e retenção no ensino primário – O impacto das propinas escolares
, realizado em 2005, podemos ler que em Moçambique, regra geral, as
famílias nas zonas rurais valorizam as crianças como parte da mão
de obra, principalmente na época das colheitas, o que interfere
negativamente com o seu percurso escolar, estando inclusive
relacionado com as elevadas taxas de reprovação e desistência do
ensino. O estudo chega mesmo a avançar que “As crianças com maior
idade, um fenómeno comum nas escolas rurais, ao invés de
completarem a escola primária, optam por desistir para procurarem
trabalho na Cidade de Maputo ou nas minas na África do Sul” (Banco
Mundial, 2005, p. 14).
32 No relatório Pobreza infantil e disparidades em Moçambique 2010 consta
que “persistem as desigualdades rural/urbano, pois as crianças das
áreas urbanas têm quatro vezes mais probabilidade de completar a
escola primária do que as crianças das áreas rurais (30% contra 7% )
” ( UNICEF , 2011, p. 115). Compreendemos, a partir daqui, que estas
assimetrias caracterizam, a vários níveis, realidades diferenciadas
entre as crianças moçambicanas que vivem na Maputo urbana e
aquelas que vivem no Chibuto rural.
33 Podemos ainda acrescentar que uma distinção entre o
desenvolvimento de crianças que vivem em zonas rurais e urbanas
poderá depender de vários fatores, muito inerentes às oportunidades
específicas de cada tipo de contexto. Uma delas, a maior
probabilidade de frequentarem contextos educativos antes do ensino
primário pode, segundo algumas constatações recolhidas, facilitar o
seu desempenho académico. No entanto, essas distinções poderão
não se destacar ainda na idade pré-escolar, mas mais tardiamente, ao
longo do percurso académico.
34 Os espaços urbanos em Moçambique sofreram um grande aumento
populacional após a independência nacional. Neste momento, são
espaços com excesso populacional e falta de infraestruturas e
serviços. Uma significativa parte da população envolve-se em
atividades de economia informal como forma de sobrevivência
(Araújo, 2003).
35 É, no entanto, relevante referir que há uma tendência, nas grandes
cidades e nos países mais desenvolvidos, para diminuir o grau de
independência ou de autonomia de mobilidade das crianças e jovens
(Pellegrini & Smith,1998). O mesmo se verifica nas grandes cidades
africanas. Esta redução da mobilidade e autonomia e consequente
aumento do sedentarismo tem condicionado alterações na forma
como as crianças vivenciam a atividade física, a aventura e o jogo na
primeira infância. O aumento do tráfego automóvel, a violência e
insegurança nos espaços urbanos têm influenciado mudanças numa
cultura de rua que era fundamental no processo de desenvolvimento
da criança, nomeadamente ao nível do jogo espontâneo e informal,
que é influenciador nas aquisições motoras, percetivas e sociais das
crianças.
36 As crianças que vivem na parte mais central da cidade de Maputo,
onde há frequentemente habitações verticais e elevado número de
viaturas em circulação, acabam por estar mais condicionadas na
exploração livre de espaços mais amplos e exteriores. O número de
horas de exposição passiva a aparelhos eletrónicos (sejam eles TV,
computadores, videojogos, smartphones ...) parece gerar uma
circunstância distintiva face às crianças que vivem em meio rural,
que não têm acesso a estes recursos, e por conseguinte, deverá ser
considerado na análise do desenvolvimento psicomotor destas
crianças.
37 O espaço físico, as suas características e as possibilidades de
mobilidade que permitem, serão relevantes para o desenvolvimento.
Morato colocou “ ênfase sobre o papel da motricidade no
desenvolvimento da capacidade de representação espacial da
criança” , que constitui um “alicerce fundamental da construção
cognitiva que a criança vai revelar ser capaz de realizar” (como
citado em Almeida, 2005, p. 22).
38 Um outro estudo de Machado et al . (2002) atribuiu as diferenças de
resultados nas performances motoras entre rapazes e raparigas às
características culturais do ambiente. Ou seja, pressupõe que essa
diferença se relaciona com o facto de “aparentemente os meninos
serem mais incentivados a brincadeiras ativas e receberem mais
estímulos com bolas, bastões e outros objetos utilizados em
movimentos de manipulação” (Neto et al ., 2004, p. 138).
39 Prista et al . referem, no seu estudo Atividade física em Moçambique ,
que numa amostra de 1421 rapazes e 1611 raparigas, estudada em
2012, na cidade de Maputo, foi possível perceber que se verifica uma
diminuição das atividades domésticas, jogos ativos e deslocações
ativas, à medida que as crianças crescem. Os autores acrescentam
ainda que o decréscimo abrupto da atividade física nas crianças e
jovens das cidades é real e estendeu-se a todas as camadas sociais
(Prista et al ., 2016, p. 63). As crianças moçambicanas que vivem no
meio rural, e em particular no distrito de Chibuto, onde as suas
ocupações diárias incluem sempre deslocações em áreas grandes e
abertas, como sejam o campo, o rio, o mercado, a escola, a
machamba, têm esta oportunidade ambiental para estimular o
desenvolvimento das suas habilidades motoras. Comparativamente
com as crianças ocidentais, as crianças moçambicanas que vivem no
meio rural parecem estar em vantagem, na exposição a um ambiente
físico facilitador da experimentação livre em espaços abertos, como
o campo e os seus caminhos. No entanto, de acordo com as
características contextuais locais, é importante lembrar que “a
desnutrição exerce um importante papel na ocorrência de déficits nas
diversas etapas do desenvolvimento infantil” (Fraga & Varela, 2012,
p. 59).
