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A MÁQUINA DE DESINTEGRAÇÃO

Sir Arthur Conan Doyle

Tradução e Adaptação:
Cristiano Roberto Rohling

O Professor Challenger estava com o pior humor possível. Enquanto permaneci à porta de
seu escritório, minha mão sobre a maçaneta e meu pé sobre o tapete, ouvi o monólogo que
se seguiu, as palavras retumbando e reverberando pela casa:

— Sim, eu disse que esta é a segunda ligação errada. A segunda nesta manhã. Imagine o
que significa para um homem de ciência ser distraído de seu essencial trabalho pela
constante interferência de algum idiota do outro lado dos fios telefônicos? Não estou
disposto a passar por isso. Mande essa reclamação ao gerente. Oh! O senhor é o gerente.
Então, por qual motivo não resolve meu problema? Sim, o senhor certamente é capacitado
a me distrair de um trabalho que sua mente é incapaz de compreender. Quero o
superintendente. Ele não está? Devia ter imaginado. Vou arrastar os senhores ao tribunal se
isso acontecer novamente. Até galos que cantam já foram julgados nas cortes. Eu mesmo
fui o reclamante. Se até os galos geram demandas, o que dizer de campainhas estridentes?
A situação é clara. Um pedido de desculpas por escrito. Muito bem. Vou considerar. Bom
dia.

Foi neste ponto em que me aventurei a fazer minha entrada. Era certamente um momento
infeliz. Estava em frente a ele quando deixou o telefone — como um leão em sua ira. Sua
enorme barba negra estava eriçada, seu grande peito arfava com indignação, e seus
arrogantes olhos cinzas varreram-me de cima a abaixo quando as ondas de sua fúria
caíram sobre mim.

— Patifes excessivamente remunerados, infernais, desocupados! — trovejou — Pude até


ouvi-los a gargalhar enquanto fazia minha justa reclamação. Existe uma conspiração para
me atormentar. E agora, jovem Malone, chega você para completar uma manhã desastrosa.
Você está aqui, deixe-me perguntar, por sua própria conta ou seu jornaleco lhe incumbiu de
obter uma entrevista? Como amigo, você tem seus privilégios — mas como jornalista,
certamente passa dos limites.

Eu caçava em meu bolso a carta de McArdle quando repentinamente uma nova queixa veio
à sua memória. Suas enormes e peludas mãos se atrapalharam em meio aos papéis sobre
sua mesa e finalmente encontraram um recorte de jornal.

— Você foi corajoso o suficiente ao aludir a mim em suas recentes lamentações — disse
ele, balançando o papel à minha frente — Foi no curso de seus comentários um tanto
idiotas a respeito da descoberta de restos sauroides na planície de Solenhofen. Você
começa o parágrafo com as palavras: ‘Professor G. E. Challenger, um de nossos maiores
cientistas vivos...

— Mas, senhor? — perguntei.


— Qual o motivo dessas desagradáveis qualificações e limitações? Talvez você deva
mencionar quem são esses outros predominantes homens de ciência a quem você imputa
igualdade ou até mesmo superioridade em relação a mim?

— Me expressei mal. Certamente, deveria ter dito: “Nosso maior cientista vivo”. — admiti.
Afinal, era minha crença sincera. Minhas palavras transformaram seu inverno em verão.

— Meu bom e jovem amigo, não pense que estou sendo exigente, mas cercado como estou
por belicosos e irracionais colegas, acabo por ser forçado a tomar meu próprio partido. A
auto-afirmação é estranha à minha natureza, mas tenho que me manter firme contra a
oposição. Venha agora! Sente-se aqui! Qual é o motivo da sua visita?

Tive que pisar em ovos, pois sabia o quão fácil seria fazer o leão voltar a rugir. Abri a carta
de McArdle.

— Posso ler essa nota, senhor? É de McArdle, meu editor.

— Me lembro dele... não é um mau exemplar de sua classe.

— Ele tem, no mínimo, uma grande admiração por sua pessoa. Ele se volta ao senhor de
tempos em tempos, quando precisa de altas qualificações em algum caso investigativo.
Aliás, esta é a situação atual.

— O que ele precisa?

