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Revisão Bibliográfica da Barragem de St.

Francis, CA

2021
Rafael Mota de Castro 1

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil, rafaelmota@discente.ufg.br

Samuel Segatto Ribeiro 2

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil, samuel_segatto@discente.ufg.br

RESUMO: Por muito tempo as linhas de pesquisas geotécnicas foram baseadas em falhas que ocorreram em
obras. Ironicamente, esses desastres, que muitas vezes foram catastróficos, contribuíram muito para desenvolver
as tecnologias que coíbem novos erros de ocorrerem. Uma construção que colapsou e teve grande repercussão,
sendo de grande importância para a área da geotecnia foi a barragem de St. Francis, no estado norte americano
da Califórnia. Uma série de erros, aliados com investigação geotécnica insuficiente, contribuíram para o desastre
que retirou muitas vidas.

PALAVRAS-CHAVE: Falha geotécnica, St. Francis, Barragem, Fundação.

1. INTRODUÇÃO aproximadamente 150 metros de comprimento e 50


metros de altura. Entretanto, devido ao rápido
A barragem de St. Francis foi uma construção
crescimento da cidade de Los Angeles, foi
executada com a finalidade de armazenar água
necessário acrescentar 3 metros na altura total, para
potável que seria distribuída para algumas cidades
que essa fosse capaz de suprir as necessidades dos
do estado da Califórnia, nos Estados Unidos da
habitantes, mesmo nos cenários mais desfavoráveis.
América. Localizada no Cânion de San Francisquito
(Rogers, 2005)
há 15 quilômetros da cidade de Santa Clarita,
California. A obra foi projetada e executada pelo Los St. Francis situava-se 55 quilômetros, no
Angeles Bureau of Water Works and Supply, tendo sentido norte, da cidade de Los Angeles. No
como engenheiro chefe William Mulholland. Esse momento de sua ruptura, por volta da meia noite do
tinha reconhecimento nacional devido a grande dia 12 de março de 1928, liberou mais de 44 milhões
quantidade de obras já executadas, sempre em tempo de metros cúbicos de água. A onda criada pelo fluido
recorde. (Begnudelli e Sanders, 2007) represado foi alta e forte, de forma que deixou um
rastro de destruição desde sua saída, ao pé da
Essa barragem para abastecimento hídrico da
barragem, até encontrar o oceano Pacífico,
região contou com a estrutura principal em concreto
aproximadamente 90 quilômetros depois.
curvado de gravidade e foi construída entre os anos
(Begnudelli e Sanders, 2007)
de 1924 e 1926. Primeiramente o projeto
contemplava uma estrutura semicircular com raio de
Muitos estudos foram realizados no local após compactado com rolo, com aproximadamente 16
sua falha. Tal problema ocorreu devido mal MPa de resistência. (Rogers, 2005)
dimensionamento da fundação, sendo o lado oeste
da barragem apontado como o ponto de partida para
o colapso da estrutura como um todo.

Figura 3. Vista da seção transversal da estrutura. É


possível observar o alteamento do topo, sem acréscimo
na parte inferior.

A figura 3 representa a vista lateral da


barragem, exemplificando sua geometria bem como
seu acréscimo de altura feito após a conclusão da
Figura 1. Foto da Barragem de St. Francis em
parte inferior da estrutura, impossibilitando o
funcionamento.
reforço da mesma.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Design e Construção

Figura 4. Exemplificação das cargas exercidas sobre a


estrutura.

Figura 2. Simulação do local onde se encontrava a


barragem, no vale de San Francisquito, CA.

A barragem teve sua concepção focada na


rapidez da obra. Nesse sentido a opção escolhida
para representar a geometria da estrutura foi uma
barragem curvada de gravidade. O material a ser
empregado em sua construção foi o concreto
Figura 5. Vista em planta.
2.2.2. Falha na Fundação

Os estudos realizados após o rompimento Um detalhe importante se refere a fundação


destacaram a não utilização de trincheira de vedação da barragem. A fim de se entender os problemas
(cut-off) e a ausência de galerias de fiscalização. relacionados a isso, deve-se estudar os materiais
Dessa forma, não houve uma estrutura que encontrados, identificando suas características e
impedisse a infiltração de água na fundação, nem formas. Nesse sentido a figura 7 exemplifica a
tanto a identificação de patologias internas no corpo estratificação das camadas do material rochoso
da barragem. abaixo da estrutura de concreto.

Figura 6. Vista em planta da estrutura da barragem,


com detalhamento das estruturas de escape de água. Figura 7. Croqui das camadas de solo e rochas
encontradas na fundação da barragem.
A estrutura principal contou com a presença
de vertedouros em sua parte mais alta, implicando Observando a figura 7 é possível identificar a
assim que a barragem estaria em sua capacidade presença de formações de xisto, rocha sedimentar
máxima no início do extravasamento. (Rogers, bastante estratificada que tem baixa resistência
1992) quando analisada no sentido das estratificações.