40 No Chibuto, segundo relatos de habitantes locais 7 , as crianças
ocupam o seu dia com a ida à escola, pastagem, vender sacos de
plástico e ovos cozidos, ir à machamba (terreno de cultivo para
produção familiar), caçar, pescar, brincar, cortar caniço e realizar
trabalhos domésticos. No grupo etário dos 4 aos 6 anos é mais
frequente as crianças participarem nos afazeres de casa, serem
responsáveis pela sua higiene pessoal e brincarem ao longo do seu
dia.
41 As mamãs do Chibuto, auscultadas no âmbito do projeto
“Educadores em Movimento – Uma educação itinerante para a
primeira infância” (2019), enumeraram como principais brincadeiras
das crianças, em particular na idade pré-escolar, as seguintes: neca
8
; jogar à bola; estufa 9 , pião; mathocozana 10 ; ntuxa 11 ; mudzobo
12
; esconde-esconde e toca 13 . Saltar à corda, jogar às escondidas,
“toca” e brincar com brinquedos construídos pelas próprias crianças,
são os jogos que, além da dança e música, Mwamwenda enumera nas
ocupações das crianças africanas (2009, p. 382). Estas brincadeiras
são essencialmente jogos de regras e jogos coletivos que contribuem
para o seu desenvolvimento social, afetivo e moral. São jogos que
facilitam o desenvolvimento de competências cognitivas, tais como a
atenção, a concentração, mas também habilidades motoras.
42 No estudo A review of the literature: Early childhood care and education
(ECCE) personnel in low- and middle-income countries (UNESCO, 2015)
realizou-se uma revisão da literatura focada em 15 países, a saber:
República Dominicana, Egito, Gana, Quénia, Macedônia do Norte,
Malásia, Moldávia, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Omã, Filipinas,
Togo, Trindade e Tobago e Vietnam. Os autores recorreram a vários
bancos de dados académicos e literatura publicada, privilegiando
estudos publicados entre 2000 e 2015, relacionados com os recursos
humanos, políticas, tendências e problemas relacionados com
Cuidados e Educação na Primeira Infância. Concluíram que há dados
limitados sobre a temática, atribuindo a situação a dificuldades de os
governos recolherem e divulgarem dados relacionados com o ensino
pré-primário e com o facto de a maioria dos estudos disponíveis se
basearem em informações estruturais e não de processo. Os autores
acrescentam ainda que existem poucos estudos experimentais na
área dos Cuidados e Educação na Primeira Infância, nomeadamente
estudos que permitam fornecer informações essenciais para
desenhar as estratégias nacionais para a primeira infância,
informações que possibilitem definir o tipo de formação a
disponibilizar para os recursos humanos, mas também que perfil de
profissionais se pretende para a área da primeira infância, entre
outras questões (UNESCO, 2015). Também Bidwell e Watine, no
relatório Exploring early education programs in peri-urban settings in
Africa, referem que embora existam evidências sobre o impacto das
intervenções na primeira infância, decorrentes de pesquisas
realizadas nos Estados Unidos e América Latina, existem poucos
estudos longitudinais e evidências limitadas sobre modelos com bom
custo-benefício ou retornos educacionais dessas intervenções
(Bidwell & Watine, 2014, p. 7).
43 É importante referir que há um estudo nuclear que foca uma ação
desenvolvida ao nível de uma intervenção precoce na primeira
infância, em meio rural, na Província de Gaza, desenvolvido pela Save
the Children , com início em 2008. Nessa altura, esta organização não
governamental implementou, em comunidades rurais de Gaza,
centros de base comunitária com um modelo de intervenção pré-
escolar que abrangeu 67 classes em 30 comunidades (Banco Mundial,
2011, p. 3). Esta intervenção implicou, inclusive, uma avaliação que
caracterizava o desenvolvimento das crianças, nomeadamente ao
nível do desenvolvimento cognitivo, motricidade, linguagem e
comunicação, competências socioemocionais e saúde. O impacto
desta intervenção foi aferido dois anos após o seu início e permitiu
concluir que as crianças que frequentaram este programa
apresentaram melhores resultad os no seu desempenho no ensino
primário, quando comparadas com as do grupo de controlo.
Especificamente, este estudo revelou evidências de melhorias no
desenvolvimento das crianças em vários domínios, tais como:
cognitivo, resolução de problemas, competências de motricidade
fina, comportamento e competências socioemocionais. O estudo
acrescenta, no entanto, que não foram apuradas evidências de
melhores desempenhos ao nível do desenvolvimento da linguagem e
comunicação, continuando a representar áreas onde as crianças
apresentavam grandes dificuldades.
