AUTOR:
ROGÉRIO BATISTA
PREFÁCIO
Rogério Batista
Lago da Pedra -MA
09 de fevereiro de 2012
Paz seja convosco
Jesus Cristo
João 20:26
I PARTE
Capitulo I
O transcendentalismo de um jovem
Lúcio estava empolgado com as suas proezas, e já estava em seu terceiro feitiço.
Faltava-lhe alguns ingredientes para a realização desta tão arriscada e nova mandinga, embora
tivesse há dois anos concluído o ensino médio e já estava na idade de trabalhar e ir em busca
de um curso técnico ou quem sabe uma formação numas daquelas áreas humanas, seu espírito
arrebatava-lhe para o fantástico, a ilusão, o transcendentalismo não convencional. Pouco
importava a opinião dos amigos, era mais que uma busca, foi o encontro com sua verdadeira
identidade.
O primeiro feitiço tinha todas as particularidades exigidas, o ambiente correspondente,
o livro, a vela, a faca e a oração que seria o meio de invocação das “forças” a quem deveria
ser dirigido as petições. Então mergulhemos amigo leitor nesta fascinante, esquisita e tola
forma de suplicar e humilhar-se em busca do amor, e porque não confessar, desejo sexual em
lascívia exagerado? Então, o jovem Lúcio do interior do Maranhão, perdido num teatro sem
texto a ser interpretado, sem cenário e expectadores realiza uma grande proeza: invocar uma
criatura que atendia por um nome que lembra um típico animal de cascos do nordeste para
que o ajudasse em seus desejos desenfreados. E pluft! Plact! Pow! Uma oração realizada à
meia noite, com uma vela acessa, uma faca de gume amoladíssima, e a oração decoradíssima
com as virgulas e os pontos, no cemitério que trazia a simpática frase “AQUI TERMINA
TODO ORGULHO HUMANO”, e nu. Exatamente o que você leu: nu, pelado, sem um pingo
de vergonha da genitália viril. Sem refletir muito, fez como o livro o orientara. Mas cá entre
nós, você entendeu o porquê da faca? Durante o estranho ritual, nada fora cortado, mas tudo
bem, Lúcio afirmou que isto o fez se sentir seguro, afinal quem seria maluco de tentar
provocá-lo naquela circunstância? De certo todo este sacrifico era para ter o amor, aqui no
sentido de desejo sexual desenfreado, luxúria, ou taras de um jovem.
Pois bem, ao retornar para casa já vestido é claro! Encontra ainda dentro do cemitério
um grupo de jovens, aproximadamente uns seis, e riam, e falavam como se tivessem
embriagados, com livros, velas e roupas pretas, mas não estavam ali com os mesmos ideais,
então o nosso jovem aprendiz de feiticeiro aproxima-se sem ser visto e fica atento às seguintes
palavras recitadas de um dos rapazes, que aparentava estar embriagado:
Para a surpresa de Lúcio, entre aqueles jovens haviam duas jovens, pouco atenta às
palavras, ou ao estilo gótico dos meninos, davam a entender que o que queriam mesmo era o
calor dos meninos, pois suas aparências eram de uma juventude inocente, sem mácula
alguma, porém de uma sensualidade arrebatadora, e em pouco tempo, a poesia e a rebeldia
dava lugar ao amor, e numa orgia encantadora amaram-se deliberadamente, foi então que
começaram a fumar, entregarem-se, sem pudor, medos, ou ressentimentos, eram apenas
corpos amando-se sem identidade ou restrição alguma, a única lei vigente era o prazer pelo
prazer, e em ânsias e vertigem sentiu a estranha sensação de repudio, desejo e medo, Lúcio
retirou-se do cemitério sem ser percebido, era melhor retornar para casa, para sua cama, para
seu porto seguro. E os frutos do primeiro feitiço? Na manhã seguinte encontrara um bilhete no
chão de sua casa, o qual dizia: “Quero você.” No bilhete constava um endereço que indicava
uma casa num bairro próximo. Não custava nada verificar quem o desejava, pensou então no
efeito rápido do sacrifício que havia feito, teria em suas mãos uma escrava para seus amores
de juventude.
O segundo feitiço foi o pacto, também concordo que este assunto está como uma pele
necrosada, saturada, um enfado para os ouvidos céticos e um banquete para os religiosos. Mas
como não falar desta atitude, desta certeza num mundo invisível, porém mais consistente que
a matéria física, as rochas, a natureza e seu ciclo, o sangue, a carne e os ossos, estes estavam
fadados ao fracasso e ao fim, o pacto não, este garantiria o poder supremo, a autoridade, a
qualidade de ser divino, não apenas um mortal, mas um feiticeiro. Lúcio não seguira as
orientações de ninguém, não pedira conselhos, não se deslumbrava com a vida, com os
humanos e suas conquistas, a morte, o pacto, o poder sobrenatural, isto o fascinava, dava-lhe
vida, sua existência foi revestida de sentido quando reconheceu suas qualidades divinas, a de
ser um bruxo poderoso, capaz de atos extraordinários, violentaria a natureza e submeteria
debaixo de sua autoridade, para cumprir seus egoístas desejos de jovem.
Sem muito sacrifício artificial, uma vez que este assunto é popular, e que aqueles que
fazem o pacto conseguem coisas incríveis, não lhe custaria muito vivenciar este pensamento.
Era um dia escaldante daqueles em que apenas é possível na terra nordestina, de uma
arquitetura simples e modesta, pacata e tradicionalmente religiosa e política, sem as tribos dos
grandes centros urbanos. Então Lúcio fala sozinho, mas com o direcionamento ao
transcendental: Tu tens até meia noite para provar tua existência, uma vez provada eu
pactuarei! E o dia segue-se, banho, televisão, histórias fascinantes e enfadonhas dos vizinhos,
e finalmente descanso no seu nobre quarto.
Seu corpo saudável apresentava sinais de incompatibilidade com sua alma
atormentada. Seu espírito pairava por lugares sombrios da cidade, enquanto seu corpo sentia
as sensações, e vagava pela noite em prostíbulos, na companhia de homens devassos e
mulheres indecentes, evidenciava a carnalidade e a brutalidade do amor da noite daqueles que
amam e vivem seus instintos, sua natural humanidade. As mulheres eram corpos para amar,
exalavam o cheiro da luxúria, e assim, os homens seduzidos envolviam-se nos deleites que o
corpo oferecia, sentiam-se homens verdadeiramente enquanto devoravam-se como amantes,
dando ao corpo o legitimo prazer pelo prazer.
Mas o jovem Lúcio estava na cama, deitado, adormecendo com a distancia entre seu
corpo e sua alma. E caiu em um sono profundo e sua cabeça estava vazia, sem medos,
pensamentos, sonhos, apenas dormia. Algumas baratas pretas e enormes ao percebem que
suas vidas não apresentavam risco, em comunidade subiam para a cama em busca de restos de
alimentos, uma barata ousada, timidamente começara a roer um dedo do pé, e violentamente
com um desejo canibal, todas as baratas repetiam o mesmo, e roíam, roíam, e alegravam-se
em devorar as carnes de Lúcio que dormindo profundamente nada sentira. E quando
apresentou sangue nos dedos, elas paravam, estavam satisfeitas.
Um som impetuoso invade o ambiente e os insetos espalham-se em direção a seus
esconderijos, o som envolve o quarto numa fumaça densa e lenta, deixando aquela figura sem
forma pairar sobre Lúcio e, em instantes envolvendo-o no pescoço como uma corda de um
suicida, sufoca o jovem com tanta impetuosidade que não o deixa continuar dormindo, era o
Visitante, viera provar sua existência, queria pactuar-se! O pavor e o frio o deixara sem
conseguir falar, um medo e a intimidação se alojaram inibindo toda a coragem que possuía.
