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AULA 28 • MÓDULO 02

Os meios da

GRAÇA
Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua
em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fp 2.12-13

INTRODUÇÃO
A vida cristã é uma experiência maravilhosa. Começa através de uma obra
sobrenatural realizada pela imerecida graça de Deus no coração e na vida de uma
pessoa. O Espírito de Deus aplica a obra de Cristo, na cruz, aos muitos que estão
espiritualmente mortos. Ele os regenera, levando-os a arrependerem-se do pecado e a
exercitarem a fé no Senhor Jesus Cristo. Isto se chama salvação, que é uma obra
gloriosa da graça e do Espírito de Deus. Com frequência, os novos convertidos
indagam o que acontece após nascerem de novo e iniciarem a vida cristã. Uma vez que
Deus os salvou, Ele os deixa prosseguir motivados em seus próprios recursos e nas
obras de sua própria carne, para chegarem à presença dEle, no céu? O apóstolo Paulo
responde: “Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos
aperfeiçoando na carne?” (Gl 3.3). A vida cristã começa pela graça, pela atividade do
soberano Espírito de Deus, e deve ser continuada da mesma maneira. Isto não significa
que não existe qualquer atividade da parte do crente. Pelo contrário, a Palavra de Deus
afirma que os salvos foram criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de
antemão preparou para que andássemos nelas. (Ef 2.10);

Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós
tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. (Fp 2.12-13 nota: estes
versículos, que têm sido grosseiramente mal utilizados pelas seitas, não ensinam a
salvação pelas obras; antes, são dos muitos versículos que demonstram a completa
gratuidade da salvação). Além disso, os crentes são instruídos a crescerem na graça e
no conhecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. (2 Pe 3.18). O que o
gracioso e amável Deus do céu concedeu aos crentes para ajudá-los a desenvolverem
sua salvação, fazerem as boas obras que Ele determinou e crescerem na graça?
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Deus ofereceu-lhes coisas específicas a fim de obterem esses resultados desejados;
ofereceu-lhes o que os teólogos chamam de meios da graça. A seguir, consideramos
esses meios de graça e de crescimento. Quando você utiliza os meios da graça, percebe
os resultados em sua própria vida: crescimento espiritual, maturidade, alegria,
santidade e semelhança a Cristo. Se estas qualidades estiverem sendo praticadas em
sua vida, haverá crescente comunhão com Deus. o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Você
será fortalecido e encorajado a andar com Cristo. Receberá a força e o poder espiritual
necessários para vencer a tentação, o pecado e Satanás. Obterá ajuda indescritível em
cada aspecto da vida cristã.

O que significa a expressão “meios da graça”?


O Dicionário Aurélio define a palavra “meio” como “recurso empregado para alcançar
um objetivo”. Por conseguinte, os meios da graça são os instrumentos pelos quais
Deus transmite bênçãos ao seu povo. O Catecismo de Westminster define a expressão
“meios da graça” como “os recursos visíveis e comuns pelos quais Cristo transmite à sua
igreja os benefícios de sua mediação [ou seja, de sua morte]”. Ilustrando isso, pense em
uma mangueira de jardim. A mangueira não é especial em si mesma, porém é o canal
pelo qual flui a água que produz vida e refresca. O mesmo acontece com os meios da
graça. Em si mesmos, eles nada possuem de especial, mas são os instrumentos ou os
canais pelos quais fluem as bênçãos divinas que outorgam vida e refrigera a alma.
Através dos meios da graça, Deus concede força, paz, conforto, instrução, disciplina,
orientação, alegria e muitas outras coisas necessárias à vida cristã. Ainda que a
expressão meios da graça não se encontre na Bíblia, é uma designação adequada para
aquilo que está ali ensinado. Há dois tipos de meios de graça: os particulares e os
públicos. O restante desse artigo abordará os diferentes aspectos de cada um desses
tipos.

Um caminho antigo para o crescimento espiritual

No livro Celebração da disciplina: o caminho do crescimento espiritual. Richard


Foster faz uma exposição brilhante sobre como podemos progredir na jornada cristã.
Cristo não nos salvou para que continuássemos sendo árvores mortas, mas sim para
que sejamos árvores vicejantes que dão bons frutos. O trajeto confiável para que
possamos dar bons frutos não está oculto, muito menos é desconhecido, pelo
contrário, muitos cristãos e cristãs antigos o sabiam muito bem. O autor faz um
excelente trabalho ao nos lembrar das práticas que estão presentes desde o início de
nossa fé e que não deixaram de ser válidas para a contemporaneidade por serem
antigas. As disciplinas espirituais são exercícios que praticamos a fim de tornarmos a
nossa vida mais semelhante com a de Cristo. Elas podem ser entendidas como meios
de graça, isto é, maneiras pelas quais Deus deseja promover nosso crescimento e
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maturidade espirituais. Elas cumprem a função de “libertar o ser humano da
escravidão sufocante ao interesse próprio e ao medo” (p. 30).

Disciplinas interiores
O autor divide as disciplinas espirituais em três categorias: interiores, exteriores e
comunitárias. Cada capítulo é dedicado a descrever cada uma das disciplinas
espirituais contidas nessas categorias. Nas disciplinas interiores, a primeira listada é a
disciplina da meditação, que é diferente da ideia de esvaziamento que estamos
acostumados. Foster chama a atenção para o caráter inquieto e barulhento que
estamos acostumados a conduzir nossas vidas e como a pressa está relacionada a isso.
A meditação cristã consiste em ser “a capacidade de ouvir a voz de Deus e obedecer à
sua Palavra” (p. 47). A segunda disciplina é a oração. O autor enfatiza que essa
disciplina é a principal, pois nos coloca em comunhão constante que o Pai. 