44 Em relação a este estudo, importa dizer que, apesar de mencionar
que usou escalas de avaliação do desenvolvimento adaptadas ao
contexto, tal não parece ser fidedigno, uma vez que o que aconteceu
foi o uso do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP), na versão
adaptada para populações de falantes de espanhol em contextos de
baixa renda da América Latina (Martinez et al ., 2012, p. 23). Nestas
circunstâncias, os resultados deste estudo terão de merecer a devida
ressalva. Não poderão ser totalmente assumidos como um retrato da
realidade. Não esquecer, nomeadamente, o risco da interferência das
questões linguísticas nos resultados de estudos/avaliações, quando
não são devidamente consideradas.
45 A reforçar esta reflexão, encontramos o estudo de Beatrice
Matafwali e Robert Serpell, Design and validation of assessment tests for
young children in Zambia (2014), onde, mais uma vez, se reconhece que
há pouca documentação sistemática sobre instrumentos de avaliação
do desenvolvimento infantil culturalmente apropriados para a
população africana. O estudo de Bietenbeck et al . (2017) Preschool
attendance, school progression, and cognitive skills in East Africa afirma
que na África subsariana a maioria das crianças que se matriculam
na escola têm um desempenho escolar baixo, e que uma das razões
que o podem justificar é a falta de preparação das crianças à entrada
no ensino primário. O mesmo estudo procura compreender os
ganhos de uma intervenção pré-escolar ao nível de impacto no
percurso escolar e conclui que há algumas evidências de impacto dos
programas pré-escolares, face aos resultados de aprendizagem das
crianças no ensino primário. Estes benefícios parecem resultar do
facto de as crianças desenvolverem habilidades cognitivas e
comportamentais, no pré-escolar, que as irão ajudar nas
aprendizagens seguintes. Este estudo baseou-se em dados de
experiências realizadas em larga escala na Tanzânia e no Quénia,
demonstrando existirem benefícios a longo prazo para as crianças
que frequentam programas pré-escolares.
46 Encontram-se, na literatura, várias referências a programas pré-
escolares como promissoras medidas para contrariar estas
dificuldades das crianças e o insucesso escolar subsequente (Baez
Ramirez et al ., 2018); no entanto, Bietenbeck (2017) afirma que não
há suficientes evidências empíricas e rigorosas sobre o impacto
desses programas.
47 Seguindo esta reflexão, o autor do estudo Promoting children’s
sustainable access to early schooling in Africa (Ngwaru, 2014) analisa as
práticas que se observam em diversas comunidades africanas,
nomeadamente alguns programas de estimulação pré-escolar,
desenvolvidos com base em linhas conceptuais ocidentais. As
comunidades rurais dispõem, endogenamente, de diversos
conhecimentos e práticas relevantes na promoção do
desenvolvimento e aprendizagem das crianças. No entanto, a
importação de modelos ocidentais, segundo o autor, distancia as
comunidades das suas tradições e gera barreiras relacionadas com a
pouca participação dos pais na transição casa-escola. Estas
dificuldades, em conjunto com a falta de incentivo aos professores e
falta de recursos materiais, dificultam o sucesso das crianças no
ensino primário. O autor conclui que capacitar os pais a utilizarem
recursos e conhecimentos locais, envolvendo-se de forma mais
participativa na educação das suas crianças e ainda o reforço na
capacitação dos educadores e o aumento de recursos materiais irá
promover impactos mais significativos no percurso de aprendizagem
das crianças. Estas conclusões estão em linha com os princípios-
chave da intervenção precoce na infância, que, segundo a Associação
Nacional de Intervenção Precoce de Portugal (ANIP), adaptação do
modelo integrado de intervenção precoce de Dunst (2000), deve
desenvolver-se com práticas centradas na família, nomeadamente
através de: promover oportunidades de aprendizagem à criança;
apoio aos pais e maximizar os recursos existentes na comunidade
(Carvalho et al ., 2016, p. 76).
Considerações finais
48 Particularmente em Moçambique, são parcos os estudos sobre o
desenvolvimento da criança. As publicações encontradas retratam,
essencialmente, a criança nas suas dimensões de vulnerabilidade ou
uma perspetiva sociológica do estudo da infância. Os estudos que
existem apresentam fragilidades metodológicas identificadas,
nomeadamente no que diz respeito à importação de instrumentos
dos países ocidentais ou à falta de sistematicidade na recolha e
tratamento de dados.
49 O governo moçambicano está empenhado em melhorar o
desenvolvimento integral da criança em idade pré-escolar e várias
organizações, como a UNICEF ou o Banco Mundial, corroboram a
necessidade de planos de ação integrados, em resposta às
necessidades das crianças africanas.
50 No projeto da AIDGLOBAL, “Educadores em movimento – Uma
educação itinerante para a primeira infância”, os serviços de
Educação na Infância Itinerante são geridos por um Comité
Comunitário que para além de acompanhar o próprio serviço à
comunidade implementa estratégias para a sustentabilidade da
participação das “Educadoras em Movimento”. Esta é já uma
abordagem que devolve à comunidade o papel participativo que lhe é
devido e que os estudos parecem reforçar como sendo um processo
imprescindível para o sucesso das abordagens de educação de
infância.