O Visitante impressionava com sua presença, em Lúcio um estranho sentimento de
poder, medo e segurança o motivava, com a mente congelada não conseguiria raciocinar
claramente, apenas via forma-se a imagem do Visitante, sua aparência era como a de um sábio
jovem, seus traços revelavam pouco a pouco, a combinação entre uma criatura humana com
um ser divino, como a estrela do amanhecer, um rei ousado. Viu então a força de seu olhar
altivo, e sua expressão serena, porém cruel, a imagem que se formara não se revelava por
completo, a sensação agora era a de ser um jovem especial, um escolhido, diferente, estava se
revelando perante seus olhos assustados e intrigados, o mundo transcendental. E quando
tentou falar percebeu que não tinha voz, não tinha forças, estava neutralizado pela imagem. O
Visitante olha e diz:
― Sou aquele a quem tu invocaste. És sábio, pois fizeste uma escolha que apenas os
fortes são capazes. Tenho dedicado a toda a humanidade o meu afeto e os meus cuidados, mas
os homens temem a minha presença, porém tu ó Lúcio, tua coragem te fará forte. Eu não o
abandonarei, assim, como não tenho abandonado a humanidade. Os homens clamam, fazem
sacrifícios, abstém-se daquilo que não entendem, e ainda assim não são suficientes para
aquele que chamam de Deus! Eu, no entanto não abandono nenhum dos filhos que ele rejeita.
São almas tristes por natureza, limitadas e frágeis, mergulhados no obscuro de seus
pensamentos mais sombrios, homens marginalizados e segregados por seus próprios irmãos,
alguns transformam as dores em violência, a nenhum destes acuso por causa de seus erros, e
sim, os justifico. O homem é imperfeito, a sua descendência é imperfeita. Eu não sou Deus,
não sou eu o responsável pela vida, mas aquele que a humanidade escolheu para representar
erroneamente as mazelas da terra. Eu compreendo a natureza fraca que possuem, e a estes, eu
os adoto como filhos. Tu, Lúcio és especial, tu me invocaste, tu me amaste e sem temer
queres a minha adoção. Pactuemos então, e estarei contigo. E serei como um amigo de
verdade.
Bem, caro leitor, os argumentos sofistas na época foram mais que convincentes, mas o
que dizer da cabeça de um jovem? Cada um busca realizar-se em sua própria loucura, uns
bebem, outros vivem enamorados, outros estudam, uns escrevem e os mais preguiçosos não
fazem nada, mas há aqueles mais radicais, que tentam desligar-se por completo da natureza
humana, e de repente para estes, o mundo físico parece ser tão sufocante e angustiante que a
paranoia espiritual é mais esperançosa. Não creio que Lúcio fique satisfeito com este seu
narrador se houver detalhes deste pacto. Pois, não houve nada de surpreendente, ele não
sacrificou um bode negro numa data tal, de acordo com a fase da lua, utilizando velas
especificas com orações com rimas pobres. Exatamente leitor, não houve nada do que nossa
imaginação nos induzem a pensar. A praticidade de Lúcio irrita até o Visitante, narrarei uma
ocasião pós-pacto. Aliás, este encontro foi o pacto, assim, simples, de mavé desceu.
Depois de algumas semanas desenhando. É, também achei uma graça este rapaz que
pactuaste, onde já se viu ficar desenhando o Visitante? Então, depois de algumas semanas
desenhando o Visitante, vinha à noite pela madrugada uns sons estranhos, na primeira noite
ouviu o choro de uma criança, do lado de fora da casa, ele ficou apavorado com a crueldade
materna, abandonar o filho na calada da noite, então, tampou os ouvidos para que o choro não
o incomodasse e tentou dormir, mas o choro se intensificou, foi então que lembrou que
enquanto folheava um livro de orações, encontrou uma reza para batizar almas de crianças
mortas não batizadas para que pudessem ser salvas, nosso apático jovem, pensou então no frio
e na situação patética que seria sair de sua cama na madrugada, rezar pela alma de menino
morto, não, definitivamente isto não faria parte de seus planos como bruxo, e ouviu o choro
até que seu corpo não resistiu de cansaço e adormeceu. Enquanto andava pelas ruas daquela
pequena cidade do interior do Maranhão, pelas vielas de calçamento rústico, observando as
casinhas, a simplicidade das pessoas, ele mergulhava em seus delírios, acreditava fielmente no
pacto, e imaginava que conseguiria proezas mágicas, controlar a natureza, ter domínio sobre
as enfermidades, violar as leis da natureza, no entanto a iniciação o pareceu pouco saudável.
O perigo e o medo agora o atormentavam. Seu instinto se aguçara para lugares sujos, e o pior:
tinha suas noites de sono interrompida, e se tinha algo que o incomodava era perder uma boa
noite de sono. Em uma destas noites, ouviu uma ordem:
― Levante! Vá ao cemitério, e leve uma faca e velas contigo, pois nesta noite te darei
poder, para isto terás que desenterrar um cadáver que tenha sido morto por morte violenta.
Agora vá, que lá te darei todas as instruções.
Assustador não é mesmo leitor? Mas para Lúcio aquilo era nojento mesmo!
Desenterrar cadáver e se expor a um alto risco de contaminação? Em hipótese alguma faria
uma ação desta, e durante a noite? À noite, sempre perturbando a noite. O sono do dia era
perdoável, mas a noite tinha que ser oito horas de sono para ter uma vida saudável, sem falar
que naquela cama quentinha, não tinha poder que o seduzia, não era preguiça, é que ele achou
um feitiço pouco higiênico, e mais, era um cadáver, mas só pelo fato do pobrezinho não reagir
a estímulos, não dava o direito a ninguém mexer. Virou-se ignorou a voz e seu corpo
adormeceu.
Bem, não tiro a razão de ninguém de fazer o que não quer, mas este é seu segundo
feitiço, o pacto, em outras palavras seu guia, espírito, demônio, anjo como queiram, para
Lúcio, um amigo que apoiava suas estrambóticas ideias, e se tratavam com vários nomes, que
alguns acho ofensivo. Em uma determinada situação, que tornou-se mais tarde frequente,
sempre próximo às seis horas, enquanto caminhava pela rua, na subida de uma ladeira de
longe Lúcio avistava seu novo amigo, ele dizia:
― Estou esperando você, tenho visto que neste horário você sempre passa por aqui, e
neste lugar podemos conversar à vontade. Tive uma ideia genial, inspirarei você a escrever
um grande livro, este será muito poderoso, mas para isto terá que fazer o sacrifício para saber
se é digno de tal missão. Este livro será selado com sangue, e sua capa será de couro humano,
todos o temerão e muitos buscaram seus favores.
Matar! Era isto o que seu único amigo o aconselhara. Lúcio ficou triste, e seu
semblante caiu, tinha desafetos, mas às vezes o pensamento de matar causava-lhe uma
sensação prazerosa, e via o sangue em suas mãos e o corpo a suplicar por misericórdia. E a
tristeza se apoderava, com o medo, e não matava, não planejou, não levou esta ideia adiante.
Porque matar? Para conseguir Poder? Esta não era uma justificativa suficiente, seu amigo o
recompensaria com poder, mas que poder teria valor à custa de sangue?
Com a amizade consolidada falavam e se tratavam como disse anteriormente, com
nomes ofensivos. Certa vez, o amigo disse:
―Venha!
E enquanto caminhavam ele começou a vociferar:
Imundo! Criatura imunda, jogue-se na lama com as larvas e os excrementos, e deleite-
se em prazer. Pare de caminhar, olhe para o arame farpado da cerca e o morda, quero seu
sangue no chão, sua boa defeituosa e seu corpo fétido, caminhe por ali, lá há muita sujeira.
Esta narrativa desejei eu omitir da vida de Lúcio, é vergonhoso, triste e doloroso, tais
ações, pois o pobre jovem corria entre aquela podridão de lama, mato e lixo, ouvindo insultos
e pela primeira vez gargalhadas fortes de sadismo. Seu coração era destruído com força e seus
olhos fecharam-se para o mundo, abrindo um canal para o além, o transcendental, como
desejara. Mas certamente não imaginou corretamente como seria. E já perdera parcialmente o
domínio sobre seu próprio corpo, e o único amigo disse:
― Pare! Você é semelhante a este lugar, imundo!
E em cima de lixo, próximo a um cadáver de animal com larvas, moscas e entulhos ele
chorou e confirmou:
―Eu estou imundo!