Disciplinas exteriores
A primeira disciplina exterior listada é a simplicidade. Essa disciplina é uma realidade
interior que tem consequências exteriores. Ela é uma disciplina que nos liberta da
tirania do consumismo e da ostentação. Ela consiste em colocar o Reino de Deus em
primeiro lugar e termos nossas necessidades orientadas por essa direção. O espírito
dessa disciplina pode ser expresso na frase de Richard E. Byrd “Estou aprendendo
[…] que um homem consegue viver profundamente sem uma enormidade de coisas”
(p. 123). As atitudes internas que devemos ter para exercitar essa disciplina são:
“considerar dádiva de Deus tudo que possuímos”; “saber que é assunto de Deus, e não
nosso, cuidar do que temos”; “pôr os bens que temos à disposição de outros” (p. 131–
32). 

Disciplinas comunitárias
A epígrafe de Agostinho que abre o capítulo que fala sobre a disciplina comunitária da
confissão diz “confessar as más obras é o primeiro passo para as boas obras” (p. 203).
Um aspecto que o autor destaca sobre essa disciplina é que ela também produz
crescimento. A Bíblia não apenas nos ordena a confessar nossos pecados a Deus, mas
uns aos outros (Tiago 5.16). Ele cita um trecho do livro Vivendo em comunhão, do
Bonhoeffer, que diz “nosso irmão […] foi-nos dado para nos ajudar. Ele ouve a
confissão de nossos pecados no lugar de Cristo.

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MEDITAÇÃO
Existe um ponto de partida, alguma disciplina que seja a largada dessa fantástica
caminhada? Cremos que sim, por que para executarmos todas as demais disciplinas,
precisamos antes de tudo conhecê-las, e para isso devemos aprender com as receitas
que o próprio Criador nos deixou para crescermos na piedade, ou seja, o começo é a
Escritura, pois nela o Pai nos ensina as demais disciplinas. Mas o que é meditar nas
Escrituras? Como se faz? Quais os benefícios? O marco zero A Bíblia é a nossa “única
regra de fé e prática4 ”, o que quer dizer que tudo que cremos e fazemos deve ser
regulado e orientado pelas Escrituras. Sendo assim, é ela o começo de tudo e sem a
orientação das Escrituras não poderemos desempenhar as demais disciplinas
satisfatoriamente, visto que a Palavras é que nos ensinam a orar, jejuar, servir, confessar
e etc. As Escrituras são o nosso marco zero, nosso ponto de partida e mais do que isso:
nosso ponto de referência, para que determinada disciplina não seja distorcida e assim
cause mais dano do que benefício. Exemplificando, as Escrituras nos ensinam a jejuar,
mas nos ensinam também que nosso jejum não deve ser motivo de orgulho espiritual,
ou ainda não devemos usar o jejum como forma de chantagear o Pai. A Bíblia é nosso
ponto de início e nosso ponto de referência. E o que a Bíblia nos diz sobre meditação? 

As Escrituras nos dizem que devemos reaprender a viver quando somos redimidos em
Jesus (Ef 2.1-10), visto que fomos salvos para andarmos em boas obras e não para
continuarmos a viver a mesma vida de antes. Mas como reaprender a viver? A Bíblia é
o nosso manual para a nova vida. Ela nos mostra a vida, o ser humano e tudo mais a
partir da perspectiva do próprio Criador. Por isso, os autores bíblicos enfocam tão
encarecidamente que devemos moldar nossa vida não mais pelos padrões do sistema,
da natureza humana rebelde e do príncipe deste mundo, mas sim pela vontade do Pai
expressa na Palavra. O salmo 1 enfatiza tão perceptivelmente isso, nos mostrando que
feliz é o homem que não vive segundo os padrões do sistema, imitando o estilo de vida
de pessoas que não nasceram de novo em Cristo, mas que vive segundo a vontade
Deus, pois medita nas Escrituras (Salmo 1.1 e 2).

Meditação e leitura

Meditar nas Escrituras é ler as Escrituras? Segundo Dallas Willard, “Nós não só lemos,
ouvimos e inquirimos, mas também meditamos naquilo que está diante de nossos
olhos. Isso significa que nos retiramos em silêncio para, em atitude de oração e com
intensidade, nos concentrarmos no que estamos lendo, desta forma, o significado do
que lemos pode emergir e nos formar enquanto Deus trabalha no íntimo do nosso
coração, mente e alma5 ”. A Meditação nas Escrituras deve ser norteada por um desejo
profundo de ouvir o Senhor através da ação do Espírito Santo, um anelo por descobrir
a vontade do Pai a fim de podermos obedecer.

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Logo, Meditação é mais do leitura, mas é colocar sua vida em contato com a vontade
de Deus, ciente de que as implicações serão transformação de caráter e obediência
prática. Meditar é mais que folhear a Bíblia procurando textos bonitos e inspirativos, é
colocar-se diante do Pai para ouvir sua direção. Sem 4 Confissão de Fé de
Westminster, Capítulo 1 – Da Escritura Sagrada, Artigo 2. 5 Dallas Willard, O Espírito
das Disciplinas, p. 177. 5 disposição para relacionar-se com o Pai e para se submeter ao
senhorio de Cristo, a Meditação torna-se apenas um momento literário, hora de leitura
e não de transformação profunda no poder do Espírito.