Sob a influência da lisonja, Challenger se empinou como uma ave desajeitada. Sentou-se
com os cotovelos sobre a mesa, as mãos de gorila juntas, a barba eriçada para a frente e
seus grandes olhos cinzentos, meio cobertos pelas pálpebras caídas, fixaram-se
benignamente em mim. Ele era enorme em tudo o que fazia, e sua benevolência era ainda
mais avassaladora que sua truculência.

— Lerei a nota por ele a mim confiada. Aqui diz:

“Por favor, contate nosso estimado amigo, o Professor Challenger e peça sua
cooperação nas seguintes circunstâncias. Um cavalheiro letão de nome
Theodore Nemor, residente em White Friars Mansions, Hampstead, afirma
ter inventado uma máquina de caráter extraordinário, capaz de desintegrar
qualquer objeto colocado em sua esfera de influência.

Com o uso deste engenho, a matéria se dissolve, retornando à condição


molecular ou atômica. Invertido o processo, a matéria pode ser refeita. Tais
alegações parecem extravagantes, mas existem sólidas evidências que
apontam para sua veracidade, de modo que Nemor parece realmente ter
tropeçado em alguma notável descoberta.
Não seria preciso ressaltar o caráter revolucionário de tal invenção, nem sua
extrema importância como potencial equipamento bélico. Uma força capaz
de desintegrar um navio de guerra e de — mesmo temporariamente —
transformar um batalhão em um mero agrupamento de átomos poderia
certamente dominar o mundo. Por razões sociais e políticas, todo o tempo
gasto na tentativa de chegar ao fundo deste assunto será bem aproveitado.

Nemor apregoa estar ansioso para vender sua invenção, de modo que não
serão encontradas dificuldades para a aproximação. O cartão anexo abrirá
as portas. Desejo que você e o Professor Challenger se encontrem com ele e
que inspecionem sua invenção, escrevendo para o Gazette um relato sobre
o valor da descoberta. Espero sua resposta para esta noite — R. McARDLE.”

— Estas são minhas instruções, Professor. — continuei enquanto novamente dobrava a


carta — Sinceramente, espero que o senhor venha comigo, pois como eu, com minhas
limitadas capacidades, deveria agir diante de tal assunto?

— Verdade, Malone! Verdade. — ronronou o grande homem. — Ainda que não destituído
de inteligência natural, concordo contigo que estarias sobrecarregado ao tratar do assunto
que trouxestes a mim. Essas terríveis pessoas ao telefone já arruinaram meu trabalho
matinal, de modo que gastar meu tempo com este caso não vai fazer diferença. Estou
empenhado em refutar àquele bufão italiano, Mazotti, cujos pontos de vista sobre o
desenvolvimento larval dos cupins tropicais atraíram meu escárnio e desprezo, mas a
exposição deste impostor pode aguardar até a noite. Enquanto isso, estou a seu dispor.

E foi assim que naquela manhã de outubro me vi no trem subterrâneo com o Professor,
acelerando para o norte de Londres naquela que provou ser uma das experiências mais
singulares da minha notável vida.

Antes de deixar Enmore Gardens, eu havia averiguado pelo famigerado telefone que nosso
homem estava em casa, avisando-o a respeito de nossa visita. Ele vivia em um confortável
apartamento em Hampstead, e nos fez esperar por meia hora em sua ante sala enquanto
continuava um animado colóquio com um grupo de visitantes, cujas vozes, quando
finalmente se despediram no salão, apontavam para o fato de serem russos. Tive um
vislumbre deles através da porta semiaberta, pareciam homens prósperos e inteligentes,
com colarinhos de astracã em seus casacos e cartolas brilhantes, toda aquela aparência de
bem-estar burguês que todo bem-sucedido comunista prontamente assume.

A porta do corredor se fechou atrás deles e, no instante seguinte, Theodore Nemor entrou
no cômodo onde estávamos. Ainda posso vê-lo agora, iluminado pela luz do sol, esfregando
suas longas e finas mãos e nos examinando com seu largo sorriso e seus astutos olhos
amarelos.