Já se passava das seis horas, e chegou em sua casa tristonho, cansado, sujo e com
fome. Aquela cena decadente para um jovem era despercebida por aqueles que conviviam
com ele na casa. E naquele dia duvidou de sua existência, de sua real existência. Mas quanta
tolice, claro que estava vivo, ele tinha a certidão de nascimento com data, testemunhas e
nome, uma prova inquestionável de sua existência.
Este pacto lhe rendeu cada situação cavernosa, entre as situações de convivência com
o amigo e as conversações em público uma destaca-se é a da feira do sábado, nesta pequena
cidade é costume aos sábados uma feira que é o ápice do comercio no centro da cidade, as
lojas de roupas, armazéns, açougue e verduras e as bancas que disseminam-se por quase todo
o centro que começa numa praça e termina no ponto de partida para os interiores, a famosa
currutela, também centro de quengas, beberrões e viajantes dos interiores que vem
comercializar. Num destes agradáveis dias em que todos estão para cima e para baixo,
naquele meio Lúcio caminhava entre todos quando foi surpreendido por seu único amigo que
lhe disse:
― Quero que sinta o que sinto destas pessoas, suas cargas, o mal em seus corpos, suas
imundícias. São meus, assim como você é.
Lúcio em praça pública entre o vai vem do grande movimento do comercio, sente
uma vertigem, e ao olhar para as pessoas sente uma sensação de conhecimento, da
mentalidade pervertida de cada um e o ar tornou-se denso e sua respiração lenta, um peso em
seus ombros assombrador dava-lhe uma noção da medida do mal que cada um carregava,
eram vidas sujas pelos deleites e inclinações. Foi revelador aquele sentimento, aquele a quem
invocara era uma poderosa criatura obstinada que desejara a vida humana mais que tudo. E
esta mesma criatura poderosa confiava em sua fidelidade ao ponto de compartilhar seu poder.
Certamente a criatura percebera que ele não queria fazer o que todos já faziam, ele queria
mais era consciente de suas escolhas, eles estavam cúmplices. A revelação mais instigante é
que Lúcio envolvera-se com uma criatura poderosa e cruel, e assim que teve esta consciência,
não temeu mas aceitou, e regozijou-se.
Houve uma mudança em Lúcio, suas palavras perdiam um pouco da sensatez, sentava
na calçada e falava tão naturalmente de coisas não físicas que provocava o riso, certa vez
sentado numa calçada duma escola com os amigos, olhou para o céu que por sinal, estava
muito bonito, nuvens, um azul infinito, e olhava com um riso nos lábios, e perguntou para
quem estava do lado:
― Quando você olha para cima. O que consegue vê?
― Nuvens movimentando-se, e o azul do céu.
Eu vejo anjos descendo e subindo aos céus, uns estão agitados, outros parecem mais
fortes, mas todos parecem muito esforçados no que fazem. Foi o que Lúcio queria dizer, mas
guardou suas palavras, riu apenas, afinal a ele tinha sido revelado. O dia de Lúcio era
saudável, desenhava, lia estudava, tentava entender o funcionamento dos feitiços, suas regras.
Mas, seu temperamento mudava quando às seis horas da tarde se aproximava, foi então que
pensou. “Acaso as criaturas não giravam com o mundo?” As vozes, os vultos, e o desejo
desenfreado pela feitiçaria se intensificavam com a noite, dava a entender que as criaturas não
gostavam da luz, que rodeavam a terra de acordo com a posição do Sol, sempre
acompanhando as sombras. Mas que bobagens querer confirmar e testificar coisas ocultas.
Este foi um resumo dos dois primeiros feitiços que mais adiante tocarei novamente se
necessário, retomando agora para o terceiro e seus ingredientes. Lúcio há dois meses buscava
reunir “as coisas”, e vejam que apesar de todo seu esforço ainda não conseguira tudo, os três
últimos elementos: raspas de ossos humanos, sangue e sêmem. Raspas de osso humano, como
conseguir? Teve uma ideia genial, e naquela tarde de bicicleta foi em busca de seus alvo
obstinado, e olhando para os lados pensava na vergonha que seria se fosse apanhado com tal
atitude irracional, mas vamos ao fato, aquela seria a tarde de conseguir o antepenúltimo
elemento, e já com o crânio nas mãos, ainda em decomposição, fétido, e com larvas, cheio de
vida e loucura colheu raspas do crânio e guardou, eufórico com a proeza arremessou o crânio
longe de si e saiu delirante de alegria. E corria na bicicleta e ainda eufórico entrou dentro de
casa no seu quarto, pegou a caixinha com os outros elementos e pensava: “consegui!”
“consegui”, sem demora reuniu todos os elementos, por último: o sangue e o sêmem.
Sim, ele pegou um crânio e com uma faca pegou rapas para o feitiço. Aliás, antes que
esqueça, trata-se do crânio de uma vaca, um boi, que dizer ele não sabe com precisão o sexo
do póstumo animal, e não sou um narrador onisciente.
Ele estava delirante, dava medo só de olhar. O sangue, agora tinha que tirar gotas de
sangue de seus dedos, e com uma agulha enferrujada. Não se assustem, ele estava com o
cartão de vacina em dias, e a do tétano estava incluída, já pensaram a tragédia: confundirem o
óbito do rapaz ao invés de tétano, acidente de trabalho por feitiçaria. Então dedo a dedo
furado, gota a gota pingado, e finalmente uma sacanagem solitária para encerrar: uma
masturbação, para colher o esperma. Ao reunir os elementos, por fim a oração em latim.
Era próximo das seis horas quando realizou o feitiço, o mais difícil de concluir,
muitos elementos, ao fim enquanto se manipulava, seu corpo já aparentava está dominado, ao
fazer a oração, um vento impetuoso invadiu o seu quarto, e neste momento um circulo forma-
se no chão e ganha o tamanho razoável, da medida do encontro entre indicadores e polegares.
Era um circulo vivo, escuro, energético, e acompanhava seus passos, e no seu centro fazia um
movimento como se gira-se. Ele alegrou-se, havia aberto um portal que lhe facilitaria a
comunicação com os seres transcendentais, ele seria o mestre dos seres e permitira que alguns
por ali passassem, e a outros ali ameaçava de jogar caso o desobedecessem. Ele tornou-se um
bruxo.
Capitulo II
Um pouco mais sobre Lúcio.
Era aproximadamente 17:00, quando o fôlego de vida retorna a seu corpo e em ânsias,
vomita cerca de um litro de um liquido esverdeado. Seus olhos atormentados, e a aparência
pálida e cadavérica ainda eufórica de seus pensamentos fúnebres, revelavam o pavor, a dor e
os sofrimentos do jovem. Naquele momento recordou da alegria que estava pela manhã, do
modo deslumbrado que estava com a vida e de sua obstinação com a morte.
Lúcio tinha uma certeza naquela manhã, levantou como costume, fez suas
necessidades básicas e já próximo ao meio dia, estáar ele em direção à igreja com um frasco.
Então, nota máxima para quem já deduziu que Lúcio tem uma tendência ao suicídio, e foi
neste exato dia que ele estabeleceu para sua morte, e não pensem que foi por impulso ou uma
frustação instantânea que o levou a tomar tal atitude considerada insana, afinal, toda ação tem
uma causa básica que a motiva, seus motivos não os considero claros. Sem muitas delongas,
ele não morreu nesta tentativa. Mas vejam só a ingenuidade cômica e triste de suas ações.
Naquela manhã saiu em busca do melhor veneno da cidade, e entrando numa loja diz:
―Quero o veneno mais forte que tiver.
―É este aqui, bastam umas gotas que mata até elefante.
Sem muitos cumprimentos, debates da eficácia, discursões sobre sua utilização no uso
doméstico resolveu tomar o veneno dentro da igreja como planejado, estava alegre, seus olhos
brilhavam de tanta alegria, tudo em que conseguia pensar era na alegria de não viver, de não
existir, embora temesse as doutrinas cristãs, não sabia o destino dos suicidas, o veneno
funcionaria como um medicamento sedativo para as dores que a vida provocava nos que
povoam a terra, uns mais fracos, outros mais fortes. Beber o veneno dentro da igreja fazia
parte de seus planos, lá teria a remissão de seus pecados no ato da morte, os santos, os anjos,
tomaria sua alma nos braços, e não teria como ser condenado, seria justificado, pois não
morreria sem fé, tinha fé, cria em Deus, nos santos, anjos, na interseção, apenas não queria
viver, não gostava de viver, era sem significado.
