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PERCUSSÃO NA
EDUCAÇÃO
MUSICAL

TÓPICO 5

Prof. Me. Mateus Espinha Oliveira


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INTRODUÇÃO

Neste tópico pretendo começar com o uso dos ritmos brasileiros dentro da educação
musical. Isto pode ser útil por dois motivos, primeiro como forma de aprender a tocar alguns
instrumentos musicais e, em segundo lugar, para usar os ritmos brasileiros e a percussão dentro
da didática musical. A rítmica brasileira será usada aqui como base para o ensino rítmico, o
desenvolvimento de uma consciência da pulsação e para a compreensão de algumas figuras
rítmicas.
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RÍTMICA BRASILEIRA

Tópico 5 – O Uso De Ritmos Brasileiros No Ensino Musical


O aprendizado da rítmica acontece de duas formas: a racional e a corporal. O
pensamento racional é importante no momento de se aprender a leitura rítmica e de se
entender com clareza como funciona o compasso, suas subdivisões e células rítmicas.
Apesar da importância do pensamento racional, o que realmente faz com que o aluno
desenvolva uma boa relação com o ritmo é o corpo.

É através do corpo que se aprende o ritmo. É com o corpo que se desenvolve


uma consciência da pulsação, e é com o corpo que se entende realmente o ritmo. O
ritmo deve ser, antes de qualquer coisa, sentido, e não pensado.

Uma boa forma de ensinar a rítmica é através do uso de ritmos populares. Isto
pode ser dito por uma série de razões. Primeiramente, os ritmos populares brasileiros
serão familiares para os alunos. Ainda que não conheçam um ou outro ritmo específico,
as características da rítmica brasileira serão sempre familiares, e portanto razoavelmente
fáceis de se compreender e assimilar. Outra razão é o fato de estes serem ritmos
dançantes, o que favorece o uso do corpo para a compreensão do ritmo. Pode-se dizer
ainda, que é interessante que os estudantes de música conheçam os ritmos de seu país e
as características básicas e essenciais da rítmica brasileira.
O uso destes ritmos na educação musical pode ser usado para assimilar células
rítmicas recém aprendidas pelos alunos e também pode servir para iniciá-los a usar o
corpo no momento do aprendizado de um ritmo, fazendo com que aprendam a sentir o
pulso dentro do corpo, além da relação deste com a rítmica propriamente dita.
Um ritmo que pode ser útil para uma iniciação do uso de ritmos populares é o
afoxé. Ele é relativamente fácil de ser executado e compreendido, além de possuir poucas
células rítmicas em sua formação, o que facilita no momento de ensiná-lo.
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O AFOXÉ
O afoxé é um ritmo popular vindo da Bahia, muito popular no carnaval baiano, além
dos blocos típicos do afoxé, como o Filhos de Gandhi, por exemplo, este ritmo também
está presente em uma série de músicas do cancioneiro popular brasileiro.
Abaixo segue a definição do afoxé segundo a Enciclopédia da Música Brasileira:
Popular, Erudita e Folclórica (1998, p. 7):
“Candomblé, rancho negro que aparece na Bahia durante o carnaval, com origem
semelhante à do maracatu. Também conhecido como afuxé ou afuxê. Para Alceu Maynard
Araújo esse rancho “seria o sagrado participando do profano no carnaval, porque o afuxé é
uma obrigação religiosa que os membros do candomblé, principalmente os de origem jeje-
nagô, terão que cumprir, cuja saída no período momístico será feita ‘nem que seja por perto
do terreiro’”. Antes de ganhar a rua, os afoxés fazem uma preparação ritualística através de
um despacho, cerimônia que tem por fim impedir que Exu interrompa os festejos
carnavalescos. O despacho chama-se padé de Exu; trata-se de ritual promovido pelos
principais elementos do afoxé, que cantam e tocam o instrumental sagrado, até um orixá ser
incorporado por uma das filhas-de-santo. O mestre canta louvando os santos: canto
tristonho, ritualístico, monótono, em língua nagô, respondido em coro pelas filhas-de-santo.
Em seguida vem a louvação do rei e da rainha do afoxé. A Babalotim, boneca negra nagô
representante dos Ibeji (Cosme e Damião), é então reverenciada com todo o respeito e
atenção. Quem a conduz é um menino de oito a dez anos, dançarino capaz de executar os
passos da coreografia ritual. Só após essa dança é que se encerra a primeira parte do
afoxé, podendo então seus participantes sair à rua em cortejo: Babalotim vai na frente,
seguida pelo rei e a rainha, e logo atrás o quimboto (feiticeiro), que carrega um maracá.
Existem afoxés, porém, que não apresentam o quimboto, dando todo o destaque ao Obá,
que é o rei. Ao contrário do que ocorre na primeira parte, os cânticos de rua são alegres e
movimentados, conforme narra Alceu Maynard Araújo: ‘música de ritmo contagiante que
enreda o simples espectador de rua a acompanhar com o corpo, quando desfilam pelas
vielas, ruas e avenidas da capital baiana. Quando não se segue um afoxé que passa, pelo
menos batem palmas como fazem as filhas-de-santo’. Os instrumentos que acompanham o
rancho são: engomas (geralmente três atabaques) ou o ilu, os gã ou agogô, um ou dois
xerês.”