O R AÇÃO
A oração é a disciplina que se segue imediatamente após a meditação. Isso por que as
Escrituras e a oração estão entre os principais meios através dos quais Jesus abençoa,
fortalece, ensina e conforta seus discípulos, ou seja, eles são meios de graça.12 Mas
afinal, o que é a oração? Como orar? Existem formas mais acertadas ou erradas de
orar? Vamos lidar primeiro com o conceito de oração. O que é orar? Hallesby diz que a
oração é “deixar Jesus entrar em nosso coração” e “abrir a porta, dando a Jesus acesso
às nossas necessidades, permitindo que Ele exercite seu poder para supri-las”.13
Eugene Peterson diz que “a oração é uma aventura ousada rumo à linguagem, que
coloca nossas palavras juntas com aquelas palavras cortantes, vivas, que penetram e
dividem alma e espírito, juntas e medulas e, impiedosamente, expõem cada
pensamento e propósito do coração”.

A oração é essa realidade em que se estabelece comunicação entre Deus e o homem.


Gostaria que você pudesse pensar que orar nada mais é do que falar, conversar com o
Criador. É simples por que é uma conversa e é extremamente complexa por que é uma
conversa com Deus. Como você pode imaginar, uma conversa é um lugar de
comunicação comum a duas pessoas, ou seja, duas pessoas falam e ouvem. Assim, o
Senhor se dirige a nós por meio de sua Palavra e respondemos em oração. Peterson
insiste que nossa palavra não é nunca a primeira, mas sempre a resposta.15 Orar é
conversar com o Criador, voltar ao relacionamento que fomos criados para ter, do qual
o pecado nos cortou. Orar é estar com o Pai, falando e ouvindo.

Relacionamento e comunicação

Costumamos pensar em oração como uma forma de obter benefícios do Criador, mas
as Escrituras enfocam algo primeiramente: relacionamento. Não existe
relacionamento entre duas pessoas que não se comunicam, e se dizemos que temos
um relacionamento com o Pai por meio de Jesus então entendemos que é no
momento de oração que esse relacionamento se torna evidente, real, palpável e
inegável. Orar é estar com o Criador, é comunicação e relacionamento.

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Como afirma César, “a prática da oração é a arte de entrar no Santo dos Santos e de se
colocar na presença do próprio Deus em espírito, por meio da fé, valendo-se do
sacrifício de Cristo, e falar com Deus com toda a liberdade por meio da Palavra audível
ou silenciosa”.16 A oração é o ambiente de comunicação em que Deus e o homem se
comunicam. Mas como pode o homem pecador se dirigir ao Deus Santo? Como é
possível que nós venhamos a ter essa comunicação com o Criador sendo pecadores?

O canal da oração

Oramos e costumeiramente, no fim da oração dizemos: “Em nome de Jesus, Amém”.


Orar em nome de Jesus não é apenas um costume da igreja, mas é uma prática que
traduz a verdade de que não oramos. Oramos ao Pai e ele nos ouve por que Jesus abriu
um caminho para nós por meio de sua morte. A oração só é possível por causa de
Jesus, que morreu na cruz em nosso lugar e rasgou o véu que se interpunha entre nós e
o Pai (Marcos 15.38). A imagem do véu rasgado aponta para os efeitos da obra de
Jesus ao rasgar toda a separação que havia entre o Criador e o homem caído por causa
do pecado. Por causa de Jesus não somos mais estranhos ou inimigos diante de Deus,
mas filhos. Jesus é nosso canal de oração e é por causa dele que podemos nos achegar
ao Pai e orar como o próprio Jesus nos ensinou a orar, chamando-o de Pai. Jesus é a
base, o ambiente, o por que da oração, assim como de tudo em nós. 

Jesus e sua escola de oração

Jesus não apenas foi um homem cuja vida estava profundamente imersa na oração
como ensinou seus discípulos a orar. O ensino de Jesus não foi uma mera tabela do
que dizer no momento de oração mas o Senhor quis mostrar aos seus discípulos que a
oração passa necessariamente por algo muito mais essencial e profunda que é uma
atitude de oração. Vamos nos concentrar por agora no texto do Evangelho de Mateus,
no capítulo 6, versos 5 a 8, onde Jesus ensina sobre a motivação e o conteúdo da
oração. A motivação da oração Estamos no Sermão do Monte, um dos blocos de
ensino de Jesus mais famosos entre todos os Evangelhos. A partir do início do capítulo
6 Jesus começa a mostrar como os discípulos devem realizar suas práticas de justiça,
especialmente montando um contraste em relação à forma como os fariseus exercem
suas práticas de justiça.

A partir do verso 5 Jesus nos diz para não orarmos como os hipócritas, se referindo aos
fariseus. Os fariseus eram um tipo de partido religioso do tempo de Jesus muito
conhecidos de todo o povo. Eles eram muito admirados pelas pessoas em geral que
pensavam que esses homens eram super-homens da religião judaica, pois eram
grandes conhecedores das Escrituras e também se orgulhavam de serem observadores
rígidos dos mandamentos.