Estava próximo do meio dia, quando ele vinha do centro da cidade eufórico para
adentrar a igreja e degustar do veneno como se degusta de um bom vinho, beberia no altar,
aos pés da imagem do Cristo crucificado, com seu olhar misericordioso e seus braços abertos
e cravados, para perdoá-lo e levá-lo ao paraíso, e assim, subia a rua em direção à igreja.
Quando se depara diante da porta seu coração não se contentava de alegria, um desejo forte de
chorar, pois estava comovido com a sua decisão, finalmente estaria livre da imposição que a
vida apresentava.
Então percebeu que a porta estava fechada, tentou empurrar, deu uns chutozinhos
santos, sem ofensa a integridade da igreja, queria apenas adentrar. Pensou em chamar o
sacristão, olhava para o lado e viu a casa paroquial, talvez fosse um sinal da reprovação divina
de seu ato, no entanto estava obstinado e ali mesmo beberia. Sentou nos degraus da igreja
abriu o frasco e degustava o cheiro quando foi interrompido.
―Lúcio! Tá cuidado da igreja rapaz!
―É! Agora estou trabalhando aqui!
Cidade pequena é o fim, nem cometer um suicídio digno é possível. Tinha sempre
alguém conhecido observando, melhor fazer isso em casa, afinal seria muita rejeição, ser
impedido de suicidar-se dentro da igreja. Onde já se viu fechar igreja para almoço!
Em casa teve uma ideia, era o que estava faltando para um bom suicídio que se preze,
então começava a rascunhar:
Adeus triste saudade que se despede devagar.
Estou morto há vários dias e percebi ao chorar.
Um louco me considero pelas escolhas que fiz.
Observo céu, pois está anil.
Leu e releu os versos e os achou pouco esclarecedores, então pensou mais claramente
e escreveu:
Motivos que me levaram a este ato:
1. Não gosto de viver, de estar vivo!
Mas ao pensar num segundo motivo, não conseguia encontrar, inventar nada, poxa,
como é difícil dar resposta pessoal, era sempre as mais chatas que achava na escola, então,
rasgou o papel e bebeu! Bebeu de modo desvairado, alegre, festivo, se arrastou ainda
escumando pela boca e foi até sua cama e lá adormeceu. Houve um formigamento em todo o
seu corpo e sua respiração desfalecia, desfalecia, alegrou-se pela primeira vez de uma forma
genuína.
Mas como citado no inicio deste capitulo ele levantou em ânsias e vomitou tudo, desta
vez, triste, casado e chorava muito, muito mesmo, acordou desesperado ao perceber que
estava vivo. Se ele deveria ter morrido naquele dia, não sei exatamente o que dizer, mas uma
onda de desespero se apossou do jovem o destruindo cruelmente, em pouco tempo estava com
48 kg, e vejam que ele tinha 1,65cm. Os assombros que o acompanhariam não teriam limites.
É um costume na pacata cidade do interior do Maranhão a vizinhança sentar-se na
calçada da casa e conversar, neste vai e vem que começa cedo da manhã, todo mundo sabe da
vida de todo mundo, velhas religiosas e fofoqueiras, uma meninada agitada, as ruas estreitas
povoada de casinhas simples, davam os tons da vida provinciana. Assim, como todos, ele
também sentava na calçada, mas com uma diferença, o único com quem interagia era com si
mesmo, com seu mundo atormentado. Apesar de não assustar ninguém não era agradável nas
conversas, sempre muito fechado como costumavam dizer. O fascinante era que se orgulhara
de que ninguém sabia de sua tentativa frustrada de suicídio estava acima de qualquer suspeita.
Já não pensava em beber veneno novamente, suportaria a vida por uns dias, estava
triste demais para cometer um crime. E afinal, temporariamente teria um motivo para acordar,
seus familiares o encarregara de alimentar diariamente uma ave presa numa gaiola, um sabiá,
era uma ave privada da vida selvagem ainda novinha, desengonçada, e só de olhar para aquele
tosco animal, causava-lhe riso, pois a ave tinha um olhar estranho, o fitava nos olhos como se
o entendesse. Então ensinou a ave a cantar, melhor a assoviar, e vejam o quão a ave era
empenhada nesta tarefa! Seria muito simples se eu narrasse que Lúcio alegrou-se, viu naquela
ave um exemplo para vida, pois estava presa e nem por isso era triste, um exemplo. E assim,
dia a dia ele foi melhorando com a ajuda daquela agradável criatura cantante. Mas não meu
nobre leitor, ele desprezava a estupidez daquele animal e pensava, porque a ave não se negava
a cantar ?.
Certo dia, aborrecido com o canto que ele mesmo ensinara, resolveu dar liberdade à
ave, abriu a porta da gaiola e esperou ela sair, que indiferente não entendia a ação, mas o gato
doméstico entendeu, e devorou o pobre sabiá. Seus pensamentos estavam piores após o
fracasso do suicídio, em uma ocasião na casa de uns familiares, enquanto conversavam, todos
menos ele que apenas estava lá. Foi impressionante os acontecimentos, olhava para os
parentes que conversavam enquanto suas vozes foram diminuindo, diminuindo ao ponto de
não se ouvir mais nada, então ao olhar para o chão, este forma-se em densas trevas, seus
parentes agora a seus olhos estão distantes ao ponto de não mais vê-los.
Lúcio estava sobre areia do mar, avistava algumas rochas escuras, um céu escuro e
nublado com nuvens carregadas relampejava sem barulho, naquele lugar não havia ruído
algum, nenhuma força da natureza produziria som. A areia a qual estava era centralizada no
meio do mar, uma pequena porção, que não impedia da maré tocar seus pés. Um vento frio o
intimidava, se sentira sozinho, mas sem medo, aquele lugar parecia muito familiar, era de uma
beleza compreensível, foi então que ao olhar para o horizonte vê uma fera do mar, via apenas
parcialmente apresentar-se timidamente entre as água, foi então que sentiu uma vertigem e
percebeu que estava na cadeira, ouvindo as tolices dos parentes.
Naquele dia, diante do espelho enquanto se olhava, pensava vagarosamente no que é
imagem, o que vinha a representar para ele, pensou na igreja, nos anjos, nos santos, nos
demônios, e na representação que cada um exercia para ele. Desejou morrer, era um
pensamento o qual não poderia compartilhar com os amigos que não tinha, nem com os
familiares. Uma vez tentou, mas foi frustrante, seria um absurdo suas palavras, portanto
preferia o silêncio, tudo tornou-se inseguro, suas palavras tinham sentido, tinham significado,
a palavra morte, tinha o sentido de liberdade. Haveria então algum defeito em seus
pensamentos, pensamentos estes que jamais seriam aceitos. Estava sufocado demais consigo
mesmo, alguém capaz de ouvi-lo, parecia utópico, às vezes enquanto na calçada via aranhas,
escorpiões e baratas no meio da rua, eram várias e imundas, mas apenas ele as enxergava,
ninguém mais, apenas ele. Tudo tinha um significado que apenas para ele tinha sentido.
Guardava cada lágrima pública, cada humilhação, cada palavra que o ferira. Era uma
criatura repugnante demais para que alguém fosse capaz de amá-lo, desde pequeno aprendeu
o erro que foi estabelecer-se nesta terra como ser humano, nada nele apresentava virtudes que
o tornasse digno de sua existência. Guardou com carinho as palavras de sua genitora, que
enquanto conversava dizia : “Lúcio é um acidente, um erro”. Era o anuncio à terra daquilo
que estava vivo, Lúcio era um aborto com capacidades extraordinárias, falava e se
comportava como ser humano, talvez esta persistência incomodasse tanto o mundo. Sua
insistência em habitar numa terra de todos, porém hostil a ele.