2.2. Problemas em Potencial

2.2.1. Alteamento Não Previsto Em


Projeto

Alguns fatores foram levados em


consideração nos estudos realizados após o
rompimento. Dentre eles foi constatado que houve
um alteamento na seção principal da barragem de
aproximadamente 3 metros, sem qualquer aumento
na base da seção de concreto ou na fundação. Tal
Figura 8. Vista em perspectiva da estrutura rochosa do
manobra, possibilitou o aumento da quantidade de
lado leste.
água represada no reservatório, o que vinha ao
encontro da necessidade da época. O volume final
do reservatório foi de 44 milhões de metros cúbicos
de água (Rogers, 2005)
2.3.2. Fundação do Lado Leste

Após estudos complementares descobriram


que o lado leste da barragem foi construído sobre
mica xisto, uma rocha estratificada. Além dessa
rocha foram encontrados minerais constituintes de
Figura 9. Locação dos orifícios na fundação. pedra sabão, que caracterizou uma textura oleosa
para o material como um todo. (Agaiby et al., 2017)
2.2.3. Falta de cut-off

Além desses problemas citados


anteriormente, se observou a falta da trincheira de
vedação, chamada também de cut-off. Essa
estrutura tem como função básica o barramento do
fluxo de água na fundação da barragem, sendo
localizada na parte jusante da fundação. Com essa
espécie de impermeabilização o fluxo é reduzido e Figura 10. Exemplificação do rompimento do lado leste.
com isso a poropressão diminui.

Outro ponto positivo da redução do fluxo de


água é a diminuição do risco de erosão interna da
fundação, devido ao volume de água passante.
(Rogers,1992)

2.3. Ruptura

2.3.1. Capacidade do reservatório

Poucos dias antes da ruptura o reservatório


Figura 11. Foto da rocha do lado leste.
estava em sua capacidade máxima de
armazenamento, a centímetros de distância do 2.3.3. Fundação do Lado Oeste
extravasamento. Ressalta-se que a barragem teve
O lado oeste da barragem foi apoiado em uma
sua capacidade de armazenamento aumentada
falha geológica que continha um material expansivo
devido ao acréscimo em sua altura total, sem que
em adição de umidade. Ocasionando a instabilidade
houvesse um reforço na estrutura abaixo, bem como
da estrutura. (Agaiby et al., 2017)
na fundação. O zelador da barragem Tony
Hamischfeger relatou, no dia do rompimento, um 2.3.4. Dispersão Do Nucelo De Concreto
vazamento que poderia estar relacionado ao pipping A força da água, após o rompimento da
(carreamento de materiais internos a estrutura da estrutura, levou grandes pedaços do material
fundação da barragem, gerando perda de resistência) (concreto compactado com rolo) no sentido do
devido a cor suja da água que estava saindo. (Rogers, fluxo. Com a disposição desses materiais ao final da
1992) onda de água, pode-se tirar conclusões sobre quais
romperam primeiro, corroborando as teses que
analisaram outros aspectos, a fim de determinar as deve-se sempre optar por barragens feitas de solo ou
causas do rompimento. enrocamento, pois essas espalham melhor as forças,
diminuindo a solicitação na fundação. (Assis, 2003)

Também é de grande importância seguir as


determinações de projeto, prezando sempre pela
segurança, a fim de não aumentar o tamanho do
reservatório sem fazer os devidos reforços na
estrutura.

Outra consideração imprescindível é fazer a


análise de percolação na fundação da barragem, com
finalidade de evitar o fenômeno de pipping que pode
ser catastrófico para a estrutura como um todo.
(Assis, 2003)

REFERÊNCIAS

Agaiby, S.W., Salem, A.M., Ahmed, S.M., 2017.


The first William Selim Hanna honor lecture from
Figura 12. Mapa de pedaços da barragem a jusante do failure to success: lessons from geotechnical
rompimento. failures. Innov. Infrastruct. Solut. 2, 35.
https://doi.org/10.1007/s41062-017-0091-6

Begnudelli, L., Sanders, B.F., 2007. Simulation of


the St. Francis Dam-Break Flood. J. Eng. Mech. 133,
1200–1212. https://doi.org/10.1061/(ASCE)0733-
9399(2007)133:11(1200)

L., Bonner, F. E., Corey, H. T., and Fowler, F. H.


1928. Rep. of the Commission Appointed by
Governor C.C. Young to Investigate the Causes
Figura 13. Maciço de concreto que permaneceu intacto Leading to the Failure of the St. Francis Dam near
mesmo após o rompimento da barragem. Saugus, California, California State Printing Office,
Sacramento, Calif.

Rogers, J.D., 1992. Reassessment St Francis Dam


Failure 29.
3. CONCLUSÃO
Rogers, J.D., 2005. Lessons Learned from the St.
Com o estudo de caso do rompimento da
Francis Dam Failure. University Of Missoury Rolla,
barragem de St. Francis na Califórnia pode-se
Department of Geotecnical Engineering.
entender a importância dos estudos geotécnicos para
a elaboração do projeto e determinação do tipo ideal Wiley, A. J., Louderback, G. D., Ransome, F.
de estrutura para as barragens. Quando a fundação é
apoiada em rochas de baixa resistência ou solos,

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