51 O documento Cuidados de criação para o desenvolvimento na primeira
infância – Plano de vinculação dos objetivos de sobreviver e prosperar para
transformar a saúde e o potencial humano (UNICEF & OMS, 2018) aponta
vários aspetos importantes a considerar na análise do presente e das
perspetivas futuras sobre o desenvolvimento da primeira infância e
da criança em idade pré-escolar em Moçambique. Destaca-se, neste
documento, a importância dada aos cuidados de criação, que dizem
respeito às condições que propiciam saúde, nutrição, proteção e
segurança da criança, cuidados responsivos/empáticos e
oportunidades de aprendizagem precoce. Para que os cuidadores
consigam providenciar estes cuidados de criação é necessário que
tenham
segurança económica e social, participar de redes sociais de apoio, ter autonomia
para tomar decisões de acordo com o princípio do melhor interesse da criança e
estar convencidos do importante papel que desempenham na vida das crianças
sob seus cuidados. (UNICEF & OMS, 2018, pp. 11-12)
52 Evidencia-se, portanto, a necessidade de abordagens integradas à
primeira infância, valorizando soluções endógenas e o profundo
conhecimento da cultura local.
53 Os elementos distintivos entre a realidade rural e urbana carecem,
também, de um estudo mais aprofundado e são arriscados os
paralelismos com outras latitudes, uma vez que o espaço urbano
moçambicano é em si mesmo heterogéneo e, dentro da grande
cidade de Maputo, há diversas ruralidades.
54 A presente pesquisa bibliográfica revelou a enorme complexidade da
problemática do desenvolvimento da criança em idade pré-escolar
em África e em particular em Moçambique. Há um conjunto de
influências, desde internacionais a nacionais, familiares e
comunitárias, culturais e biológicas a considerar. No entanto, um
contributo importante para melhor conhecer a criança do Chibuto
parte, necessariamente, da recolha de dados empíricos específicos
sobre o modo de vida dessas crianças e suas famílias, através de
estudos mais aprofundados e com validade reconhecida pela
comunidade científica local. Nomeadamente porque, apesar de
existirem algumas evidências de impacto positivo, a longo prazo, no
desenvolvimento das crianças que frequentam programas pré-
escolares (Marcus et al ., 2013), Bientenbeck (2017) afirma que não
são evidências empíricas suficientes para comprovar essa correlação.
55 Os estudos consultados são importantes, mas também o são as
representações e crenças dos principais atores envolvidos na
educação dessas crianças, tal como afirmam Akkari et al . (2012, pp.
123-124), em relação à primeira infância na África subsariana.
56 Parece, portanto, ser importante perceber quais os modelos
pedagógicos mais pertinentes para um determinado contexto, depois
de o conhecer bem e compreender a influência das suas
características no desenvolvimento da criança; valorizar a
importância da cultura no desenvolvimento da criança e das
dinâmicas de cuidados e de educação das mesmas; conhecer,
valorizar a maximizar o papel das famílias e das comunidades na
educação das suas crianças e não esquecer a importância de
programas de ação integrados, nomeadamente que incluam a saúde
e a nutrição.
57 Esta revisão facilita o levantamento de parâmetros a observar num
estudo mais aprofundado sobre o desenvolvimento destas crianças,
nomeadamente a identificação dos fatores de risco para o
desenvolvimento, a identificação dos fatores que influenciam o
desenvolvimento, a identificação das etapas de desenvolvimento,
aquisições e competências que as crianças apresentem, de modo a
compreender se haverão diferenças estatisticamente relevantes.
Estes são dados de suma importância para permitir um
conhecimento mais real da população moçambicana e dispor de
informação que permita: identificar mais rapidamente sinais de
alerta no desenvolvimento da criança moçambicana; alimentar o
desenho de programas e políticas na área da criança; agir sobre
determinadas condições do meio ambiente, priorizando uma escolha
de acordo com o impacto que representam, ao nível do
desenvolvimento da criança.
58 Um estudo dessa natureza representará, só por si, uma ferramenta
de valor inestimável para a melhoria da qualidade das respostas na
área da criança, em Moçambique.
BIBLIOGRAFIA
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vinculação dos objetivos de sobreviver e prosperar para transformar a saúde e o potencial
humano. UNICEF & OMS.
NOTAS
1. Este artigo consiste numa síntese do trabalho de pesquisa
bibliográfica alargada, realizado pela autora no âmbito do projeto
“Educadores em movimento – Uma educação itinerante para a
primeira infância”, implementado no Chibuto, Moçambique,
promovido pela AIDGLOBAL.
2. http://www.rededpi.org.mz/index.php/pt/membros/julio-novo
3. O Modelo Ecológico de Bronfenbrenner considera os seguintes
níveis interligados de influência ambiental: microssistema;
mesossistema; exossistema; macrossistema e cronossistema.
4. Trata-se de um projeto promovido pela AIDGLOBAL, em consórcio
constituído por esta e pelo Centro Vocacional e Residencial do
Chibuto (CVRC), Serviço Distrital da Juventude, Educação e
Tecnologia do Chibuto (SDJET) e Serviço Distrital de Saúde, Mulher e
Ação Social (SDSMAS), em Moçambique e pelo Instituto Politécnico
de Leiria (IPL) e o Centro de Estudos Internacionais do Instituto
Universitário de Lisboa (CEI-IUL), em Portugal.
5. https://aidglobal.org/?project=educadores-em-movimento
6. A idade pré-escolar em Moçambique corresponde à idade entre os
zero e os cinco anos (Ministério da Educação de Moçambique, 2012).