Não estava bem, seus pensamentos, sua ações demonstravam as ruinas que era, porém,
não faria diferença seu extermínio, é provável que sua ausência fosse uma alivio, passou a
pensar no porquê de tanta rejeição. E refletiu que quando as pessoas o viam, ignoravam pois
ele era a encarnação de seus erros, e os erros as pessoas tentam esconder, possuem vergonha,
desprezo.
Lúcio não era um anjo iluminado, sofrido, um mártir, sua natureza apontava defeitos
graves, violentos, cruéis e frios. Tinha a consciência do que podia e do que deveria falar, era
um animal peçonhento que se encantava com vilões dos desenhos animados, dos filmes e das
novelas, e refletia em seus sonhos que o mundo seria apático e sem brilho se fosse ausente do
mal, pois este, era a pimenta da terra, o encanto e os desencantos, a força maior que revelava
quem era bom, através das ações dos filhos das trevas.
Oscilava entre o mundo e os mundos, cada um com significado próprio, sua
sensibilidade e serenidade era um conforto para os que o amparavam com a sombra de um
teto aparentemente familiar. Seu silencio notavelmente o deixara com a aparência de puro de
coração, generoso, bondoso, cheio de fé e virtudes, no entanto em sua mente pairavam
tempestades e turbulências que a ninguém tivera a ousadia de expor, seu gosto discretamente
era apresentado por meio de suas ações que às vezes espantava.
Era noite e já passava das onze da noite, tinha por volta de onze anos e ninguém se
incomodava com o fato de estar assistindo TV, contanto que o som estivesse baixo e não
perturbasse ninguém com suas risadas. Em algumas ocasiões olhava as cadeiras vazias da
sala, elas estavam vazias, mas tinha certeza de que não estava sozinho. Não tinha a certeza de
quem ali estaria com ele, mas sentia que estava sendo observado, alguém de alguma forma
não compreensível queria conversar.
Evitava a qualquer custo olhar para a cadeira vazia, porém ocupada, e enquanto seu
coração o deixava ofegante, pensou: “eu não estou sozinho.” Medo é natural do homem, mas
medo de algo compreensível não causa tanto. E o que mais temia acontecia, e naquela cadeira
viu um vulto forma-se, era a imagem de um homem negro com mais de sessenta anos, sentado
com as pernas atrepadas na cadeira, com seus cabelos brancos fumando um cachimbo, nem ao
menos olhava para o menino, estava fitando a TV, e lá estava Lúcio e aquela estranha figura
vendo ambos a programação da noite.
― Quem é você? (perguntou Lúcio)
Nenhuma resposta, nenhuma ação. Apenas o medo o incomodava. A única vontade
que tinha era a de sair dali e ir para sua cama, esconder-se debaixo do seu cobertor daquela
criatura, daquele ser indiferente. Mas corajosamente, não sairia dali enquanto a imagem
daquele homem estivesse presente, e usando de suas forças, e desistindo do seu dialogo
observa a imagem cautelosamente, esta por sua vez, ignora por completo a presença do
menino, acaso aquela imagem não estivesse vendo ele ali?
Nunca conversaram, e outras e outras vezes aparecia sempre à noite, fumando
cachimbo e vendo TV, percebeu que não era intenção dele assustar oi se acostumando com
esta presença que o ignorava e assim às vezes ia dormir sem dizer nada, mesmo porque ele
desaparecia sempre antes de Lúcio deitar, antes dele desligar a TV.
O dia seguinte era apenas o dia seguinte, a ninguém compartilhava sua estranha vida.
Mas estas coisas aconteciam quando apenas era jovem, pois seus anos posteriores eram
piores, seus medos e assombrações eram humanas.
Quando sozinho, mergulhava em pensamentos abstratos, em observações extremas,
seu olhar apurava-se em detalhes. Havia tocos de fumo espalhado por toda a casa de um velho
senhor de mais de quarenta anos, era mau humorado e seu prazer era fazer fumo de folhas de
caderno, traga-los e deixar tocos do cigarro por toda a casa, nas brechas das paredes de barro,
no chão. Era um amigo da família, e visitava-o com frequência para ter noticias dos parentes
que moravam no interior, sendo que este ia com frequência, em busca de caças, trabalho
temporário. Era uma vida miserável a que aquele homem possuía, nenhuma vaidade ele
possuía, contentava-se com os favores dos amigos, e de tudo ele ganhava, calção, camisa
meia, bermuda. Porém nunca reclamava, mas também não agradecia, não frequentava missas,
procissões, sindicatos, mas quando havia bingos, isto sim mexia com ele, às vezes comprava
de quatro cartelas, talvez seu sonho fosse ganhar uma moto num bingo, visto ser consciente
demais, ao ponto de entender que seu esforço físico e sua inteligência não o dotaram da
compra.
Certa vez, enquanto conversavam na casa deste homem, o olhar de Lúcio o arrebatava
a observar os tocos de cigarro, as cinzas que ficavam na extremidade e o cheiro o enfeitiçava,
e discretamente, juntou alguns daqueles tocos e escondia no bolso, aquela pequena ação o
atiçava mais e por toda a casa havia daqueles pequenos diamantes, e crescia um interesse em
ter aqueles tocos de cigarro, ao ponto de satisfazer-se com aquela estranha motivação. Qual a
utilidade de possuir aquilo? Ainda não sabia, mas de certo saberia o que fazer.
Há algumas ações que não nos permitem uma boa dose de humor ácido, de ironia,
sarcasmo, ou um senso critico ferrenho. Se o olhar desta pobre criatura o enganava, o olhar
deste narrador agora comove-se de compaixão, já não com indiferença, há nesta tarefa a
diligencia de ser imparcial, mas confesso, que neste momento não consigo, tento
compreender, ser amável, pois este jovem de uma aparência tão frágil e inofensiva, com
traços meigos e generosos me parecia mais um filho abandonado e entregue à própria sorte,
meu desejo era de toma-lo nos braço e chorar perguntando:
―Meu filho, está tudo bem? Conte comigo, estou aqui e não o deixarei sozinho.
Mas vamos adiante, e lá estava Lúcio, sozinho debaixo de um pé de manga num
quintal abandonado, cercado de uma sombra, e muitas folhas secas, um pouco de lixo
doméstico, e ele e seus sentimentos, reuni no chão todos os tocos no chão e os desfaz,
juntando migalhas de fumos queimados por um velho catarrento e sujo, e estranhamente um
prazer se apoderava dele, e fazia com aquele resto, um cigarro, e lambia as extremidades do
papel como se tivesse experiência, toma do bolso um isqueiro e fuma! Fuma entregue a
devaneios e prazeres solitários.
Às seis horas de todos os dias de sua breve vida, algo estranho acometia sua mente, eu
semblante entristecia, isolava-se de si mesmo, privava seus pensamentos, ria, inquietamente
afogava seu rosto na água, quando não fechava a porta do quarto, acendia uma vela, e com um
espelho de mão via seu rosto desfigurar-se. Nestes momentos via o quão assombroso era sua
alma vazia, conturbada. Seus conflitos sem interrogações não o abandonavam até próximo das
sete da noite. Nada estava organizado, suas emoções eram um emaranhado de dores, incisões
e chagas abertas. Estava sujo nestas horas, imundo, e seus rosto mudava a cada vez que se
fitava no espelho, era um demônio encarnado num corpo, era um monstro sanguinário
suplicando por um minuto de vida, era almas, centenas, atormentadas que o deixava tão
confuso.
Aliás, me ausentarei um pouco, deixarei que Lúcio discorra os textos seguintes, sinto
que ele percebe a minha e a sua observação, e vejo em seu olhar que ele deseja nos dizer algo,
então, sentarei em minha poltrona, tomarei uma xícara de café e emprestarei meus ouvidos ao
que ele tem a dizer.
Era manhã cedo quando sai de casa e fui para o cemitério, adorava andar naquele
lugar, geralmente eu sentava nos túmulos, o curioso era que nas frechas dos túmulos de
azulejo, brotava samambaia, e lá tinha umas flores brancas, muito convenientes, o chão era
encantador, folhas secas, misturavam-se entre a cera de velas apagadas e pedaços de
crucifixos, fotografias antigas, datas, observava os formatos, e a beleza de cada tumulo.