Era um homem baixo e troncudo, e parecia ser portador de alguma deformidade física,
embora fosse difícil determinar em que parte do corpo. Pode-se dizer que ele era um
corcunda sem a corcova. Seu rosto grande e liso se parecia com um bolinho de massa mal
passada, com a mesma cor e consistência úmida, enquanto as espinhas e manchas que o
enfeitavam destacavam-se ainda mais agressivamente contra o fundo pálido. Seus olhos
eram felinos, assim como o fino, longo e eriçado bigode que encimava sua frouxa, úmida e
salivante boca. Tudo nele era baixo e repulsivo até que se reparasse em suas sobrancelhas
cor de areia. A partir destas havia um esplêndido arco craniano, como raramente vi igual.
Até o enorme chapéu do Professor Challenger poderia facilmente ter servido naquela
magnífica cabeça. Alguns leriam Theodore Nemor como um vil e rastejante conspirador,
mas nesse ponto ele poderia tomar parte entre os grandes pensadores e filósofos do
mundo.

— Bem, cavalheiros… — disse ele, em uma voz aveludada quase desprovida de sotaque
estrangeiro — como entendi por nossa breve conversa por telefone, os senhores vieram
conhecer mais a respeito do Desintegrador Nemor. Seria isso mesmo?

— Exatamente.

— Devo perguntar se representam o governo britânico?

— De forma alguma. Sou correspondente do Gazette, e este é o Professor Challenger.

— Um nome honrado em toda a Europa. — seus caninos amarelados brilhavam em uma


obsequiosa amabilidade — Estava prestes a lhes dizer que o governo britânico perdeu sua
oportunidade. Na verdade, logo descobrirão ter perdido bem mais que isso. Possivelmente,
até mesmo o Império. Estive preparado para vender minha invenção ao primeiro governo
que se dispusesse a pagar o preço, e se agora ela está em mãos que os britânicos
desaprovam, a culpa é apenas de vocês.

— Então, o senhor vendeu seu segredo?

— Pelo meu próprio preço.

— O senhor pensa que o comprador terá o monopólio?

— Sem dúvidas, ele terá.

— Mas outros conhecem o segredo.

— Não, senhor. — ele tocou sua grande testa — Este é o cofre em que o segredo está
guardado com segurança — um cofre mais eficiente que qualquer um feito de aço, e
protegido por algo substancialmente melhor que uma chave Yale. Alguns podem até saber
partes do segredo: outros, podem conhecer porções do assunto. Todavia, ninguém no
mundo sabe tudo sobre meu invento, senão apenas eu.

— E também esses cavalheiros para quem o senhor vendeu.


— Não, senhor, eu não seria tolo a ponto de entregar o segredo antes que o preço fosse
pago. Além disso, eles compraram a mim, e desta forma levarão este cofre — ele tocou
novamente em sua testa — com todo o seu conteúdo para qualquer lugar que desejarem.
Assim, minha parte na barganha será cumprida fiel e impiedosamente. Depois disso, a
história será feita.

Ele esfregou as mãos, e o sorriso que trazia fixo se contorceu em algo semelhante a um
rosnado.

— O senhor vai me desculpar — trovejou Challenger, que até então permanecera sentado
em silêncio, mas sua expressiva face registrava a mais completa desaprovação de
Theodore Nemor — antes de discutir o assunto, deveríamos nos convencer de que haja
realmente algo a ser discutido. Ainda não nos esquecemos do recente caso em que um
italiano, que se propunha a explodir minas à distância, sob investigação se provou um
completo impostor. A história pode muito bem se repetir. O senhor entenderá que tenho
uma reputação a zelar como homem de ciência — uma reputação que, como o senhor
mesmo descreveu, se estende por toda a Europa, ainda que eu tenha razões para crer que
não seja menos visível na América. A precaução é um atributo científico, e o senhor
precisará nos mostrar provas antes que possamos considerar como reais as suas
afirmações.

Nemor lançou um olhar particularmente maligno para meu companheiro, mas o sorriso de
afetada genialidade se alargou em sua face.

— O senhor faz justiça à sua reputação, Professor. Sempre ouvi que o senhor seria o último
homem do mundo que poderia ser enganado. Estou preparado para oferecer uma
demonstração real que não falhará em lhe convencer, mas antes disso preciso dizer
algumas poucas palavras sobre os princípios gerais. O senhor perceberá que o modelo
experimental que erigi em meu laboratório é apenas um protótipo, ainda que funcione
admiravelmente dentro de suas limitações. Não existiriam possíveis dificuldades em, por
exemplo, desintegrar sua pessoa para posteriormente remontá-la, mas esse não seria
motivo suficiente para que um grande governo estivesse preparado para pagar um preço
que chega aos milhões. Meu modelo é um mero brinquedo científico. É apenas quando esta
mesma força é invocada em larga escala que os enormes efeitos práticos podem ser
atingidos.