7. Recolha de informação no âmbito da implementação do projeto
“Educadores em Movimento – Uma Educação Itinerante para a
Primeira Infância”.
8. Semelhante ao jogo da macaca.
9. Semelhante ao jogo do mata.
10. Jogo de origem africana muito popular em Moçambique, jogado
com pedrinhas e um buraco no chão.
11. Jogo de tabuleiro muito popular em Moçambique.
12. Semelhante ao jogo do berlinde.
13. Semelhante ao jogo da apanhada.
RESUMOS
Embora tenha ocorrido um foco maior no conhecimento sobre a criança e a infância, a
partir da década de 50 do século passado, foi possível perceber que prevalecem as
investigações e publicações baseadas no estudo de populações dos países industrializados.
Há, em várias fontes, um reconhecimento da necessidade de maior investimento, pela
comunidade científica, no estudo das populações africanas, e moçambicana em particular.
As crianças, em Moçambique, representam 52% da população (menos de 18 anos). Dessas
crianças, 48% vive em situação de pobreza absoluta; o acesso a serviços de aprendizagem
precoce de qualidade (três-cinco anos) é de apenas cinco por cento (UNICEF, 2014) e os
estudos sobre o desenvolvimento da criança são escassos.
Although there was a greater focus on knowledge about children and childhood, from the
50s of the last century, it was possible to realize that there is much more research and
publications based on the study of populations in industrialized countries. There is, in
several sources, a recognition of the need for greater investment, by the scientific
community, in the study of African and Mozambican populations in particular. Children in
Mozambique represent 52% of the population (under 18). Of these children, 48% live in
absolute poverty; access to quality early learning services (three-five years) is only five
percent (UNICEF, 2014) and there are few studies on child development.
ÍNDICE
Keywords: Mozambican child, psychomotor development, Chibuto, factors that influence
the development, disparities between rural and urban, preschool age
Palavras-chave: criança moçambicana, desenvolvimento psicomotor, Chibuto, fatores que
influenciam o desenvolvimento, disparidades entre meio rural e urbano, idade pré-escolar
AUTOR
CARLA MARINA MAIA LADEIRA
Cassio Rolim
NOTA DO EDITOR
Recebido: 28 de maio de 2020
Aceite: 29 de junho de 2020
3
Ensino superior em África
O quadro geral
TBE PE.TER
Cabo Verde 14,32% 1,53%
(*) Período variável de acordo com a disponibilidade de dados; TBE = Total de alunos matriculados no ensino
superior; PE.TER = População na idade oficial para o ensino superior.
40 Tendo em conta que não é possível saber tudo e/ou ver tudo em um
curso de graduação, qual deverá ser o conteúdo desse curso? Tome-
se como exemplo a disciplina Macroeconomia. O jovem profissional
deve saber a essência do funcionamento de uma economia de
mercado e as relações entre o lado real e o lado monetário da
economia. Deverá conhecer os vínculos entre gastos públicos e
inflação, câmbio e juros. Para isso, evidentemente, deverá conhecer
muito bem os procedimentos da contabilidade macroeconômica.
Esses são os conhecimentos básicos para que ele possa participar de
uma conversa sobre a macroeconomia do seu país. Seria importante
que ele conhecesse os debates macroeconômicos conhecidos como a
Controvérsia de Cambridge? Certamente sim, no entanto, esse
conhecimento teria pouca utilidade para as questões objetivas com
as quais ele lidaria no seu cotidiano.
41 De maneira análoga, o mesmo problema existe com as disciplinas de
Economia Regional e Urbana. Que conteúdo elas deveriam ter em um
contexto como o de um PALOP? A resposta a essa questão não é fácil,
no entanto é possível fazer um esboço do que poderia ser uma
disciplina de Economia Regional e Urbana com 60 horas-aula.
42 Na análise regional as grandes questões partem dos conceitos de:
espaço econômico e de sua subdivisão, a região econômica;
crescimento, desenvolvimento e integração regional;
como a região funciona internamente e como se insere no resto do mundo (os diversos
espaços econômicos).
16
Os blocos temáticos
Bloom, D., Canning, D., Chan, K., & Luca, D. (2014). Higher education and economic growth
in Africa. International Journal of African Higher Education, 1 (1), 22-57.
http://ssrn.com/abstract=2540166
Bloom, D., Kenning, D., & Chan, K. (2005). Higher education and economic development in Africa.
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role-regional-centers-excellence
NOTAS
1. Este artigo está escrito na variante brasileira da língua portuguesa
e segue o Acordo Ortográfico em vigor. Versões deste texto foram
apresentadas em seminários realizados em Lisboa e Marraquexe. O
autor agradece as sugestões de dois pareceristas anônimos da
revista.
2. Ao longo do texto os termos “instituição de ensino superior” e
“universidade” serão usados como sinônimos.
3. Parte desta seção foi tratada em Rolim e Serra (2010).
4. As pesquisas junto aos empregadores dizem que os formandos são
fracos na solução de problemas, visão empresarial, uso de
informática, trabalho em equipe e comunicação (World Bank, 2009,
p. 44).
5. Botswana, BW; Cape Town, ZA; Dar-es-Salam, TZ; Eduardo
Mondlane, MZ; Ghana, GH; Mauritius, MU; Makerere, UG; Nairobi,
KE.