Estava em paz comigo mesmo, e sempre me sentia assim, quando ia àquele lugar, rara vez fui
ao tumulo de um parente que não conheci, e me deslumbrava com a história de sua morte,
pois foste o medo de tomar injeção que a levara ao túmulo, outro trabalhava numa caeira de
carvão quando teve um acidente vascular. De certo, aquele lugar parecia o meu verdadeiro lar,
e porquê não ser o legitimo lar de todos, afinal ali estava gerações de famílias que se alojara
nesta pequena cidade, porém cercada de mistérios.
Os túmulos mais antigos, eram os mais impressionantes, exatamente por já não serem
reproduzidos com tanta perfeição e riqueza de acabamentos. Além do túmulo familiar, ali
havia outros atrativos, o túmulo de um político muito querido, e principalmente, o “cruzeiro”,
assim como era chamado um enorme crucifixo de madeira pintado de azul. Era localizado na
entrada e durante as festas de todos os santos e finados, era um grande centro de peregrinação
e fé. Pois ao som de uma empolgante pregação de alguns protestantes que ali estavam, velas e,
mais velas eram acesas ao pé da cruz que suportava com veemência o calor. A temperatura da
cidade aumentava, e de longe se via um grande brilho, produzido pelos milhares de velas
acesas.
Mas nestes dias eu não refletia muito, um dia qualquer era melhor para estar entre eles.
Talvez a única vantagem que eu tinha deles, e é que tinha, era a de estar vivo e consciente.
Caminhava entre os túmulos em silencio, e não conseguia imaginar lugar mais seguro.
Embora estivesse ali, tinha a certeza de que os mortos não falariam comigo, ou que eu teria
um contato com a alma de algum, verdadeiramente de certa forma, havia uma certeza que me
induzia a não me seduzir por este pensamento. Mas o estranho é que eu direcionava minha
voz às vezes como se estivesse conversando com algum, certa vez parei de falar e tentei
escutar o que tinham a dizer, mas nada escutei e fui para casa.
De todos os meus sentimentos, um me assustava, o ódio. Não sei como classificar
minhas mudanças de comportamento e humor, mas, às vezes, coisas simples me assustavam
ao ponto de paralisar-me, como o fato de ir à escola, minha infância e parcial juventude neste
estranho, seguro e aterrorizante lugar, que é a escola.
Capitulo III
Lúcio, o estudante.
Sabe o que é mais estranho de tudo isso? É que embora eu odiasse a escola, minha
frequência era o máximo, frequentava assiduamente porque era minha obrigação, e este termo
me condicionava a cumpri-lo até as últimas consequências. O caminho a ser percorrido era
estranho, parecia um lugar abominável, nunca entendi com clareza o porquê de estudar. As
obrigações eram claras, dizer: “presente” quando chamado, responder as atividades que os
professores passavam, ficar na fila cantando o hino feito para a pátria amada, e comer.
Eram obrigações que eu tinha que cumprir, meus amigos de escola eram cheios de
vida, falavam muito, gostavam de esporte, uns eram religiosos ferrenhos, outros mais
apáticos, mas quando estávamos todos na sala, era adorável, eu me sentia vivo. O estranho era
que embora jovens, a escola era como um grande país subdivido por seus colonizadores, no
corredor ficava os arruaceiros, no pátio, os mais agitados, corriam, gritavam, brincavam,
próximo a secretaria alguns mais comunicativos, havia um lugar de encontro das meninas
mais populares da escola, enfim, tinha lugar para todo mundo, menos para mim, que ficava na
carteira sem sentido, folheando os livros, minha escrita e as pessoas. O que eu deveria fazer?
Nenhuma motivação, nada me induzia a querer fazer, e minhas ações se restringiam a efeitos
biológicos, como ir ao banheiro, que por sinal já considerava um longo percurso.
Verbos como, mastigar, beber, andar, falar, sorrir, mexer era sinônimo de medo.
Estranho não? Eu tinha que cumprir ações de verbos que era minha obrigação como
responder, estudar, ir e voltar. O que passava disto denunciava minha existência, este era o
meu medo, ter a consciência de estar vivo, de existir, era sem sentido, por isso os verbos era
falíveis e causavam-lhe tanto tormento. Ao olhar de todos eu era o garoto bom, para os mais
críticos, o garoto bestinha, para mim, eu apenas estava ali. Insípido, fadado à morte.
Nada alegrava-me, tudo era pavoroso. Predominava uma ausência de sentido, de
significado, viver era uma obrigação, uma imposição física, eu tinha regras a cumprir, e todas
cumpria com zelo, pois eram obrigações. Cuidava do corpo conforme as instruções que
recebia, alimentava-o, deixava que descansasse, dava-lhe as doses de lazer e atividades
físicas, fazia orações e tinha todos os sentimentos que um corpo com uma mente possuem.
Mas ainda assim, não compreendia o porque de toda esta existência repetitiva, pensava
comigo nesta imposição conferida aos homens, estes, que estabelecem regras e valores, um
mundo físico que determinava quem eram aqueles que mandavam e quem eram aqueles qe
obedeciam, o mundo seguia sem questionar nada mais essencial, mais abstrato, haviam
questionamentos, mas todos fadados ao mesmo fracasso.
Os livros eram minha única paixão, gostava do cheiro que tinham, das capas criativas,
das ilustrações e dos textos, das informações. Os livros apresentavam um mundo fantástico,
de lendas e situações intrigantes, o olhar de um escritor era dinâmico, vivo, deslumbrante. Os
mitos gregos-romanos, egípcios, e os contos de horror, sem falar nos romances dos escritores
brasileiros, estes eram magníficos, o que me garantiu viver dezenas, centenas, milhares de
anos em alguns breves minutos. Os tinha com frequência em minha casa, mas um livro em
especial me apresentou um mundo já fascinante a meus olhos, desabrochou e fertilizou a terra
seca que havia em meu peito, terra esta cheia de sementes malignas, curiosas e tendenciosas,
que precisavam apenas de um pouco de fertilizante para desabrocharem em broto, criarem
raízes até formarem-se em grandes e impetuosas árvores que serviriam futuramente para
acolher aves negras, que ali repousariam e fariam ninhos, aves endemoninhadas.
Andar pela biblioteca Jarbas Passarinho, (também achei estranho o nome), mesmo na
desordem que era, me cativava o coração, enchia-me de alegria as diferenças, os formatos, e a
qualidade do material, os livros antigos eram os meus preferidos, foi então que num dia
qualquer, sem tempestades, instigação de espírito etc. que encontrei um livro que fertilizaria a
terra árida de meu peito.
Eram três volumes, capas antigas, vermelhas, com os nomes escritos com letras
discretamente douradas, seu autor, Guaita, o marquês Stanisla de Guaita. O volume dois em
pouco tempo se tornou meu preferido.
Um mundo fascinante fazia meu coração pulsar de entusiasmo, e a s descrições e
narrativas das transformações de um feiticeiro, impulsionava-me a quere conhecer mais
profundamente aquele conhecimento, meus sentimentos era de empatia, não conseguia fazer
juízo àquelas ações, e estranhamente desejei, estar presente nas missas negras, nos sacríficos,
nas orgias, ir ao extremo, às ultimas consequências, embora criado com todos os cuidados de
um jovem cristão católico, em nenhuma hipótese sentia aquelas ações como ofensa, mas uma
força dominava meus medos, e despertava um desejo cruel de querer vivenciar aquelas
experiências, assim, fantasiava toda sorte sacrilégio. Confesso que não entendia claramente o
que estava escrito, e devido a falta de compreensão daqueles fatos, platonicamente abandonei
o livro e suas narrativas, tornou-se enfadonho, limitado, me voltaria a meus estudos escolares,
afinal esta era a minha obrigação, a de ser estudante.