— Podemos ver este modelo?

— O senhor não somente o verá, Professor Challenger, mas terá possivelmente a mais
conclusiva demonstração sobre sua própria pessoa, isso se tiver coragem para tal.

— Se! — o leão começou a rugir — Seu “se”, meu senhor, é ofensivo no mais alto grau.

— Certo, certo. Não tive a intenção de questionar sua coragem. Só pretendia oferecer-lhe
uma oportunidade para demonstrá-la. Primeiramente, devo dizer algumas palavras sobre as
leis subjacentes que governam o assunto. Quando certos cristais, por exemplo, o sal ou o
açúcar, se dissolvem e desaparecem quando postos na água, não seria possível saber se
eles já estiveram lá. Então, através da evaporação ou de alguma outra forma, quando é
diminuída a quantidade de água, ei-los de volta! Lá estarão seus cristais novamente,
visíveis uma vez mais e iguais a antes. Consegue conceber um processo pelo qual o
senhor, um ser orgânico, se dissolveria do mesmo modo no cosmo para, depois, por uma
sutil reversão das condições, se reagrupar mais uma vez?

— A analogia é falsa — bradou Challenger — Mesmo que aceitasse a monstruosa


premissa de que nossas moléculas podem ser dispersas por algum poder perturbador, por
que as mesmas deveriam se reunir exatamente na mesma ordem que antes?

— Sua objeção é das mais óbvias. Posso apenas responder que, ao se remontar, as
moléculas se remontam até o último átomo da estrutura. Existe uma moldura invisível na
qual cada tijolo voa para seu devido lugar. Você pode rir, professor, mas sua incredulidade e
seu sorriso logo serão substituídos por outra e bem diferente emoção.

Challenger encolheu os ombros.

— Estou completamente pronto para me submeter ao teste.

— Há ainda outro caso que gostaria de expor, senhores, e que poderia ajudá-los a
compreender a ideia. Os senhores provavelmente já ouviram, tanto na magia oriental
quanto no ocultismo ocidental, sobre o fenômeno do aporte, no qual um objeto é
subitamente trazido de longe e aparece em um novo lugar. Como poderia tal coisa ser feita
salvo pelo afrouxamento das moléculas, seu transporte sobre uma onda etérica e sua
remontagem, cada uma exatamente em seu próprio lugar, unidas por alguma lei irresistível?
Isso parece uma analogia justa com o que é feito por minha máquina.

— Você não pode explicar uma coisa inacreditável citando outra coisa do mesmo gênero —
disse Challenger — Não acredito em seus aportes, Sr. Nemor, e não acredito em sua
máquina. Meu tempo é valioso, e se quisermos fazer algum tipo de demonstração, peço-lhe
que prossiga sem mais cerimônias.

— Então o senhor terá o prazer de me acompanhar. — disse o inventor. Ele nos levou,
descendo a escada do apartamento e atravessando um pequeno jardim que ficava por trás.
Havia um considerável anexo à residência, o qual ele destrancou para que entrássemos.

Dentro havia uma grande sala pintada de branco com inúmeros fios de cobre pendurados
em rolos no teto e um enorme imã equilibrado em um pedestal. À frente, havia o que
parecia um prisma de vidro com um metro de comprimento e um metro de diâmetro. À
direita, sobre uma plataforma de zinco, repousava uma cadeira com uma tampa de cobre
polida suspensa logo acima. Tanto a “tampa” quanto a cadeira tinham pesados fios presos
a eles, e ao lado havia uma espécie painel de controle com ranhuras numeradas e uma
alavanca emborrachada que, no momento, marcava zero.
— Este é o Desintegrador de Nemor. — disse aquele estranho homem, acenando com a
mão para a máquina — Este é o modelo que está destinado à fama, alterando o equilíbrio
de poder entre as nações. Quem detiver esse poder governará o mundo. Agora, Professor
Challenger, se assim posso dizer, o senhor me tratou com alguma falta de cortesia e
consideração neste assunto. Ousaria o senhor se assentar àquela cadeira de modo a me
permitir demonstrar em seu próprio corpo as capacidades desta nova força?

Challenger possuía a coragem de um leão, e algo na natureza do desafio o incitou a um


instante de frenesi. Ele correu para a máquina, mas eu o segurei pelo braço, puxando-o de
volta.