6. University of: Lagos, NG; Ibadan, NG; Obafemi Awolowo University
lle-Ife, NG; Ghana, GH; Dar es Salaam, TZ; Nairobi, KE; Cape Town, ZA;
Witwatersrand, ZA; Rwanda, RW; Cheikh Anta Diop, SN; Makerere,
UG; Stellenbosch, ZA; Pretoria, ZA; Rhodes University, ZA; Kwa-Zulu
Natal, ZA; Addis Ababa, ET.
7. A Universidade Cheikh Anta Diop, no Senegal, é a única
francófona.
8. Nº de mulheres/nº de homens matriculados no ensino superior.
9. Um histórico das tentativas de estabelecer ensino superior no país
pode ser visto em Langa (2013, pp. 45-60).
10. Na realidade foi criada em 1999 mas só abriu as portas em 2004.
11. Não foi possível encontrar um documento oficial com essa
relação, no entanto há uma confirmação indireta da sua existência
através de eventos registrados no site do Instituto Camões (Instituto
Camões, 2019) e no da Plataforma 9 (Plataforma9, 2019). Além dessas,
também se intitula universidade o BIMANTECS ( Bissau International
Management and Technology School ).
12. A literatura é vasta. Uma introdução pode ser vista em Goddard e
Vallance (2013) e Lundvall (2008).
13. A sigla em inglês PBL ( Problem Based Learning ) será utilizada ao
longo do texto por ser a mais utilizada na literatura.
14. Business and Law .
15. Gabu é a segunda cidade da Guiné-Bissau, próximo de 40 mil
habitantes, e capital da província do mesmo nome que abriga cerca
de 200 mil habitantes. Está cerca de 260 km a leste da capital do país,
Bissau.
16. Esta parte do texto segue de perto Rolim (1998).
17. O texto de Myrdal (1957) é básico para o aprofundamento desse
ponto.
RESUMOS
Este trabalho irá discutir algumas questões relativas ao que seria uma “universidade
necessária” para um país dos PALOP, tomando como exemplo o que poderia ser uma
disciplina de Economia Regional e Urbana ministrada em um curso de Economia. O trabalho
está focado na quase impossibilidade, e na discutível utilidade para o país, em formar
pessoas com o mesmo perfil de um acadêmico saído das universidades ditas de padrão
internacional. O primeiro problema a ser discutido será a definição do perfil esperado para
esses formandos; em segundo lugar será o que deverá ser oferecido a eles dentro do amplo
leque de conhecimento acumulado pela ciência regional; finalmente, como isso será
ensinado, quais as técnicas e metodologias mais adequadas. O texto enfatiza a necessidade
da adoção de metodologias de ensino baseadas na solução de problemas como a PBL
(Problem Based Learning).
This paper will discuss some issues related to what would be the “necessary university” for
a country of the PALOP (Portuguese-speaking African countries) taking as example a
Regional and Urban Economics course taught in an undergraduate programme in
Economics. The main argument is that it is almost impossible and useless for the
universities of these countries to train people with the same profile of an academic out of
the so-called world-class universities. Because of this, the PALOP would look for alternative
models. The first issue discussed is the definition of the profile expected for the graduates;
secondly is what should be offered to them among the options from regional science;
finally, what are the most appropriate methodologies and techniques for learning this
subject. The text emphasizes the need for adopting teaching methodologies based on
solution of problems such as the PBL (Problem Based Learning).
ÍNDICE
Palavras-chave: instituições de ensino superior, ensino superior na África, PALOP,
economia regional e urbana, PBL, universidade necessária
Keywords: higher education institutions, higher education in Africa, PALOP, urban and
regional economics, PBL, necessary university
AUTOR
CASSIO ROLIM
Xénia de Carvalho
NOTA DO EDITOR
Recebido: 23 de outubro de 2019
Aceite: 01 de julho de 2020
1 Eu sou excessivamente crítico ao nosso regime, à maneira como tratou a
educação, sobretudo para as pessoas da minha idade para cá. Por exemplo, a
primeira crítica que eu tenho é que, e eu tenho que ser crítico porque eu
tinha passado dificuldades … eu quando estudava na [escola secundária],
epa, porra! os filhos dos dirigentes tinham uma escola! … Havia uma escola
dos filhos dos dirigentes [separada das outras] … O nosso regime funcionou
muito numa tentativa de tentar criar uma elite pré-fabricada ao seu jeito,
estás a ver? Quer dizer, que as pessoas que não pertencem aqui [a este
grupo], por muito que eles se esforcem, nunca vão entrar … Na época de
Samora, já existia estas escolas especiais. (Excerto da história de vida de um
participante da 1ª geração/socialismo)
2 Atualmente, e partindo da perspetiva crítica de Henry Giroux,
ancorado em Paulo Freire, a sociologia da educação pretende
questionar o significado do ensino e aprendizagem olhando para o
seu papel na construção da emancipação dos atores sociais (Giroux,
1981, 1997). Cruzando uma abordagem crítica à educação, com base
em metodologias próprias da antropologia (O’Neill, 2009; Geertz,
1973), que privilegiam o contexto e o indivíduo interpretado por si
próprio e em diálogo com o pesquisador, pretendemos contribuir
com uma visão do terreno, trazendo as narrativas de 18
moçambicanos sobre o significado da educação na atualidade. As 18
narrativas descrevem o percurso de três gerações na África
subsariana, resultado da herança colonial portuguesa, do legado
socialista com a independência de Moçambique em 1975, seguido da
instituição do regime democrático em 1990, estando atualmente
integrado na lógica neoliberal, que se enquadra na ideia de
modernidade líquida (Bauman, 2000) que caracteriza o mundo atual.