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Contudo, Jesus constantemente denuncia que os fariseus fazem todas estas coisas não
para agradarem ao Pai mas para serem glorificados pelos homens, e serem admirados
por eles. Jesus então ordena que o discípulo não ore em lugares públicos como esses
caras, e orienta que o discípulo entre em seu quarto e feche a porta para orar. O que
está em questão não é o lugar mas a motivação, que não deve ser de parecer mais
crente do que os outros, mas de ter relacionamento com o Pai, que nos vê em secreto.
O Senhor instrui que a motivação de orar seja pura, correta: ter relacionamento
qualitativo com o Pai. Muitas motivações distorcidas podem nos levar à oração:
barganha, medo, hábito religioso, culpa. Contudo, Jesus diz que um bom tempo de
oração deve começar com a motivação adequada. 

O conteúdo da oração 

Depois de falar sobre a motivação da oração, Jesus ensina sobre o que orar, qual o
conteúdo da oração. Jesus diz para não usarmos de vãs repetições, como os gentios,
que presumem que serão ouvidos por ficar tagarelando sempre as mesmas coisas.
Bem, afinal o que está em jogo aqui? Afinal, não podemos orar constantemente pelas
mesmas pessoas ou motivos? O que está em jogo aqui é o conteúdo da oração, que
não deve ser reduzido a um mero jogo de pedir e receber. Jesus diz para não orarmos
como os gentios, ou seja, pessoas que serviam aos ídolos indo aos templos para fazer
suas preces a essas falsas divindades. O que isso tem a ver? Bem, o lance é que essas
pessoas não iam até os templos para se relacionar com esses deuses, mas para buscar
favores nas mais diversas áreas da vida. Dependendo da necessidade, seria necessário
pedir a um deus responsável por aquela área. O que estava em questão não era
relacionamento, mas apenas o atendimento de uma necessidade. 

Pedir, pedir e pedir para finalmente receber. Jesus nos alerta para que nossos
momentos de oração não sejam transformados em um balcão de pedidos e barganhas.
Se você parar para pensar é uma grande tentação entrarmos no momento de oração
para simplesmente agradecermos o que recebemos e pedirmos o que ainda
precisamos sem sermos necessariamente pessoais, sem falar de nós mesmos, sem abrir
nossos corações para conversar com o Pai. O Mestre nos aponta o caminho para não
reduzirmos o conteúdo da oração a uma tagarelice sem fim, nos assegurando que o Pai
sabe tudo que temos necessidade antes que venhamos a pedir. Jesus não está dizendo
para não pedirmos, já que, como bem observou Calvino, devemos orar pedindo ao Pai
como expressão de dependência e para obter maior confiança, mas não devemos fazer
do Pai um entregador de pizzas e nem da oração uma lâmpada mágica.

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JEJUM
Richard Foster, em seu livro Celebração da Disciplina, afirma que o jejum é uma das
disciplinas mais mal compreendidas, mal aplicadas e negligenciadas de nossa época17.
Para Foster, os motivos são por um lado a ligação histórica do jejum às práticas
ascéticas dos mosteiros e por outro lado a pregação nutricional de que ficar sem comer
é um atentado contra a saúde. De fato, o jejum é uma disciplina pouco ensinada nas
comunidades cristãs atualmente, e frequentemente é ligada ou a um fanatismo
indesejável ou é colocada de lado como coisa antiga e sem propósito.

Entretanto, o jejum é uma prática que tem grande visibilidade no Antigo Testamento,
sempre compreendida como uma disciplina de abstinência de importância e
profundidade, ligada ao lamento ou à humilhação do arrependimento (2Sm 12.16; Jn
3.5-8). A prática do jejum não fica restrita ao Antigo Testamento, mas o próprio Jesus
jejuou (Mt 4) e pressupôs em suas instruções aos discípulos que estes também
haveriam de praticar o jejum (Mt 6.16-18). Embora o jejum não seja enfatizado
longamente nos escritos do Novo Testamento, o próprio Jesus nos deu exemplo e
ensinamento a respeito desta disciplina, o que por si só nos deve levar a considerar esta
disciplina mais de perto.

Um apetite diferente 

O jejum como este é referido nas Escrituras é a espontânea abstinência de comida e/


ou bebida. Entretanto, existem diferentes níveis de jejum, o que é confirmado pelo
jejum de Daniel, que por um dado tempo "não comeu nada saboroso; carne e vinho
não provou; e não usou nenhuma essência aromática, até se passarem as três semanas"
(10.3). E qual o propósito de jejuar? Em um sentido amplo, o propósito do jejum é
uma rendição profunda ao Senhor. Esta rendição pode envolver uma atitude de
humilhação, de arrependimento, de louvor, de busca e até mesmo de consagração para
uma ocasião ou questão especial. O período de jejum deve vir acompanhado de uma
profunda prática de oração. Jejuar é abrir mão do alimento para focar na verdade de
que nem só de pão viverá o homem, que não é apenas uma máquina fisiológica que
pode ser saciada pelas realidades materiais que o cercam. O jejum é esta rendição à
suficiência do Pai, é uma rendição à justiça, ao cuidado, ao poder e ao amor que só
estão no Pai, recursos que estão em Cristo e que são derramados sobre nós pela pessoa
do Espírito. O jejum é tirar o foco de qualquer outro apetite para focar nossa ânsia
somente em Cristo. Esse efeito amplo do jejum sobre todos os nossos apetites, não
apenas o apetite gastronômico, é assim explicado por Willard: “O jejum ensina a
temperança ou o auto controle e, portanto, ensina moderação e abstenção em relação
a todos os nossos impulsos básicos.
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. Desde que o alimento tem grande influência em nossa vida, os efeitos do jejum se
difundirão por toda a nossa personalidade”.18 O jejum envolve necessariamente uma
atitude de humilhação que aceita o fato de que o Senhor é a nossa maior necessidade,
que não temos por nós mesmos os recursos que precisamos. Essa atitude inicia na
renúncia do alimento, mas se estende para todas as áreas da nossa vida que costumam
desfocar nossa consciência da necessidade do Pai. 17 FOSTER, Richard J. Celebração
da Disciplina, p. 40. 18 WILLARD, Dallas. O Espírito das Disciplinas, p.167 14