— O senhor não deve ir. — falei — Sua vida é valiosa demais. Isso é monstruoso. Que
garantia de segurança temos? A coisa mais próxima a esse aparelho que já vi foi a cadeira
de eletrocussão em Sing Sing.

— Minha garantia de segurança — disse Challenger — é que você será testemunha, e


Nemor certamente seria detido por homicídio involuntário, no mínimo, se alguma coisa
acontecesse comigo.

— Mas seria um péssimo consolo para o mundo da ciência, pois o senhor deixaria
inacabado seu trabalho, e ninguém além do senhor poderia continuá-lo. Deixe-me ao
menos ir primeiro, e depois, quando a experiência se mostrar inofensiva, o senhor poderá
prosseguir.

O perigo pessoal nunca teria feito Challenger mudar de opinião, mas a ideia de que seu
trabalho científico pudesse permanecer inacabado o atingiu em cheio. Ele hesitou e, antes
que pudesse se decidir, corri para frente e pulei na cadeira. Vi o inventor colocar a mão na
alavanca. Eu estava ciente de ter ouvido um clique. Então, por um momento, houve uma
sensação de confusão e uma névoa diante dos meus olhos.

Quando terminou, o odioso inventor sorria diante de mim e Challenger, com suas
bochechas vermelhas drenadas de sangue e cor, olhava por cima de meu ombro.

— Bem, vamos logo com isso! — falei.

— Já terminamos. O senhor respondeu admiravelmente. — informou Nemor — Saia agora,


e o Professor Challenger sem dúvidas estará pronto para assumir seu lugar.

Nunca vi meu velho amigo tão preocupado. Seus nervos de ferro tinham por um momento
falhado completamente. Ele segurou meu braço com a mão trêmula.

— Meu Deus, Malone, é verdade. — disse ele — Você desapareceu. Não há dúvida disso.
Houve uma névoa por um instante e depois você sumiu.

— Por quanto tempo estive fora?


— Dois ou três minutos. Fiquei, confesso, horrorizado. Imaginei que você não retornaria.
Então ele levou a alavanca, se isto for realmente uma alavanca, a outra ranhura e lá estava
você em cima da cadeira, parecendo um pouco desnorteado, mas do jeito que sempre foi.
Agradeci a Deus ao vê-lo! — Ele enxugou a testa úmida com um grande lenço vermelho.

— Agora, senhor — disse o inventor — Ou talvez seus nervos não o permitam?

Challenger visivelmente estava preparado. Ergui minha mão em protesto mas ele a
empurrou para o lado e se sentou na cadeira. Quando a alavanca tocou no número três, o
Professor desapareceu.

Devo ter ficado horrorizado com a perfeita frieza do operador.

— É um processo interessante, não é? — comentou — Quando consideramos a tremenda


individualidade do Professor, é estranho pensar que ele agora está transformado em uma
nuvem molecular suspensa em alguma porção deste prédio. Ele está, é claro, inteiramente
à minha mercê. Se eu escolhesse deixá-lo em suspensão nada no mundo poderia me
impedir.

— Eu logo encontraria alguma forma de impedi-lo.

O sorriso novamente se tornou em um rosnado.

— O senhor nem poderia imaginar que tal pensamento poderia passar por minha mente.
Deus do Céu! Pense na permanente dissolução do grande Professor Challenger,
desaparecido no espaço cósmico sem deixar traços! Terrível! Terrível! Ao mesmo tempo, ele
não foi cortês como deveria. Não acha que eu deveria lhe aplicar uma pequena lição?

— Não, não acho.

— Bem, digamos que seria uma curiosa demonstração. Algo que daria um interessante
parágrafo em seu artigo. Por exemplo, descobri que os pêlos do corpo vibram de forma
totalmente diferente dos demais tecidos orgânicos vivos, e podem ser incluídos ou
excluídos à vontade. Me interessaria ver o urso sem sua pelagem. Ei-lo!

Houve o barulho da alavanca. Um instante depois Challenger estava uma vez mais sentado
na cadeira. Mas que Challenger! Um leão tosquiado! Mesmo furioso com a peça que lhe foi
pregada, mal consegui conter o riso.