3 Nesse sentido, as narrativas biográficas escolares das três gerações
de moçambicanos após a independência, passando pelo período do
socialismo até ao neoliberalismo atual, levam-nos a questionar o que
se ensina e como se ensina no espaço da instituição-escola. As vozes
das três gerações recriam a história da escola ao longo de quatro
décadas em Moçambique, dialogando com o período político, a
aprendizagem e as críticas desenvolvidas face ao curriculum escolar,
revelando o curriculum “escondido”, onde se aborda o que não é
declarado publicamente, levando-nos ao entendimento da escola
como um lugar de poder, transmissão de cultura e construção da
realidade (Wilcox, 1982). Este lugar é descrito pelos participantes
como sendo (re)produtor de desigualdades sociais (Bourdieu &
Passeron, 1990; Bernstein, 1967, 1973; Coleman et al ., 1966),
sublinhando Maputo como o lugar por excelência de consolidação de
uma elite socioeconómica fechada e com acesso privilegiado a todos
os níveis de ensino (Mario e t al ., 2003, pp. 30-31).
Religião Habilitações
Gerações Língua Materna Profissões
(autodefinição) académicas
À exceção de
Católicos não
um
Português (50% dos praticantes/
participante,
participantes, praticantes da 4 com
2ª Geração que trabalha
mulheres); Tsua, RTA; havendo mestrado;
(Democracia, no sector
Bitonga e Ndau também 1 2 com
1986-2005) privado, são
para os restantes participante licenciatura todos
50% (homens) islâmico e 1
docentes
evangélico
universitários
Católicos 3 trabalham
(mulheres no sector
Português com 4 com
possuem forte privado;
3ª Geração incorporação de licenciatura;
ancoragem em 2 são
(Neoliberalismo, expressões das valores morais); 2 em processo
estudantes
2005-presente) línguas nacionais e havendo também 1 de conclusão
do inglês universitários
evangélico e 1 da licenciatura
e 1 docente
islâmico universitário
Conclusões
39 As narrativas escolares das três gerações de moçambicanos possuem
dois traços partilhados: a crítica ao sistema de ensino mercantilizado
e a existência de um estilo de ensino autoritário, em que o professor
é a figura dominante em contexto escolar. Os participantes
descrevem o espaço informal como sendo o espaço privilegiado de
aprendizagem, embora refiram que a escola é fundamental para
igualizar, globalizar e modernizar o país.
40 Com a 1ª geração/socialismo, a escola como instituição é descrita
como um instrumento do Estado que responde às necessidades do
país recém-independente. É o Estado que determina o que cada um
deve estudar de forma a colmatar as falhas existentes no
Moçambique pós-colonial. Em simultâneo, com o desenvolvimento
da política pública de educação que resultou na “geração do 8 de
março” de 1977, a escola socialista empoderou estudantes ao torná-
los professores, criando-lhes uma capacidade de autonomia e
emancipação que se reflete na 2ª geração, a da democracia, e que é
ensinada pela geração anterior, a socialista.
41 A 2ª geração/democracia já enfrenta as consequências das políticas
de ajustamento estrutural do FMI, com a intervenção da comunidade
internacional e consequente criação de níveis de corrupção dentro
do aparelho do Estado (Bowen, 1991; Hanlon, 2004). Nesta geração, a
escola continua a ser um espaço para as elites urbanas e do sul do
país, embora se assista à criação de instituições de ensino superior
privado.
42 A 3ª geração/neoliberalismo descreve a escola como um
instrumento necessário para a integração no mercado de trabalho,
perdendo as suas características de espaço de aprendizagem,
recorrendo a memórias dos tempos do socialismo em que a escola
promovia a autonomia e, em simultâneo, providenciava um futuro
sem incertezas.
43 Em simultâneo, e conforme argumenta Giroux (2004, p. 797), a
escola pública está “sob ataque” porque possui o potencial de tornar-
se uma “esfera pública democrática”, seguindo uma pedagogia
crítica, fornecendo aos estudantes, enquanto atores sociais,
“capacidades, conhecimento e valores necessários” para que se
tornem “cidadãos críticos”. O autor sublinha que é na escola pública
que os atores sociais encontram um espaço para criar uma
consciência crítica, através do diálogo, de que o poder ou o regime
político em que se inserem pode ser responsabilizado pelas políticas
públicas que desenvolve. A escola pública deve “desconstruir e
substituir” o discurso dominante de comercialização que domina o
panorama escolar atual, criando “modelos” que reproduzam a
globalização e as implicações de uma democracia global e neoliberal
(Giroux, 2004, p. 806). Contudo, e conforme salienta Harber (2014), é
necessário levar em conta que o sistema de educação formal em
contextos pós-coloniais é ainda caracterizado pela herança colonial,
privilegiando a (re)produção e formação de elites, estando por vezes
desadequado face às realidades regionais e seus sistemas de
conhecimento locais.