Capitulo III
A família
― Se eu o amava? Eu não sei responder, eu ... não fui o suficiente para ele, falhei! Na
verdade eu acho que não fui uma mãe, fui apenas a sua genitora. Ele foi um acidente em
minha vida, e nem por isso o abortei, e vejam que não foi por falta de desejo ou de orientação,
mas como todo acidente é geralmente provocado por imprudência de alguém, resolvi arcar
com o fruto do meu erro, e assim, deixei que meu ventre o gerasse, e também não o
abandonei, nem o joguei no mato ou lixo, não! O alimentei, e dei a ele o que todo organismo
humano precisa. Agora responder se o amava, é difícil. Mas acho que sim, fui uma boa mãe.
Ele quando criança era amável, dizia que me amava, trazia da escola os cartãozinhos
de dia das mães, embora eu nunca fizesse questão de ir às festinhas dele. Lembro bem da
ingenuidade dele. Certa vez, quando estudava a quarta série, ele chegou e me disse: mãe,
amanhã a professora disse que não vai dar aula, ela disse que vai uma prostituta no lugar dela.
Eu como boa mãe, o adverti, e corrigi sorrindo. Não meu filho, não é prostituta, é substituta,
prostituta é uma mulher como eu. Não sei se ele entendeu, mas eu fiz minha parte.
Eu o eduquei muito bem, com um pouco de autoridade, mas fez bem a ele. Ele tirava o
meu juízo. Se eu era agressiva? Era! O menino tinha horas que parecia um demônio. E eu
acabava me irritando com ele. Não me arrependo, ele mereceu cada uma delas. Sabe o que ele
fazia? Veja bem, no nosso quintal tinha um galinheiro o qual era feito de modo muito
simples, coberto de palhas secas, arrodeado de talas amarradas com cipó do mato, e cheio de
galinhas com pintos, galos, capão, cuidávamos dos animais como todo mundo que tinha o
costume de criar bichos.
Ele estudava pela manhã, e pela tarde, ficava em casa dando trabalho, mas neste dia
ele estava um santo. Eu, estava assistindo a reprise da novela da tarde, e ele sentado e calado,
e disse que ia banhar. Eu, disse apenas que ele tomasse cuidado para não cair dentro do poço
quando fosse puxar o balde com água, e deixei ele a vontade, se tinha uma coisa que não me
dava trabalho é o fato de limpeza, ele era muito limpinho, e quando eu percebo lá vem ele,
todo bem vestido, com os cabelos penteados e até perfume ele tinha colocado. Perguntou se
estava bonito, eu não dei muita atenção, mas disse que estava cheiroso, e saiu.
Eu lembro que aquele era um dia muito quente, ele deveria estar com calor. De repente
eu escuto um alvoroço das aves nos galinheiros, pensei é o Lúcio. Não me incomodei muito,
era de tarde e ele estava atormentando as galinhas, antes ela do que eu, mas o que me assustou
mesmo foi uma fumaça forte, que percebi que vinha do quintal, mas quando eu cheguei, não
gosto nem de lembrar, o galinheiro em chamas e ele parado, observando tudo de longe com a
lata de querosene na mão, ele estava tão deslumbrado com aquilo, que me apavorei com a
crueldade daquele menino. Nenhuma reação, frio, como se estivesse contemplando a cena.
Não tinha muito o que fazer. Fiquei em crise, o segurei no punho, tirei a roupa dele, o
derrubei no chão e comecei a bater nele com muita força, e eu perguntava. Tu ainda vai fazer
isso? Tu ainda vai fazer isso? Ele ficou aos berros dizendo que não. Meu Deus, eu enlouqueci
naquele dia, exagerei, pois suas costas sangraram. Mas serviu, pois nunca mais ele fez isso!
O pai dele foi assassinado, era um criminoso, se bem que tudo o que ele fazia demais
era fumar baseado e roubar galinhas. Burro, o bicho era burro de doer os ouvidos, o infeliz
nem mal sabia assinar o nome, a única vantagem era que sabia ser homem para mulher. Eu
conheci ele numa dessas festas de jovem imprudente, ele era muito convencido e logo
estávamos se curtindo, eu jamais esperei alguma coisa dele, era apenas uma diversão, o pior
foi ter engravidado de um sem futuro que nem ele. Mas quando Lúcio pergunta quem é o pai
dele, eu digo que morreu no garimpo. É mais bonito do que dizer que morreu de tiro quando
estava entrando nos quintais dos outros. Se bem que esse menino sempre foi tão indiferente
com tudo, que aposto que não se abateria nem um pouco em saber a verdade sobre o pai dele.
Bem, acho melhor interromper os depoimentos dos personagens destas memórias e
narrar, meu cafezinho já acabou. Pensar em seu histórico, em seus familiares era muito
secundário na vida de Lúcio, seus interesses pela vida eram bem mais abstratos, árvore
genealógica e afetos familiares não o seduziam, o mistério, a morte, a vida, a existência, assim
eram seus pensamentos, oscilantes, desprendidos da matéria, do físico, do natural.
As galinhas morreram sem torturas, pior era vida dos pobres animais de estimação, os
felinos, eram sufocados, arrancados os bigodes, e vez ou outra apareciam os bichanos com
apenas um olho. No entanto, o mais curioso de tudo isto era um sentimento de culpa que o
atormentava, ele passava a perturbar-se com esta condição de praticar algo mal, e se sentia um
monstro, pois apenas um monstro era capaz de tamanha crueldade com seres inofensivos.
Então passava a cuidar melhor de cada animal novo que chegava à casa, geralmente o
sucessor do pobre infeliz anterior, e com a mesma falta de sorte pois não se contentava em
trata-los bem, sua alegria e adrenalina vinha quando maltratava os bichos, ninguém nunca o
culpara, pois ele, sempre aparentava amável aos pobres bichanos.
IV Capitulo
Visões
II PARTE
Capitulo I
O amor à morte.
Era uma tarde daquelas que só tem no interior do Maranhão, quente e cheia de poeira,
eu estava visitando um parente que morava num Povoado próximo, era uma casa simples, a
parede da casa era revestida com imagens de santos, artistas, calendários, políticos e algumas
fotografias, ali perto morava um homem já avançado em idade que era conhecido como
seboso, mas seu nome era Damião, assim conhecido, por causa de sua fama com práticas de
feitiçaria, agouros e outras ações que sujavam sua reputação, ele vivia em condições
miseráveis, tinha uma ferida no pé que não cicatrizava, alguns diziam que o diabo havia lhe
dado aquela enfermidade porque ele tinha sido desobediente, mas era evidente que se
tratavam de um ferimento necrosado por causa da diabetes.
Eu tinha meus 21 anos, e já tinha um bom conhecimento de magia e ocultismo, já
tinha o discernimento para entender os graus da magia e seus malefícios quando usados
imprudentemente, afinal eu tinha cometido vários. No entanto já não tocava no assunto, seria
uma tolice me expor no ápice de minha juventude, eu estava bem com o meu corpo, ali
próximo morava uma jovem de uns quinze anos que me amava, e eu a desejava, e naquele dia
não voltaria para casa sem antes amá-la debaixo dos laranjais.
Eu e minha tia fomos surpreendidos com o coaxo de um sapo que repentinamente
começava a fazer-se presente ali. Eu, ignorei a presença do pobre anfíbio, deveria estar se
escondendo de algum louco feiticeiro que desejava costurar sua boca. O sapo deveria ter
sentido a presença do velho seboso que já estava na porta da casa. Suas roupas eram aos
farrapos, tinha um chapéu de palha encardido de suor, uma calça rasgada, e suas sandálias
eram o conjunto de várias para formar uma, amarradas a barbante, seu cheiro era horrível,
talvez não tivesse o hábito de banhar, e para piorar queria esbanjar simpatia e querer ser
falante.
Educada que minha tia era, o convidou para entrar e tomar café. Não demorou cinco
minutos e começava a me investigar, ele queria ler a minha sorte, fazer a leitura de mão. Eu
permiti, pois não me impressionava a fama dele.
― As linhas de sua mão são muito apagadinhas, e além do mais, são pouquíssimas.
Você tem algum problema de saúde?
― Não, tenho muita saúde, nunca adoeço, é difícil até gripar.
― Mas vejo aqui que você desperta o interesse das moças, e gosta disso!
― O que mais você vê?