Sua enorme cabeça estava tão careca quanto a de um bebê e seu queixo, liso como o de
uma garota. Despojado de sua gloriosa juba, a parte inferior do rosto estava fortemente
avermelhada e em forma de presunto, enquanto toda a sua aparência era de um velho
gladiador combativo, surrado e abaulado, com as mandíbulas de um buldogue sobre um
enorme queixo.
Pode ter a expressão de nossas faces — não tenho dúvidas que o sorriso maligno de meu
companheiro se alargou com a visão — mas, seja como for, a mão de Challenger voou até
sua cabeça e ele se tornou consciente de sua condição . No instante seguinte, ele saltou da
cadeira, agarrou o inventor pelo pescoço e o jogou no chão. Conhecendo a imensa força de
Challenger, me convenci de que o homem seria morto.

— Pelo amor de Deus, tenha cuidado. Se você o matar, nunca mais consertaremos as
coisas! — gritei.

Esse argumento prevaleceu. Mesmo em seus momentos mais loucos, Challenger sempre
permanecia aberto à razão. Ele se levantou do chão, arrastando com ele o trêmulo
inventor.

— Eu lhe dou cinco minutos. — ofegou ele em sua fúria — Se em cinco minutos eu não for
mais como era, sufocarei toda a vida deste seu corpo miserável.

Furioso, Challenger não era exatamente uma pessoa segura para se discutir. O mais
valente dos homens poderia se encolher diante dele, e não havia sinais de que o Sr. Nemor
fosse um homem particularmente corajoso. Pelo contrário, aquelas manchas e verrugas em
seu rosto de repente se tornaram muito mais evidentes quando o rosto atrás delas se
alterou da cor de massa, que era seu normal, para a cor da barriga de um peixe.

— Sério, professor! — ele balbuciou, com a mão na garganta — Esta violência é totalmente
desnecessária. Certamente uma piada inofensiva pode passar em branco entre amigos. Era
meu desejo demonstrar os poderes da máquina. Imaginei que você queria uma
demonstração completa. Sem ofensa, garanto-lhe. Professor, de forma alguma!

Como resposta, Challenger subiu de volta na cadeira.

— Você vai ficar de olho nele, Malone. Não permita nenhuma liberdade.

— Vou cuidar disso, senhor.

— Agora, resolva esse assunto ou assuma as consequências.

O aterrorizado inventor se aproximou de sua máquina. O poder de integração foi ativado ao


máximo, e em um instante, lá estava mais uma vez o velho leão com sua crina
emaranhada. Ele acariciou afetuosamente a barba com as mãos e as passou sobre o crânio
para ter certeza de que a restauração estava completa. Então, desceu solenemente de seu
poleiro.

— O senhor tomou uma liberdade, senhor, que pode ter consequências muito graves para
si. No entanto, estou satisfeito em aceitar a explicação de que você só fez isso para fins
demonstrativos. Agora, posso lhe fazer algumas perguntas diretas sobre este notável poder
que o senhor afirma ter descoberto?
— Estou pronto para responder a qualquer coisa, exceto qual é a fonte de tal poder. Esse é
meu segredo.

— E você nos informa seriamente que ninguém no mundo sabe disso, exceto você?
— Ninguém tem a menor ideia.

— Sem assistentes?

— Não senhor. Eu trabalho sozinho.

— Meu Caro! Isso é muito interessante. Você me satisfez quanto à realidade do poder, mas
ainda não percebi sua orientação prática.

— Já expliquei, senhor, que este é um modelo. Mas seria muito fácil erguer uma planta em
grande escala. Você entende que isso age verticalmente. Certas correntes acima de você, e
outras abaixo de você, criam vibrações que se desintegram ou se reúnem. Mas o processo
pode ser lateral. Se assim fosse, teria o mesmo efeito e cobriria um espaço proporcional à
força da corrente.

— Brinde-nos com um exemplo.

— Vamos supor que um pólo esteja em uma pequena embarcação, e um segundo pólo
esteja em outra; um navio de guerra entre eles simplesmente desapareceria em moléculas.
O mesmo ocorreria com uma coluna de tropas.

— E você vendeu esse segredo como monopólio para uma única potência europeia?