Evitando as ciladas

O jejum é uma disciplina que traz consigo tentações, como todas as demais, mas de
certa forma há uma cilada que é mais insinuante do que nas demais disciplinas: o
orgulho espiritual. O jejum, por ser uma disciplina que exige ao mesmo tempo
espontaneidade e rigor, pode vir a deteriorar num sentimento de superioridade
espiritual, justiça própria e até mesmo um toque de manipulação do próprio Deus.
Devemos manter em mente que o jejum deve produzir em nós um profunda
consciência de nossa necessidade do Senhor, uma postura humilhada e rendida. Para
tanto, devemos jejuar com os propósitos já citados em mente, e com uma motivação
pura em nossos corações, sobre o que conversaremos adiante. 

Motivação acertada 

Em seu ensino sobre a vida do Reino, Jesus ensinou seus discípulos sobre o jejum. Para
compreendermos o ensino de Jesus como ele está registrado em Mateus 6.16-18
devemos antes visualizar algumas características desse texto. Primeiro, é importante
notar que Jesus tinha alertado os discípulos sobre a necessidade de terem uma justiça
maior do que a dos escribas e fariseus (Mt 5.20). As pessoas que ouviram Jesus isto
devem ter rido ou chorado a princípio, pois os escribas e fariseus eram conhecidos por
seu íntimo conhecimento dos mandamentos bem como de sua escrupulosa atenção
para com eles. Mas então Jesus começa a mostrar que o discípulo deve superar a
hipocrisia farisaica de obedecer os mandamentos apenas exteriormente. O discípulo
deve alinhar não apenas sua prática com a lei, mas essencial e primeiramente seu
coração. É esse o espírito das aplicações da lei que Jesus faz: que o seu coração esteja
alinhado com o Reino (Mt 5.21-48).

Logo após mostrar que o discípulo do Reino deve estar completamente rendido e
mergulhado no Reino até o mais profundo de seu coração, Jesus começa a falar sobre
as práticas de justiça, ou seja, disciplinas espirituais. Na introdução de seu ensino sobre
as práticas de justiça, Jesus mostra como a questão da motivação é essencial para todas
elas (Mt 6.1). Jesus previne que o discípulo oriente sua prática para a finalidade de
alcançar glória religiosa como os fariseus e escribas. A motivação acertada é o começo
do sucesso da disciplina espiritual.
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O contrário também é verdade. Ao ensinar sobre o jejum, Jesus ensina que não
devemos jejuar com o fim de nos mostrarmos mais espiritualizados para os que estão à
nossa volta (Mt 6.16). Lembre-se sempre: jejuar é render-se à justiça do Pai e não uma
forma de nos sentirmos melhores conosco mesmos. Como bem notou Foster, utilizar
boas coisas para nossos próprios fins é sinal de falsa religião19, e isso é aplicável em
especial ao jejum. A motivação de jejuar deve ser portanto de render-se ao Senhor,
confessar nossa necessidade dele acima de todas as outras.

SOLITUDE
A solitude era uma disciplina muito conhecida dos primeiros discípulos e amplamente
praticada pelo próprio Jesus. Ele iniciou sua jornada ministerial passando quarenta
dias sozinho no deserto (Mateus 4:1-11). Na ocasião da escolha dos doze apóstolos, o
Senhro passou a noite inteira sozinho em um monte deserto, em profunda oração
(Lucas 6:12). Logo depois do milagre da multiplicação de pães e peixes, Jesus mandou
que os discípulos partissem pelo mar, despediu as multidões e “subiu ao monte a fim
de orar sozinho...” (Mateus 14:23). Após curar um leproso, Jesus “se retirava para
lugares solitários, e orava” (Lucas 5:16). Finalmente, quando estava prestes a enfrentar
os sofrimentos da cruz, Jesus se recolheu em solitude e oração no jardim do
Getsêmani (Mateus 26:36-46). A solitude era o momento no qual Jesus mantinha a
perspectiva clara das coisas, e geralmente antes ou depois de fatos e eventos cruciais ao
longo dos Evangelhos, Jesus procurava estar só com o Pai. A solitude era a disciplina
através da qual Jesus mantinha-se conectado com a perspectiva do Pai acerca das
coisas, de maneira que nem os apelos das multidões para coroá-lo nem as acusações e
ameaças dos líderes religiosos pudessem demovê-lo de sua missão.