44 Nesse sentido, as três gerações reforçam nas suas narrativas
biográficas o papel da educação informal, através da família,
comunidade e religião, como essencial na construção de uma
emancipação e capacidade de autonomia face à instituição-escola
que continua igual ao que era desde os tempos coloniais – um espaço
que não promove a mobilidade social, privilegiando as elites ligadas
em particular ao partido político que continua a liderar o país desde
a independência (i.e. Frelimo).
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NOTAS
1. A autora gostaria de agradecer a leitura crítica e respetivos
comentários feitos pelos reviewers, incorporados no texto. Os
agradecimentos estendem-se também à leitura crítica do texto
inicial feita pelo Professor Fernando Florêncio, cujos contributos
foram incluídos.
RESUMOS
Neste artigo argumenta-se que a escola, em contexto pós-colonial, é um espaço (re)produtor
de desigualdades sociais, definindo-se como uma instituição transmissora de cultura, um
lugar de poder e local de construção da realidade de uma elite que se tem vindo a consolidar
desde o período colonial até à atualidade, seguindo um modelo que retrata o ensino na
Europa Ocidental. Olhando para as últimas quatro décadas de ensino em Moçambique,
enquadradas em três períodos ideológicos e políticos que caracterizam o país, recorrendo à
etnografia e recolha de histórias de vida ao longo de três gerações, pretende-se contribuir
para o entendimento da aprendizagem e como ela é feita na instituição-escola, percebendo
a sua contribuição na construção da emancipação dos atores sociais.
In this article it is argued that school, in a post-colonial context, is a space that (re)produces
social inequalities. School is an institution that reproduces culture, a place of power in
which reality is socially constructed by an elite that has been growing since colonial times
until nowadays. School, in post-colonial settings, follows a Western European model and
system of education. Looking at the last four decades of education in Mozambique, framed
in three specific ideological and political periods, using ethnography and collection of life
histories over three generations, this article aims to contribute for an understanding of
learning in school as an institution, and how it contributes for the emancipation of social
actors.
ÍNDICE
Keywords: critical pedagogy, generation, ethnography, life stories, narrative, Mozambique
Palavras-chave: pedagogia crítica, geração, etnografia, histórias de vida, narrativa,
Moçambique
AUTOR
XÉNIA DE CARVALHO
Flávia Alves Santos, Ana Louise Carvalho Fiuza e Carlos Ernesto Schaefer
NOTA DO EDITOR
Recebido: 29 de junho de 2020
Aceite: 10 de agosto de 2020
NOTAS
1. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001.
2. Museu localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais/Brasil, onde se
encontra um acervo com peças dos séculos XVIII ao XX,
representativo das atividades profissionais que deram origem à
indústria de transformação em Minas Gerais. Contempla setores de
atividades tradicionais tais como mineração, lapidação, ourivesaria,
alimentício e tecelagem.
3. Historiador e antropólogo brasileiro que se dedicou ao estudo da
cultura brasileira. Sobre a alimentação brasileira e suas influências
indígena, portuguesa, e africana, desde a fabricação dos utensílios
culinários até o modo de se alimentar, ver História da Alimentação no
Brasil (2011).
4. Referência ao renomado geógrafo português e à visita que realiza
ao Brasil na década de 1950 na ocasião do XVIII Congresso
Internacional de Geografia, a partir do qual conhece diversas regiões
brasileiras.
RESUMOS
A entrevista realizada em 2018 com o historiador e africanista brasileiro Alberto da Costa e
Silva objetivou explorar os desdobramentos da diáspora africana e suas influências na
agricultura brasileira. A partir deste tema foram abordadas questões sobre a alimentação,
adaptação de instrumentos agrícolas, escravidão, e mineração, na África, em Portugal e no
Brasil. Costa e Silva relaciona as particularidades dos africanos reconhecendo-os como
copartícipes na formação da sociedade brasileira. Em suas falas, o historiador relata modos
de vida, costumes e conhecimentos típicos, e como estes comportamentos se misturaram
formando um novo com marcas tanto portuguesas, quanto indígenas ou africanas, apesar de
muitas vezes uma contribuição ser desvalorizada em benefício de outra.
The interview conducted in 2018 with the Brazilian historian and Africanist Alberto da
Costa e Silva aimed at exploring the ramifications of the African diaspora and its influences
on Brazilian agriculture. From this theme, he addressed the topics of food diet, adaptation
of agricultural tools, slavery, and mining in Africa, Portugal and Brazil. Costa e Silva listed
the peculiarities of the Africans, recognizing them as co-participants in the formation of the
Brazilian society. In his speeches the researcher reported upon the typical ways of life, the
customs and the knowledge, and how all these behaviours, mixed together, would form a
new one with marks of Portuguese, indigenous and African origin, despite often devaluing
one’s contribution to the benefit of the other.
ÍNDICE
Keywords: diaspora, knowledge, African practices, society, historian
Palavras-chave: diáspora, conhecimento, práticas africanas, sociedade, historiador
AUTORES
FLÁVIA ALVES SANTOS
Universidade Federal de Viçosa
Avenida Purdue, s/n°, Campus Universitário
Edifício Edson Potsch Magalhães
CEP 36570-000 - Viçosa, Minas Gerais, Brasil
as.flavia@yahoo.fr