— Sim, senhor, tenho. Quando o dinheiro for pago, eles terão um poder como nenhuma
outra nação jamais teve. Você agora pode não ver todas as possibilidades deste engenho
caso colocado em mãos capazes, que não temam empunhar tal arma. Elas são
incomensuráveis. — um sorriso exultante passou pelo rosto maligno do homem —
Conceba um bairro de Londres no qual essas máquinas possam ser erguidas. Imagine o
efeito de tal corrente na escala que poderia ser facilmente adotada. Por que — ele caiu na
gargalhada — eu poderia imaginar todo o vale do Tâmisa sendo varrido, e nenhum homem,
mulher ou criança sobrando de todos esses milhões!

Estas palavras me encheram de horror — e ainda mais o ar de exultação com que foram
pronunciadas. Elas pareciam, no entanto, produzir um efeito bem diferente em meu
companheiro. Para minha surpresa, ele abriu um sorriso cordial e estendeu a mão para o
inventor.

— Bem, senhor Nemor, temos de lhe dar os parabéns. — disse ele. — Não há dúvida de
que você encontrou uma propriedade notável da natureza que conseguiu aproveitar para
uso do homem. Que esse uso seja destrutivo é sem dúvida muito deplorável, mas a Ciência
não conhece distinções desse tipo, mas segue o conhecimento aonde quer que ele nos
leve. Além do princípio envolvido, você não tem, suponho, nenhuma objeção ao meu exame
da construção da máquina?

— Nem um pouco. A máquina é apenas o corpo. É a alma disso, o princípio animador, que
você nunca poderá esperar capturar.
— Exatamente. Mas o mero mecanismo parece ser um modelo de engenhosidade. — por
algum tempo, ele caminhou em volta da máquina e dedilhou suas várias partes. Em
seguida, ele levou seu corpo pesado para a cadeira isolada.

— Você gostaria de outra excursão ao cosmos? — perguntou o inventor.

— Mais tarde, talvez... mais tarde! Mas, enquanto isso, há, como sem dúvida você sabe,
algum vazamento de eletricidade. Posso sentir nitidamente uma corrente fraca passando
por mim.

— Impossível. O assento é isolado.

— Mas garanto que sinto isso. — Ele se ergueu de seu poleiro.

O inventor apressou-se em ocupar o seu lugar.

— Não consigo sentir nada.

— Não sente um formigamento na espinha?

— Não, senhor, não estou observando.

Houve um clique agudo e o homem desapareceu. Olhei com espanto para Challenger.

— Deus do céu! Você tocou na máquina, Professor?

Ele sorriu para mim benignamente com um ar de leve surpresa.

— Meu caro! Posso inadvertidamente ter tocado na alavanca. — disse ele — É muito
provável que ocorram incidentes embaraçosos com um modelo aproximado desse tipo. Esta
alavanca certamente deveria ser mais protegida.

— Está no número três. Essa é a marcação que causa a desintegração.

— Foi o que observei quando você foi desintegrado.

— Mas fiquei tão animado quando ele trouxe você de volta que não vi qual era a marca
adequada para a devolução. Você notou?

— Posso ter notado, jovem Malone, mas não sobrecarrego minha mente com pequenos
detalhes. Existem muitas marcações e não sabemos para que servem. Podemos piorar a
situação se fizermos experiências com o desconhecido. Talvez seja melhor deixar as coisas
como estão.

— E você iria...

— Exatamente. É melhor assim. A interessante personalidade do Sr. Theodore Nemor


distribuiu-se por todo o cosmos, sua máquina não tem valor e um certo governo estrangeiro
foi privado de um conhecimento pelo qual muitos danos poderiam ter sido causados. Não foi
uma manhã ruim de trabalho, jovem Malone. Seu jornal, sem dúvida, terá uma coluna
interessante sobre o inexplicável desaparecimento de um inventor letão logo após a visita
de seu próprio correspondente especial. Eu gostei da experiência. Esses são os momentos
mais leves que vêm iluminar a tediosa rotina do estudo. Mas a vida tem seus deveres e
também seus prazeres, e agora volto ao italiano Mazotti e suas absurdas visões sobre o
desenvolvimento larval dos cupins tropicais.

Olhando para trás, parecia-me que uma leve névoa oleaginosa ainda pairava ao redor da
cadeira.

— Mas certamente... — insisti.

— O primeiro dever do cidadão cumpridor da lei é prevenir o assassinato. — disse o


Professor Challenger — Foi o que fiz. Chega, Malone, chega! Este tema não será discutido.
Você já separou por muito tempo meus pensamentos de assuntos de maior importância.

— FIM —

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