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SILVA, Helenice Rodrigues da.

A História como “a representação do passado”: a nova


abordagem da historiografia francesa. In CARDOSO, Ciro F. & MALERBA, J.
Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 81-99,
2000.

Resumo e impressões das obras

Citações

O ABANDONO DAS “MENTALIDADES”

 Interrogar sobre as razões da promoção da noção de representação, erigida em


matriz da história cultural e política, pressupõe levar em conta as transformações
operadas no interior da própria história como disciplina, ao longo dos anos 80
(cf. Silva, 1998). Os deslocamentos ocorridos na prática e no discurso histórico
são subjacentes às mudanças do paradigma intelectual: o abandono dos grandes
sistemas totalizantes e explicativos (marxismo e estruturalismo), logo, da crítica
dos postulados das próprias ciências sociais. p.81
 Nesse contexto de renovação metodológicas que envolvem a pesquisa histórica,
a história das representações se afirma como complemento e como nova
orientação da história cultural. Em resposta ao paradigma subjetivista em vigor
no campo intelectual (a partir dos anos 80) e à perda de hegemonia da tradição
dos Annales, a história das representações propõe introduzir novas escalas de
análise, capazes de integrar ao social e histórico os atores individuais. P.82
 A categoria das representações, aplicada à história cultural, e mesmo à história
em sua totalidade, visaria romper falsos dualismos que opõem objetivismo a
subjetivismo, operando uma mediação entre o coletivo e o individual histórico.
P.82
 Desse modo, como observa François Dosse (1995, p.255), “o que estava em
jogo por trás dessa valorização insistente do mundo das representações era uma
redefinição e uma certa distância crítica em relação à maneira como a Escola dos
Annales tratou das mentalidades nos anos 70”. Esse distanciamento critico em
relação às “mentalidades”, preconizado por Roger Chartier (1989), dá margem à
formulação de um nova história cultural. O conceito de representação substitui,
assim o de mentalidades, ambíguo e pouco operacional, e a nova história
cultural, tal como a define Chartier, torna-se a herdeira legítima da história das
mentalidades. p.82-83
 Para Roger Chartier, o conceito de representação permite associar antigas
categorias que a história social, a história das mentalidades e a história política
mantinham separadas. Desse modo, esse conceito possibilita unificar três
dimensões constitutivas da realidade social: inicialmente, as representações
coletivas, herdadas de Mauss e de Durkheim, que constituem a matriz das
formas de percepção, de classificação e de julgamento; em seguida, as formas
simbólicas, por meio das quais os grupos e os indivíduos percebem suas próprias
identidades; por fim, a delegação atribuída a um representante (indivíduo,
coletivo, instância abstrata), “da coerência e da permanência da comunidade
representada” (Chartier 1996, p.143). A categoria de representação seria, pois, o
elemento constitutivo de um novo modelo de história. P.83

[IMPORTANTE]
REPRESENTAÇÃO COMO CONHECIMENTO E COMO IMAGEM COLETIVA

 De uma maneira esquematizada e simplificada, pode-se dizer que esse conceito,


tal como é utilizado pela teoria do conhecimento, fundamenta-se a partir de uma
dupla metáfora a da representação teatral e a da representação diplomática.
P.84

 Na realidade, essas duas acepções são indissociáveis. Se, no sentido teatral, a


representação tem uma aparência concreta, no sentido diplomático, ela se
manifesta pela presença real de um representante visível. Assim sendo, a
representação pressupõe a ideia de uma superposição de dois tipos de presença:
por um lado, uma presença efetiva, direta, de uma pessoa, de um objetivo, de
uma ação e, por outro, a presença indireta de uma realidade. P.84

 Ao lado das interpretações mentais dos indivíduos, as representações coletivas


ou sociais constituem verdadeiros sistemas de interpretação do meio social.
Forjada por Mauss e por Durkheim (1898), a noção de representação se propõe
explicar diferentes fenômenos sociológicos, a partir do postulado segundo o qual
a sociedade constitui uma totalidade, isto é, uma entidade geral que difere da
simples adição dos indivíduos que a compõem. P.85

 Modo especifico de conhecimento do real, as representações permitem aos


indivíduos agir e comunicar. A representação de um objeto corresponde, então, a
um conjunto de informações de opiniões e de crenças referentes a esse objeto.
Ela é constitutiva “da realidade do objeto, da subjetividade de quem o veicula e
do sistema social no qual se inscreve a relação sujeito-objeto” (Moliner 1996,
p.14). Uma tal concepção de interação entre relações sociais e organizações
individuais dos conhecimentos sócias remete ao conceito sociológico,
reformulado por P. Bourdieu, de habitus. P.86

 Chartier: Essas mutações correspondem, na opinião desse autor, ao abandono:


1) do projeto de história total capaz de articular diferentes níveis da totalidade
social; 2) da definição territorial dos objetos de pesquisa (uma cidade, uma
região, um país), condição necessário para organizar o tratamento dos dados; 3)
da primazia atribuída às divisões sociais, consideradas, até então, aptas à
apreensão das diferenciações culturais (cf.: Chartier 1989, p.1508). p.86