A disciplina da verdade

A solitude é a decisão consciente de nos abstermos de relacionamentos com as


pessoas20 com a finalidade de nos concentrarmos em nosso relacionamento com o
Pai. Para muitos escritores, como Bonhoeffer e Tomas Merton, a solitude é a disciplina
que abre as portas para as demais e deve ser praticada regularmente ao lado da oração,
da meditação e também do jejum. Em grande parte somos fruto do nosso meio, somos
moldados e formatados pelas relações que temos com as outras pessoas e não raras
vezes esses relacionamentos nos levam para longe de um relacionamento profundo
com o Pai. A solitude faz o caminho inverso, pois pretende nos levar à abstinência de
todos os demais relacionamentos para estar com o Pai e assim fazer o caminho de
influência inverso. A solitude nos protege de sermos moldados e destruídos por nossas
relações. Bonhoeffer escreveu sobre essa realidade: “Aquele que não pode estar
sozinho, tome cuidado com a comunidade. Aquele que não está em comunidade,
cuidado com o estar sozinho.
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Cada uma dessas situações tem, de si mesmas, profundas ciladas e perigos. Quem
desejar a comunhão sem solitude mergulha no vazio de palavras e sentimentos, e
quem busca a solitude sem comunhão perece no abismo da vaidade, da auto-
enfatuação e do desespero”.

Muitas vezes nos perdemos em nossos meios sociais. Perdemos nossa identidade,
nossos referenciais, e lutamos para fugir de nós mesmos, de nossa dor e angústia em
meio a conversações vazias, relacionamentos superficiais e até certo ponto
pecaminosos. A solitude nos leva a um encontro conosco mesmos, com o Pai, com a
verdade. A solitude é estar consigo mesmo para se ouvir, se conhecer, se ver. Para
Calvino, quanto mais nos conhecemos mais conhecemos a Deus, e quanto mais
conhecemos a Deus mais compreendemos e conhecemos a nós mesmo num ciclo que
não pode ser desligado. Em suas próprias palavras: “E assim na consciência de nossa
ignorância, presunção, miséria, fraqueza, enfim, de nossa própria depravação e
corrupção, reconhecemos que em nenhuma outra parte, senão no Senhor, se situam a
verdadeira luz da sabedoria, a sólida virtude, a plena abundância de tudo que é bom, a
pureza da justiça, e daí somos por nossos próprios males instigados à consideração das
excelências de Deus”.22 20WILLARD, Dallas. O Espírito das Disciplinas, p.159. 21
APUD FOSTER, Richard J. Celebração da Disciplina, p.80 22 CALVINO, João. 17 A
solitude nos dá esse ambiente necessário ao crescimento do conhecimento de nós
mesmos e do Pai, nos libertando da escravidão de atuarmos o tempo todo diante das
pessoas com as quais nos relacionamos. A solitude é a disciplina da verdade, é o
momento em que as máscaras não funcionam e somos confrontados com a realidade
de nós mesmos.

Solitude, não solidão

Como todas as disciplinas, a solitude possui suas ciladas e devemos estar atentos para
essa realidade enquanto nos envolvemos nas disciplinas espirituais. A solitude á uma
das disciplinas de abstenção do nosso cardápio de disciplinas, onde nos abstemos de
relacionamentos com outras pessoas por algum tempo para dizer ao Pai que o
principal relacionamento que temos é o Senhor. Por causa dessa abstinência a solitude
pode acabar tomando ares de solidão espiritualizada. A solidão é a condição em que
estamos desligados de relacionamentos relevantes e profundos devido ao abandono, à
fuga, ao medo de relacionamentos. A solidão é o resultado de uma vida de
egocentrismo, de vaidade. Segundo Foster, a “solidão é vazio interior. Solitude é
realização interior”. A solidão é em si mesma, enquanto a solitude é uma disciplina
realizada com o fim de estarmos com o Pai para podermos amar as pessoas que estão à
nossa volta mais e melhor quando a disciplina terminar. James Bryan Smith mostra
como podemos diferenciar a disciplina da armadilha da seguinte maneira: “Solitude é
passar um tempo separado das outras pessoas.
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Geralmente experimentamos a solidão quando não há ninguém por perto, mas não é
desse tipo de solidão que estamos falando. A solitude é um tempo que passamos
intencionalmente conosco mesmos e com Deus. Então, Deus pode fazer algo
poderoso dentro de nós na área da identidade”.24 A solidão se caracteriza pela
insuficiência de interação e comunicação emocional e pela falta de aproximação
afetiva que é fruto da superficialidade das relações. A pós-modernidade, tão marcada
por grandes avanços científicos e tecnológicos e pela expansão dos meios de
comunicação tem gerado, paradoxalmente, uma crescente sensação de solidão. Essa
solidão é na verdade fruto de individualismo, de auto-proteção e de uma atitude
pecaminosa e auto-centrada em que o indivíduo se recusa a se envolver em
relacionamentos onde possa ser amado e por sua vez amar. A solitude nos liberta da
solidão, pois ao estarmos e sermos na presença do Pai, tirando nossas máscaras,
estaremos cada dia mais aptos para sermos nós mesmos com as pessoas à nossa volta e
nos conectarmos verdadeiramente com elas.