O instrumento referido acima pelo autor como “xerê” é aquele mais conhecido
como “xequerê”.
Abaixo segue, em notação musical, os ritmos básicos do afoxé:
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Fig. 1: Células rítmicas dos instrumentos do afoxé.

Acima coloquei duas possíveis células do toque do afoxé no atabaque, ambas são

comumente tocadas em afoxés, sendo que a primeira é a mais característica. O sinal:


refere-se ao “tapa”, som agudo produzido através de um tapa na pele do tambor.

Fig. 2: Atabaques.
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O agogô foi grafado em sua célula mais tradicional, que contém duas alturas, relativas às
duas campanas, aguda e grave, do agogô.

Fig. 3: Agogô.

O xequerê é usado com somente uma célula rítmica, e é o único dos instrumentos do
afoxé que pode ser excluído, sendo o agogô e atabaque indispensáveis.

Fig. 4: Xequerê.

Estes instrumentos, com exceção do agogô, são de relativa dificuldade de


execução para alunos iniciantes. O meu interesse com o afoxé, porém está mais na sua
rítmica. Ele pode ser ensinado aos alunos através da percussão corporal. O que é uma
boa introdução para se aprender qualquer ritmo.
De qualquer forma, também é interessante fazer com que os alunos toquem em
instrumentos de percussão. Para isto há duas adaptações que podem ser feitas para se
tocar este ritmo com alunos sem que haja qualquer problema relativo à técnica dos
instrumentos. Basta substituir os atabaques por um surdo e o xequerê pelos caxixis. A
princípio pode parecer um pouco radical a substituição do atabaque pelo surdo, devido à
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diferença de timbre dos dois instrumentos. Porém, em grupos de MPB, que tenham
formação com baixo e bateria, é muito comum que se toque este ritmo com uma célula
rítmica, executada pelo baixo e pelo bumbo da bateria, que se assemelha muito à célula
do atabaque. Esta célula pode ser executada no surdo, que se assemelha ao bumbo da
bateria, e não apresentará assim dificuldades técnicas de execução e nem
descaracterizará o ritmo em demasia. A célula é a seguinte:

Fig. 5: Surdo e respectivo padrão rítmico.

Já a célula do xequerê pode ser tocada nos caxixis, sendo que o aluno deverá
tocar um caxixi em cada mão, e pode ter a seguinte manulação:

Fig. 6: Manulação para célula rítmica do xequerê.

A manulação é importante, pois faz com que o aluno apóie o tempo na sua mão
forte, no caso escrito acima, da mão direita. Caso o aluno seja canhoto, ele deve começar
com a mão esquerda, neste caso a manulação será a seguinte: E ED E ED.
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Fig. 6: Caxixis.