― Seu futuro é incerto até demais para sua idade!
― Não é um menino bom como pensam! (risos)
Sim, eu puxei minha mão, não gostei de sua risada debochada, eu nem deveria ter
permitido dar ouvidos à doutrina de espíritos enganadores. Com que autoridade ele falava
aquilo? Me levantei e olhei para uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, e pensei aflito
comigo sobre a afirmação daquele velho. Eu me sentia superior, a mim tinha sido revelado os
segredos do ocultismo, e eu não permitiria que um velho da baixa magia me julgasse.
― Você só tem mais três anos de vida! (risos)
Velho maldito! Eu me enfurecia com suas palavras, mas também não poderia deixar
evidente que estava me incomodando. Percebi minha arrogância e orgulho de jovem.
Continuei a olhar a imagem do Sagrado Coração de Jesus, então falei:
― Veja o coração de Jesus, sangrando, com uma coroa de espinhos, morto por mãos
frias de pessoas sem conhecimento. Mas na verdade aqueles que o julgaram e o mataram
acreditaram estar fazendo a coisa certa. Sabe qual é a coisa certa Sr. Damião?
E olhei em seus olhos com fúria, afinal ele tinha sido petulante.
―Oh! Pelos céus, não se aborreça com este pobre velho doente, eu queria apenas
conversar sobre os mistérios da vida.
A fúria, então deu lugar a um sentimento de autoridade a mim outorgada, mas meu
objetivo ali era outro, daria a meu corpo o amor da jovem de quinze anos, que atendia pelo
nome de Suzana.
Não era difícil seduzi-la, tinha uma beleza de cabocla que só se encontrava no interior,
seus olhos expressivos e assustados acalmava minha alma, e seu jeito de sorrir tão puro era de
um preço inestimável, em momentos como este, em que eu refletia sobre o amor à morte. A
morte me envolvia, me enlouquecia, o mundo físico era fadado ao fracasso, e eu desejava
morrer, mas quando eu estava amando mais um corpo virginal, entendia a perfeição com que
Deus criara o homem, o amor era uma união perfeita, o complemento de todos. Era em seus
gemidos que eu me realizava, estávamos doando nossos corpos como um presente, um ao
outro, ela me amou e eu a amei. Não tinha formula mágica para aquilo, na verdade eu negaria
minhas crenças se ela pedisse, tudo eu faria, apenas para poder ter a graça de amá-la
deliberadamente.
Não éramos namorados, no entanto eu me sentia lisonjeado de ser o primeiro. O amor
tinha destas confusões, sem maiores justificativas o corpo se aquecia por uma pessoa, sem
muita reflexão e cederia ao desejo de amar. Eu pensava com frequência nas mulheres que
amei, era o alivio para minhas dores, a fonte de alegria para minhas frustrações.
Capitulo III
Anjos
Capitulo IV
A igreja
Capitulo VI
O conflito
Capitulo VII
Nova chance, nova vida!
Não espere que eu encerrarei esta história como um fantástico final de contos de fadas,
pois estou cético demais para ser tendencioso e forjar minha vida. O leitor prepare-se para
este novo direcionamento de pensamento que eu vos apresentarei. Contradigo agora minha
própria história, e vos convido a lançar não o olhar daquele menino narrado no começo desta
história, cheia de medos, fantasias e comportamentos fadados ao fracasso da feitiçaria, mas
um olhar resultante de mais de nove anos de observações, e questionamentos difíceis.
Estava me saturando de toda a religiosidade transcendental. Me olhei no espelho e
fiquei assustado com tamanha magreza, àquela altura do campeonato, já fazia uns dois anos
que eu frequentava a igreja protestante, e ainda assim, mergulhado no transcendental, agora, a
expressão muito usada “buscar o sobrenatural de Deus”, era o enfoque da maioria dos jovens,
minha indiferença com alguns comportamentos era evidente, não estava ali por eles, estava
tentando compreender quem era Deus.
Capitulo VIII
Os espíritos
Já era próximo das 19 horas, eu estava arrumado, peguei a Bíblia e fui à igreja.
Cumprimentei o pastor que estava na porta a receber os membros e fui ao lugar que e
costumava sentar para dobrar meus joelhos e fazer uma oração, geralmente de agradecimento,
estava contente com tudo aquilo.
O culto deu-se inicio, as irmãs entoavam cânticos da harpa cristã, alguns irmãos
tinham a oportunidade de dizer algumas palavras, isto até a pregação da noite. Haviam
aleluias e glorias a Deus com entusiasmo, no começo achei tudo aquilo muito estranho. Na
minha companhia, um idoso que havia servido nas forças armadas, era um daqueles homens
ranzinzas, logo me identifiquei com ele, nos tornamos grandes amigos, o outro era um moço
de seus trinta anos que era casado como uma mulher de má fama como esposo, ele era
excelente pregador.
O culto já estava terminado quando um homem de estatura baixa, sujo e maltrapilho
entrou na igreja, me pareceu muito atormentado, era costume dele entrar e ficar ali, alguns
contam que ele quando estava em São Luís, frequentava os cultos da religiosidade afro-
brasileira, e que o motivo de sua debilidade mental, era o fato de estar possuídos por
demônios. Na verdade essa questão de estar possuído pelo demônio estava muito banalizada,
era quase sempre tema central para o convertimento de novos membros.
Os irmãos fizeram um circulo em torno do suposto endemoninhado, que a meu olhar
estava mais para um pobre homem debilitado, caquético, solitário, excluído da sociedade que
o utilizava de maneira cega para ilustrar as consequências do erro. E no ápice da oração, eu
observava tudo de forma cética, mas permaneci ali, afinal, tinham me apresentado crenças
sólidas e eficazes.
Capitulo XIX
O desespero
―Ele deve estar pesando uns quarenta e oito quilos, um metro e sessenta, cabelos
negros lisos, olhos escuros e expressivos, lábios finos, ele... ele... sumiu de casa faz uns três
dias e seu estou muito preocupada com o que pode ter acontecido. O meu filho é um garoto
bom , mas ele está depressivo. Você tem que me ajudar! Você tem que achar o meu filho!
Quantos anos ele tem? Ele fez vinte e dois, é isso, ele tem vinte e dois anos. Por que ele
sumiu? Eu não sei! Eu não sei! Eu não tive culpa! Eu Não tive culpa! Não é minha culpa!
―Alguém segure esta mulher, ela está desequilibrada! Senhora! Senhora! Está me
ouvindo?
― Você não a conhece. Não é mesmo delegado? Esta mulher, não tem filho.
―Como assim? Ela me trouxe este caderno com estas histórias absurdas de demônios,
espíritos, depressão que o próprio filho escreveu! Ela disse até que eram as confissões dele
que eram narradas.
― Você é novo aqui, ainda não conhece os personagens desta cidade. Ela teve um
filho, que hoje teria a idade que ela lhe disse. O menino nasceu por insistência, todos sabem
que ela o agredia com murros na barriga e se drogava, tentou abortar e tudo, no entanto o
menino nasceu vivo, fraquinho e doente. Quando ele nasceu, ela o amou como se nunca
tivesse amado na vida, todos viram nela o instinto materno, ela foi regenerada quando viu
aquela criança viva. Encontrou um motivo para ser feliz, e lutou com as forças que tinha para
vê-lo vivo, mas algumas semanas depois, ela o encontrou sem vida. Ela enlouqueceu. E por
não se conformar, o tem como vivo, e todos os anos ela o procura em igrejas, delegacia,
escolas, perguntando pelo filho que morrera. Leva um monte de textos que ela diz ter sido ele
quem escreveu, suas histórias são sempre carregadas de tristeza, dor, culpa e ressentimento.
Alguns se arriscaram em ler o caderno que ela escreveu, mas a riqueza de detalhes é
tão real que a impressão é que o espírito dele ficou aprisionado na terra, e a atormenta dia e
noite, por não ter dado a ele a oportunidade de viver, assim, ela escreve. Sempre escreve os
delírios de um jovem esquizofrênico.
“Ele o observa, e observa em silêncio.”
Fim
Rogério Batista
Lago da Pedra - MA 01 de agosto de 2012