COMUNHÃO
A caminhada cristã nunca é uma peregrinação solitária, já que não devemos perder de
vista que o Senhor nunca chamou pessoas para junto de si: o Pai prepara, separa e
levanta sempre um povo. Dizendo isto quero significar a verdade de que ninguém foi
chamado para caminhar sozinho no Evangelho, mas somos chamados para caminhar
com uma comunidade que já existia antes de nós e continuará existindo após nossa
partida. A comunhão é uma disciplina construída sobre a verdade de que o Senhor
chamou para si um povo, uma nação santa (2Pedro 2.9). Essa verdade é tanto visível
no Antigo Testamento, personificada na própria nação de Israel, como no Novo
Testamento, quando Jesus deixa uma comunidade de discípulos que devem caminhar
sempre lado a lado (João 15.12-17).

Jesus sempre estimulou seus discípulos a construírem relacionamentos no Reino,


enviou-os em duplas e enfatizou sempre a necessidade de que houvesse amor entre
seus aprendizes. Viver em comunidade é nosso grande privilégio e nosso grande
desafio. É nosso privilégio porque a comunhão entre os discípulos é resultado da
união com Cristo. Como Paulo enfatiza em sua epístola aos Efésios, capítulo 2, versos
11 a 22, o efeito maravilhoso da salvação de Jesus sobre seu povo é que por meio de
seu sacrifício Jesus venceu todo isolamento, toda separação para fazer de nós família de
Deus (v.19). Ao mesmo tempo, viver em comunidade é um grande desafio devido à
sobrevivência da pecaminosidade em nós. Somos pessoas diferentes, feridas,
incompreendidas e ainda por cima pecadoras. Tudo isso cria graves dificuldades para
que venhamos a construir relacionamentos sólidos, baseados no amor do próprio
Jesus.
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CURSO DE DOUTRINAS
A comunhão, que é uma grande bênção do Pai para nós, pode se tornar muitas vezes
uma séria dificuldade. Não devemos perder de vista essas duas realidades: o privilégio
e a dificuldade. Deixar de lado qualquer tipo de idealismo em relação às pessoas e à
igreja é um passo fundamental para a construção de uma verdadeira espiritualidade
comunitária. Como afirmou Warren: “quanto mais rápido renunciarmos à ilusão de
que uma igreja deve ser perfeita para que a amemos, mais rápido deixaremos de fingir
e admitiremos que somos todos imperfeitos e precisamos da graça. Esse é o início da
verdadeira comunidade! Toda igreja deveria afixar uma placa: “Pessoas perfeitas não
precisam entrar. Este lugar é somente para os que admitem ser pecadores...”.31
Dietrich Bonhoeffer, escrevendo em seu clássico Vida de Comunhão, afirma que
“aquele que ama mais seu sonho de comunidade cristã que a própria comunidade
cristã, se tornará o destruidor de cada comunidade cristã, não importa o quão
honestas, sérias e sacrificiais sejam suas intenções”.32 Não devemos amar os outros
discípulos pelo que eles deveriam ser, mas pelo que eles são. Este é o início da
construção de uma comunidade.

A disciplina dos relacionamentos

Uma disciplina crucial e vital em nossa caminhada cristã certamente é a comunhão. A


comunhão ocorre quando “nos engajamos nas atividades comuns de adoração, estudo,
oração, celebração e serviço com outros discípulos. Ela pode envolver grandes grupos
ou apenas umas poucas pessoas”.33 Quase todas 31 WARREN, Rick. Uma vida com
propósitos, p. 142. 32 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. 33 WILLARD,
Dallas. O Espírito das Disciplinas, p. 188. 21 as práticas devocionais que listamos até
agora podem ser feitas tanto individualmente como comunitariamente. Meditar nas
Escrituras, orar e jejuar são práticas que podemos realizar com outros irmãos. A
comunhão é a disciplina dos relacionamentos, e por isso a comunhão é uma expressão
genuína da fé cristã, pois Jesus veio nos reconectar a relacionamentos. A salvação é a
experiência de termos um novo relacionamento com o Pai por meio de Cristo e de
termos um novo relacionamento uns com os outros por meio de Cristo. Essa é a lição
profunda que Jesus deixa a seus discípulos na imagem da videira e dos galhos, no
capítulo 15 do Evangelho de João. Nessa parábola, Jesus deixa claro que estar
conectado a ele é estar conectado ao outro discípulo, e que a expressão de um
relacionamento frutífero com Jesus é o amor pelo próximo. A comunhão é a disciplina
onde o cristianismo é forjado e atestado.

Espiritualidade comunitária

A disciplina da comunhão é o caminho para a construção de uma espiritualidade


comunitária, ou seja, uma forma de caminhar espiritualmente ao lado de outros
discípulos.