 Próximo a Bourdieu, Chartier toma-lhe emprestado, embora sem denominá-lo, o


conceito de habitus, com a finalidade de demonstrar a importância das formas
geradoras dos sistemas de classificação e de percepção. Essas formas constituem
verdadeiras “instituições sociais”, que incorporam, sob o modo de
representações coletivas, as divisões da organização social. P.87

 Em suma, a redefinição da história cultural, aplicada a uma esfera de


investigação precisa, pressupõe um conjunto de articulações necessárias entre
práticas culturais, estruturas sociais e formas de poder. Apreendendo as lutas de
representação, a nova história cultural, na versão de Chartier, reabilita a própria
história social, uma vez que sua atenção se volta para “as estratégias simbólicas
que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou
meio, um ser perceptível constitutivo de sua identidade” (op. cit., p.1514). p.88

 A exploração das margens, dos limites e dos paroxismos: tais são, em linhas
gerais, as pistas de análise que conduziram Alain Corbin a se tornar especialistas
da história das sensibilidades. P. 88

 A partir de suas observações sobre as crenças religiosas, Marcel Gauchet (1988)


constata que a ruptura da sociedade moderna com a tradição religiosa manifesta-
se, na realidade, na continuação, ao longo de “uma vivência coletiva
inconsciente”, do presente de outras “práticas” religiosas que vêm a
corresponder às mesmas necessidades anteriores (Dosse, op. cit.,p.260). p. 91

 Gauchet concebe, então, sua história das representações como um movimento


complexo que combina variação e invariantes. Nessa interpretação do passado
que tende a valorizar as experiências dos atores, ou seja, o nível micro da
história, as representações irracionais podem coabitar com as formas de

construção racionais. P.92 [IMPORTANTE, PROCURAR]


 Pensar: A partir de um estudo sobre as cerimônias de celebrações aos mortos da
Segunda Guerra, organizadas pelos antigos resistentes comunistas, G. Noiriel
demonstra a importância da “experiência da vida” dos indivíduos no processo de
compreensão de um universo de símbolo existentes em uma comunidade. P.94

 A hegemonia exercida pela história política, a partir de meados dos anos 80,
atesta as mudanças de orientação da historiografia francesa, que rompendo com
o programa dos Annales – à dominância econômica e social – reintroduzem o
sujeito, o acontecimento e o tempo curto. No entanto, essa nova história política,
renovada em métodos e em objetos, privilegia, num primeiro momento, um
enfoque meramente político. Reticente em relação às ciências sociais em geral e
aos instrumentos conceituais em particular, a nova história política adota,
inicialmente, procedimentos de análise tradicionais, limitando-se à dimensão
unívoca do acontecimento, do sujeito e do tempo curto. P 94-95

 Sendo assim, a emergência de uma noção como cultura política, implicando a


idéia de representação, atesta, evidentemente, uma renovação na prática
historiográfica. Ela vem significar uma tentativa de abertura da história política
em direção a história cultural. Segundo Serge Berstein (1997), uma “cultura
política” é um fenômeno complexo, que corresponde não a uma ideia de
ideologia ou de um conjunto de tradições, mas a uma pluralidade de elementos
que permitem definir uma forma de identidade do indivíduo em relação a nação
(cf. Berstein, op. cit. p. 372): “assim como a própria cultura, a cultura política
inscreve-se num quadro de normas e valores determinam a representação que
uma sociedade faz de si própria, de seu passado e de seu futuro.” (idem, p.375).
p.95

 Apesar de seu valor heurístico, as noções de “cultura política” e de


“representação” parecem ter uma função, nas pesquisas feitas nessa área, mais
descritiva do que interpretativa. Muitas vezes desprovida dos instrumentos
teóricos necessários à elaboração de um quadro formal e/ou conceitual de
análise, a maior parte dos historiadores que trabalham nessa perspectivas faz um
uso limitado e quase sempre factual dessas duas noções. Empregado de maneira
isolada, sem referencia ao sistema de relações teóricas das quais ele depende, o
conceito de representação parece, em determinados casos, servir unicamente de
figura retórica e de justificativa a um certo modismo intelectual (cf. Sirinelli,
1997). P.96

 Como todo fenômeno de “moda”, a emergência da noção de representação


exige uma certa relativização de sua importância na prática histórica.
Substituindo as “mentalidades” nos anos 90, as “representações” não tenderiam
a desempenhar, como ocorreu com este último conceito, um papel excessivo no
discurso dos historiadores? Embora tendo um valor heurístico, a função das
representações parece ser, como se pode ver a partir de alguns dos exemplos
citados neste trabalho, mais de ordem descritiva do que explicativa. P.96

 Como já diziam Marc Bloch e Lucien Febvre, toda história é uma história social,
pois ela subtende grupos e coletividades. A identidade de um grupo, em sua
diferença em relação a outros grupos, é construída por meio de um conjunto de
representações: todas história social um pouco ambiciosa em apreender o real na
sua totalidade deve (...) tornar-se uma história cultural” (Prost 1997, p.146).
Assim, a história das representações só poderá ser eficaz se integrar, numa visão
totalizante, os diferentes domínios dessa disciplina. A história não seria, na
realidade, uma história das representações? P.97

Indicações Bibliográficas

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