Em relação ao agogô, não necessariamente se deve adaptar a sua célula, porém,


eventualmente algum aluno apresenta alguma dificuldade com a execução desta célula,
devido a pausa de semicolcheia que ela apresenta. Neste caso, sugiro o uso da seguinte
célula:

Fig. 7: Adaptação de célula rítmica do agogô.

Com o tempo, porém, deve-se ir mostrando ao aluno como é a célula correta, para
que ele não crie um conceito errado em relação a este ritmo. Esta célula deve ser usada
somente no início do aprendizado, quando o aluno ainda precisa entender a estrutura do
ritmo, logo que isso ocorra, já se deve passar para ele a forma correta de se tocar o
agogô.

A Percussão Corporal
Também podemos usar a percussão corporal para ensinar o ritmo a alunos. Ela é
bastante eficiente no início por não usar instrumentos, o que propicia duas coisas: evita
que os alunos se distraiam em demasia tocando os instrumentos, e faz com que eles
compreendam melhor o ritmo, já que o ambiente estará mais silencioso, permitindo que
os alunos ouçam com mais clareza e também que o professor explique com mais calma e
tranqüilidade.
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Outra coisa fundamental no uso da percussão corporal é fazer com que o aluno
marque o pulso com os pés. Os alunos sempre devem executar os ritmos de pé e com o
ritmo marcado, ora no pé direito, ora no esquerdo. Isto faz com que eles usem o corpo e
absorvam o ritmo de maneira empírica, evitando assim o excesso de racionalização do
ritmo. Lembrando que o ritmo deve ser sempre sentido no corpo.
Em relação ao afoxé, proponho aqui o uso de três timbres no corpo que traduziriam
os instrumentos, sempre lembrando que os timbres feitos no corpo devem ter, de alguma
forma, características que remetam ao som original do instrumento, dentro, obviamente,
das possibilidades do corpo.
Para a célula do surdo, ou atabaque, proponho que seja usado um som grave. Este
pode ser obtido no peito de cada aluno. Ao bater com as mãos fechadas podemos obter
um som grave com facilidade. O som grave, executado no peito é o mais adequado aqui,
já que remete ao surdo, por ser este o instrumento mais grave presente no afoxé.
Para a célula do agogô, proponho sons de palmas. Como o agogô tem duas
campanas, uma grave e uma aguda, devemos buscar dois timbres de palmas, um grave e
outro agudo.
Já para a célula do xequerê ou caxixi, podemos usar um som de tapa na coxa. Este
som será bem agudo e remeterá de certa maneira ao instrumento original. A célula deve
ser executada com uma mão em cada coxa, e deve ter a mesma manulação sugerida na
execução do caxixi.
Uma sugestão de atividade a ser feita com os alunos é a de diálogos. Pode-se
dividir a turma em três grupos: um que toca a célula do surdo, pois esta é a base do ritmo,
e dois outros que executam dialogando entre si, a célula do agogô.
Para estes grupos que executam o agogô, sugiro que um toque os timbres agudos
e o outro os timbres graves, ficando assim a execução:

Fig. 8: Distribuição do agogô entre grupos de alunos.

O grupo 1 tocaria palmas com sons agudos, enquanto o grupo 2 palmas com sons graves.
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Também pode-se usar a forma simplificada da célula do agogô, com o mesmo raciocínio
de execução do exemplo acima.

Fig. 9: Possibilidade alternativa de distribuição do ritmo do agogô entre dois grupos de alunos.

Vários outros tipos de dinâmicas de estudo podem ser feitos, o que dá bastante
liberdade ao professor, sendo assim aconselho sempre que cada um traga idéias novas
sempre à pratica diária do ensino.

GLOSSÁRIO
MANULAÇÃO: É a escolha da mão que irá articular o golpe, com ou sem baqueta.
Funciona da mesma forma que a escolha dos dedilhados no piano.

BIBLIOGRAFIA
Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. Reimpr. da 2. Ed – São
Paulo: Art Editora: Publifolha,1998.

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