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C U R S O D E D O U T R I N AS
As Escrituras enfatizam a disciplina da comunhão como parte essencial da construção
da espiritualidade, de tal maneira que podemos até mesmo dizer que a comunhão é
essência da fé cristã. Mas por que a comunhão é tão essencial? Por que a comunhão é
uma conseqüência da salvação em Cristo. Ao longo de todo o capítulo 15 do
Evangelho de João Jesus mostra três áreas de relacionamentos do discípulo: a relação
com Cristo (versos 1- 11), a relação com o outro discípulo (versos 12-17) e finalmente
a relação da comunidade com o mundo (versos 18-27). Jesus aponta para a relação
comunitária como um desdobramento do fato de que os discípulos estão em Jesus
como galhos enxertados em uma árvore. Por que eles estão em Jesus e Jesus está em
seus discípulos, eles agora são membros uns dos outros, unidos por meio de Jesus em
uma comunidade de discípulos. Na seção central do texto, onde Jesus enfoca a
comunhão, o Senhor enfatiza o mandamento do amor. O amor é o caminho para se
exercer a prática da disciplina da comunhão, para através da comunhão edificar uma
espiritualidade comunitária, marcada por relacionamentos profundos e curadores.
Entretanto, nosso grande desafio é adentrarmos profundamente o sentido da palavra
“amor” aqui no texto, já que somos desafiados a nos amarmos uns aos outros não a
partir dos nossos padrões de amor, mas a partir dos padrões do próprio Jesus. “Que
vocês se amem como eu amei vocês!” João 15.12. Geralmente nossos discursos a
respeito do amor são bastante dilatados, mas quando somos realmente desafiados a
amar na prática não temos muita idéia do que isso significa. Contudo, as Escrituras nos
declaram como funciona esse amor, e o que fazer para traduzir na comunhão nosso
amor por Jesus e pelos outros discípulos.

CONFISSÃO
A vida cristã pode se deteriorar muito facilmente em atuação religiosa e a comunhão
se tornar um grande baile de máscaras. Isso acontece por que muitas vezes estamos em
estágios básicos do discipulado, mas somos levados a atuar como discípulos maduros
por pressão de nossa comunidade ou de nós mesmos. Ao invés de investirmos em
nossa maturação espiritual, gastamos tempo e energia aprendendo a atuar mais e
melhor para que venham a pensar que somos aquilo que aparentamos ser. Foster
afirma que os efeitos dessa atuação são desastrosos para nosso crescimento espiritual.
“Vivemos a comunidade dos crentes como uma comunhão de santos antes de vê-la
como uma comunhão de pecadores. Chegamos a sentir que todos os outros
progrediram tanto em santidade que nos encontramos isolados e sozinhos em nosso
pecado. Não suportaríamos revelar nossas falhas e deficiências aos outros.
Imaginamos que somos os únicos que não puseram os pés na estrada do céu. Portanto,
escondemo-nos uns dos outros e vivemos em mentiras veladas e em hipocrisia”.35

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CURSO DE DOUTRINAS
A confissão é uma disciplina que possui dois ambientes: a confissão individual, feita ao
Pai em oração, e a confissão comunitária, que acontece dentro do ambiente da
comunhão. Vamos enfatizar aqui a segunda perspectiva, já que a primeira já foi tratada
na disciplina da oração. Segundo Willard, “confissão é uma disciplina que funciona
dentro da comunhão. Nela, permitimos que pessoas confiáveis conheçam nossas
fraquezas mais profundas e nossas falhas. Isso nutre nossa fé na provisão de Deus para
nossas necessidades por meio do seu povo, nosso senso de ser amado e nossa
humildade diante de nossos irmãos. Assim permitimos que alguns amigos em Cristo
saibam quem somos na verdade, não retendo nada importante, mas procurando
manter a máxima transparência. Deixamos de carregar o peso de esconder e fingir, que
normalmente absorve uma quantidade espantosa de energia, e engajamo-nos
mutuamente nas profundezas da alma”.36 A confissão, portanto, é o ambiente em que
nos engajamos na prática de retirar as máscaras, parar de atuar e falar a realidade a
respeito de quem somos e como estamos com pessoas com as quais temos uma
profunda comunhão, pessoas que não vão nos destruir com sua crítica, mas que vão
nos exortar em amor e orar conosco. A confissão é o intervalo do baile de máscaras.

Crescimento real

A disciplina da confissão é a porta de entrada para conhecermos o crescimento real,


verdadeiro. A confissão faz isso por meio de um efeito duplo: primeiro por que ao
retirar as máscaras podemos tomar consciência da gravidade de nossas faltas e
pecados, e segundo por nos depararmos com a necessidade de uma transformação real
em lugar da atuação fútil. “A confissão também ajuda a evitar o pecado. Provérbios
28.13 diz que ‘quem esconde os seus pecados não prospera, mas quem os confessa e os
abandona encontra misericórdia’. Obviamente, ‘confessar’ ajuda a ‘abandonar’, pois
persistir num pecado dentro de um círculo. A confissão é o ambiente onde podemos
ser redimidos do pecado e da hipocrisia, cuja finalidade é mascarar o pecado. Por isso
o Apóstolo Tiago, no final de sua epístola, recomendou a confissão como caminho de
crescimento e amadurecimento, de cura e transformação: “Confessai, pois, os vossos
pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados” Tiago 5.15a. Por
causa de sua profundidade de comunhão e por seus efeitos libertadores, a confissão é
uma vigorosa disciplina da vida cristã. A confissão pode nos levar a um conhecimento
maior de nosso pecado e assim também da graça de Deus, pois o conhecimento de
nós mesmos e o conhecimento de Deus são duas realidades interligadas, conforme
nos ensinou Calvino. Quanto mais nos conhecermos, mas conheceremos o Pai.

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Referências bibliográficas

BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão , 2010.

FOSTER, Richar J. Celebração da Disciplina 2. ed. São Paulo: Editora Vida , 2007.

GRUDEM , Wayne. Teologia Sistemática - Atual e Exaustiva. 2. ed. São Paulo: Editora Vida Nova , 2010.

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